Decisão 5

Processo: 1067416-69.2017.8.26.0002

Recurso: Apelação

Relator: ANTONIO NASCIMENTO

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 9 de junho de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – APELAÇÃO CÍVEL - SEGURO FACUL- TATIVO DE VEÍCULO - AÇÃO DE COBRANÇA - ARGUIÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA - Rejeição - RECUSA DE PAGAMENTO DA INDENI- ZAÇÃO POR SUPOSTA PARTICIPAÇÃO DO SE- GURADO EM FRAUDE - Violação aos ditames do Cód. de Defesa do Consumidor, que se aplica ao caso concreto, notadamente a inversão do ônus da prova - Alegação de fraude não comprovada - Comunicação de furto do veículo não ilidida pela seguradora - Inde- nização devida - Correção monetária segundo índice eleito contratualmente e juros moratórios legais - Pos- sibilidade de compensação do valor da franquia com o saldo da indenização - Sentença mantida, com ma- joração dos honorários advocatícios para 15% sobre a condenação atualizada - PRELIMINAR REJEITA- DA - RECURSO DESPROVIDO, com observação.(TJSP; Apelação 1067416-69.2017.8.26.0002; Relator: ANTONIO NASCIMENTO; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça; Data do Julgamento: 9 de junho de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Rejeitada a preliminar, negaram pro- vimento ao recurso, com observação, por V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 42.247) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GOMES VARJÃO (Presidente sem voto), RÔMOLO RUSSO e L.G. COSTA WAGNER. São Paulo, 9 de junho de 2025. ANTONIO NASCIMENTO, Relator


Ementa: APELAÇÃO CÍVEL - SEGURO FACUL- TATIVO DE VEÍCULO - AÇÃO DE COBRANÇA - ARGUIÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA - Rejeição - RECUSA DE PAGAMENTO DA INDENI- ZAÇÃO POR SUPOSTA PARTICIPAÇÃO DO SE- GURADO EM FRAUDE - Violação aos ditames do Cód. de Defesa do Consumidor, que se aplica ao caso concreto, notadamente a inversão do ônus da prova - Alegação de fraude não comprovada - Comunicação de furto do veículo não ilidida pela seguradora - Inde- nização devida - Correção monetária segundo índice eleito contratualmente e juros moratórios legais - Pos- sibilidade de compensação do valor da franquia com o saldo da indenização - Sentença mantida, com ma- joração dos honorários advocatícios para 15% sobre a condenação atualizada - PRELIMINAR REJEITA- DA - RECURSO DESPROVIDO, com observação.





VOTO

A sentença, de fls. 255/258, agregada pela decisão que rejeitou os embar- gos de declaração (fls. 271), julgou procedente a ação de cobrança, ajuizada por Leandro Rabelo de Holanda contra Mapfre Seguros Gerais S.A, “para condenar a parte requerida a pagar à parte autora o valor referente ao preço médio atribuído pela tabela FIPE ao veículo na data do aviso do sinistro à seguradora requerida, tudo devidamente corrigido desde a data do evento, e mais juros de 1% ao mês desde a data da negativa administrativa. Frisa-se que a partir de 30/08/2024, nos moldes do artigo 406 do Código Civil, com nova redação dada pela Lei nº 14.905/2024, deverá ser aplicado o IPCA para a correção monetária e, em relação aos juros moratórios, a taxa legal (SELIC menos IPCA). Desconsiderando-se eventuais juros negativos, conforme artigos Jurisprudência - Direito Privado 389, caput e parágrafo único e 406, do Código Civil”. Após, em decorrência da sucumbência, condenou “a parte autora arcará com as custas e as despesas processuais, ressarcindo as suportadas pelas requeridas, e pagará honorários advocatícios de sucumbência para cada uma que, nos moldes do art. 85, §2º do Código de Processo Civil, arbitro em 10% do valor atualizado da causa”. Inconformada, a seguradora vencida interpôs recurso de apelação a fls. 274/298, arguindo, preliminarmente, cerceamento de defesa em razão do julga- mento antecipado da lide. No mérito, sustentou a inaplicabilidade do Cód. de Defesa do Consumidor à relação de direito material entre as partes, notadamente a inversão do ônus da prova. No mérito, sustentou a legitimidade da recusa de pagamento da indenização fundada nas cláusulas contratuais, pois apurada frau- de na comunicação de furto do veículo segurado. Subsidiariamente, postulou a fixação da indenização segundo as cláusulas contratuais, o desconto da franquia e a induvidosa fixação da correção monetária e dos juros moratórios, com pre- valência do que foi contratado. Finalmente, postulou a fixação de honorários advocatícios no patamar mínimo de 10% sobre o valor da condenação. Taxa judiciária a fls. 299/300. Contrarrazões a fls. 603/613. Recebe-se o recurso no efeito legal, pois preenchidos os requisitos de admissibilidade. É o relatório. Cuidam os autos de ação de cobrança, fundada em seguro de veícu- lo, que Leandro Rabelo de Holanda ajuizou contra Mapfre Seguros Gerais S.A, narrando a petição inicial que o autor mantinha seguro do veículo marca Renault, modelo Captur Life 1.6, ano 2019, placas RWL 8I66, com vigência de 30/9/2023 a 30/9/2024. Porém, em 31/5/2024 o veículo foi furtado na Rua Berlim, 244, Santo André/SP, onde o autor havia estacionado, e embora a se- guradora tenha sido comunicada do fato, em 15/8/2024, negou o pagamento da indenização, razão do ajuizamento da ação visando a compelir a requerida a lhe pagar a quantia de R$ 73.211,00, segundo a Tabela Fipe da época do sinistro, com correção monetária e juros de mora. Afasta-se, inicialmente, a alegação de nulidade da sentença em decorrên- cia do julgamento antecipado da lide. Isto porque, o juiz é o destinatário da prova. Cabe-lhe, mercê da dicção do art. 370 do CPC, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou mera- mente protelatórias. Logo, a iniciativa do magistrado a quo de prestar, definiti- vamente, a tutela jurisdicional, sem determinar a produção de outras provas, não consubstancia cerceamento de defesa. A propósito, leciona Cássio Scarpinella Bueno: “A fórmula adotada pelo novo CPC é, inegavelmente, mais com- pleta e preferível que a do art. 436 do CPC de 1973, sendo pertinen- te também a expressa remissão ao art. 371, que permite ao magistrado apreciar a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido (princípio da aquisição da prova), indicando na deci- são as razões da formação de seu convencimento.”1 Importante destacar, ainda dentro de tal ordem de ideias, que o Tema 437 do STJ deixa assente que não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, ante os elementos documentais suficientes. Quanto ao tema de fundo, sem razão a seguradora. O Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal 8.078/90) estende seu senhorio sobre a situação retratada nos autos. E, por força do primado da lei consumerista, imperam como diretrizes para a atuação da lei ao caso concreto alguns princípios basilares, dentre os quais se evidencia aquele concernente à inversão do ônus da prova. Consoante a sentença, que merece ser placitada: “A parte requerida não comprova o descumprimento das cláusu- las do seguro pela parte autora conforme alegado em fl. 63 e não traz o procedimento administrativo de abertura de sinistro. Ademais, a argu- mentação da contestação a respeito da adulteração da documentação do veículo não tem comprovação nos autos. A parte autora comprova em fls. 234/235 que seu veículo não consta no processo criminal apontado pela parte requerida sobre fraude de emissão de laudos de veículos. Enfim, as provas coligidas pela parte requerida não comprovam qualquer envolvimento do segurado em fraude contra a seguradora. Ao contrário, a prova demonstra que a seguradora aceitou o seguro do veí- culo e o pagamento do prêmio. Estranho que agora pretenda recusar o pagamento de indenização alegando que tem dúvidas sobre a real ocor- rência dos fatos, dizendo que há divergências nas causas e consequên- 1 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 319. cias do evento e ocorrência de fraude. Portanto, uma vez celebrado o contrato, a real e legítima expectativa do segurado é a de que, ocorrido o sinistro (a saber, a concretização do risco), a seguradora promoverá o pagamento da indenização ou do capital segurado. Jurisprudência - Direito Privado Uma vez firmada tal premissa, no caso ora em apreço, verifica- se que, notadamente diante da prova documental, a parte autora cele- brou contrato de seguro de veículo com a parte requerida com cober- tura para furto (fls. 13). O veículo segurado da parte autora foi furtado em 31/05/2024, conforme relatado no boletim de ocorrência (fls. 22/24). Conforme estabelecido no instrumento de contrato de seguro do automó- vel, o valor atribuído ao carro deve ser o preço médio da Tabela FIPE da data do aviso do sinistro à parte requerida, no presente caso em maio de 2024. Por conseguinte, é devido o pagamento à parte autora da in- denização securitária do carro levando em consideração o preço médio atribuído pela tabela FIPE ao veículo na data do aviso do sinistro à seguradora requerida.” Com efeito, não existe qualquer elemento nos autos que sugira a partici- pação do autor em alguma fraude ao seguro, sendo de todo frágil a alegação de que comerciantes da região onde ocorreu o delito não se lembram de tal evento, ou que a pessoa ligada à empresa que fez a vistoria do veículo por ocasião da transferência sofreu processo criminal. Vale anotar que a doutrina elenca serem três as funções da boa-fé ob- jetiva: regra de interpretação dos negócios jurídicos (art. 113 do Cód. Civil); integração das fontes e deveres anexos dos contratos (CC, art. 422); e controle/ limite ao exercício dos direitos subjetivos (art. 187 do C. Civil). E neste último aspecto, a cláusula geral de boa-fé representa um padrão ético de confiança e lealdade contratual, sobretudo em direção ao atendimento da função social do negócio jurídico, visando, ainda, à vedação ao enriquecimento sem causa (C. Civil, art. 884). O princípio da boa-fé objetiva, comum a todas as relações jurídicas, exi- ge que a parte observe em suas ações os deveres de cuidado em relação à outra parte, de respeito, de informação, de acordo coma confiança depositada, de leal- dade, de cooperação, de honestidade e de razoabilidade e equidade. É exatamente nessa direção que sinaliza a dicção do art. 765 do Cód. Civil. Ainda, nos termos do art. 771 do Cód. Civil, “sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências.” Mais uma vez, presume-se a boa-fé do segurado na comunicação do si- nistro, sobretudo porque não se há como estipular previamente o prazo razoável para a comunicação do sinistro, e ao que tudo indica, foi comunicado imedia tamente. É pacífico o entendimento jurisprudencial de que somente condutas que geram grande risco, evidenciando dolo ou má-fé do contratante, é que afastam o dever de cobertura, haja vista o caráter objetivo da responsabilização, fundada no risco contratual. Deveras, não é essa a situação dos autos. Deve ser mantida, portanto, a condenação da apelante ao pagamento da indenização securitária, nos termos contratados, sendo inadmissível a negativa apresentada, inclusive porque devidamente comprovado nos autos o pagamento do prêmio pelo segurado. E a indenização deve ser fixada com base no valor previsto na Tabela FIPE no mês em que ocorreu o sinistro, conforme determina o artigo 7º, § 2º, da Circular nº 269/2004, da SUSEP.2 Em hipótese semelhante, assim já decidiu este Egrégio Tribunal de Jus- tiça: “APELAÇÃO - AÇÃO DE COBRANÇA - SEGURO FACUL- TATIVO DE VEÍCULO - DEVER DE INDENIZAR - Negativa da seguradora fundada no fato de que, após o furto, a segurada não acionou imediatamente o rastreador. Apólice na qual não constam os dados da empresa de segurança. Comunicação do sinistro à seguradora no dia seguinte que se justifica pela dificuldade em registrar o boletim de ocor- rência. Demora, ademais, que não se mostra desproporcional. Ausência de má-fé ou intuito de fraude da segurada capaz de afastar seu direito à indenização. Cobertura securitária devida. Indenização deve correspon- der ao valor do veículo previsto na Tabela FIPE na data do acidente, com correção monetária desde então. Art. 7º, § 2º, da Circular nº 269/2004, da SUSEP. Os juros de mora devem ser contados da citação. Acolhido o pedido de indenização, se faz necessária a entrega dos documentos correspondentes. Bem que deverá estar livre e desembaraçado de multas e demais débitos até a data do furto, sendo facultado o desconto de even- tual débito da indenização, se o caso. Recurso parcialmente provido.”3 Há de se observar, na liquidação do julgado, que se fará por simples cál- Jurisprudência - Direito Privado culo aritmético, a correção monetária segundo o índice convencionado (IPCA/ IBGE, ou no caso de sua extinção o IGP-M/FGV - cláusula 24, fls. 102 das condições gerais do seguro), desde a data do sinistro até o efetivo pagamento. Os juros moratórios, como não foram convencionados, devem observar o disposto na sentença, inclusive em relação ao art. 406 do Cód. Civil, com a nova 2 “Art. 7º Será caracterizada a indenização integral quando os prejuízos resultantes de um mesmo sinistro, a ngirem ou ultrapassarem a quan a apurada a par r da aplicação de percentual previamente deter- minado sobre o valor contratado. (...) § 2º - Na modalidade de cobertura de “valor de mercado referenciado”, o valor a que se refere o caput deste artigo corresponde ao de cotação do veículo segurado, de acordo com a tabela de referência contratualmente estabelecida e em vigor na data do aviso do sinistro, multiplicado pelo fator de ajuste”. 3 TJSP - 25ª Câmara de Direito Privado - Apelação nº 1067416-69.2017.8.26.0002 - Rel. Des. Hugo Crepaldi - J. 27/09/2018. 4 redação que lhe foi dada pela Lei Federal 14.905/2024. 5 De rigor, portanto, a manutenção da r. sentença, inclusive com majoração dos honorários advocatícios da parte adversa, estes fixados em 15% sobre o total da condenação (art. 85, § 11, do CPC). 6 Anote-se, nesta oportunidade, que a seguradora faz jus ao valor da fran- quia contratada, que poderá ser deduzida do valor da condenação. 7 Postas estas premissas, rejeitada a preliminar, nega-se provimento ao recurso, com observação, nos termos acima enunciados. Rua Calixto de Almeida, 225 . Freg. do Ó - São Paulo - SP - CEP: 02961-000 email: juridico@advocaciafcruz.com.br / paulo@fcruzadv.com.br / alexandre@fcruzadv.com.br www.advocaciafcruz.com.br | (11) 3977-9522 – (11) 98755-6900