Decisão 68

Processo: 1016907-34.2022.8.26.0011

Recurso: Apelação

Relator: ROBERTO MAIA

Data do julgamento: 24 de julho de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. INDENI- ZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. CHARGEBA- CK. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA DEMANDADA. DESPROVIMENTO. I. Caso em Exame Ação de indenização por danos materiais proposta por pessoa jurídica contra instituição de pagamentos. A autora alega que, após a entrega de mercadorias, não recebeu os valores das transações devido a ale- 216 gações de fraude e requer indenização no valor de R$ 68.845,52. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em (i) a responsa- Jurisprudência - Direito Privado bilidade da ré pelo não repasse dos valores das vendas devido ao chargeback e (ii) a validade das cláusulas contratuais que imputam ao comerciante os riscos das transações contestadas. III. Razões de Decidir 3. A apelante não apresentou provas concretas da ale- gada fraude, enquanto a autora comprovou a entrega dos produtos e a regularidade das transações. 4. A cláusula de chargeback é considerada abusiva, pois transfere indevidamente ao comerciante os riscos da atividade de intermediação de pagamentos. IV. Dispositivo e Tese 5. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A cláusula de chargeback que transfere ao comerciante os riscos de fraudes nas transações é abusiva. 2. A responsabilidade pela segu- rança das transações cabe à instituição financeira que intermedia os pagamentos. Legislação Citada: Código Civil, arts. 421, parágrafo único, 421-A, inci- sos II e III; Código de Processo Civil, art. 373, II, art. 85, §11. Jurisprudência Citada: STJ, REsp nº 2.095.413/SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 24.10.2023. TJSP, Apelação Cível 1016907-34.2022.8.26.0011, Rel. Des. Anna Paula Dias da Costa, j. 11.10.2023. TJSP, Apelação Cível 1031022-30.2022.8.26.0506, Rel. Des. Márcio Teixeira Laranjo, j. 05.10.2023.(TJSP; Apelação 1016907-34.2022.8.26.0011; Relator: ROBERTO MAIA; Data do Julgamento: 24 de julho de 2025)

Voto / Fundamentação

, em sessão permanente e virtual da 20ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Nega- ram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 33.830) O julgamento teve a participação dos Desembargadores ROBERTO MAIA (Presidente), MARIA SALETE CORRÊA DIAS e LIDIA REGINA RO- DRIGUES MONTEIRO CABRINI. São Paulo, 24 de julho de 2025. ROBERTO MAIA, Relator


Ementa: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. INDENI- ZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. CHARGEBA- CK. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA DEMANDADA. DESPROVIMENTO. I. Caso em Exame Ação de indenização por danos materiais proposta por pessoa jurídica contra instituição de pagamentos. A autora alega que, após a entrega de mercadorias, não recebeu os valores das transações devido a ale- 216 gações de fraude e requer indenização no valor de R$ 68.845,52. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em (i) a responsa- Jurisprudência - Direito Privado bilidade da ré pelo não repasse dos valores das vendas devido ao chargeback e (ii) a validade das cláusulas contratuais que imputam ao comerciante os riscos das transações contestadas. III. Razões de Decidir 3. A apelante não apresentou provas concretas da ale- gada fraude, enquanto a autora comprovou a entrega dos produtos e a regularidade das transações. 4. A cláusula de chargeback é considerada abusiva, pois transfere indevidamente ao comerciante os riscos da atividade de intermediação de pagamentos. IV. Dispositivo e Tese 5. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A cláusula de chargeback que transfere ao comerciante os riscos de fraudes nas transações é abusiva. 2. A responsabilidade pela segu- rança das transações cabe à instituição financeira que intermedia os pagamentos. Legislação Citada: Código Civil, arts. 421, parágrafo único, 421-A, inci- sos II e III; Código de Processo Civil, art. 373, II, art. 85, §11. Jurisprudência Citada: STJ, REsp nº 2.095.413/SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 24.10.2023. TJSP, Apelação Cível 1016907-34.2022.8.26.0011, Rel. Des. Anna Paula Dias da Costa, j. 11.10.2023. TJSP, Apelação Cível 1031022-30.2022.8.26.0506, Rel. Des. Márcio Teixeira Laranjo, j. 05.10.2023.





VOTO

RELATÓRIO: Trata-se de ação de indenização por danos materiais proposta por S&I Comércio e Representações Ltda. em face de Pagar.me Instituição de Paga- mentos S/A. Alega a parte autora, em resumo, que atua no comércio eletrôni- co, tendo contratado os serviços da requerida, utilizando sua plataforma para realizar operações de vendas em ambiente virtual. Aduz terem sido realizadas 08 operações aprovadas pelo sistema antifraude da requerida, referentes a ven- das de equipamentos, que totalizaram a importância histórica de R$ 68.845,52. Suscita que, após a entrega das mercadorias, foi surpreendida com a contesta- Jurisprudência - Direito Privado ção das vendas, sob suposta alegação de fraude, não recebendo os valores da transação. Menciona tentativa de resolução extrajudicial, mas não obteve êxito. Desse modo, requer seja a requerida compelida à exibição do comprovante de estorno do valor das compras aos titulares dos cartões de crédito, bem como toda documentação referente aos fatos versados nesta ação, sendo condenada ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 68.845,52. Dá à causa o valor de R$ 68.845,52 (fls. 19). Sobreveio a r. sentença de fls. 492/496, cujo relatório de adota, julgando “PROCEDENTE a ação proposta por S&I - COMÉRCIO E REPRESENTA- ÇÕES LTDA em face de PAGAR.ME PAGAMENTOS S.A., condenando a parte requerida ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 68.845,52, referente ao chargeback, a ser atualizado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) a partir dos descontos e acrescido de juros a partir da citação. Os juros de mora serão calculados de acordo com o arti- go 406, do Código Civil, observando-se a modificação introduzida pela Lei n 14.905/24. Em consequência, Julgo Extinto o processo na forma do artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil. Considerando-se a sucumbência, a par- te ré suportará o pagamento integral das custas judiciais (atualizadas) e dos honorários advocatícios, estes fixados em 15% do valor da causa, na forma do artigo 85, § 2º do CPC.” A requerente opôs embargos de declaração (fls. 499/502) que foram re- jeitados a fls. 509. Inconformada, recorre a empresa ré, aduzindo, em síntese, (A) ainda que a entrega do produto tivesse sido comprovada nos autos, o que se admite ape- nas a título de argumentação, a parte autora em momento algum demonstrou ter enviado para a Apelante a documentação necessária para comprovar a re- gularidade da transação ao tempo da comunicação do chargeback, o que pos- sibilitaria, em tese, a impugnação administrativa da solicitação de estorno da transação cancelada. Foi justamente a ausência do envio administrativo de tais documentos que inviabilizou a reversão do chargeback pela operadora do car- tão, por inércia da parte autora, sendo insuficiente para o deslinde da demanda a apresentação dos comprovantes apenas em juízo, quando já havia decorrido o prazo para impugnar o chargeback administrativamente (fls. 516); (B) Em que pese a capacidade técnica da Apelante para gerenciar as negociações eletrôni- cas, há cláusulas contratuais, as quais devem ser respeitadas, que imputam à Apelada os prejuízos das contestações feitas pelo consumidor titular do cartão (“chargeback”) (fls. 527); (C) ao transferir para a Apelante a responsabilida- de pela ocorrência dos chargebacks, ainda que de forma indireta, o r. Juízo a 218 quo afastou a aplicabilidade da cláusula que estipula o “chargeback”, agindo contrariamente à Lei Federal nº 10.406/2002 (Código Civil Brasileiro), especi- ficamente aos artigos 421, parágrafo único e 421-A, incisos II e III,, negando a vigência do Princípio da Pacta Sunt Servanda, que garante segurança às rela- Jurisprudência - Direito Privado ções privadas e é consequência imediata da autonomia de vontade das partes (fls. 533/534). (D) Requer seja dado provimento ao recurso de apelação para reformar a r. sentença de primeiro grau, afastando a nulidade das cláusulas que regulam o “chargeback”, declarando sua validade, em respeito à vontade das partes contratantes e afastando a responsabilidade da Apelante pelos prejuízos suportados pela Apelada por sua própria culpa ou de terceiro e, por conseguin- te, julgue a ação totalmente improcedente, invertendo o ônus de sucumbência, que deverá ser suportado integralmente pela parte Apelada, majorando a verba honorária, a teor do disposto no artigo 85, § 11, do CPC (fls. 534). Foram apresentadas contrarrazões a fls. 540/555. FUNDAMENTACÃO Ab initio, verifico que o recurso é tempestivo e o preparo foi devidamente recolhido (cf. certidão de fls. 556). As partes firmaram contrato para utilização de plataforma de pagamentos para facilitação do recebimento de valores na modalidade débito/crédito. No caso em tela, denota-se que a apelante aprovou as vendas realizadas no estabelecimento da parte autora sem qualquer ressalva. A demandante apre- sentou documentos que comprovam a entrega dos produtos, bem como a emis- são dos documentos necessários, evidenciando a observância dos requisitos de segurança para aprovação das compras (fls. 114/12 e 123/136). A análise prévia dos riscos cabia à credenciadora/facilitadora do pagamento. Por outro lado, embora tenha negado o pagamento à recorrida, a apelante não apresentou provas concretas da fraude alegada. As declarações juntadas à contestação são documentos unilaterais emiti- dos pela própria apelante. A cláusula de chargeback, invocada como fundamento para o cancela- mento e não repasse dos valores, contraria as normas do Código de Defesa do Consumidor, pois impõe ao comerciante a responsabilidade objetiva da admi- nistradora do sistema pelos riscos da atividade de captura, transporte, proces- samento de informações, liquidação e transações, configurando desequilíbrio contratual. Não há indícios de que a apelada tenha agido com desídia ou contribuído para a suposta fraude. Ainda, destaca-se que a questão do lojista e sua responsabilidade no uso do cartão de crédito foi apreciada em precedente do Superior Tribunal de Jus- tiça, no Recurso Especial nº 2.095.413/SC, Quarta Turma, relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, julgado em 24/10/2023: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR USO FRAU- DULENTO DE CARTÃO DE CRÉDITO. DANO MORAL. RESPON- SABILIDADE DO LOJISTA PELAS COMPRAS FEITAS EM SEU ES- Jurisprudência - Direito Privado TABELECIMENTO COM CARTÃO EXTRAVIADO, FURTADO OU FRAUDADO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL CONFIGURADO. ILE- GITIMIDADE PASSIVA DO LOJISTA. 1. Não há como imputar responsabilidade à empresa ou à loja em que foi utilizado cartão de crédito extraviado, furtado ou fraudado para a realização de compras, especialmente se houve uso regular de senha ou, então, em compras efetuadas pela internet, se houve a digitação de todos os dados necessários para a operação. 2. Se os cartões de crédito estão livres de restrição, ou seja, desbloquea- dos e sem impedimentos de ordem financeira, não há como entender que, pelo simples fato de terem aceitado o cartão como meio de paga- mento, lojistas estariam vinculados à fraude na sua utilização. Não se alega tenha sido o lojista quem comandou a inscrição do nome da vítima no cadastro de inadimplentes e nem que tenha lhe dirigido cobranças. 3. Não sendo o caso de cartão emitido parceria entre o estabelecimento comercial e o banco administrador, e nem havendo provas de que o lo- jista esteja envolvido na fraude, não tem ele legitimidade para responder por ação em que se discute o uso irregular de cartões de crédito com emprego de senha pessoal. 4. Recurso especial provido. Ao liberar a venda sem ressalvas, a recorrente assumiu o risco da ativida- de empresarial, cuja finalidade é intermediar pagamentos de forma segura. Nesse sentido, jurisprudência deste Tribunal tem reconhecido a abusivi- dade da cláusula de chargeback e a responsabilidade das instituições financeiras administradoras do crédito: DANOS MATERIAIS. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Presença dos elementos autorizadores do julgamento antecipado da lide. Desne- cessidade de dilação probatória. Contrato de prestação de produtos e serviços de pagamento. Cartões de crédito. Vendas realizadas pela autora por meio de sistema administrado pela ré. Relação de consumo não con- figurada. Efetiva recusa de repasse de valores advindos das vendas rea- lizadas que se deu pela cláusula de “chargeback” e não pela cláusula de restrição de desmembramento de transações. Conduta da ré pautada em cláusula contratual que atribui a responsabilidade, em casos tais, ao es- tabelecimento comercial. Cláusula abusiva. Afronta ao princípio da boa- fé contratual (art. 422, do CC). Eventuais fraudes praticadas por tercei- ros integram o risco da atividade empresarial praticada pela requerida. Configurado o dever da requerida em liberar a quantia bloqueada. RE- 220 CURSO PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1016907-34.2022.8.26.0011; Relator (a): Anna Paula Dias da Costa; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI - Pinheiros - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 11/10/2023; Data de Registro: 11/10/2023). Jurisprudência - Direito Privado Ação indenizatória por danos materiais. Estorno de quantia relativa à transação eletrônica posteriormente contestada pelo titular do cartão de crédito (“chargeback”). Sentença de procedência. Inconformismo do intermediador de pagamentos. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Consumidora por equiparação, dada a hipossuficiência técnica. Abusividade da cláusula que autoriza a retenção (“chargeba- ck”). Risco que não pode ser repassado ao lojista, eximindo-se o réu de responsabilidade por falha no dever de segurança. Responsabilidade objetiva. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1031022-30.2022.8.26.0506; Relator (a): Márcio Teixeira Laranjo; Órgão Julgador: 24ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ribeirão Preto - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/10/2023; Data de Registro: 05/10/2023). CONTRATO - Intermediação de operações com cartões de pagamento - Contrato de Credenciamento ao Sistema Cielo - Cláusula de “char- geback” - Validade reconhecida pela sentença - Hipótese, contudo, que não autoriza a sua aplicação, pois não ficou demonstrada a culpa da autora ou qualquer outra hipótese contratual para não realização de pa- gamento ou estorno de crédito, na hipótese de contestação efetuada pelo portador de cartão - Ação parcialmente procedente para condenar até ao pagamento dos valores das operações não pagas - Sentença mantida nos termos do art. 252 do RITJSP - Honorários recursais - Cabimento - Honorários advocatícios sucumbenciais majorados de 10% para 15% do valor da condenação - Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1093659-76.2019.8.26.0100; Relator (a): Álvaro Torres Júnior; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 15ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/09/2023; Data de Registro: 05/09/2023). APELAÇÃO. DECLARATÓRIA. NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRA- TUAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CRE- DENCIAMENTO AO SISTEMA STONE. 1. Sentença de procedência parcial. 2. Vendas por comércio eletrônico. 3. Ausência de repasse de recebíveis em razão de fraude (Chargeback). 4. Ausência de relação de consumo. 5. Autora que demonstrou haver agido com cautela na venda dos produtos, com emissão de notas fiscais, e identificação dos supostos consumidores. 6. Parte ré que não comprovou a alegada fraude. 7. Risco do negócio que não pode ser atribuído ao comerciante. 8. Sentença man- tida. 9. Majoração da verba honorária de 10% para 15% sobre o valor atualizado da condenação (§ 11, do art. 85, do CPC/15). 10. Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1044433-61.2021.8.26.0576; Relator (a): Luís H. B. Franzé; Órgão Julgador: 17ª Câmara de Direito Priva- do; Foro de São José do Rio Preto - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: Jurisprudência - Direito Privado 17/08/2023; Data de Registro: 17/08/2023). Diante da ausência de provas da fraude, da falta de negligência do esta- belecimento e pela transferência indevida do risco da atividade ao comerciante, ônus que incumbia à ré (art. 373, II, do CPC), a retenção dos valores pagos é indevida. Assim, deve ser mantida a sentença recorrida. No mais, de acordo com o previsto no artigo 85, §11 do Código de Pro- cesso Civil, tendo em vista o trabalho adicional nesta fase recursal e atendendo aos critérios legais e a atenção profissional desenvolvida, majoro os honorários advocatícios decorrentes da sucumbência, de 15% para 20% sobre o valor atua- lizado da causa. Ficam prequestionados todos os dispositivos constitucionais e legais ventilados na apelação e nas contrarrazões, não sendo preciso transcrevê-los aqui um a um. DISPOSITIVO: Diante do exposto, voto pelo desprovimento do recurso.