Decisão 62

Processo: 1033911-40.2024.8.26.0100

Recurso: Apelação

Relator: SALLES ROSSI

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de

Data do julgamento: 16 de julho de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – APELAÇÃO COMPRA E VENDA. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PAGAS. Atraso na entrega da unidade habitacional. Sentença de pro- cedência. Resolução do contrato com determinação de restituição de todos os valores pagos. Insurgência da ré. Descabimento. Força maior não verificada. A pandemia de COVID-19, embora reconhecidamente tenha causado impactos em diversos setores da eco- nomia, não configura, por si só, hipótese de caso for- tuito ou força maior apta a eximir a construtora das obrigações assumidas, conforme o entendimento con- solidado na jurisprudência deste E. TJSP. Atraso in- controverso além do prazo de tolerância. Ausência de disponibilidade da entrega das chaves. Expedição de habite-se que não afasta a mora da ré. Adimplemen- to substancial do contrato por parte da construtora 194 não verificado. Restituição integral devida. Reparo apenas no tocante aos juros de mora que devem ser computados a partir da citação. Sentença reformada apenas neste ponto. Recurso parcialmente provido. Jurisprudência - Direito Privado(TJSP; Apelação 1033911-40.2024.8.26.0100; Relator: SALLES ROSSI; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de; Data do Julgamento: 16 de julho de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte ao recur- so. V.U. SUSTENTOU/SUSTENTARAM ORALMENTE O/A(S) ADVOGA- DO/A(S) LÍVIA VITAL BUENO e JOSÉ LUIZ BAYEUX FILHO”, de confor- midade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 62.486) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores SALLES ROSSI (Presidente), PEDRO DE ALCÂNTARA DA SILVA LEME FILHO e SILVÉRIO DA SILVA. São Paulo, 16 de julho de 2025. SALLES ROSSI, Relator


Ementa: APELAÇÃO COMPRA E VENDA. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PAGAS. Atraso na entrega da unidade habitacional. Sentença de pro- cedência. Resolução do contrato com determinação de restituição de todos os valores pagos. Insurgência da ré. Descabimento. Força maior não verificada. A pandemia de COVID-19, embora reconhecidamente tenha causado impactos em diversos setores da eco- nomia, não configura, por si só, hipótese de caso for- tuito ou força maior apta a eximir a construtora das obrigações assumidas, conforme o entendimento con- solidado na jurisprudência deste E. TJSP. Atraso in- controverso além do prazo de tolerância. Ausência de disponibilidade da entrega das chaves. Expedição de habite-se que não afasta a mora da ré. Adimplemen- to substancial do contrato por parte da construtora 194 não verificado. Restituição integral devida. Reparo apenas no tocante aos juros de mora que devem ser computados a partir da citação. Sentença reformada apenas neste ponto. Recurso parcialmente provido. Jurisprudência - Direito Privado





VOTO

Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença (fls. 311/315) pro- ferida nos autos da ação de rescisão contratual, cumulada com restituição de quantias pagas, que julgou procedentes os pedidos formulados na exordial, nos seguintes termos: “a) resolver os contratos firmados por fato imputável à ré; b) condenar a requerida a restituir à parte autora os valores pagos pelo preço do negócio e o valor da multa contratual prevista pela cláusula 26 (fl. 58), desconsiderados os valores de eventuais multas e juros moratórios, em parcela única, tudo em conformidade com a planilha de cálculo a fl. 98, com correção monetária pelo INPC-IBGE e juros legais de mora de 1% desde os cálculos que embasaram a planilha a fl. 98. A partir de 30/8/24, os juros moratórios serão calculados pela SELIC, deduzido o índice de atualização monetária e desconsiderado even- tual resultado negativo, consoante a redação do art. 406 conferida pela Lei nº 14.905/24. Anoto que, por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência em REsp nº 1.207.197/RS, a c. Corte Especial do e. STJ fixou o entendimento de que as normas regulamentadoras de juros moratórios e atualização monetária têm natureza eminentemente processual, devendo ser aplicáveis aos processos em curso, à luz do brocardo “tempus regit actum”. Sucumbente, a requerida arcará com o pagamento das custas e despesas processuais e de honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condena- ção, à luz do art. 85, § 2º, do CPC”. Inconformada, recorre a requerida às fls. 318/349, sustentando, em sín- tese: a) a ocorrência de força maior (pandemia) a justificar o atraso na entrega da obra, não se tratando de fortuito interno; ressalva que a empresa Schindler, responsável pela entrega dos elevadores, não cumpriu o contrato; b) invoca a existência de abuso de direito (art. 187 do CC), pois a autora alega o descum- primento do contrato após o seu cumprimento; que não há prejuízo pela suposta inexecução dos contratos, mas sim um melhor negócio em buscar a devolução dos valores do que a entrega das unidades; c) a ocorrência de adimplemento substancial do contrato, pois a autora apenas foi alegar o suposto descumpri- mento quando já tinha ocorrido a expedição do habite-se e o registro da insti- tuição do condomínio; que poderiam estar faltando alguns detalhes, mas que isso não justifica a rescisão do contrato; d) na eventualidade de manutenção da procedência da ação, que os juros de mora incidam a partir da citação, conforme pedido expresso da autora. Contrarrazões às fls. 355/378. Pela decisão monocrática de fls. 420/424, o feito foi redistribuído a esta relatoria. Jurisprudência - Direito Privado É o relatório. Conforme consta dos autos, é incontroverso o pagamento integral do pre- ço pela autora de duas unidades habitacionais (números 141 e 161, ambas do Edifício Maison Helena), bem como que a obra não foi entregue pela ré no prazo ajustado no contrato, já computado o prazo de tolerância, com término em junho de 2.023. A alegação de força maior, por conta da pandemia, e de inexecução por um dos prestadores contratados pela ré responsável pela implantação dos ele- vadores, foi corretamente afastada pela sentença, valendo aqui sua transcrição, cujos fundamentos ficam inteiramente adotados: “Não prosperam os argumentos do polo passivo acerca da caracteriza- ção de força maior em virtude da pandemia de Covid-19. A área da construção civil foi declarada essencial durante os períodos de isolamento social decorren- tes da calamidade pública e, no caso vertente, não foram narrados efeitos da pandemia que justificassem o afastamento da responsabilidade da requerida. Na situação examinada, os efeitos da pandemia inserem-se no risco da atividade da ré, caracterizando fortuitos internos a essa atuação. O atraso da empresa fornecedora de elevadores não pode ser considerado fato de terceiro ou força maior externa a ser inserido nos riscos assumidos pelo comprador. A existência dos equipamentos no mercado é fator que integra o risco do negócio do polo passivo, tratando-se de fatos de ocorrência previsível, ainda que não fossem prováveis, e que devem ser objeto de cautela por todo e qualquer em- presário diligente. Em suma, o polo passivo deve arcar com os prejuízos decor- rentes da falta de planejamento quanto a esses empecilhos, sem prejuízo de se voltar contra eventuais terceiros responsáveis pela responsabilidade assumida. Justamente por essas razões é que se sedimentou, no âmbito do e. Tribu- nal de Justiça de São Paulo (TJSP), a orientação de que “Não constitui hipóte- se de caso fortuito ou de força maior, a ocorrência de chuvas em excesso, falta de mão de obra, aquecimento do mercado, embargo do empreendimento ou, ainda, entraves administrativos.” (súmula nº. 161). Em outras palavras, os fatores apontados pela ré como excludentes de sua responsabilidade civil são ínsitos ao desempenho de sua atividade, carac- terizando fortuito interno a seus negócios. E, se a requerida aufere lucros a partir dessa atividade, deve internalizar também os prejuízos relacionados a seu exercício, que não são oponíveis à parte consumidora. (...) Ainda que assim não fosse, o documento a fls. 197/232 indica que a con- tratação com a fornecedora de elevador foi formalizada já depois de mais de 196 um ano do início da pandemia. Àquela ocasião, a parte requerida, mesmo ciente dos efeitos da crise pandêmica sobre o mercado, optou por contratar a empresa em questão, razão pela qual o suposto atraso da fornecedora não caracteriza fato imprevisível e de consequências inevitáveis. Jurisprudência - Direito Privado Em síntese, as dificuldades enfrentadas pela requerida são percalços de desenvolvimento de uma obra como aquela executada pela ré e deveriam haver sido levadas em consideração para a fixação do prazo de entrega do imóvel. Referidos fatores, ademais, pelas razões acima expostas, não atraem a aplica- ção da cláusula n. 20 do contrato firmado (fl. 57). De se consignar que essas variáveis justificam o estabelecimento de um prazo contratual de tolerância para entrega das unidades (cláusula 4 - fl. 6), pelo que não há falar em outras prorrogações”. Não se pode acolher as teses de abuso de direito ou adimplemento subs- tancial do contrato invocadas pela apelante. O atraso na entrega da obra é incontroverso, superado o prazo de tole- rância (junho/2023). A ré foi notificada em 15/2/2024 acerca do interesse na rescisão contrato pela parte autora. Respondeu em 22/02/2024 informando que as unidades estavam prontas para serem entregues, mas não disponibilizou efe- tivamente as chaves dos apartamentos ou marcou data para a entrega. Ao contrário disso, a parte autora comprovou por meio de diversas foto- grafias capturadas em 24/2/2024 que o empreendimento ainda se encontrava em obras, fato que nunca foi contestado pela parte ré durante o trâmite processual. Ou seja, apesar de informar que as unidades estavam concluídas, a ré não dis- ponibilizou a efetiva entrega das chaves ou comprovou sua alegação, permane- cendo silente diante da prova fotográfica trazida pela parte autora em sentido contrário. O inadimplemento, além de incontroverso, permanecia ao tempo da noti- ficação. Ora, não basta a expedição do habite-se ou a instituição do condomínio na matrícula do imóvel. A obra precisa ser efetivamente entregue, com a imis- são dos compradores na posse do imóvel para que dele possam usufruir, o que nunca foi disponibilizado pela parte ré aqui apelante. Caberia a ela comprovar a finalização do empreendimento e disponibilizar as chaves do imóvel, mas disso não se desincumbiu. Portanto, não há que se falar em abuso de direito ao pedir a autora a res- cisão do contrato, com base em cláusula expressa prevista no contrato, diante de sua inexecução pela parte requerida. Igualmente, não se verifica o adimplemento substancial do contrato pela construtora. Sua única obrigação era a de entregar o imóvel no prazo ajustado, o que, confessadamente não cumpriu. Dizer que faltavam alguns detalhes, sem qualquer comprovação de que itens seriam estes, não constitui adimplemento substancial do contrato, pois as chaves das unidades nunca foram disponibiliza- das aos compradores. A inexecução da obrigação principal (entrega do imóvel) atribui à ré a culpa pela rescisão contrato, o que foi corretamente reconhecido em primeiro grau, com a consequente devolução integral dos valores pagos. Jurisprudência - Direito Privado Ademais, ninguém é obrigado a permanecer em uma relação contratual quando não há mais interesse, ainda mais quando o objeto do contrato não foi entregue pela parte inadimplente. Assim dispõem a Súmula nº 543 do STJ e Súmula 2 deste TJSP: Súmula 543: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de com- pra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimen- to” (j. 26/8/15). Súmula 2: “A devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição”. Nesse sentido: 1033911-40.2024.8.26.0100 Classe/Assunto: Apelação Cível / Promessa de Compra e Venda Relator(a): L. G. Costa Wagner Comarca: São Paulo Órgão julgador: 34ª Câmara de Direito Privado Data do julgamento: 28/2/2025 Data de publicação: 28/2/2025 Ementa: APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RESOLUÇÃO DE PROMESSA DE VENDA E COMPRA CUMULADA COM RESTITUI- ÇÃO/DEVOLUÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANO MA- TERIAL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL (UNIDADE EM CONDOMÍNIO EDILÍCIO). ATRASO NA ENTREGA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em Exame: Recurso de apelação in- terposto pela vendedora ré contra sentença de procedência que declarou a rescisão do contrato e determinou a restituição integral dos valores pagos e o pagamento de multa contratual. Ré que sustenta a inexistência de atra- so e requer a retenção de valores. II. Questão em Discussão: Analisar se a rescisão do contrato ocorreu por culpa da ré devido ao atraso na entrega do imóvel e se a restituição integral dos valores pagos e a aplicação de mul- ta contratual são devidas. III. Razões de Decidir: A ré não comprovou a entrega do imóvel dentro do prazo de tolerância, caracterizando mora. A expedição do “habite-se” sem a entrega efetiva do imóvel não afasta a mora contratual (Súmula nº 160 TJSP). Culpa da ré pela rescisão contratual, que impõe a restituição integral dos valores pagos (Súmula nº 543 do STJ) 198 e em parcela única (Súmula nº 2 TJSP). Contrato que previa em caso de descumprimento do prazo a possibilidade de rescisão pelo comprador, além de multa contratual. Multa devida, inexistindo bis in idem entre a rescisão do contrato e a multa contratual. IV. Tese de julgamento: 1. A expedição Jurisprudência - Direito Privado do “habite-se” sem entrega do imóvel não afasta a mora. 2. A restituição integral dos valores pagos e multa contratual são devidos em caso de ina- dimplemento do vendedor. RECURSO DESPROVIDO. Apenas um reparo comporta a r. sentença recorrida. Quanto aos juros de mora, estes devem incidir a partir da citação e não como constou do “decisum”, haja vista tratar-se de responsabilidade contratual. Esse o entendimento do STJ: “em caso de rescisão de contrato de com- pra e venda de imóvel por culpa da promitente vendedora, os juros de mora sobre o valor a ser restituído incidem a partir da citação” (AgInt no AREsp nº 1.761.193/DF, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 22/3/2021, DJe de 13/4/2021). Destarte, de rigor a reforma da sentença combatida, somente no to- cante ao termo inicial de incidência dos juros de mora, que devem ser com- putados a partir da citação. Fica mantida a sucumbência integral da parte requerida, pois a própria parte autora havia requerido expressamente na exordial o cômputo dos juros de mora a partir da citação (item b, de fl. 8). Não se visualiza a hipótese de condenação da ré em litigância de má-fé, pois apenas sustentou tese que achou cabível à hipótese concreta na defesa do direito que entendia possuir. Tendo em vista o provimento em parte do recurso, não há que se falar em majoração dos honorários advocatícios. Considera-se prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitu- cional, observando-se que é pacífico no C. Superior Tribunal de Justiça que, tratando-se de prequestionamento é desnecessária a citação numérica dos dis- positivos legais, bastando que a questão posta tenha sido decidida. E mais, os embargos declaratórios, mesmo para fins de prequestionamento só são admissí- veis se a decisão embargada estiver eivada de algum dos vícios que ensejariam a oposição dessa espécie recursal (EDROMS 18.205/SP, Ministro FÉLIX FIS- CHER, DJ 8.5.2006 p. 240). Ante o exposto, pelo meu voto, dou parcial provimento ao recurso, nos moldes acima determinados.