Decisão 40

Processo: 1002813-05.2016.8.26.0266

Recurso: Apelação

Relator: PENNA MACHADO

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 16 de julho de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – APELAÇÃO CÍVEL. Embargos de Terceiro - Penhora de Imóvel - Cessão de direitos contratuais não registrada e sem anuência do credor fiduciário - Insurgência que não prospera - Preliminares - Ilegi- timidade ativa “ad causam” - Não verificação - Atri- 168 buição indevida da posição no polo ativo ao credor fiduciário - Lide que versa sobre a posse do bem, e não propriedade - Pertinência subjetiva adequada entre a titularidade da pretensão e o pedido realizado, ao Jurisprudência - Direito Privado menos em abstrato - Inépcia da Inicial - Inocorrên- cia - Peça processual que preenche adequadamente os requisitos legais - Eventual insuficiência probatória que é matéria ligada ao mérito - Impugnação do va- lor dado à causa - Oposição apresentada em momen- to processual inoportuno - Mérito - Cessão do bem comprovadamente realizada antes do ajuizamento da Ação Executiva - Aplicabilidade da Súmula nº 84, do E. STJ, em relação a compromisso de compra e ven- da, em interpretação extensiva - Cessão formalizada em conjunto com Procuração Pública para tal fim - Má-fé dos adquirentes não comprovada - Inviabili- dade de exigir precaução dos compradores diante da ausência de qualquer registro público sobre a dívida da Executada Cedente junto à matricula do Imóvel - Questões ligadas à anuência do Agente Fiduciário em relação à cessão realizada que se mostram irre- levantes em face da defesa da posse pelos Autores - Provas de pagamento dos custos de manutenção do bem analisadas em conjunto com o amplo arcabouço probatório constituído pelos Autores a demonstrarem a posse e uso do Imóvel - Sentença mantida. Ratifica- ção, nos termos do artigo 252, do Regimento Interno. RECURSO NÃO PROVIDO.(TJSP; Apelação 1002813-05.2016.8.26.0266; Relator: PENNA MACHADO; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça; Data do Julgamento: 16 de julho de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V.U. Sustentou oralmente, o Dr. Eduardo Santos Cruz”, de conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão. (Voto nº 29.676) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CAR- LOS ABRÃO (Presidente sem voto), CÉSAR ZALAF e THIAGO DE SIQUEI- RA. São Paulo, 16 de julho de 2025. PENNA MACHADO, Relatora


Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. Embargos de Terceiro - Penhora de Imóvel - Cessão de direitos contratuais não registrada e sem anuência do credor fiduciário - Insurgência que não prospera - Preliminares - Ilegi- timidade ativa “ad causam” - Não verificação - Atri- 168 buição indevida da posição no polo ativo ao credor fiduciário - Lide que versa sobre a posse do bem, e não propriedade - Pertinência subjetiva adequada entre a titularidade da pretensão e o pedido realizado, ao Jurisprudência - Direito Privado menos em abstrato - Inépcia da Inicial - Inocorrên- cia - Peça processual que preenche adequadamente os requisitos legais - Eventual insuficiência probatória que é matéria ligada ao mérito - Impugnação do va- lor dado à causa - Oposição apresentada em momen- to processual inoportuno - Mérito - Cessão do bem comprovadamente realizada antes do ajuizamento da Ação Executiva - Aplicabilidade da Súmula nº 84, do E. STJ, em relação a compromisso de compra e ven- da, em interpretação extensiva - Cessão formalizada em conjunto com Procuração Pública para tal fim - Má-fé dos adquirentes não comprovada - Inviabili- dade de exigir precaução dos compradores diante da ausência de qualquer registro público sobre a dívida da Executada Cedente junto à matricula do Imóvel - Questões ligadas à anuência do Agente Fiduciário em relação à cessão realizada que se mostram irre- levantes em face da defesa da posse pelos Autores - Provas de pagamento dos custos de manutenção do bem analisadas em conjunto com o amplo arcabouço probatório constituído pelos Autores a demonstrarem a posse e uso do Imóvel - Sentença mantida. Ratifica- ção, nos termos do artigo 252, do Regimento Interno. RECURSO NÃO PROVIDO.





VOTO

Trata-se de Apelação interposta em face da r. Sentença de fls. 389/392, cujo relatório se adota, que julgou procedentes os pedidos contidos na Ação de “Embargos de Terceiro”, ajuizada por Ludymila Tatiana da Silva Abib de Melo e Ricardo Alexandre Abib de Melo, em face de “Polimov Construções Ltda.”, para reconhecer a validade da aquisição do Imóvel pelos Embargantes, determi- nando o cancelamento de eventual constrição judicial pleiteada pela Embargada sobre o bem objeto dos Autos, condenando a Empresa Ré ao pagamento das custas, despesas processuais, e honorários advocatícios fixados por equidade no valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais). Primeiramente, em face da r. Sentença, foram opostos Embargos de De- claração pela Empresa Requerida (fls. 396/400), respondidos às fls. 407/412, os quais foram conhecidos, porém não providos, na forma da r. Decisão de fls. 416/417. Inconformada, apela a Empresa Embargada (fls. 420/433), iniciando suas Jurisprudência - Direito Privado alegações com o breve retrospecto dos fatos processuais que entende relevantes, especialmente no que se refere ao resultado do julgamento realizado. Sequencialmente, em sede preliminar, aponta a ilegitimidade ativa dos Embargantes, dado que a cessão da posição contratual apontada não obteve a anuência do agente financeiro fiduciário responsável pelo financiamento do bem, e assim, a respectiva Instituição Financeira quem deveria compor o polo ativo da Demanda. Ainda em sede preliminar, alega a inépcia da petição inicial, dada a parca instrução probatória documental a compor a Exordial, atribuindo à causa valor muito abaixo do que deveria ser fixado. Quanto ao mérito recursal em si, destaca do efeito “inter partes” da even- tual cessão de posição contratual, a qual não consta com a anuência do Banco credor, tampouco foi registrado no competente Cartório de Registro de Imóveis, requisitos que, ao seu ver, seriam imprescindíveis para prestarem legitimidade a tal negócio jurídico, bem como sua oponibilidade a terceiros que não participa- ram da formalização do Contrato, e a concretizar a transferência da titularidade do Imóvel, na forma do artigo 1.245, do Código Civil Brasileiro e dos preceden- tes que colaciona. Segue nesta toada, repisando sucessivamente suas teses recursais, im- pugnando a prova documental apresentada, sem que cumprisse adequadamente com seus ônus processuais, na forma do artigo 373, inciso “I”, do Código de Processo Civil. Destaca a higidez de sua pretensão executiva, sendo possível o reconheci- mento da nulidade do negócio jurídico por simulação no bojo dos Autos, na for- ma dos precedentes que colaciona, seguida de exposição acerca dos elementos que entende comprovadores de tal conduta entre o Cedente e os Cessionários, especialmente diante dos protestos realizados, o que demonstra a intenção das Partes em fraudarem os credores da Executada original. Derradeiramente, pleiteia a inversão da condenação ao pagamento dos ônus sucumbenciais, com a aplicação do princípio da causalidade, dado que o ajuizamento da Ação decorreu do descumprimento da obrigação contratual dos Autores em procederem com o registro da cessão de direitos realizada. Por fim, requer o provimento do Recurso para a reforma da r. Sentença, com o final reconhecimento da improcedência dos pedidos realizados. Recurso processado regularmente, com apresentação das Contrarrazões (fls. 437/527). É o breve Relatório. Cuida-se de Ação de “Embargos de Terceiro”, ajuizada por Ludymila Ta- 170 tiana da Silva Abib de Melo e Ricardo Alexandre Abib de Melo, em face de “Polimov Construções Ltda.”, na qual os Autores alegam, em apertada síntese, serem os legítimos proprietários do Imóvel descrito na matrícula nº 231.426, do “CRI” da Cidade de Itanhaém/SP, o qual foi objeto de penhora no Feito Exe- Jurisprudência - Direito Privado cutivo nº 1002813-05.2016.8.26.0266, no qual a Ré persegue débito em nome de Daniele Ferreira Brandão, em razão da emissão de uma confissão de dívida. Todavia, afirma que o respectivo bem se encontra alienado fiduciariamen- te em favor da “Caixa Econômica Federal”, bem como que a Executada original procedeu com a cessão dos direitos em seu favor, razão pela qual pugna para que sejam reconhecidos como os legítimos possuidores e promitentes compra- dores do Imóvel, afastando-se a constrição que recaiu sobre aquele nos Autos principais. Respeitadas as razões do inconformismo exaradas, o Recurso não merece provimento. Primeiramente, quanto à ilegitimidade ativa, notoriamente tal tese não vinga. E tal se dá, pois, o objeto da presente Lide é a proteção da posse do Imó- vel, e não de sua propriedade, sendo certo que eventual pretensão da “CEF” seria lastreada em fundamento jurídico completamente diverso, bem como e do que consta nos Autos, aquela já se manifestou apresentando oposição ao leilão realizado. Desta forma, em análise abstrata da pretensão dos Autores em sua inten- ção de protegerem a alegada posse sobre o bem e inibir a constrição realizada sob o fundamento do Imóvel não mais compor o patrimônio da devedora origi- nal, facilmente se observa a pertinência subjetiva entre tal pretensão e a suposta titularidade do direito pleiteado, sendo certo que as demais questões elencadas sobre o tema devem ser analisadas junto ao mérito da Lide, dado que relativas a tal tópico. Na mesma ordem de ideias, não se vê a inépcia da petição inicial, da qual a análise da narrativa da causa de pedir leva a conclusão lógica dos pedidos rea- lizados, com adequada instrução dos documentos essenciais para a propositura da Demanda. Em verdade, novamente, a Apelante questiona a força probatória dos do- cumentos elencados, o que, como no tópico acima, se trata de matéria de mérito, também repetida nestas alegações da Recorrente sobre o tópico, e, como tal, será analisada naquele momento oportuno. Sem prejuízo, eventual impugnação ao valor dado a causa deveria ser apresentada em momento processual oportuno, o qual, certamente, não seria em preliminar de Recurso de Apelação, sendo assim inviável seu conhecimento nesta oportunidade. Quanto ao mérito recursal em si, a Insurgência não deve ser provida. Com efeito, de acordo com a Súmula nº 84, do Egrégio Superior de Jus- tiça, se o Compromisso de Compra e Venda Particular sem registro é suficiente a demonstrar a boa-fé dos promissários compradores, e inquinar a configuração Jurisprudência - Direito Privado de fraude à Execução, tal interpretação deve ser estendida com interpretação analógica de seus termos na hipótese vertente. E assim sendo, importante pontuar que esta Lide não debate a proprieda- de do bem, ou a sua transferência; e assim, questões relacionadas com a alie- nação fiduciária, a atuação do respectivo agente financeiro e o preenchimento dos requisitos do artigo 1.245, do Código Civil Brasileiro para a formalização da transmissão da respectiva propriedade, são matérias que não tem relevância ou influência para o presente Julgamento, dado que o cerne da Demanda se con- centra na proteção da posse do bem penhorado em favor dos Cessionários, bem como que não compõem mais o patrimônio da devedora original. Nesta senda, também irrelevante a ausência de anuência do Credor Fi- duciário acerca da cessão de direitos realizada, dado que tal tema não pode ser oposto pela Exequente, esta sim, Parte ilegítima a pleitear direito alheio (veda- ção e discordância à cessão), em nome próprio. E com base nas premissas retro, em especial a interpretação extensiva dos termos da Súmula nº 84, do Egrégio Superior de Justiça, e do que constou nos Autos, sem impugnação da Apelante, o Contrato de Cessão de Direitos, e a respectiva Procuração Pública lavrada para tal fim, são datados de 01 de março de 2.016, enquanto a Ação Executiva principal foi distribuída em 29 de junho de 2.016, ou seja, 03 (três) meses depois da formalização daquela Avença. Frisa-se, por importante, a lavratura de Procuração Pública para tal fim, a qual, como documento devidamente certificado e dotado de fé pública, presta extrema verossimilhança às alegações dos Apelados, acerca da transmissão pré- via dos direitos contratuais da Executada original em seu favor. Logo, inexistente qualquer restrição judicial ou registro de dívida junto à matrícula do respectivo Imóvel, com a data do Contrato anterior ao ajuizamento da Ação, presume-se como de boa-fé tal transação, e assim, não há que se falar em fraude à execução. No mesmo sentido, considerando que a má-fé deve ser provada, inexis- tem elementos nos Autos que demonstrem a intenção dos Autores em lesarem aos credores da Executada, ou a sua ciência acerca da possibilidade de eventuais dívidas protestadas levar a aquela à insolvência, relembrando que a comprova- ção do “consilium fraudis” é requisito essencial para a configuração de fraude a credores. Inclusive, destaca-se que a presunção de má-fé somente atinge os atos de transferência gratuita de bens entre parentes de grau próximo, o que, a princípio, não parece ser o caso dos Autos. Ainda nesta toada, também não há qualquer evidência de simulação na 172 formalização dos respectivo Contrato, especialmente diante das presunções prestadas pela lavratura de Procuração Pública para tal fim, sendo que, ainda que reduzidas, as contas de consumo apresentadas são suficientes no caso em tela a comprovarem a posse com “animus domini” dos Autores, dado que anali- Jurisprudência - Direito Privado sadas em caráter complementar em conjunto com o robusto conjunto probatório produzido e já mencionado à exaustão anteriormente. Logo, havendo efetivas provas que a transação foi realizada previamente ao próprio ajuizamento da Ação, quanto mais à citação da própria Executada, evidentemente, não era de se esperar que os Cessionários tivessem qualquer espécie de conhecimento acerca das dívidas que cercam a vida comercial coti- diana, especialmente de pessoas ligadas ao comércio, como os cedentes. Ainda nestes termos, há diversas provas dos pagamentos realizados pe- los adquirentes, em prova documental complementada com a colação de novos comprovantes da mesma natureza, por diversos anos, junto às contrarrazões apresentadas. Desta forma, seja por qual ângulo que se analise a presente Demanda, restando incontroverso que não houve qualquer registro prévio na matrícula do Imóvel a demonstrar a indisponibilidade do bem anteriormente à transação im- pugnada, bem como não comprovado qualquer indício mínimo de má-fé dos cessionários, não há como se reconhecer a fraude à execução, ou a nulidade da alienação realizada. Por fim, diante da resistência da Empresa Ré, natural que esta seja con- denada ao pagamento dos ônus sucumbenciais, sendo certo que sua tese de dis- tribuição sob a interpretação que propõe do princípio da causalidade somente incide quando o Exequente Embargante não oferece resistência a pretensão dos Embargantes nesta espécie de Ação. Sendo assim, não infirmadas as fundamentações de fato e de Direito ex- postas pelo D. Juiz “a quo”, infundadas as razões recursais, não há nada a re- parar na r. Sentença de Primeiro Grau acertadamente proferida, ratificando-se seu teor, conforme os termos do artigo 252 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça. Derradeiramente, restam as Partes devidamente advertidas nesta oportu- nidade que caso haja a interposição de incidentes recursais despropositados e de caráter meramente protelatório, com a mera repetição de teses recursais já analisadas, tal poderá ensejar a aplicação das multas processuais previstas nos artigos 80 e 1.026, §2º, do Código de Processo Civil. De qualquer modo, para viabilizar eventual acesso às vias extraordinária e especial, considero prequestionada toda matéria infraconstitucional e consti- tucional, observando o pacífico entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, tratando-se de prequestionamento, é desnecessária a cita- ção numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido decidida (AgInt no AREsp nº 888531/RS, Ministro Luís Felipe Salomão, DJ 15/03/2017). Pelo exposto, NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO, mantida Jurisprudência - Direito Privado na totalidade a r. Sentença proferida, majorando-se os honorários advocatícios sucumbenciais para o valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), nos termos do artigo 85, parágrafo 11º do Código de Processo Civil.