Decisão 45

Recurso: Apelação

Relator: RODOLFO PELLIZARI

Ementa Técnica

APELAçãO – APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DO Jurisprudência - Direito Privado CONSUMIDOR – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – FRAUDES BANCÁRIAS – TRANSFERÊNCIAS NÃO RECONHECIDAS VIA PIX E TED – CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FRAUDULENTOS – RESPONSA- BILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINAN- CEIRA. 1. RESPONSABILIDADE CIVIL BANCÁRIA - Ins- tituição financeira que responde objetivamente pelos danos causados por fraudes perpetradas por terceiros no âmbito de operações bancárias, nos termos do arti- go 14 do CDC e Súmula 479 do STJ Fortuito - interno - Risco do empreendimento - Falha na prestação do serviço caracterizada pela ausência de sistemas de se- gurança eficazes para identificar transações atípicas. 2. ÔNUS PROBATÓRIO - Competia ao banco de- monstrar que as transações questionadas foram efe- tivamente realizadas pelo correntista ou que se confi- gurava caso de fortuito externo, nos termos do artigo 373, inciso II, do CPC - Encargo não cumprido pela instituição financeira - Mera habilitação biométrica anterior aos eventos fraudulentos não comprova au- torização das transferências subsequentes. 3. PERFIL DE MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIA - Transações fraudulentas que destoaram significati- vamente do padrão habitual de utilização da conta pelo autor, tanto pelos valores elevados quanto pelos destinatários desconhecidos - Sistema antifraude que falhou em identificar operações manifestamente in- compatíveis com o perfil do cliente - Negligência ca- racterizada. 4. AUSÊNCIA DE CULPA EXCLUSIVA DA VÍTI- MA - Tipificação penal de estelionato em boletim de ocorrência não implica que o autor tenha fornecido seus dados aos fraudadores - Inexistência de elemen- 97 tos probatórios que demonstrem participação ou con- corrência culposa da vítima para os eventos danosos. 5. DANOS MATERIAIS - Procedência do pedido de Jurisprudência - Direito Privado restituição integral dos valores indevidamente trans- feridos da conta bancária, excluindo-se apenas os montantes correspondentes aos contratos de emprés- timo anulados - Correção monetária desde o efetivo prejuízo e juros de mora desde a citação. 6. DANOS MORAIS - Configuração evidente diante da falha de segurança da instituição financeira e do impacto direto sobre o autor, que teve valores desti- nados à subsistência subtraídos - Majoração do quan- tum indenizatório de R$ 2.000,00 para R$ 5.000,00, observados os princípios da razoabilidade e propor- cionalidade - Correção monetária desde o arbitra- mento (Súmula 362, STJ) e juros de mora desde a citação. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO para conde- nar a instituição financeira à restituição integral das transferências fraudulentas não relacionadas aos con- tratos anulados e majorar a indenização por danos morais para R$ 5.000,00.(TJSP; Relator: RODOLFO PELLIZARI)

Voto / Fundamentação

, em 15ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justi- ça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 19.548) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ACHI- LE ALESINA (Presidente sem voto), CARLOS ORTIZ GOMES e VICENTINI BARROSO. 96 São Paulo, 24 de junho de 2025 RODOLFO PELLIZARI, Relator


Ementa: APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DO Jurisprudência - Direito Privado CONSUMIDOR – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – FRAUDES BANCÁRIAS – TRANSFERÊNCIAS NÃO RECONHECIDAS VIA PIX E TED – CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FRAUDULENTOS – RESPONSA- BILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINAN- CEIRA. 1. RESPONSABILIDADE CIVIL BANCÁRIA - Ins- tituição financeira que responde objetivamente pelos danos causados por fraudes perpetradas por terceiros no âmbito de operações bancárias, nos termos do arti- go 14 do CDC e Súmula 479 do STJ Fortuito - interno - Risco do empreendimento - Falha na prestação do serviço caracterizada pela ausência de sistemas de se- gurança eficazes para identificar transações atípicas. 2. ÔNUS PROBATÓRIO - Competia ao banco de- monstrar que as transações questionadas foram efe- tivamente realizadas pelo correntista ou que se confi- gurava caso de fortuito externo, nos termos do artigo 373, inciso II, do CPC - Encargo não cumprido pela instituição financeira - Mera habilitação biométrica anterior aos eventos fraudulentos não comprova au- torização das transferências subsequentes. 3. PERFIL DE MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIA - Transações fraudulentas que destoaram significati- vamente do padrão habitual de utilização da conta pelo autor, tanto pelos valores elevados quanto pelos destinatários desconhecidos - Sistema antifraude que falhou em identificar operações manifestamente in- compatíveis com o perfil do cliente - Negligência ca- racterizada. 4. AUSÊNCIA DE CULPA EXCLUSIVA DA VÍTI- MA - Tipificação penal de estelionato em boletim de ocorrência não implica que o autor tenha fornecido seus dados aos fraudadores - Inexistência de elemen- 97 tos probatórios que demonstrem participação ou con- corrência culposa da vítima para os eventos danosos. 5. DANOS MATERIAIS - Procedência do pedido de Jurisprudência - Direito Privado restituição integral dos valores indevidamente trans- feridos da conta bancária, excluindo-se apenas os montantes correspondentes aos contratos de emprés- timo anulados - Correção monetária desde o efetivo prejuízo e juros de mora desde a citação. 6. DANOS MORAIS - Configuração evidente diante da falha de segurança da instituição financeira e do impacto direto sobre o autor, que teve valores desti- nados à subsistência subtraídos - Majoração do quan- tum indenizatório de R$ 2.000,00 para R$ 5.000,00, observados os princípios da razoabilidade e propor- cionalidade - Correção monetária desde o arbitra- mento (Súmula 362, STJ) e juros de mora desde a citação. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO para conde- nar a instituição financeira à restituição integral das transferências fraudulentas não relacionadas aos con- tratos anulados e majorar a indenização por danos morais para R$ 5.000,00.





VOTO

Trata-se de apelação interposta pelo autor na “ação declaratória de ine- xistência de débito com pedido de repetição do indébito c/c indenização por da- nos morais e pedido de tutela de urgência” (sic), cujos pedidos foram JULGA- DOS PARCIALMENTE PROCEDENTES para: A) ANULAR os contratos de empréstimos realizados nos dias 29 e 30/08/2023, nos valores de R$ 8.000,00 (oito mil reais) e R$ 34.000,00 (trinta e quatro mil reais) (n. 651792153); b) CONDENAR o Banco Santander na restituição dos valores descontados refe- rentes aos empréstimos anulados no importe de R$ 2.532,03, devendo incidir correção monetária pela Tabela Prática do E. TJSP, desde os descontos, e juros de mora de 1% ao mês, desde a citação, bem como aqueles que foram descon- tados até a suspensão; e c) CONDENAR o Banco Santander no pagamento de indenização no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a título de danos morais, sobre o qual incidirá correção monetária nos termos da Tabela Prática do Tribu- nal do E. TJSP, a partir da data desta sentença (S. 362 do STJ), e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês (art. 406, CC c/c art. 161, §1º, CTN), a partir da re- tenção ilegal. Torno definitiva a tutela de urgência deferida. Ante a sucumbência recíproca, e nos termos do disposto nos artigos 85, § 14, “in fine”, e 86, “caput”, 98 ambos do CPC, a parte autora arcará com 50% (cinquenta por cento) e a parte requerida com 50% (cinquenta por cento) das custas e despesas processuais. Com base no artigo 85, § 2º, do CPC, condeno a parte autora a pagar honorá- rios advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) do que sucumbiu referente a Jurisprudência - Direito Privado devolução dos valores transferidos via PIX e TED, observada a gratuidade judi- ciária que deferida à parte autora (art. 98, §§ 2º e 3º, do CPC). Já os honorários devidos pela requerida, que ficou sucumbente em parte, fixo, por equidade, em R$ 1.400,00 (art. 85, § 8º, CPC), ante o baixo valor da condenação. Nos termos do § 16 do art. 85 do CPC, o valor dos honorários advocatícios será corrigido monetariamente a partir da data de prolação desta sentença e acrescidos de juros de mora legais de 1% (um por cento) ao mês a partir do trânsito em julgado. Irresignado, alega o autor que é pessoa de origem simples e ao perceber irregularidades em sua conta bancária, buscou orientações junto à instituição financeira, tendo registrado Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia da cidade de Artur Nogueira. O documento policial, segundo sua narrativa, classi- ficou os fatos como estelionato, porém, tal tipificação não vincula as alegações do Apelante, que desconhece os aspectos técnicos para a qualificação jurídica dos fatos. O Apelante sustenta que a sentença de origem incorreu em erro ao inter- pretar sua manifestação como confissão de que teria fornecido seus dados a ter- ceiros, caracterizando caso fortuito externo e isentando a instituição financeira de responsabilidade. Aponta que o bloqueio de seu chip telefônico e a posterior verificação de transações suspeitas em sua conta evidenciam que terceiros acessaram indevi- damente seus dados. Afirma que o banco não logrou êxito em comprovar que as operações foram realizadas pelo Apelante ou por sua conduta consciente, devendo ser re- conhecida a responsabilidade objetiva da instituição financeira, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Além disso, menciona falhas no sistema antifraude do banco, que deveria ter identificado a discrepância entre o padrão de movimentações habitual do Apelante e as transações realizadas entre 21/08/2023 e 05/09/2023. Aponta que o volume e os valores das operações realizadas nesse perío- do não condizem com a rotina de consumo do Recorrente, configurando grave omissão por parte do banco. Refere-se a precedentes deste Tribunal, que têm re- conhecido a necessidade de os bancos aperfeiçoarem seus sistemas de seguran- ça para evitar fraudes, reiterando que o aumento de ações judiciais relacionadas a situações semelhantes corrobora a insuficiência das medidas adotadas pelas instituições financeiras. Quanto ao valor fixado a título de danos morais, o Apelante argumenta que a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais) é irrisória diante dos prejuízos so- fridos, incluindo transações fraudulentas que totalizam R$ 42.000,00 (quarenta e dois mil reais) e outras operações que ultrapassam R$ 70.000,00 (setenta mil reais). Sustenta que o valor não atende aos objetivos compensatórios e pedagó- Jurisprudência - Direito Privado gicos da indenização e propõe sua majoração, considerando precedentes em ca- sos semelhantes, onde os danos morais foram arbitrados em montantes médios de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Assim, requer a reforma da sentença para que seja reconhecida a res- ponsabilidade objetiva do banco, com a condenação à devolução integral dos valores indevidamente movimentados e a majoração do valor fixado a título de danos morais, em conformidade com os precedentes mencionados e os princí- pios da razoabilidade e proporcionalidade. Recurso tempestivo, bem processado e contrariado às fls. 240/250). Oposição do autor ao julgamento virtual às fls. 255. É o relatório. Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito cumulada com pedido de repetição de indébito e indenização por danos morais, ajuizada por Celsino da Cruz Andrade em face do Banco Santander S.A. e do Banco Itaú Unibanco S.A., visando à declaração de nulidade de movimentações bancárias fraudulentas e de contratos de empréstimo consignado, além de indenização por prejuízos materiais e morais. O autor alegou ter sido vítima de fraude em sua conta bancária, ocorrendo diversas transações não autorizadas via PIX e TED, bem como a contratação indevida de dois empréstimos consignados, no valor total de R$ 42.000,00, du- rante o período em que seu aplicativo bancário esteve hackeado. Informou também que as transferências foram realizadas para terceiros desconhecidos e que as parcelas dos empréstimos fraudulentos continuaram sendo debitadas de seu benefício previdenciário, mesmo após a notificação ex- trajudicial à instituição financeira. O Banco Santander, em contestação, alegou inexistência de falha nos seus sistemas de segurança e sustentou que as transações e contratos questionados foram realizados mediante credenciais válidas, incluindo autenticação biométri- ca e validação de ID no aplicativo. Defendeu que o evento configurava fortuito externo, imputável exclusivamente a terceiros, e argumentou que o autor con- correu para o evento danoso. Requereu, assim, a improcedência dos pedidos. Pois bem. No caso em apreço, conforme entendimento consolidado, a responsabili- dade civil das instituições financeiras é objetiva, em conformidade com o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), bastando, para sua configura- ção, a demonstração do dano e do nexo causal entre a falha na prestação dos serviços e o prejuízo experimentado pelo consumidor. Em situações como a presente, em que há controvérsia sobre a autenti- 100 cidade de transações financeiras, incumbe ao banco requerido, que detém os meios técnicos e os mecanismos de segurança das operações, o ônus de com- provar que as movimentações questionadas foram efetivamente realizadas pela cliente, nos termos do artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC). Jurisprudência - Direito Privado Em que pese o entendimento do d. juiz singular, a tipificação penal de estelionato registrada no Boletim de Ocorrência de fls. 56 não implica, por si só, que o autor tenha fornecido seus dados aos golpistas, como sugerido na funda- mentação da r. sentença. Constou no referido Boletim de Ocorrência o seguinte: “A Polícia Civil do Estado de São Paulo, neste ato representada pela Autoridade Policial signatária, teve conhecimento por intermédio da vítima CELSINO DA CRUZ ANDRADE, relatando que foi acessar o aplicativo do Banco no seu celular e percebeu que havia várias transferências na sua conta. Segundo a vítima, foi até ao banco no dia de hoje e foi informado que haviam sido feitas várias transações via PIX e TED para os nomes PAULO CESAR GUARENTO e VAGNER ALEXANDRE ALKMIN D, além de uma contratação de um crédito consignado no valor de R$ 34.000,00 (trinta e quatro mil reais), totalizando aproximadamente R$ 78.000,00 (setenta e oito mil reais). Porém, relata a vítima que não perdeu cartão e que se trata de um golpe de esteliona- tário. Nada mais.” (fls. 56). Portanto, a conclusão de que o autor teria concorrido para a produção do dano material ou que a culpa seria exclusiva dele não encontra respaldo nas pro- vas dos autos, uma vez que as transações questionadas consistiram em diversas transferências realizadas para terceiros, sem qualquer indício de participação do autor da demanda. Cumpre ressaltar que cabia ao banco o ônus de comprovar de forma ine- quívoca que as transferências foram efetivamente realizadas pelo autor da ação ou que se tratava de um caso de fortuito externo. Tal encargo probatório não foi cumprido pela instituição financeira. Vale ainda destacar que as transações questionadas pelo autor destoaram significativamente do padrão de utilização habitual de sua conta bancária, tan- to pelos elevados valores envolvidos quanto pela identificação de destinatários desconhecidos. Segue o elenco das operações apontadas como suspeitas: 1. 21/08/2023 - Transferências PIX para Paulo Cesar Guarento, nos va- lores de R$ 989,65 e R$ 995,87, além de TED para Wagner Alexandre Alkimen de R$ 4.895,06. 2. 23/08/2023 - PIX para Paulo Cesar Guarento no valor de R$ 989,72. 3. 24/08/2023 - PIX para Paulo Cesar Guarento (R$ 480,90) e Marco Antonio Turete Inha (R$ 389,65). 4. 25/08/2023 - TED para Wagner Alexandre Alkimen (R$ 4.896,30), PIX para Paulo Cesar Guarento (R$ 995,40 e R$ 908,50) e Marco Antonio Tu- rete Inha (R$ 75,00). 5. 28/08/2023 - Diversas transferências PIX para Paulo Cesar Guarento, Jurisprudência - Direito Privado incluindo valores de R$ 4.988,56, R$ 4.563,00, R$ 180,00, R$ 158,60, e para Wagner Alexandre Alkimen (R$ 4.956,00 e R$ 15,00). 6. 29/08/2023 - TED para Wagner Alexandre Alkimen (R$ 9.856,30), além de PIX para Paulo Cesar Guarento nos valores de R$ 4.900,00 e R$ 125,00. 7. 31/08/2023 - Recarga telefônica para o número 11*****0100, no valor de R$ 50,00, com operadora TIM Brasil. 8. 01/09/2023 - PIX para Miguel Ribeiro Dantas (R$ 15,84) e Paulo Cesar Guarento (R$ 18,05). 9. 04/09/2023 - Transferências PIX para Paulo Cesar Guarento, com va- lores variados entre R$ 35,82 e R$ 196,52. 10. 05/09/2023 - Transferências não identificadas nos valores de R$ 20.000,00, R$ 500,00, e R$ 5.500,00. Total das transações suspeitas: R$ 72.337,61. Tais movimentações destoam do padrão habitual do autor, que realizava apenas pagamentos cotidianos e operações de valores modestos (fls. 28/47). As transferências não autorizadas, em sua maioria para destinatários desconhecidos e em valores elevados, evidenciam a discrepância e reforçam a alegação de frau- de apresentada pelo autor. Por outro lado, o argumento do banco em sua contestação de que a bio- metria utilizada na habilitação do celular do autor em 07/08/2023 comprovaria a responsabilidade do autor pelas transferências impugnadas não se sustenta. De fato, a selfie utilizada para a habilitação do dispositivo é autêntica, mas isso não estabelece qualquer vínculo direto entre o autor e as transações fraudulentas, que somente tiveram início em 21/08/2023, conforme comprovam os extratos bancários anexados às fls. 43. Além disso, é importante salientar que as movimentações não reconheci- das se mostraram completamente discrepantes do padrão habitual de utilização do autor, caracterizado por operações pontuais e de valores modestos, como in- dicado pelos extratos de janeiro e julho de 2023 (fls. 28 e 41, respectivamente). Entre os dias 21/08 e 05/09/2023, no entanto, o sistema antifraudes do banco falhou em identificar uma série de transações atípicas realizadas em sequência, com valores elevados e destinos desconhecidos, que destoam significativamente da rotina de uso do autor. Assim, a mera habilitação do celular do autor em data anterior aos eventos fraudulentos não comprova que ele tenha realizado, autorizado ou concorrido para a execução das transferências questionadas. Ao contrário, os indícios nos autos evidenciam a ocorrência de falhas no sistema de segurança da instituição financeira, que permitiu a realização de operações flagrantemente incompatíveis 102 com o perfil do autor. Dessa forma, não há como atribuir ao apelante a responsabilidade pelos danos decorrentes das fraudes perpetradas por terceiros. Importa ainda destacar que o simples fato de a fraude ter sido pratica- Jurisprudência - Direito Privado da por terceiro não exclui a responsabilidade do banco. Essa circunstância não afasta o dever da instituição financeira de garantir a segurança de seus serviços, sobretudo quando há falhas nos mecanismos que deveriam prevenir o prejuízo. A negligência em identificar transações manifestamente incompatíveis com o perfil do cliente caracteriza defeito na prestação do serviço, reforçando a responsabilidade objetiva da instituição financeira, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Por conseguinte, a ausência de comprovação de que a parte autora tenha realizado as transações impugnadas evidencia falha inequívoca na prestação do serviço, sujeitando a instituição ao dever de reparar os danos causados. E como cediço, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento sobre esta questão no REsp nº 1.199.782/PR, relatado pelo eminente Ministro Luis Felipe Salomão e julgado em 24/08/2011, recurso este que seguiu o rito dos recursos repetitivos previsto no art. 543-C do CPC/1973, atual art. 1.036 do NCPC: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGA- MENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILI- DADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSA- BILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREEN- DIMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos pra- ticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimen- to, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido.” (STJ; 2ª Seção; REsp nº 1.199.782/PR; Rel. Ministro Luis Felipe Salomão; jul- gado em 24/08/2011). Com efeito, assentou-se no teor do referido v. acórdão o seguinte posi- cionamento: “No caso de correntista de instituição bancária que é lesado por fraudes pra- ticadas por terceiros - hipótese, por exemplo, de cheque falsificado, cartão de crédito clonado, violação do sistema de dados do banco - a responsabi- lidade do fornecedor decorre, evidentemente, de uma violação a um dever contratualmente assumido, de gerir com segurança as movimentações ban- cárias de seus clientes. Ocorrendo algum desses fatos do serviço, há respon- sabilidade objetiva da instituição financeira, porquanto o serviço prestado foi defeituoso e a pecha acarretou dano ao consumidor direto.”. A tese encontra-se sedimentada com a edição da Súmula nº 479 pelo STJ, de seguinte redação: “As instituições financeiras respondem objetivamente pe- los danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. Jurisprudência - Direito Privado Nesse sentido, essa egrégia 15ª Câmara de Direito Privado já se manifes- tou: AÇÃO DECLARATÓRIA E INDENIZATÓRIA - Transações não reconheci- das - Golpe da Central de Atendimento - Sentença de parcial procedência com reconhecimento de culpa concorrente - Recurso de ambas as partes. RESPON- SABILIDADE CIVIL - Incontroverso que a autora recebeu ligação de número oficial e legítimo da Central de Atendimento do Banco do Brasil e o suposto preposto do réu passou orientações para a autora, diante da evidência de aces- so indevido em sua conta corrente - Autora que seguiu as orientações, se diri- gindo até o caixa eletrônico e realizando os comandos orientados pelo suposto funcionário, no intuito de cancelar empréstimos realizados - Após, constatou-se diversas transações financeiras realizadas em sua conta bancária, sem qualquer autorização, incluindo empréstimos e pagamentos de impostos - Movimentação bancária destoa do perfil de consumo da autora - Imprescindível na espé- cie o bloqueio preventivo das movimentações atípicas pelo Banco réu, com a liberação de questionadas operações tão somente após consulta formal e autorização do correntista, o que não ocorreu - Falha na prestação de servi- ço - Responsabilidade objetiva - Súmula 479 do STJ - Artigo 927, parágrafo único, do Código Civil - Sentença reformada para afastar a culpa concorrente. DISCIPLINA DA SUCUMBENCIA - Revista. DISPOSITIVO - Recurso da au- tora provido e Recurso do réu não provido. (TJSP; Apelação Cível 1000474- 10.2023.8.26.0240; Relator (a): Achile Alesina; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro de Iepê - Vara Única; Data do Julgamento: 16/08/2024; Data de Registro: 19/08/2024). RECURSO - Conhecimento - Presença dos pressupostos do art. 1.010, II a IV, do CPC. DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO E INDE- NIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - Fraude bancária - Golpe da falsa central telefônica - Autora que permitiu transações bancárias por terceiro fraudador - Operações, contudo, que fogem do perfil financeiro da consumidora - Má prestação de serviços caracterizada - Responsabilidade objetiva do Banco (art. 14, CDC) - Devolução dos valores mantida - Dano moral não configurado - Consumidora que concorreu para o evento - Indeniza- ção afastada - Recurso parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1006210- 35.2022.8.26.0663; Relator (a): Vicentini Barroso; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro de Votorantim - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/08/2024; Data de Registro: 06/08/2024). Apelação. Ação indenizatória. Falha na prestação de serviços bancários. Golpe da falsa central telefônica. Sentença de improcedência. Recurso da parte autora. 1. Responsabilidade civil. Instituição financeira. Fraude bancária. Cliente lesado por golpe perpetrado mediante ligação telefônica, aparentemente originada de telefone comercial da ré, por suposto funcionário com conhecimento de dados sigilosos da conta. Transferência de valores, via Pix para terceiro, e contra- 104 tação de empréstimo em valor significativo, operações destoantes do perfil do autor. Responsabilidade objetiva da instituição financeira por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias (Súmula 479 do STJ). Falha na prestação do serviço (art. Jurisprudência - Direito Privado 14, § 1º do CDC). Fragilidade do sistema de segurança de preservação dos da- dos pessoais do cliente e de informações de seu sistema, bem como em relação à eficaz verificação de operações que destoam do perfil de uso da parte autora. Operações inexigíveis em relação ao autor, com a restituição de valores descon- tados de sua conta, a fim de que as partes retornem ao “status quo ante”. 2. Dano moral demonstrado. Autor suportou o desvio de valores de sua conta bancária, destinados ao seu sustento, além do desvio produtivo de suas funções, diante das tentativas inexitosas de resolução do impasse administrativamente. Valor ar- bitrado em R$ 5.000,00, em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como com os precedentes desta Câmara. 3. Sentença reformada para julgar a ação parcialmente procedente, declarando-se a nulidade da transferência via Pix, no valor de R$ 6.000,00, além do empréstimo no va- lor de R$ 7.500,00 (seguido por transferência via Pix), restituindo-se quaisquer valores subtraídos da conta bancária do autor, decorrentes de tal fraude, com acréscimo de correção monetária desde os desembolsos e de juros moratórios de 1% ao mês desde a citação, compensando-se o valor singelo recuperado pela ré (fls. 179), condenando-se a ré, ainda, ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 5.000,00, acrescidos de correção monetária desde a publi- cação do presente acórdão e de juros moratórios de 1% ao mês desde a citação. Verbas sucumbenciais atribuídas à ré, por ter decaído quase que integralmente na demanda. Recurso parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1030617- 10.2023.8.26.0554; Relator (a): Elói Estevão Troly; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santo André - 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/06/2024; Data de Registro: 28/06/2024). Portanto, o valor dos contratos anulados deve ser subtraído do total das transferências efetuadas pelos fraudadores, e as demais transferências de va- lores que o autor já possuía em sua conta corrente integralmente ressarcidas a ele, não havendo, no caso, qualquer elemento que comprove culpa exclusiva da vítima, como consignado de forma equivocada na r. sentença. Quanto ao dano moral, restou demonstrada a falha de segurança por parte da instituição financeira, evidenciada não apenas na realização dos emprésti- mos irregulares, mas também nas transferências bancárias que se mostraram completamente destoantes do perfil de utilização habitual do autor, conforme anteriormente exposto. O dano moral, ademais, não se restringe aos transtornos oriundos da falha no sistema de segurança do banco, mas também abrange o impacto direto e sig- nificativo sobre o autor, que teve valores destinados à sua subsistência subtraí- dos, gerando angústia e insegurança incompatíveis com a relação de confiança esperada entre cliente e instituição financeira. Aliás, o dano moral ocorre até por situações menos gravosas, conforme se depreende do teor das Súmulas do Superior Tribunal de Justiça nºs. 388 (“A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral”) e 370 (“Ca- racteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado”). Jurisprudência - Direito Privado No que tange ao quantum indenizatório, Flavio Tartuce1, ao abordar a forma de sua fixação, diz que o magistrado, agindo com equidade, deve obser- var quatro critérios para o estabelecimento de seu valor: (i) a extensão do dano; (ii) as condições socioeconômicas e culturais dos envolvidos; (iii) as condições psicológicas das partes e (iv) o grau de culpa do agente, de terceiro ou da vítima. Para ele, tais critérios “podem ser retirados dos arts. 944 e 945 do CC, bem como do entendimento dominante, particularmente do Superior Tribunal de Justiça.” Assim, considerando esses critérios, a gravidade da conduta e a condição econômica das partes, conclui-se que a quantia de R$ 25.000,00 não atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, devendo ser majorada para R$ 5.000,00, valor frequentemente fixado por esta E. 15ª Câmara de Direito Priva- do. Esse montante é adequado para compensar os danos sofridos pela parte autora e para impor um caráter punitivo a instituição financeira requerida, sendo suficiente para evitar futuras violações ao dever de cuidado, especialmente no que se refere à segurança das transações financeiras. Por fim, todos os valores devem ser corrigidos monetariamente pela ta- bela prática do TJSP desde o efetivo prejuízo (Súmula 43, STJ), ou seja, do desembolso; e acrescidos de juros de mora mensais à razão de 1% ao mês desde a citação, tudo até 29.08.24; a partir de 30.08.24, salvo estipulação em contrário, incidirá como índice de correção o IPCA (art. 389, parágrafo único, CC), e ainda a taxa legal estabelecida no art. 406, § 1º, CC, deduzido o índice de atualização monetária. Quanto à indenização pelo dano moral, a quantia deve ser devida- mente corrigida a partir da data do arbitramento (Súmula 362, STJ), pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, CC), e acrescida de juros de mora mensais à razão de 1% ao mês desde a citação até 29.08.24, a partir de 30.08.24 incidirão juros mensais fixados na taxa legal estabelecida no art. 406, § 1º, CC, deduzido o ín- dice de atualização monetária. Postas tais premissas, por meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso de apelação para condenar o banco a restituir todas as prestações pagas decor- rentes dos contratos anulados, como consignado na r. sentença, e também das transferências irregulares de valores que não decorreram dos contratos de em- préstimos anulados, bem como majorar o valor do dano moral para R$ 5.000,00, com correção monetária desde o arbitramento, nos termos da Súmula 362 do STJ: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”. 1 Tartuce, Flávio. Manual de direito civil: volume único / Flávio Tartuce. 6. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. 106 Afastada a sucumbência recíproca, arcará o banco com as custas e hono- rários advocatícios, que ficam arbitrados em 10% sobre o valor da condenação. Para que não se alegue cerceamento do direito de recorrer, dou por pre- questionados todos os dispositivos legais referidos na fase recursal, bastando Jurisprudência - Direito Privado que as questões tenham sido enfrentadas e solucionadas no voto, como ocorreu, pois “desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais” (STJ EDCL. No RMS 18.205/SP, Rel. Min. Felix Fischer, j. 18.04.2006).