APELAçãO – AÇÃO DECLARATÓRIA - Gratuidade processual - Documentos que demonstram hipossu- ficiência - Benefício concedido - Emenda da petição inicial - Determinação de reunião de procuração es- pecífica - Documento não apresentado - Aplicação de diretriz da Corregedoria Geral de Justiça - Medida necessária para evitar a utilização abusiva do Poder Judiciário - Litigância predatória que é realidade ine- gável e já objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça - Tema 1198 REsp 2021665/MS - Inércia - Sen- tença de extinção mantida. Recurso parcialmente provido.(TJSP; Apelação 1002518-34.2024.8.26.0218; Relator: SÁ MOREIRA DE OLIVEIRA; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça; Data do Julgamento: 14 de abril de 2025)
, em 33ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte ao re-
curso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
(Voto nº SMO 48.634)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LUIZ
EURICO (Presidente sem voto), ANA LUCIA ROMANHOLE MARTUCCI e
CARMEN LUCIA DA SILVA.
São Paulo, 14 de abril de 2025.
SÁ MOREIRA DE OLIVEIRA, Relator
Ementa: AÇÃO DECLARATÓRIA - Gratuidade
processual - Documentos que demonstram hipossu-
ficiência - Benefício concedido - Emenda da petição
inicial - Determinação de reunião de procuração es-
pecífica - Documento não apresentado - Aplicação de
diretriz da Corregedoria Geral de Justiça - Medida
necessária para evitar a utilização abusiva do Poder
Judiciário - Litigância predatória que é realidade ine-
gável e já objeto de análise pelo Superior Tribunal de
Justiça - Tema 1198 REsp 2021665/MS - Inércia - Sen-
tença de extinção mantida.
Recurso parcialmente provido.
VOTO
Trata-se de apelação interposta por MARIA COSMELINA FERREIRA
DE SOUZA JUSTINO (fls. 137/166) contra a r. sentença de fls. 133/134, profe-
rida pelo MM. Juízo da 3ª Vara Cível do Foro Regional de Itaquera da Comarca
desta Capital, Dra. Daniella Carla Russo Greco de Lemos, que indeferiu a inicial
e julgou extinto o processo movido em face de TELEFÔNICA BRASIL S/A,
nos termos dos artigos 485, incisos I e IV, 321, parágrafo único, e 330, inciso I,
todos do Código de Processo Civil.
A apelante faz resumo dos fatos. Alega que, para o deferimento da gra-
tuidade da justiça, a lei exige apenas a pobreza na acepção jurídica do termo. A
única exigência legal é a mera declaração da impossibilidade de arcar com as
despesas do processo, sem prejuízo próprio ou de sua família. Não tem a parte
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o dever de comprovar sempre e documentalmente a hipossuficiência afirmada.
Não se exige o estado de pobreza para a obtenção do benefício. Além disso,
está isenta da declaração do imposto de renda. Também não há necessidade
de demonstração efetiva da negativa administrativa. Argumenta, ainda, que a
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procuração anexada foi assinada eletronicamente, cumprindo os requisitos pre-
conizados pela legislação que institui o ICP - Brasil. Argumenta que a assina-
tura eletrônica fornecida pela empresa Zapsign, cumpre os requisitos da MP nº
2.200-2/2001. Assim, demonstrou a autenticidade da procuração e legitimidade
para a propositura da demanda. Aponta que a referida plataforma se encontra
credenciada desde 22/05/2024. Não há que se falar em irregularidade da procu-
ração. Acrescenta que o valor da causa pode ser alterado, inclusive, de ofício,
impedindo o indeferimento da inicial. Requer o provimento do recurso.
Contrarrazões às fls. 205/211.
É o relatório.
Presentes os pressupostos legais, conheço do recurso, recebendo-o em
seus regulares efeitos, e lhe dou parcial provimento.
Em seus artigos 98 e seguintes, o atual Código de Processo Civil dispõe
sobre a gratuidade da justiça.
Do teor dos preceitos, vê-se que o Código de Processo Civil, assim como
a Lei 1.060/50, recepcionada constitucionalmente, exigiu como condição para
o exercício do benefício, tão-somente, a situação de necessitado e a afirmação
disto.
Entretanto, não estabeleceu o requisito de forma desmedida, pois regis-
trou que a presunção dessa condição é relativa, admitindo prova contrária.
E o artigo 99, § 2º, do Código de Processo Civil é claro em expressamen-
te registrar que “o juiz somente poderá indeferir o pedido se houve nos autos
elementos que evidenciem a falta os pressupostos legais para a concessão de
gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a compro-
vação do preenchimento dos referidos pressupostos”.
Nesse sentido, e considerando que o acesso ao Poder Judiciário não é
gratuito, reconheço como admissível determine o magistrado a reunião de do-
cumentos comprobatórios da insuficiência, tal como ocorreu na hipótese dos
autos.
Este Relator tem adotado como parâmetro para a concessão do benefício
da justiça gratuita os mesmos aplicados pela Defensoria Pública do Estado de
São Paulo para o atendimento (cf. Deliberação do Conselho Superior da Defen-
soria Pública nº 89, de 8.8.2008, consolidada): auferir renda familiar mensal em
quantia inferior ou equivalente a três salários mínimos; não ser proprietário de
bens móveis ou imóveis cujos valores ultrapassem quantia equivalente a 5 mil
UFESP’s e não possuir recursos financeiros em aplicações ou investimentos em
valores superiores a 12 salários mínimos.
No caso, com o devido respeito ao convencimento externado, os docu-
mentos de fls. 191/200 demonstram situação de hipossuficiência nos termos dos
parâmetros acima apontados.
Jurisprudência - Direito Privado
Assim, concedo os benefícios da gratuidade da justiça à autora, anotando-
se.
No mais, a ora recorrente propôs demanda em face da apelada, preten-
dendo a declaração da prescrição de dívida; o reconhecimento da ilicitude da
cobrança e do apontamento do nome da autora no banco de dados da SERASA
e a indenização por danos morais (fls. 19).
No despacho inaugural do processo, o MM. Juízo ‘a quo’ determinou a
emenda da petição inicial, requerendo, dentre outras providências, a declara-
ção, de próprio punho, com firma reconhecida por autenticidade, confirmando
o interesse na propositura da ação (Enunciados 4 e 5), bem como a juntada de
procuração específica para o presente feito, no prazo de 15 dias, sob pena de
indeferimento da inicial. (fls. 38).
A requerente não interpôs recurso contra a decisão de fls. 38/39, mani-
festou-se (fls. 42/45 e 86/92), mas sem reunir o documento faltante (procuração
específica).
E, diante do não cumprimento da ordem para emenda da inicial, sobre-
veio a sentença.
Em que pese a insurgência da apelante, reputo ser insuficiente o instru-
mento exibido.
De fato, a procuração reunida aos autos foi assinada digitalmente, porém
tal documento não supre a exigência de regularização processual.
A respeito do assunto, este Tribunal já deixou assentado que:
“Embora a empresa ZapSign esteja, de fato, credenciada no ICP
-Brasil desde de 22/05/2024, os documentos assinados eletronicamente
pela sua plataforma digital não possuem validade perante o Poder Judi-
ciário, pois este exige que, quando a assinatura for efetivada por meio de
certificado digital, este seja emitido por autoridade certificadora creden-
ciada, não de registro, e que possua padrão A3, não A1”. (cf. Apelação
Cível 1002518-34.2024.8.26.0218; Relator (a): Schmitt Corrêa).
Nesse sentido:
“APELAÇÃO CÍVEL - Ação de danos morais c.c. inexistência
de débitos - Sentença que indeferiu a petição inicial e extinguiu o pro-
cesso sem resolução do mérito, sob fundamento de ausência de procu-
ração válida devido à assinatura eletrônica realizada pela plataforma
ZapSign - Elemento extrínseco de admissibilidade - Procuração apresen-
tada assinada pela plataforma ZapSign, que não é credenciada junto à
Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras ICP Brasil - Defeito na re-
presentação processual - Precedentes - Autenticidade do documento não
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comprovada - Sentença mantida - Recurso desprovido.” (Apelação Cível
1001167-54.2023.8.26.0511; Relator (a): Ana Luiza Villa Nova; Órgão
Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Foro de Rio das Pedras - Vara
Única; Data do Julgamento: 20/01/2025; Data de Registro: 20/01/2025).
Jurisprudência - Direito Privado
“RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C.C PEDIDO DE INDENI-
ZAÇÃO POR DANOS MORAIS E LIMINAR. SENTENÇA DE EXTINÇÃO
DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. INSTRUMENTO
DE PROCURAÇÃO COM ASSINATURA DIGITAL PELA PLATAFOR-
MA DIGITAL DA CERTIFICADORA “ZAPSIGN”. INCONFORMIS-
MO. DESACOLHIMENTO. ASSINATURA NÃO CERTIFICADA POR
ENTIDADE CREDENCIADA JUNTO AO ICP - BRASIL. REQUISITO
PREVISTO NO ARTIGO 10, §1º, DA MP 2.200/01 NÃO PREENCHI-
DO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.” (Apelação
Cível 1027299-19.2023.8.26.0554; Relator (a): Marcello do Amaral Pe-
rino; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santo An-
dré - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/01/2025; Data de Registro:
22/01/2025).
“PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - ENERGIA ELÉTRICA - AÇÃO
DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - ORDEM DE EMENDA PARA
REGULARIZAÇÃO DA PROCURAÇÃO NÃO CUMPRIDA - APRESEN-
TAÇÃO DE PROCURAÇÃO ASSINADA FISICAMENTE - DESCUM-
PRIMENTO - SOMENTE SERÁ VÁLIDA NOS PROCESSOS JUDICIAIS
A ASSINATURA DIGITAL BASEADA EM CERTIFICADO DIGITAL
EMITIDO POR AUTORIDADE CERTIFICADORA CREDENCIADA
PERANTE O IPC-BRASIL - EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESO-
LUÇÃO DO MÉRITO COM FUNDAMENTO NO ART. 485, INCISO
IV, DO CPC SENTENÇA MANTIDA - APELAÇÃO NÃO PROVIDA”
(Apelação Cível 1009196-37.2024.8.26.0001; Relator (a): Luiz Eurico;
Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - San-
tana - 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/09/2024; Data de Registro:
10/09/2024).
Ademais, o MM. Juízo ‘a quo’ fez aplicar orientações da Corregedoria
Geral de Justiça, que tem atribuição para fiscalizar, em caráter geral e perma-
nente, as atividades dos órgãos e serviços judiciários de primeira instância (cf.
art. 28 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo).
O Comunicado CG nº 2/2017 é resultado de estudos realizados pelo Nú-
cleo de Monitoramento de Perfis de Demanda, visando impedir a utilização abu-
siva do Poder Judiciário, principalmente em ações com pedidos de exibição de
documentos, de declaração de inexistência de débito, de consignação em paga-
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mento ou atinentes ao dever de informar. Nele, assim como no Comunicado CG
nº 29/2016, há a indicação de boas práticas a serem adotadas pelos julgadores
em cenário de multiplicidade de demandas com características comuns.
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Ora, as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral
do mérito, incluída a atividade satisfativa (art. 4º do Código de Processo Civil).
E, nesse contexto, conforme prescrição do art. 321 do Código de Processo Civil,
cabe ao julgador determinar a correção do que seja capaz de impedir isso.
Ademais, registro que compete ao julgador velar pela prestação jurisdi-
cional adequada, razoável e efetiva, nos termos do art. 139 do Código de Pro-
cesso Civil. Infelizmente, não há como se negar a existência da litigância preda-
tória, inclusive tema (1198) de recurso repetitivo perante o Superior Tribunal de
Justiça (REsp 2021665/MS).
Portanto, a sentença nada mais fez do que aplicar as diretrizes da Corre-
gedoria Geral de Justiça para a situação.
Sem a adequada emenda, não houve regularização da representação pro-
cessual, pressuposto objetivo do processo, autorizando o indeferimento da peti-
ção inicial (arts. 321, parágrafo único, e 485, inciso IV, do Código de Processo
Civil).
Pelo exposto, dou parcial provimento ao recurso, tão somente para conce-
der à apelante os benefícios da gratuidade da justiça, anotando-se.