Decisão 44

Recurso: Apelação

Relator: RICARDO PESSOA DE MELLO BELLI

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 11 de agosto de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – Apelações - Serviços Bancários - Ação decla- ratória c.c. indenizatória - Golpe da falsa central de atendimento - Sentença de acolhimento parcial dos pedidos - Irresignações das corrés Visa e Mastercard parcialmente procedentes, improcedente a do réu Banco do Brasil. 1. Bem rejeitadas as preliminares de ilegitimidade passiva das bandeiras dos cartões, que são solidariamente responsáveis frente ao consumi- dor, por integrarem a cadeia de consumo (CDC, arts. 7º, parágrafo único, e 25, §1º). Quadro em que, com efeito, se vê nítida relação de parceria entre a institui- ção financeira emitente do cartão (Banco do Brasil) e as operadoras (Mastercard e Visa), tanto que os car- tões trazem as logomarcas do banco e da operadora, a evidenciar relação de nítida parceria de negócios frente ao consumidor. 1.1. Alegação de ilegitimidade passiva do Banco réu sem a menor consistência. Cir- cunstância de existir ou não responsabilidade civil da 301 instituição financeira, diante de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, representando tema de méri- to e, portanto, não guardando relação lógica com as Jurisprudência - Direito Privado chamadas condições da ação. 2. Aparato eletrônico colocado pelos bancos e outros grandes fornecedores à disposição dos clientes cuja finalidade maior é a de poupar gastos com a contratação de pessoal e de agili- zar os negócios realizados com a massa consumidora. Desarrazoado pretender carrear ao consumidor os riscos inerentes a operações assim realizadas, notada- mente em não havendo sistema de segurança eficiente para afastar ou minimizar o risco. Autora, senhora idosa e provavelmente pouco habituada a operações bancárias em ambiente virtual. Operações em análise que fugiam, por completo, ao perfil de uso dos servi- ços pela autora e, não obstante, não foram detectadas pelo sistema de segurança do banco. Hipótese em que os réus, ademais, apesar da imediata contestação das operações, realizadas com cartões de crédito, não se dignaram nem mesmo de instaurar o procedimento do chamado “chargeback”, para verificar a regulari- dade das operações junto aos beneficiários. Inequívo- ca a responsabilidade civil da instituição financeira e das bandeiras dos cartões nessas circunstâncias. Apli- cação da teoria do risco da atividade, expressa no art. 14 do CDC. Hipótese se enquadrando no enunciado da Súmula 479 do STJ. Acertado o acolhimento do pedido de declaração de inexigibilidade das opera- ções, com a consequente condenação dos réus a resti- tuir os valores debitados da conta corrente da autora e os encargos decorrentes da mora. 2.1. Observação, no entanto, de que a responsabilidade das operado- ras que representam as bandeiras dos cartões deverá ser limitada aos lançamentos constantes nas faturas de cada qual. 3. Dano moral caracterizado. Situação em que se há de considerar, de um lado, as angústias, as aflições, a perda de tempo e o desgaste experimen- tados pela autora, de outro, o descaso que lhe foi dis- pensado pelos réus. Caso em que tem aplicabilidade a chamada teoria do desvio produtivo do consumidor. Indenização arbitrada em primeiro grau, na impor- 302 tância de R$ 5.000,00, que se mostra satisfatória, não comportando a pretendida redução. 4. Arbitramento dos honorários impondo a incidência do critério do art. 85, § 2º do CPC. Aplicação da tese fixada no re- Jurisprudência - Direito Privado petitivo de que são paradigmas os REsps. 1.850.512/ SP, 1.877.883/SP, 1.906.623/SP e 1.906.618/SP (Tema 1.076). 5. Sentença parcialmente reformada, apenas para limitar a responsabilidade das operadoras que representam as bandeiras dos cartões de crédito. Res- ponsabilidade dessas personagens pelas verbas da su- cumbência fixadas em proporção às respectivas con- denações. Deram parcial provimento às apelações das opera- doras de cartão e negaram provimento à apelação do banco corréu.(TJSP; Relator: RICARDO PESSOA DE MELLO BELLI; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça; Data do Julgamento: 11 de agosto de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 19ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram parcial provimento às ape- lações das operadoras de cartão e negaram provimento à apelação do banco corréu, por votação unânime. Indicado para jurisprudência.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 51.244) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICAR- DO PESSOA DE MELLO BELLI (Presidente), CLÁUDIA GRIECO TABOSA PESSOA e JAIRO BRAZIL. São Paulo, 11 de agosto de 2025. RICARDO PESSOA DE MELLO BELLI, Relator


Ementa: Apelações - Serviços Bancários - Ação decla- ratória c.c. indenizatória - Golpe da falsa central de atendimento - Sentença de acolhimento parcial dos pedidos - Irresignações das corrés Visa e Mastercard parcialmente procedentes, improcedente a do réu Banco do Brasil. 1. Bem rejeitadas as preliminares de ilegitimidade passiva das bandeiras dos cartões, que são solidariamente responsáveis frente ao consumi- dor, por integrarem a cadeia de consumo (CDC, arts. 7º, parágrafo único, e 25, §1º). Quadro em que, com efeito, se vê nítida relação de parceria entre a institui- ção financeira emitente do cartão (Banco do Brasil) e as operadoras (Mastercard e Visa), tanto que os car- tões trazem as logomarcas do banco e da operadora, a evidenciar relação de nítida parceria de negócios frente ao consumidor. 1.1. Alegação de ilegitimidade passiva do Banco réu sem a menor consistência. Cir- cunstância de existir ou não responsabilidade civil da 301 instituição financeira, diante de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, representando tema de méri- to e, portanto, não guardando relação lógica com as Jurisprudência - Direito Privado chamadas condições da ação. 2. Aparato eletrônico colocado pelos bancos e outros grandes fornecedores à disposição dos clientes cuja finalidade maior é a de poupar gastos com a contratação de pessoal e de agili- zar os negócios realizados com a massa consumidora. Desarrazoado pretender carrear ao consumidor os riscos inerentes a operações assim realizadas, notada- mente em não havendo sistema de segurança eficiente para afastar ou minimizar o risco. Autora, senhora idosa e provavelmente pouco habituada a operações bancárias em ambiente virtual. Operações em análise que fugiam, por completo, ao perfil de uso dos servi- ços pela autora e, não obstante, não foram detectadas pelo sistema de segurança do banco. Hipótese em que os réus, ademais, apesar da imediata contestação das operações, realizadas com cartões de crédito, não se dignaram nem mesmo de instaurar o procedimento do chamado “chargeback”, para verificar a regulari- dade das operações junto aos beneficiários. Inequívo- ca a responsabilidade civil da instituição financeira e das bandeiras dos cartões nessas circunstâncias. Apli- cação da teoria do risco da atividade, expressa no art. 14 do CDC. Hipótese se enquadrando no enunciado da Súmula 479 do STJ. Acertado o acolhimento do pedido de declaração de inexigibilidade das opera- ções, com a consequente condenação dos réus a resti- tuir os valores debitados da conta corrente da autora e os encargos decorrentes da mora. 2.1. Observação, no entanto, de que a responsabilidade das operado- ras que representam as bandeiras dos cartões deverá ser limitada aos lançamentos constantes nas faturas de cada qual. 3. Dano moral caracterizado. Situação em que se há de considerar, de um lado, as angústias, as aflições, a perda de tempo e o desgaste experimen- tados pela autora, de outro, o descaso que lhe foi dis- pensado pelos réus. Caso em que tem aplicabilidade a chamada teoria do desvio produtivo do consumidor. Indenização arbitrada em primeiro grau, na impor- 302 tância de R$ 5.000,00, que se mostra satisfatória, não comportando a pretendida redução. 4. Arbitramento dos honorários impondo a incidência do critério do art. 85, § 2º do CPC. Aplicação da tese fixada no re- Jurisprudência - Direito Privado petitivo de que são paradigmas os REsps. 1.850.512/ SP, 1.877.883/SP, 1.906.623/SP e 1.906.618/SP (Tema 1.076). 5. Sentença parcialmente reformada, apenas para limitar a responsabilidade das operadoras que representam as bandeiras dos cartões de crédito. Res- ponsabilidade dessas personagens pelas verbas da su- cumbência fixadas em proporção às respectivas con- denações. Deram parcial provimento às apelações das opera- doras de cartão e negaram provimento à apelação do banco corréu.





VOTO

1. Trata-se de ação declaratória c.c. indenizatória proposta por MARIA IMACULADA DOS SANTOS VERGUEIRO em face de BANCO DO BRA- SIL S/A, MASTERCARD BRASIL SOLUÇÕES DE PAGAMENTO LTDA. e VISA DO BRASIL EMPREENDIMENTOS LTDA. Diz a autora, em síntese, que é cliente do réu Banco do Brasil e, no dia 26.3.24, recebeu ligação de suposto preposto deste último, informando que a conta da primeira havia sido acessada por terceiros, que tentaram liberar pontos livelo do cartão de crédito. Posteriormente, a autora foi surpreendida com inú- meras movimentações bancárias em sua conta, no valor total de R$ 138.680,00, além de pagamentos realizados com o cartão de crédito, totalizando a impor- tância de R$ 19.550,00. A autora então contestou o ocorrido perante o banco, fez lavrar boletim de ocorrência e trocou todas as suas senhas da conta e do cartão de crédito. Não obstante, em 8.4.24, a autora novamente foi surpreendida com movimentações em sua conta corrente e com seus dois cartões de crédito das bandeiras Visa e Mastercard. Afirma que as operações realizadas por meio da fraude totalizam a quantia de R$ 185.441,65. Donde a demanda, objetivan- do a declaração de inexigibilidade dos débitos impugnados, a determinação de cancelamento dos parcelamentos e a condenação dos réus a restituir os valores descontados a título de consectários legais e àqueles debitados da conta da au- tora, bem como ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 15.000,00. A r. sentença julgou a ação “procedente”, para condenar os réus, solida- riamente, (i) a restituir todos os valores debitados da conta corrente da autora, restabelecendo o fundo/aplicação sacado automaticamente; (ii) a restituir os ju- ros e encargos da mora cobrados em razão do uso do limite do cartão de crédito da autora, inclusive o parcelamento e os valores descontados a título de tributos; e (iii) ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5.000,00. Jurisprudência - Direito Privado Responsabilizou os réus pelas verbas da sucumbência, arbitrada a honorária em 10% sobre o valor atualizado da condenação (fls. 558/567). Apelam os réus. Como fundamentos da irresignação, diz a corré Mastercard, em síntese, que: (a) é parte ilegítima para figurar no polo passivo, uma vez que é o banco que administra o cartão e é o único responsável pelos lançamentos e cobrança de valores; (b) alternativamente, requer que a condenação seja apenas sobre os valores utilizados no cartão de crédito da bandeira Mastercard (R$ 19.550,00); e (c) não estão caracterizados os alegados danos morais (fls. 570/585). A corré Visa do Brasil também apela, argumentado, que: (a) é parte ile- gítima para figurar no polo passivo, uma vez não possui participação direta nos fatos narrados na petição inicial e atua como mera instituidora do arranjo de pagamentos; (b) no caso em exame, deve ser aplicada a excludente de responsa- bilidade, já que a autora forneceu seus dados aos estelionatários; (c) é incabível a condenação da apelante a restituir os valores que jamais recebeu; e (d) não estão caracterizados os alegados danos morais (fls. 594/616). De seu turno, o réu Banco do Brasil sustenta que: (a) é parte ilegítima para figurar no polo passivo, uma vez atuou apenas como intermediário finan- ceiro; (b) a cliente autora habilitou o celular por meio do qual foram realizadas as operações impugnadas; (c) o sistema do banco, antes da liberação do cadastro do celular, apresenta uma tela de alerta de fraude ao cliente, alertando-o para que não fotografe ou compartilhe o QRCode com terceiros; (d) após habilitar um dispositivo para QRCode, todas as operações passam a ser autorizadas com o celular habilitado para leitura do QRCode; (e) o banco não tem dever de fis- calização das operações realizadas por meio do cartão, com inserção de senha e dentro do limite de crédito do cliente; (f) no caso em exame, deve ser aplicada a excludente de responsabilidade, já que não houve falha na prestação de serviços do banco; (g) não houve violação à Lei Geral de Proteção de Dados; (h) indevi- da a condenação dos réus a restituir os valores debitados da conta da apelada e encargos de mora cobrados em razão da utilização do limite de crédito; (i) não estão caracterizados os alegados danos morais; (j) subsidiariamente, deve ser reduzido o valor da indenização arbitrada a esse título; (k) a inclusão do apelan- te no polo passivo da demanda revela tentativa de criar uma responsabilidade solidária não prevista em lei e sem base nos fatos; e (l) caso mantida a sentença, os honorários devem ser fixados segundo os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, diante da simplicidade da causa (fls. 619/646). 2. Recursos tempestivos (fls. 569/570, 594 e 619), preparados (fls. 586/587, 617/618 e 647/648) e respondidos (fls. 653/658, 659/665 e 666/675). 304 É o relatório do essencial, adotado o da r. sentença quanto ao mais. 3. Foram bem rejeitadas as preliminares de ilegitimidade passiva susci- tadas pelas apelantes corrés Visa e Mastercard, que representam a bandeira dos cartões. Jurisprudência - Direito Privado Observa-se a respeito que cartões de crédito trazem a logomarca tanto do banco, quanto da bandeira do cartão, a evidenciar situação de parceria de negó- cios destes personagens frente ao consumidor. Desse modo, uma vez que a Banco do Brasil e as bandeiras Visa e Mas- tercard integram a cadeia de consumo em análise, em situação de parceria em negócios a ambos lucrativos, é manifesto que as corrés Visa e Mastercard res- pondem solidariamente pelos danos oriundos da falha de serviços em questão, nos expressos termos do disposto nos arts. 7º, parágrafo único, 14 e 25, §1º, do CDC. 3.1. Quanto à preliminar de ilegitimidade passiva do apelante Banco do Brasil, anoto que, como fornecedor de serviços, responde a instituição finan- ceira, em tese, pelo dano experimentado pelos consumidores demandantes, nos termos do disposto no art. 14 do CDC. Se é que tal responsabilidade não existe no caso concreto, por derivar exclusivamente de culpa da vítima ou de fato de terceiro (§3º, II), o que se ad- mite apenas para argumentar, essa questão se refere, em realidade, ao mérito do litígio, não guardando nenhuma relação com as chamadas condições da ação. Mérito. 4. A respeito de situações como a dos autos, é de se ter em mente que os bancos disponibilizam grandioso aparato eletrônico para uso dos clientes no propósito maior de economizar custos com a manutenção de uma estrutura de serviços capaz de, com eficiência e agilidade e efetiva segurança, assistir o cliente em tais operações. Assim é que os bancos economizam com a contratação de funcionários, com o pagamento de adicional por quebra de caixa, com a manutenção de postos e agências etc., transferindo ao consumidor, sejamos francos, a realização de atividades que competiriam a tais instituições e respectivos prepostos. Se é assim e, apesar de boa parte da massa consumidora aderir a tais práticas, pela economia de tempo e de energia que acarretam, não é razoável, contudo, também transferir ao consumidor os riscos inerentes a tais serviços, quaisquer que sejam as respectivas causas. Há de existir um sistema verdadeiramente eficaz de segurança, concebi- do não apenas para a proteção do consumidor médio, afeito à era digital, mas, principalmente, do consumidor vulnerável, vale dizer, idosos, pessoas simples, iletradas etc. Afinal, todos esses indivíduos, como não poderia deixar de ser, são admitidos à contratação dos serviços bancários. Na situação dos autos, chama atenção, em especial, o fato de a apelada ser pessoa idosa, com 72 anos de idade à época dos fatos - e, portanto, presumivel- mente pouco habituada a operações bancárias no ambiente virtual. Bem é de ver que, no dia 26.3.24, foram realizadas operações na con- Jurisprudência - Direito Privado ta corrente da apelada nos valores de R$ 19.850,00 e R$ 20.000,00. No dia 27.3.24, houve resgate de fundo, seguido de transferências nas importâncias de R$ 49.850,00 e R$ 48.980,00. Em 31.3.24, a apelada fez lavrar boletim de ocorrência a respeito dos fatos, esclarecendo que esteve na agência bancária nos dias 27 e 28, mas que, em nenhum momento, foi informada de que teria que registrar uma ocorrência na delegacia. Por conseguinte, em 4.4.24, foram realizadas novas operações a crédito, nos valores de R$ 30.000,00 e R$ 19.479,38, seguidas de transferências nas importâncias de R$ 10.000,00, R$ 2.000,00, além de débitos decorrentes de pagamento de impostos (R$ 2.555,50), cobrança de juros (R$ 129,45) e IOF (R$ 4,39). Ainda, no dia seguinte, foram debitadas outras quantias a título de paga- mento de impostos (R$ 8.482,89, R$ 4.712,42, R$ 5.175,92 e R$ 1.630,70) e realizada uma transferência de R$ 12.000,00 (v. fls. 3/4). No cartão de crédito bandeira Mastercard foram lançados três pagamen- tos de tributos nos valores de R$ 8.450,59, R$ 4.644,67 e R$ 4.057,54. Já no cartão de crédito bandeira Visa, foram lançados pagamento de tributos e com- pras nas importâncias de R$ 8.586,11, R$ 7.289,75, R$ 3.223,18, R$ 1.922,31, R$ 2.360,64, e ao final, consta um parcelamento da quantia de R$ 26.816,62 (v. fl. 6). E a apelada fez lavrar novo boletim de ocorrência relatando que, mesmo após a abertura de procedimento administrativo perante o banco réu e troca de senhas, havia sido surpreendida com novas transações por ela não autorizadas (v. fls. 18/19). A respeito das operações com o uso de cartão de crédito e diante das inúmeras fraudes realizadas mediante a contrafação da maquininha do cartão, o mínimo que se esperava é que os apelantes, diante da contestação da apela- da, tivessem iniciado procedimento de verificação, o chamado “chargeback”, de modo a checar a regularidade das compras junto aos supostos credores das operações. Nada disso foi feito. As demais operações, pelo que se tem dos autos, fugiam por completo ao padrão de uso dos serviços pela apelada e, no entanto, o sistema de segurança do banco não detectou a anomalia. Em face desse cenário, tem plena incidência na espécie o disposto no art. 14 do CDC, a estabelecer a responsabilidade objetiva do fornecedor “pela repa- ração dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação 306 dos serviços” e a considerar defeituoso o serviço “quando não fornece a segu- rança que o consumidor dele pode esperar” (§1°), tendo em conta, entre outros fatores, “o modo de seu fornecimento” (inciso I). A hipótese, aliás, se encaixa no enunciado da recente Súmula 479 do STJ, Jurisprudência - Direito Privado a seguir reproduzido: “As instituições financeiras respondem objetivamente pe- los danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. Deveras, o só fato de o modo como prestados os serviços pelo banco apelante no meio digital apresentar risco para o cliente, sobretudo, insisto, para pessoas simples, iletradas e idosas, e de não haver um mecanismo capaz de afas- tar esse risco, é motivo para ensejar a responsabilidade civil dele, fornecedor. De toda sorte, como acima justificado, o quadro dos autos indica ter exis- tido falha no sistema de segurança da instituição financeira. Donde o acerto na proclamação de inexigibilidade das operações impug- nadas, com a consequente condenação dos réus à restituição dos valores debita- dos da conta da autora e dos encargos da mora. 5. Assinalo, no entanto, que não há como responsabilizar as apelantes que representam as bandeiras dos cartões pelas operações realizadas na conta corrente da apelada, já que não tem elas nenhuma ingerência sobre as movimen- tações bancárias desta última. Assim, a responsabilidade solidária das apelantes corrés Visa e Master- card deverá ser limitada às operações concretizadas no cartão de crédito da ban- deira de cada qual. 6. No que concerne aos danos morais, o episódio dos autos trouxe à ape- lada, senhora idosa, sofrimento íntimo digno de proteção jurídica, em decorrên- cia do longo caminho por ela percorrido para solucionar a questão, sem que os apelantes lhe tenham dedicado a necessária atenção. Com efeito, é evidente que a apelada experimentou desgaste, perda de tempo, angústias e aflições, ao não obter êxito na solução extrajudicial de seu justo reclamo, o que culminou com a lavratura de dois registros policiais e o ajuizamento desta demanda. Aplica-se a situações como a dos autos a chamada teoria do “Desvio Pro- dutivo do Consumidor”, sustentada pelo Ilustre advogado MARCOS DESSAU- NE, na obra de mesmo nome (Editora Revista dos Tribunais, 2011). Conforme o autor, “o desvio produtivo caracteriza-se quando o consu- midor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências - de uma atividade necessária ou por ele preferida - para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”. Assim, consoante os padrões utilizados por esta Turma Julgadora para hipóteses análogas, tenho que a indenização por danos morais arbitrada em pri- meiro grau, na importância de R$ 5.000,00, mostra-se satisfatória, sobretudo à luz da técnica do desestímulo. 7. Não procede a irresignação do banco apelante no tocante aos honorá- Jurisprudência - Direito Privado rios de sucumbência. O art. 85, §2º, do CPC é de meridiana clareza ao estabelecer que os hono- rários de sucumbência devem ser fixados “entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa”. E, como é sabido, o STJ fixou a tese de que a elevada expressão econô- mica da demanda não é justificativa para deixar de aplicar o critério do art. 85, §2º, do CPC (REsps 1.850.512/SP, 1.877.883/SP, 1.906.623/SP e 1.906.618/SP - Tema 1.076). Cuida-se de precedente obrigatório, consoante estabelece o art. 927, III, do CPC. 8. Em suma: a r. sentença será parcialmente reformada, apenas para li- mitar a responsabilidade solidária das corrés Visa e Mastercard às operações realizadas no cartão de crédito de cada qual. Em razão da solução que ora se atribui ao litígio, anoto que as verbas da sucumbência de responsabilidade das corrés Visa e Mastercard haverão de ser calculadas com base na condenação imposta a cada uma delas. Parcialmente providos os recursos das corrés, não é caso de arbitramento do acréscimo de honorários de que trata o art. 85, §11, do CPC (Tema 1.059 do STJ, REsps. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS). Improvido o recurso do Banco do Brasil, os honorários de sua responsabi- lidade são redimensionados para 12% sobre o valor da condenação, nos termos do mesmo dispositivo legal. Posto isso, meu voto dá parcial provimento às apelações das corrés Visa e Mastercard e nega provimento à apelação do Banco do Brasil.