Decisão 52

Processo: 1001437-38.2020.8.26.0526

Recurso: Apelação

Relator: MARCO FÁBIO MORSELLO

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 24 de julho de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGI- BILIDADE DE DÉBITO, CUMULADA COM PE- DIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – Sentença de parcial procedência – “Golpe do bo- leto falso”– Irresignação da corré Frivam Alimentos Ltda. – Preliminares de inépcia da inicial e sentença ultra petita afastadas – Inteligência do art. 332, §2º, do Código de Processo Civil – Ausência de prejuízos ao exercício do direito de defesa pelas rés – Mérito – Conjunto fático - probatório que corrobora a nar- rativa da autora, no sentido de que o boleto falso foi entregue por preposto da ré – Aplicação dos artigos 932, inc. III, e 933 do Código Civil – Responsabilidade objetiva da ré – Inocorrência de causas excludentes de responsabilidade – Declaração de quitação da dí- vida e determinação do cancelamento do protesto que eram impositivos – Dano moral decorrente da negati- vação indevida que se configura in re ipsa – Indeniza- ção fixada em R$ 5.000,00 que não comporta redução, consoante os princípios da proporcionalidade e razoa- bilidade – Necessidade de redução do percentual fixa- 225 do em relação aos honorários de sucumbência – Natu- reza da causa que não justifica a fixação no percentual máximo de 20% - Sentença parcialmente reformada Jurisprudência - Direito Privado – Recurso parcialmente provido.(TJSP; Apelação 1001437-38.2020.8.26.0526; Relator: MARCO FÁBIO MORSELLO; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça; Data do Julgamento: 24 de julho de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte ao re- curso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 17.760) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MAR- CO FÁBIO MORSELLO (Presidente), CRISTINA DI GIAIMO CABOCLO e JOSÉ MARCELO TOSSI SILVA. São Paulo, 24 de julho de 2025. MARCO FÁBIO MORSELLO, Relator


Ementa: AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGI- BILIDADE DE DÉBITO, CUMULADA COM PE- DIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – Sentença de parcial procedência – “Golpe do bo- leto falso”– Irresignação da corré Frivam Alimentos Ltda. – Preliminares de inépcia da inicial e sentença ultra petita afastadas – Inteligência do art. 332, §2º, do Código de Processo Civil – Ausência de prejuízos ao exercício do direito de defesa pelas rés – Mérito – Conjunto fático - probatório que corrobora a nar- rativa da autora, no sentido de que o boleto falso foi entregue por preposto da ré – Aplicação dos artigos 932, inc. III, e 933 do Código Civil – Responsabilidade objetiva da ré – Inocorrência de causas excludentes de responsabilidade – Declaração de quitação da dí- vida e determinação do cancelamento do protesto que eram impositivos – Dano moral decorrente da negati- vação indevida que se configura in re ipsa – Indeniza- ção fixada em R$ 5.000,00 que não comporta redução, consoante os princípios da proporcionalidade e razoa- bilidade – Necessidade de redução do percentual fixa- 225 do em relação aos honorários de sucumbência – Natu- reza da causa que não justifica a fixação no percentual máximo de 20% - Sentença parcialmente reformada Jurisprudência - Direito Privado – Recurso parcialmente provido.





VOTO

Trata-se de r. sentença (fls. 449/4 55), cujo relatório se adota, que, em sede de ação declaratória de inexigibilidade de débito, cumulada com pedido de indenização por danos morais, proposta por Lessa & Luiz Supermercados Ltda. em face de Frivam Alimentos Ltda. & Itaú Unibanco S/A, julgou procedente a pretensão autoral em face da ré Frivam Alimentos Ltda., para: “a) considerar que houve o devido pagamento pela autora dos valores referentes ao boleto; b) condenar a requerida FRIVAM ALIMENTOS LTDA. ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) à autora a título de dano moral, sendo o termo a quo para a incidência da correção monetária é a data em que foi arbitrado o valor definitivo, ou seja, data da sentença (Súmula n. 362, STJ), acrescido de juros de mora desde o evento danoso”. A douta magistrada a quo condenou a ré Frivam Alimentos Ltda. ao pa- gamento das custas e despesas processuais e de honorários advocatícios, estes fixados em 20% sobre o valor da condenação. Outrossim, a r. sentença julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, em relação ao réu Itaú Unibanco S/A, com fulcro no art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil. Em relação a tal capítulo da r. sentença, o douto juízo a quo condenou a autora ao pagamento de honorários advocatícios devidos ao patrono do réu Itaú Unibanco S/A fixados no patamar de 10% sobre o valor da causa atualizado. Irresignada, apelou a ré Frivam Alimentos Ltda. (fls. 460/471), arguindo, preliminarmente, inépcia da inicial e nulidade da r. sentença por julgamento ultra petita, pois apesar de a autora postular compensação por danos morais, deixou de formular na petição inicial pretensão declaratória de quitação do res- pectivo boleto, o que impede o reconhecimento da ilicitude do protesto. No mé- rito, aduziu que a autora não se desincumbiu do seu ônus probatório, na medida em que inexistem provas de que a ré participou da fraude narrada. Pontuou que, não tendo sido possível a identificação com certeza de quem fraudou o boleto, “a procedência do pedido com base apenas na boa-fé da apelada representa um erro de julgamento grave”. Alegou que também obrou com boa-fé, uma vez que entregou a mercadoria adquirida e até o momento nada recebeu. Argumentou, ainda, que a entrega do boleto falso à autora pelos prepostos da ré é ponto con- trovertido da causa e não foi devidamente esclarecido. Outrossim, sustentou que a fraude somente ocorreu porque “os prepostos/funcionários da autora/apelada agiram de forma, no mínimo, ‘descuidada’“. Observou que o Sr. João Danilo, 226 representante da empresa JD Souza Hidro Tanques, beneficiária do boleto falso, confirmou que recebeu os valores indevidamente em sua conta e os utilizou sem se preocupar com a origem. Verberou que não restou demonstrada ofensa à honra subjetiva da autora, pessoa jurídica , sendo incabível a condenação por Jurisprudência - Direito Privado danos morais e, ao final, defendeu que os honorários de sucumbência devem ser fixados no mínimo legal, em conformidade com os critérios objetivos elenca- dos no art. 85, §2º, do CPC. Forte nessas premissas, pugnou pela reforma da r. sentença. O recurso é tempestivo e preparado (fls. 472/473 e 594/597). Intimada, a autora apresentou contrarrazões (fls. 477/490). Houve oposição ao julgamento em sessão virtual (fl. 498). É o relatório. Cuida-se de ação declaratória de inexigibilidade de débito, cumulada com pedido de indenização por danos morais, proposta por Lessa & Luiz Supermer- cados Ltda. em face de Frivam Alimentos Ltda. e Itaú Unibanco S/A. Em pedido de tutela cautelar em caráter antecedente, narrou a autora (fls. 1/13) que adquiriu mercadorias da corré Frivam Alimentos Ltda. e que, no dia 28/01/2020, quando da entrega em seu endereço comercial, recebeu dos prepos- tos da corré a respectiva nota fiscal acompanhada de um boleto para pagamento, que depois se descobriu ter sido fraudado, pois tinha como beneficiária a empre- sa JD Souza Hidro Tanques ME. Afirma que requereu à Frivam Alimentos Ltda. que exigisse do Itaú Unibanco S/A, responsável pela emissão do boleto falso, a realização de uma investigação interna, bem como que evitasse “qualquer constrangimento ilegal, como restrições de crédito e protesto, antes de solucio- nada a questão” por parte da instituição bancária, mas foi surpreendida com o protesto do título realizado. Ademais, argumenta que houve falha no sistema de segurança do corréu Itaú Unibanco S/A, que permitiu que o boleto falso fosse pago, justificando-se a sua inclusão no polo passivo da demanda. Assim, pleiteia a concessão da tutela cautelar de urgência em caráter antecedente, para determi- nar a sustação do protesto, dispensando-se a prestação de caução. O douto juízo a quo deferiu a cautelar mediante caução real ou fidejus- sória no valor equivalente ao título que se buscava sustar (fls. 38/39), a qual foi prestada pela autora (cf. fls. 40/44). Formulado o pedido principal nos termos do art. 308 do Código de Pro- cesso Civil (fls. 69/82), a autora requereu a confirmação da tutela cautelar an- tecedente concedida e a condenação das empresas rés ao pagamento de indeni- zação por danos morais em patamar não inferior a R$ 10.000,00. Alegou, em suma, que “o prematuro protesto do título foi um ato ilícito”, pois a ré Frivam Alimentos Ltda. sempre teve ciência de que se tratava de uma fraude, e não de inadimplemento voluntário por parte da autora, que “só buscava informações quanto ao resultado da investigação interna do Banco Itaú, para verificar se ainda haveria necessidade de despender novamente de recursos, uma vez que o valor poderia lhe ser devolvido ou mesmo redirecionado à legítima beneficiária Frivam”. De mais a mais, considera que “a exigência forçosa do pagamento, Jurisprudência - Direito Privado com a escolha de meio coercitivo vexatório e danoso a honra objetiva da Auto- ra, exige a devida reprimenda”. Citado com fundamento no art. 306 do Código de Processo Civil, o corréu Itaú Unibanco S/A ofertou contestação (fls. 85/95), na qual suscitou, prelimi- narmente, a sua ilegitimidade passiva ad causam. No mérito, argumentou que não tem responsabilidade sobre o prejuízo alegado pela autora, pois não houve qualquer falha na prestação de seus serviços, mas, sim, culpa exclusiva da au- tora, que, por livre e espontânea vontade, realizou o pagamento do boleto sem certificar a sua procedência. Também citada nos termos do art. 306 do Código de Processo Civil, a corré Frivam Alimentos Ltda. suscitou, em contestação (fls. 112/119), exceção de incompetência, por não ter sido a demanda distribuída em juízo de sua sede. Ademais, sustentou, resumidamente, a ausência dos requisitos autorizadores da medida cautelar, pleiteando por sua revogação. A autora apresentou réplicas (fls. 162/170 e 171/185). Posteriormente, houve intimação das rés para apresentarem contestação ao pedido principal formulado pela autora, nos termos do art. 308 do Código de Processo Civil (fls. 221/222). O Itaú Unibanco S/A reiterou os termos de sua contestação anteriormente apresentada, que também atacava o pedido principal (fls. 224/233). A Frivam Alimentos Ltda., por sua vez, suscitou a inépcia da inicial, por não ter a autora deduzido pedido declaratório de quitação do respectivo boleto protestado, e verberou a ausência do dever de indenizar, visto que a sua conduta representou mero exercício regular de um direito. Negou, ainda, que o boleto fraudado tenha sido entregue por seus prepostos e aduziu que a autora “cha- ma para si o ônus da prova” quanto a esse fato. Em acréscimo, questionou o pagamento feito pela autora de boleto com CNPJ diferente do que constava na nota fiscal. Ao final, afirmou inexistir dano passível de indenização e ponderou que o valor postulado ofende os princípios da moderação, da razoabilidade e da proporcionalidade (fls. 234/244). A autora apresentou novas réplicas (fls. 264/275 e 276/289). Instadas a especificarem as provas que pretendiam produzir (fl. 290), a autora pugnou pela produção de prova oral, consistente na oitiva de testemunhas (fl. 292), ao passo que a corré Frivam Alimentos Ltda. requereu, além da prova oral, a produção de prova pericial (fls. 293/294). O corréu Itaú Unibanco S/A concordou com o julgamento antecipado do feito (fls. 295/296). Ato contínuo, para a apuração da questão controvertida, consistente “na entrega do aduzido boleto adulterado por preposto da parte ré no estabeleci- 228 mento da autora” (fls. 205/207), o douto juízo a quo designou audiência de instrução e julgamento por meio virtual (fl. 368). Na ocasião, foram ouvidas as testemunhas presentes, encerrando-se o fei- to com a determinação à parte autora para que trouxesse aos autos cópia da pe- Jurisprudência - Direito Privado tição inicial de ação distribuída na comarca de Salto em face de JD Souza Hidro Tanques ME e do Itaú Unibanco S/A, sob o n.º 1001437-38.2020.8.26.0526, para a verificação de eventual conexão ou prejudicialidade (fls. 405/407). Cumprida a determinação (fls. 409/420), a corré Frivam Alimentos Ltda. requereu a extinção do feito “por carecer à autora o interesse processual em razão da ação mais abrangente proposta na Comarca de Salto” (fls. 432/433). Na sequência, foi proferida decisão que identificou a conexão existente com as ações, rejeitou o pedido de extinção formulado e determinou a redistri- buição daqueles autos, declarando-se prevento o juízo da 7ª Vara Cível de Cam- pinas em razão da distribuição anterior da presente demanda (fl. 434). Sobreveio a r. sentença, nos termos já relatados (fls. 449/455). Tecidas referidas considerações, não merecem prosperar as preliminares de inépcia da exordial e de nulidade da r. sentença por violação ao princípio da congruência. Com efeito, quanto à propalada inépcia da petição inicial, o caput do art. 322 do Código de Processo Civil prevê que o pedido deve ser certo, a fim de que o réu possa se defender adequadamente em juízo, sem correr o risco de ser surpreendido, e o magistrado possa delimitar o âmbito de sua atuação, uma vez que não está autorizado a proferir decisão de natureza diversa da pedida (art. 492 do mesmo diploma legal). Não obstante, conforme ressalva o §2º do mencionado art. 322, o pedido há que ser interpretado de acordo com o conjunto da postulação e com o princí- pio da boa-fé. Nesse sentido, preconiza, com acuidade, André Roque: “O CPC atual abandonou a velha fórmula da interpretação restritiva do pedido consagrada no CPC/1973. A petição inicial consiste em declaração de vontade do autor a respeito do que ele pretende em juízo. De acordo com o art. 112 do Códi- go Civil, tratando-se de declaração de vontade, deve se atender mais à intenção nela consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem, como estabelecido no Enunciado nº 285 do FPPC. Assim, o pedido deve ser considerado tendo por perspectiva a petição inicial como um todo, de forma a dele extrair o que o autor efetivamente pretende. Por esse motivo, não se exige que o pedido conste em tópico separado da petição inicial (STJ, REsp 1.424.164, Relator Ministro João Otávio de Noronha, julgado em 07.04.2015), embora assim recomende a boa técnica processual. Há que se promover, portanto, a interpretação sistemática da peça inaugural, sendo certo que a causa de pedir consiste em dado imprescindível para delimitar o pedido. Deve o juiz, assim, utilizar a interpretação literal apenas como ponto de partida (excluindo compreensão do pedido que contrarie frontal- mente o texto ou nele não encontre o mínimo de correspondência), sem abrir mão da interpretação teleológica e sistemática. [...] Referidas regras interpretativas devem se aplicar não apenas ao pedido, mas a todos os elementos da demanda, assim como aos demais atos postulatórios, que também consistem em declaração de vontade, incluindo a contestação e o recurso, nos termos do Enunciado n.º 286 do FPPC.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. [et al.]. Comentários ao Jurisprudência - Direito Privado código de processo civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 781). Como temperamento à regra geral de que o pedido deve ser expressamen- te formulado, são estabelecidas no ordenamento jurídico hipóteses de pedidos implícitos - os quais, embora não explicitados no instrumento da postulação, compõem o objeto litigioso do processo em razão de determinação legal (art. 322, §1º, do CPC) - e são admitidos, também, pedidos que consubstanciam con- sectários lógicos da postulação, ou seja, consequências necessárias de outro pe- dido expressamente formulado. A título exemplificativo, vale mencionar o entendimento adotado pelo C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do AgInt no REsp n.º 1.167.766/ES: AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CI- VIL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. SINAL. VALOR DADO A TÍTULO DE ARRAS CONFIRMATÓ- RIAS E INÍCIO DE PAGAMENTO. RETENÇÃO. REDUÇÃO EQUITATIVA. INADIMPLEMENTO DO PROMISSÁRIO COMPRADOR. PAGAMENTO DE ALUGUEL PELO USO DO IMÓVEL. DESNECESSIDADE DE PEDIDO EXPRESSO. CONSECTÁRIO LÓGICO DO RETORNO AO ESTADO ANTE- RIOR. PRECEDENTES. [...] 3. Nesse contexto, o encargo locatício mostra-se devido durante todo o período de ocupação, ainda que não haja pedido expresso na petição inicial, visto que é consectário lógico do retorno ao status quo ante pretendido com a ação de rescisão de promessa de compra e venda, sob pena de premiar os inadimplentes com moradia graciosa e estimular a protelação do final do processo. [...] (AgInt no REsp n. 1.167.766/ES, relator Ministro Raul Araújo, relatora para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 16/11/2017, DJe de 1/2/2018, destaques nossos). Ainda sobre o tema, e destacando a necessária observância do direito de defesa do réu nas hipóteses em que o pedido não é expressamente formulado, Fredie Didier Jr. pondera que: “Não se pode dar à postulação um sentido que comprometa a defesa, que se ba- seia sempre naquilo que foi demandado. Não é lícito interpretar a postulação para extrair dela um pedido que o réu não contestou. A manifestação do réu, porém, é um dado relevante para a definição do quanto foi postulado. Por vezes, embora a petição não seja tão clara - o que poderia levar à inépcia da petição inicial - , a contestação, que também deve ser interpretada, serve para revelar o sentido em que a postulação do autor foi formulada - sentido esse que foi efetivamente contestado pelo réu. No ponto, muito oportuna a referência ao art. 186º, 3, do CPC português: ‘3. Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do 230 número anterior, não se julgará procedente a arguição quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial’. Registre-se: a postulação em juízo é uma declaração de vontade com no mínimo dois destina- tários, a contraparte e o órgão jurisdicional. Jurisprudência - Direito Privado Por isso, se ambas as partes estão concordes em relação à interpretação da pos- tulação, o problema da interpretação do pedido praticamente deixa de existir, ressalvadas as situações de processo simulado ou fraudulento. Não se pode es- quecer que a parte demandada é o destinatário da declaração de vontade (pedido) que tem, em tese, conhecimentos sobre a relação jurídica material controvertida. O órgão jurisdicional não dispõe dessas informações. Como afirma Paula Costa e Silva, ‘dificilmente se poderá justificar que, existindo uma convergência das partes quanto ao sentido com que devem ser compreendidos os comportamentos processuais, este entendimento possa ser postergado por um entendimento diver- gente do tribunal’.” (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: Introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 21ª ed., Salvador: Edi- tora Jus Podivm, 2019, pp. 687-688, destaques nossos). Assim, em que pese não tenha a autora pleiteado expressamente a quitação do boleto correspondente à obrigação assumida junto à corré Frivam Alimentos Ltda., é certo que a declaração de inexigibilidade do débito constitui consectário lógico do pedido de sustação de protesto, pois, como a própria apelante observa (fl. 462), a procedência de tal pedido expresso exige o reconhecimento de que a obrigação da autora foi satisfeita. Noutro giro, verifica-se que a ré Frivam Alimentos Ltda., apesar de não vislumbrar na exordial e no aditamento o rigor técnico processual recomendado pelo art. 322, caput, do CPC, teve a oportunidade de exercer o contraditório de forma satisfatória, de impugnar as razões de mérito trazidas pela autora e de produzir as provas que entendia pertinentes para o deslinde da causa, não tendo sofrido qualquer prejuízo em seu direito de defesa em virtude da análise do pe- dido não expresso. A propósito, conforme assentado no C. Superior Tribunal de Justiça, “a petição inicial só deve ser indeferida por inépcia, quando o vício apresenta tal gravidade que impossibilite a defesa do réu ou a própria prestação jurisdicio- nal” (STJ, 3ª Turma, REsp 193.100/RS, Min. Ari Pargendler, j. 15.10.2001, DJ 04.02.2002). Portanto, à vista de tais considerações, afasto a propalada inépcia da ini- cial e o alegado vício de sentença ultra petita. Superadas as referidas preliminares, passo à análise de mérito. Anoto que são fatos incontroversos que as partes mantêm relação comer- cial de longa data e que, no dia 28/01/2020, a autora recebeu em seu endereço comercial mercadorias adquiridas junto à ré, mas efetuou o pagamento da res- pectiva contraprestação por meio de um boleto que depois se verificou ter sido fraudado, levando ao protesto da dívida. Dessa forma, a controvérsia cinge-se em verificar se o referido boleto foi entregue à autora por preposto da ré e se esta possui responsabilidade sobre os fatos narrados pela autora, inclusive no que se refere aos prejuízos de cunho Jurisprudência - Direito Privado moral que alega ter sofrido. Com efeito, depreende-se dos autos que foram acostados o comprovante de entrega das mercadorias com assinatura de funcionário da autora (fl. 29), o boleto indicado como fraudado (fl. 30), o respectivo comprovante de pagamento (fl. 31), o boleto indicado como correto (fl. 32) e um boletim de ocorrência la- vrado após a identificação da fraude (fls. 34/35), documentos estes que corrobo- ram a narrativa da exordial, sobretudo ao se cotejar que o aludido comprovante de entrega contém dados que correspondem ao boleto fraudado. Em sede de audiência de instrução e julgamento, também foi colhido o depoimento de testemunha arrolada pela autora, a qual confirmou que o boleto adulterado foi entregue por preposto da ré no ato de entrega das mercadorias adquiridas, conforme transcrição constante na r. sentença (fl. 452): “A testemunha da autora, Sr. Edimilson afirmou que é gerente na empresa reque- rente. Afirmou que somente teve ciência de que tratava-se de uma fraude após o pagamento. Disse que o boleto foi entregue por um funcionário da empresa FRIVAM ao conferente da loja, Sr. Eliel, no mesmo momento em que foram entregues as mercadorias. Alega que o conferente da loja confirmou a entrega da mercadoria, dos valores dos produtos e encaminhou o boleto para a testemunha- gerente, que o encaminhou para o setor financeiro, para pagamento. A responsá- vel pelo pagamento foi a senhora Débora.”. Portanto, reputo que a autora se desincumbiu satisfatoriamente do ônus probatório que lhe competia, nos termos do art. 373, inc. I, do Código de Pro- cesso Civil. Nesse contexto, tendo o boleto fraudado sido entregue por preposto da ré, incide na hipótese o quanto disposto no art. 932, inc. III, do Código Civil, se- gundo o qual “São também responsáveis pela reparação civil: [...] III o empre- gador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”. Deveras, para afastar a sua responsabilidade, aferida de forma objetiva, de acordo com o art. 933 do mesmo diploma legal, cabia à ré demonstrar a re- gularidade dos serviços por ela prestados ou a ocorrência de causas excludentes de sua responsabilidade, notadamente a culpa exclusiva de terceiro ou da vítima, caso fortuito ou força maior. A esse respeito, Sérgio Cavalieri Filho leciona: “Provada a culpa do empregado ou preposto, exsurge a responsabi- lidade objetiva do patrão ou comitente, restando-lhe campo de defesa muito restrito para eventualmente se exonerar da obrigação de indenizar. E assim é porque o nosso Direito não exige uma rigorosa relação fun- cional entre o dano e a atividade do empregado. [...] O empregador ou 232 comitente só logrará exonerar-se se conseguir provar caso fortuito ou força maior, ou que o ato danoso é absolutamente estranho ao serviço ou atividade, praticado fora do exercício das atribuições do empregado ou preposto.” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabili- Jurisprudência - Direito Privado dade civil. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 199, destaques nossos). Nada obstante, apesar de negar ter sido responsável pela entrega do bo- leto - e de não ser possível exigir-lhe prova de tal fato, pois equivaleria a com- provar fato negativo - , a ré jamais demonstrou de que forma o boleto correto teria sido entregue à autora, nem apresentou comprovante de entrega distinto do constante nos autos (fl. 29), a fim de indicar a regularidade do procedimento. Portanto, diante do conjunto fático-probatório, prevalece a conclusão de que o boleto falso foi entregue por preposto da ré no momento em que as mer- cadorias foram deixadas no estabelecimento comercial da autora. Além disso, muito embora se alegue que a responsabilidade pelo imbró- glio seja da parte autora, por não ter ela conferido, no ato do pagamento do bo- leto, os dados do beneficiário ali apresentados, afigurava-se inadmissível exigir que a autora duvidasse da lisura do procedimento adotado pela ré, tendo por base os elementos fáticos descritos pelas partes, à luz das teorias da confiança e aparência, que legitimaram comportamento concludente e justa expectativa da autora. Diante da intensidade do tráfego contratual, exige-se segurança jurídica nas relações contratuais: “A tutela da aparência inspira-se na necessidade de servir a segurança do tráfico jurídico: uma preocupação que se sente com particular intensidade em certos sec- tores tradicionalmente objecto do direito mercantil, mas a que também importa não ser insensível para além do campo estrito deste. As situações de relevância da aparência desempenham justamente a função de catalisadoras do aludido trá- fico.” (DA FRADA, Manuel António de Castro Portugal Carneiro. Teoria da confiança e responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 2004, p. 46). Acerca da teoria da aparência, Vitor Frederico Kümpel leciona: “[...] a aparência outorgou legitimidade a uma pessoa, conferindo-lhe direitos, com relevância econômica, pela absoluta impossibilidade de cognição da reali- dade jurídica que o levou a realizar o negócio jurídico. A aparência não incide e não poderia incidir sobre a avaliação substancial dos interesses em jogo. É ape- nas um instrumento a serviço de uma das partes na relação jurídica, para proteger até a segurança do sistema jurídico. [...] Conforme está sendo mostrada, a teoria da aparência jurídica é um instrumento hábil para proteger terceiros de boa-fé, evitando insegurança jurídica em negócios que, objetiva e subjetivamente, creem ser suportes jurídicos aptos a produzir efeitos permanentes. Ante a publicidade gerada e a confiança legítima, imputadas na relação, é que o sistema jurídico con- valida uma relação originária nula ou até inexistente para fins de proteção desse terceiro de boa-fé” (Teoria da aparência no Código Civil de 2002. São Paulo: Editora Método, 2007, p. 58-59) Assim, tais fatos revelam inoperância da ré no tratamento das informa- ções e da segurança nas operações de seus clientes, intrínsecos à atividade de- Jurisprudência - Direito Privado sempenhada, afastando as hipóteses de fato de terceiro ou de culpa exclusiva da vítima. Ato contínuo, é inegável que restou configurada a responsabilidade civil da ré, sendo impositivo, como consectário lógico do dever de reparação inte- gral do dano (art. 944 do Código Civil), a declaração da quitação da dívida e o reconhecimento da irregularidade do protesto realizado em desfavor da autora. Outrossim, estando quitado o débito, é inelutável, ainda, a inferência de que não poderia ter sido levado a protesto, circunstância essa em que se confi- guraram os alegados danos morais. Convém salientar, nesse ponto, que a jurisprudência do C. Superior Tri- bunal de Justiça possui entendimento firme de que o dano moral, na hipótese de negativação indevida, tem natureza in re ipsa, prescindindo de comprovação da parte lesada, conforme se depreende das recentes ementas abaixo colacionadas: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECONSIDERAÇÃO DE DECISÃO. AFASTAMENTO DA SÚ- MULA N. 182 DO STJ. NOVA ANÁLISE. INDENIZAÇÃO. DANOS MO- RAIS. PROTESTO INDEVIDO. SÚMULA N. 475 DO STJ. DANO MORAL IN RE IPSA. PESSOA JURÍDICA. CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊN- CIA DO STJ. SÚMULA N. 83 DO STJ. INCIDÊNCIA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. “Responde pelos danos decorrentes de protesto indevido o endossatário que recebe por endosso translativo título de crédito contendo vício formal extrínseco ou intrínseco, ficando ressalvado seu direito de regresso contra os endossantes e avalistas” (Súmula n. 475 do STJ). 2. Nos casos de protesto indevido de título e de inscrição indevida em cadas- tro de proteção ao crédito, o dano moral é considerado in re ipsa, ainda que a parte prejudicada seja pessoa jurídica. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 2.634.490/CE, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 23/9/2024, DJe de 25/9/2024.) - Destaques nossos. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. JULGAMENTO MO- NOCRÁTICO PELO RELATOR. CONFIRMAÇÃO PELO COLEGIADO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INAD- MISSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. INSCRIÇÃO IRREGULAR NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. DANO MORAL IN RE IPSA. VALOR. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. 1. A decisão monocrática que nega seguimento a recurso especial, com base em jurisprudência consolidada desta Corte, encontra previsão nos arts. 932, IV, do CPC/2015 e 255, § 4°, II, do RISTJ, não havendo falar em nulidade por ofensa à nova sistemática do Código de Processo Civil. Ademais, a interposição do agra- 234 vo interno, e seu consequente julgamento pelo órgão colegiado, sana eventual nulidade. 2. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvi- mento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7 do STJ). Jurisprudência - Direito Privado 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, na hipótese de protesto indevido de título ou de inscrição irregular em cadas- tros de inadimplentes, o dano moral se configura in re ipsa, independente- mente de prova. 4. Somente em hipóteses excepcionais, quando irrisório ou exorbitante o valor da indenização por danos morais arbitrado na origem, a jurisprudência desta Corte permite o afastamento do referido óbice, para possibilitar a revisão. No caso, o valor estabelecido pelo Tribunal de origem não se mostra excessivo, a justificar sua reavaliação em recurso especial. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 2.426.703/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 1/7/2024, DJe de 2/8/2024.) - Destaques nossos. E, como não poderia deixar de ser, a jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo adota o referido entendimento em casos análo- gos ao dos autos: Apelação. Ação de sustação de protesto com pedido declaratório de inexistência de relação jurídica, indenização por dano moral e tutela antecipada. Alegação de que o réu não finalizou o serviço de elétrica contratado, mesmo assim protestou título de cobrança do serviço, no valor de R$ 5.587,36. Sentença de procedência, em parte. Recurso da parte ré. Preliminar de cerceamento de defesa. Inocorrên- cia. Prestação dos serviços. Ausência de prova de que o serviço elétrico fora fina- lizado. Ônus da prova do fato positivo a cargo do réu. Documentos anexados aos autos que conferem verossimilhança às alegações da parte autora, culminando com indicativos do desacerto contratual. A parte autora apresentou documentos demonstrando que o serviço não foi prestado em sua integralidade, sendo obri- gada a contratar terceiro para finalizar as instalações, o réu, por sua vez, não ofereceu prova capaz de comprovar a realização do serviço na forma contratada e a regularidade das cobranças. Inexigibilidade das duplicatas DSI n.º 0092 e DMI n.º 0064 bem decidida. Dano moral configurado, ainda que a pessoa prejudicada seja pessoa jurídica. Protestos indevidos (fls. 11/13 e 33). Des- necessidade de prova do dano efetivo em face do caráter in re ipsa. Caráter dissuasório (Apelação Cível nº 1001213-16.2023.8.26.0326, Rel. Des. Cláudio Godoy). Valor da indenização fixado em patamar reduzido (R$ 5.000,00), abaixo dos precedentes sobre o tema (em torno de R$ 10.000,00). Entretanto, a falta de recurso válido da parte demandante impede a majoração da indenização. Re- curso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1001715-26.2021.8.26.0228; Relator (a): Carlos Ortiz Gomes; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional IX - Vila Prudente - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/11/2024; Data de Registro: 26/11/2024) - Destaques nossos. APELAÇÃO - TÍTULO DE CRÉDITO - DUPLICATA MERCANTIL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS PRECEDIDA DE TUTELA CAUTE- LAR ANTECEDENTE DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO, COM RECONVEN- ÇÃO - PROTESTO INDEVIDO - Sentença de acolhimento da reconvenção e de parcial procedência do pedido declaratório e cautelar, afastando, todavia, o Jurisprudência - Direito Privado pleito indenizatório - Apelo da parte autora-reconvida - Pleito de reforma - Ad- missibilidade - Inexistência de prova segura acerca da relação negocial travada entre as partes a não justificar o saque e encaminhamento a protesto da duplicata mercantil - Título de crédito que pressupõe efetiva compra e venda mercantil ou prestação de serviços, nos termos dos artigos 1º e 2º, da Lei nº 5.474/68 - Alegação de negativa de compra e de ausência de prova da entrega das mer- cadorias - Única prova produzida nos autos, consubstanciada na transcrição de conversas por via WhatsApp com funcionário da empresa autora-reconvinda, que não permitem a convicção de que houve a efetiva compra das mercadorias e nem tampouco sua entrega - Prova que apenas sinaliza que a autora comprava mercadorias da ré - Ausência de prova de quantidade de mercadoria comprada e de entrega das respectivas mercadorias - - Notas fiscais que foram recusadas pela autora na oportunidade da emissão e reemitidas em nota única mais de um ano após a data da questionada compra, apontando quantidade de mercadorias diversas das notas previamente canceladas - Título que não detém os requisitos necessários para embasar o protesto - Pedido reconvencional, igualmente, que não restou amparado na prova dos autos a permitir a condenação da autora recon- vinda ao pagamento do aludido negócio. DANOS MORAIS - Duplicata mer- cantil protestada indevidamente contra pessoa jurídica - Protesto indevido que dispensa prova dos danos morais da empresa - Sustação judicial - Abalo ao crédito configurado - Fixação da indenização nesta instância, no montante de R$ 10.000,00, tal como pleiteado pela autora - Quantum indenizatório que se mostra suficiente para atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalida- de - Patamar adequado aos parâmetros desta C. Câmara para hipóteses análogas - Sentença parcialmente reformada para que seja julgada totalmente procedente a ação principal e improcedente o pleito reconvencional. Dá-se provimento ao recurso. (TJSP; Apelação Cível 1106937-76.2021.8.26.0100; Relator (a): Sidney Braga; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional IV - Lapa - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/11/2024; Data de Registro: 04/11/2024) - Destaques nossos. Como é cediço, inclusive pelas máximas de experiência, a restrição in- devida, com os efeitos publicísticos correlatos, vulneradores da teoria da con- fiança e, sobretudo, aptos a impor à requerente status de devedora, com todas as restrições patrimoniais e publicísticas consequentes, permite divisar situação manifestamente constrangedora, no rol do denominado direito geral de persona- lidade, superando a esfera dos meros aborrecimentos quotidianos. Com fulcro em tais premissas, em cotejo com os princípios da razoabi- lidade e proporcionalidade e correlato subprincípio da proibição do excesso, a compensar os abalos experimentados pela autora, sem constituir em enriqueci- mento sem causa, o montante de R$ 5.000,00, a título de danos morais, arbitrado 236 em sentença, revela-se adequado ao caso concreto, conforme já decidiu esta Colenda Câmara em casos análogos, in verbis: AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO, SUSTAÇÃO DE PROTESTO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - Sentença de par- Jurisprudência - Direito Privado cial procedência - Irresignação de ambos os réus - Ilegitimidade passiva da insti- tuição financeira que atuou apenas como mandatária e não extrapolou os poderes que lhe foram outorgados - Não se verificando qualquer indício de que o endos- satário-mandatário tenha atuado além dos poderes que lhe foram conferidos, ou que tivesse atuado com culpa, conclui-se que a apelante, endossante, é a única responsável pelos danos experimentados pela autora - Hipótese de dano moral que independe de comprovação, bastando a simples prova do protesto inde- vido do título para embasar o pedido indenizatório - Súmula nº 476 do STJ - Redução do quantum - Indenização reduzida para R$ 5.000,00, conforme precedentes desta Câmara e circunstâncias do caso concreto - Sentença re- formada - Recurso do banco réu provido para reconhecer a ilegitimidade passiva e recurso da ré parcialmente provido para reduzir o quantum da indenização por danos morais. (TJSP; Apelação Cível 1004442-89.2023.8.26.0291; Relator (a): Marco Fábio Morsello; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jaboticabal - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/08/2024; Data de Registro: 26/08/2024) - Destaques nossos. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM DECLARAÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MO- RAIS - Sentença de procedência - Irresignação da ré - Contrato de prestação de serviços de coleta de lixo Atividade de floricultura que permaneceu paralisada em virtude da pandemia do Covid-19 Coletora que deixou de prestar o serviço durante o período pandêmico, pelo fechamento do estabelecimento da requerente - Ausência de falha na prestação do serviço ou inadimplemento - Cobranças am- paradas no instrumento contratual firmado entre as partes, que previa cobrança do faturamento mínimo mesmo em caso de ausência de coleta - Pedido de res- cisão formulado pela autora - Contrato que previa a renovação sucessiva em pe- ríodo de 36 meses, salvo manifestação expressa das partes - Reconhecimento da rescisão contratual a partir de 17/10/20 - Cobranças após essa data que se mostra- ram indevidas - Protestos indevidos - Danos morais que decorrem in re ipsa - Quantum indenizatório reduzido para R$5.000,00, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade - Sentença parcialmente reformada - Recur- so parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1033570-19.2021.8.26.0100; Relator (a): Marco Fábio Morsello; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Pri- vado; Foro de Guarulhos - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/03/2023; Data de Registro: 13/03/2023) - Destaques nossos. Portanto, nesses pontos, deve ser mantida a r. sentença, por seus próprios e jurídicos fundamentos. Por derradeiro, merece guarida o pedido de redução dos honorários ad- vocatícios de sucumbência, fixados no patamar máximo de 20% sobre o valor da condenação. De fato, a despeito do alongado tempo de tramitação e da necessidade de instrução probatória, a natureza da causa não justificava, na origem, o ar- bitramento da verba no patamar máximo de 20% do valor da condenação, em consonância com os parâmetros do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, Jurisprudência - Direito Privado in litteris: “§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.” Conforme o art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, os honorários ad- vocatícios são fixados no montante de 10% a 20% do valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, de acordo com os critérios de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza da causa e o trabalho realizado pelos patronos. À luz de todos esses elementos, e com o escopo de viabilizar uma remuneração condigna aos advogados, em consonância com a baixa complexidade da demanda, reputo adequada a fixação de honorários advocatícios, em favor do patrono da autora, de 15% do valor atualizado da condenação. Ante o exposto, pelo meu voto, dou parcial provimento ao recurso, apenas para reduzir os honorários de sucumbência fixados na sentença para o montante de 15% do valor atualizado da condenação, fixados com fulcro nos critérios do art. 85, §2º, do CPC, nos termos da fundamentação acima. Por fim, esclareço que deixo de majorar a verba honorária recursal devida pela ré, uma vez que, à luz da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, exige-se que o recurso não seja conhecido integralmente ou não provido (STJ, AgInt no AREsp no 1.349.182/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, j. 10-06-2019, DJE 12-06-2019).