Decisão 63

Processo: 1002518-34.2024.8.26.0218

Recurso: Apelação

Relator: SÁ MOREIRA DE OLIVEIRA

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 14 de abril de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – AÇÃO DECLARATÓRIA - Gratuidade processual - Documentos que demonstram hipossu- ficiência - Benefício concedido - Emenda da petição inicial - Determinação de reunião de procuração es- pecífica - Documento não apresentado - Aplicação de diretriz da Corregedoria Geral de Justiça - Medida necessária para evitar a utilização abusiva do Poder Judiciário - Litigância predatória que é realidade ine- gável e já objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça - Tema 1198 REsp 2021665/MS - Inércia - Sen- tença de extinção mantida. Recurso parcialmente provido.(TJSP; Apelação 1002518-34.2024.8.26.0218; Relator: SÁ MOREIRA DE OLIVEIRA; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça; Data do Julgamento: 14 de abril de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 33ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte ao re- curso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº SMO 48.634) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LUIZ EURICO (Presidente sem voto), ANA LUCIA ROMANHOLE MARTUCCI e CARMEN LUCIA DA SILVA. São Paulo, 14 de abril de 2025. SÁ MOREIRA DE OLIVEIRA, Relator


Ementa: AÇÃO DECLARATÓRIA - Gratuidade processual - Documentos que demonstram hipossu- ficiência - Benefício concedido - Emenda da petição inicial - Determinação de reunião de procuração es- pecífica - Documento não apresentado - Aplicação de diretriz da Corregedoria Geral de Justiça - Medida necessária para evitar a utilização abusiva do Poder Judiciário - Litigância predatória que é realidade ine- gável e já objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça - Tema 1198 REsp 2021665/MS - Inércia - Sen- tença de extinção mantida. Recurso parcialmente provido.





VOTO

Trata-se de apelação interposta por MARIA COSMELINA FERREIRA DE SOUZA JUSTINO (fls. 137/166) contra a r. sentença de fls. 133/134, profe- rida pelo MM. Juízo da 3ª Vara Cível do Foro Regional de Itaquera da Comarca desta Capital, Dra. Daniella Carla Russo Greco de Lemos, que indeferiu a inicial e julgou extinto o processo movido em face de TELEFÔNICA BRASIL S/A, nos termos dos artigos 485, incisos I e IV, 321, parágrafo único, e 330, inciso I, todos do Código de Processo Civil. A apelante faz resumo dos fatos. Alega que, para o deferimento da gra- tuidade da justiça, a lei exige apenas a pobreza na acepção jurídica do termo. A única exigência legal é a mera declaração da impossibilidade de arcar com as despesas do processo, sem prejuízo próprio ou de sua família. Não tem a parte 68 o dever de comprovar sempre e documentalmente a hipossuficiência afirmada. Não se exige o estado de pobreza para a obtenção do benefício. Além disso, está isenta da declaração do imposto de renda. Também não há necessidade de demonstração efetiva da negativa administrativa. Argumenta, ainda, que a Jurisprudência - Direito Privado procuração anexada foi assinada eletronicamente, cumprindo os requisitos pre- conizados pela legislação que institui o ICP - Brasil. Argumenta que a assina- tura eletrônica fornecida pela empresa Zapsign, cumpre os requisitos da MP nº 2.200-2/2001. Assim, demonstrou a autenticidade da procuração e legitimidade para a propositura da demanda. Aponta que a referida plataforma se encontra credenciada desde 22/05/2024. Não há que se falar em irregularidade da procu- ração. Acrescenta que o valor da causa pode ser alterado, inclusive, de ofício, impedindo o indeferimento da inicial. Requer o provimento do recurso. Contrarrazões às fls. 205/211. É o relatório. Presentes os pressupostos legais, conheço do recurso, recebendo-o em seus regulares efeitos, e lhe dou parcial provimento. Em seus artigos 98 e seguintes, o atual Código de Processo Civil dispõe sobre a gratuidade da justiça. Do teor dos preceitos, vê-se que o Código de Processo Civil, assim como a Lei 1.060/50, recepcionada constitucionalmente, exigiu como condição para o exercício do benefício, tão-somente, a situação de necessitado e a afirmação disto. Entretanto, não estabeleceu o requisito de forma desmedida, pois regis- trou que a presunção dessa condição é relativa, admitindo prova contrária. E o artigo 99, § 2º, do Código de Processo Civil é claro em expressamen- te registrar que “o juiz somente poderá indeferir o pedido se houve nos autos elementos que evidenciem a falta os pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a compro- vação do preenchimento dos referidos pressupostos”. Nesse sentido, e considerando que o acesso ao Poder Judiciário não é gratuito, reconheço como admissível determine o magistrado a reunião de do- cumentos comprobatórios da insuficiência, tal como ocorreu na hipótese dos autos. Este Relator tem adotado como parâmetro para a concessão do benefício da justiça gratuita os mesmos aplicados pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo para o atendimento (cf. Deliberação do Conselho Superior da Defen- soria Pública nº 89, de 8.8.2008, consolidada): auferir renda familiar mensal em quantia inferior ou equivalente a três salários mínimos; não ser proprietário de bens móveis ou imóveis cujos valores ultrapassem quantia equivalente a 5 mil UFESP’s e não possuir recursos financeiros em aplicações ou investimentos em valores superiores a 12 salários mínimos. No caso, com o devido respeito ao convencimento externado, os docu- mentos de fls. 191/200 demonstram situação de hipossuficiência nos termos dos parâmetros acima apontados. Jurisprudência - Direito Privado Assim, concedo os benefícios da gratuidade da justiça à autora, anotando- se. No mais, a ora recorrente propôs demanda em face da apelada, preten- dendo a declaração da prescrição de dívida; o reconhecimento da ilicitude da cobrança e do apontamento do nome da autora no banco de dados da SERASA e a indenização por danos morais (fls. 19). No despacho inaugural do processo, o MM. Juízo ‘a quo’ determinou a emenda da petição inicial, requerendo, dentre outras providências, a declara- ção, de próprio punho, com firma reconhecida por autenticidade, confirmando o interesse na propositura da ação (Enunciados 4 e 5), bem como a juntada de procuração específica para o presente feito, no prazo de 15 dias, sob pena de indeferimento da inicial. (fls. 38). A requerente não interpôs recurso contra a decisão de fls. 38/39, mani- festou-se (fls. 42/45 e 86/92), mas sem reunir o documento faltante (procuração específica). E, diante do não cumprimento da ordem para emenda da inicial, sobre- veio a sentença. Em que pese a insurgência da apelante, reputo ser insuficiente o instru- mento exibido. De fato, a procuração reunida aos autos foi assinada digitalmente, porém tal documento não supre a exigência de regularização processual. A respeito do assunto, este Tribunal já deixou assentado que: “Embora a empresa ZapSign esteja, de fato, credenciada no ICP -Brasil desde de 22/05/2024, os documentos assinados eletronicamente pela sua plataforma digital não possuem validade perante o Poder Judi- ciário, pois este exige que, quando a assinatura for efetivada por meio de certificado digital, este seja emitido por autoridade certificadora creden- ciada, não de registro, e que possua padrão A3, não A1”. (cf. Apelação Cível 1002518-34.2024.8.26.0218; Relator (a): Schmitt Corrêa). Nesse sentido: “APELAÇÃO CÍVEL - Ação de danos morais c.c. inexistência de débitos - Sentença que indeferiu a petição inicial e extinguiu o pro- cesso sem resolução do mérito, sob fundamento de ausência de procu- ração válida devido à assinatura eletrônica realizada pela plataforma ZapSign - Elemento extrínseco de admissibilidade - Procuração apresen- tada assinada pela plataforma ZapSign, que não é credenciada junto à Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras ICP Brasil - Defeito na re- presentação processual - Precedentes - Autenticidade do documento não 70 comprovada - Sentença mantida - Recurso desprovido.” (Apelação Cível 1001167-54.2023.8.26.0511; Relator (a): Ana Luiza Villa Nova; Órgão Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Foro de Rio das Pedras - Vara Única; Data do Julgamento: 20/01/2025; Data de Registro: 20/01/2025). Jurisprudência - Direito Privado “RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C.C PEDIDO DE INDENI- ZAÇÃO POR DANOS MORAIS E LIMINAR. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. INSTRUMENTO DE PROCURAÇÃO COM ASSINATURA DIGITAL PELA PLATAFOR- MA DIGITAL DA CERTIFICADORA “ZAPSIGN”. INCONFORMIS- MO. DESACOLHIMENTO. ASSINATURA NÃO CERTIFICADA POR ENTIDADE CREDENCIADA JUNTO AO ICP - BRASIL. REQUISITO PREVISTO NO ARTIGO 10, §1º, DA MP 2.200/01 NÃO PREENCHI- DO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.” (Apelação Cível 1027299-19.2023.8.26.0554; Relator (a): Marcello do Amaral Pe- rino; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santo An- dré - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/01/2025; Data de Registro: 22/01/2025). “PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - ENERGIA ELÉTRICA - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - ORDEM DE EMENDA PARA REGULARIZAÇÃO DA PROCURAÇÃO NÃO CUMPRIDA - APRESEN- TAÇÃO DE PROCURAÇÃO ASSINADA FISICAMENTE - DESCUM- PRIMENTO - SOMENTE SERÁ VÁLIDA NOS PROCESSOS JUDICIAIS A ASSINATURA DIGITAL BASEADA EM CERTIFICADO DIGITAL EMITIDO POR AUTORIDADE CERTIFICADORA CREDENCIADA PERANTE O IPC-BRASIL - EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESO- LUÇÃO DO MÉRITO COM FUNDAMENTO NO ART. 485, INCISO IV, DO CPC SENTENÇA MANTIDA - APELAÇÃO NÃO PROVIDA” (Apelação Cível 1009196-37.2024.8.26.0001; Relator (a): Luiz Eurico; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - San- tana - 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/09/2024; Data de Registro: 10/09/2024). Ademais, o MM. Juízo ‘a quo’ fez aplicar orientações da Corregedoria Geral de Justiça, que tem atribuição para fiscalizar, em caráter geral e perma- nente, as atividades dos órgãos e serviços judiciários de primeira instância (cf. art. 28 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo). O Comunicado CG nº 2/2017 é resultado de estudos realizados pelo Nú- cleo de Monitoramento de Perfis de Demanda, visando impedir a utilização abu- siva do Poder Judiciário, principalmente em ações com pedidos de exibição de documentos, de declaração de inexistência de débito, de consignação em paga- 70 mento ou atinentes ao dever de informar. Nele, assim como no Comunicado CG nº 29/2016, há a indicação de boas práticas a serem adotadas pelos julgadores em cenário de multiplicidade de demandas com características comuns. Jurisprudência - Direito Privado Ora, as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (art. 4º do Código de Processo Civil). E, nesse contexto, conforme prescrição do art. 321 do Código de Processo Civil, cabe ao julgador determinar a correção do que seja capaz de impedir isso. Ademais, registro que compete ao julgador velar pela prestação jurisdi- cional adequada, razoável e efetiva, nos termos do art. 139 do Código de Pro- cesso Civil. Infelizmente, não há como se negar a existência da litigância preda- tória, inclusive tema (1198) de recurso repetitivo perante o Superior Tribunal de Justiça (REsp 2021665/MS). Portanto, a sentença nada mais fez do que aplicar as diretrizes da Corre- gedoria Geral de Justiça para a situação. Sem a adequada emenda, não houve regularização da representação pro- cessual, pressuposto objetivo do processo, autorizando o indeferimento da peti- ção inicial (arts. 321, parágrafo único, e 485, inciso IV, do Código de Processo Civil). Pelo exposto, dou parcial provimento ao recurso, tão somente para conce- der à apelante os benefícios da gratuidade da justiça, anotando-se.