APELAçãO – APELAÇÃO - PANE EM VEÍCULO LO- CADO - COBRANÇA DOS CUSTOS COM O CON- SERTO DO BEM - IMPOSSIBILIDADE - RES- PONSABILIDADE DA FORNECEDORA - DANO MORAL CARACTERIZADO. - Sendo certo que não há prova de que houve o efe- tivo assentimento da luz no painel do veículo dando conta de problemas no motor e que esta fora ignorada pelo consumidor e que tal situação teria agravado o dano, tampouco de mau uso por parte do consumidor, inviável impor a ele o dever de reparar um dano cau- sado pelo combustível de má qualidade utilizado pela própria fornecedora, nem mesmo do pagamento de coparticipação. - Evidente o dano moral suportado pelo consumidor que teve frustrada a possibilidade de se utilizar de forma plena do bem locado, tendo ficado parado na beira da estrada, inclusive em face da pane por uso de combustível adulterado fornecido pela própria lo- cadora, situação essa mais do que suficiente para cau- sar o dano alegado, cuja indenização imposta nesse particular deverá ser mantida inclusive pelo montan- te arbitrado, a qual não se mostra abusiva, mas sim 180 compatível com o dano suportado. RECURSO IMPROVIDO.(TJSP; Relator: MARIA LÚCIA PIZZOTTI; Data do Julgamento: 16 de julho de 2025)
, em sessão permanente e virtual da 30ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Ne-
garam provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto da Relatora,
que integra este acórdão. (Voto nº 46.762)
O julgamento teve a participação dos Desembargadores MONTE SER-
RAT (Presidente sem voto), MARCOS GOZZO e PAULO ALONSO.
São Paulo, 16 de julho de 2025.
MARIA LÚCIA PIZZOTTI, Relatora
Ementa: APELAÇÃO - PANE EM VEÍCULO LO-
CADO - COBRANÇA DOS CUSTOS COM O CON-
SERTO DO BEM - IMPOSSIBILIDADE - RES-
PONSABILIDADE DA FORNECEDORA - DANO
MORAL CARACTERIZADO.
- Sendo certo que não há prova de que houve o efe-
tivo assentimento da luz no painel do veículo dando
conta de problemas no motor e que esta fora ignorada
pelo consumidor e que tal situação teria agravado o
dano, tampouco de mau uso por parte do consumidor,
inviável impor a ele o dever de reparar um dano cau-
sado pelo combustível de má qualidade utilizado pela
própria fornecedora, nem mesmo do pagamento de
coparticipação.
- Evidente o dano moral suportado pelo consumidor
que teve frustrada a possibilidade de se utilizar de
forma plena do bem locado, tendo ficado parado na
beira da estrada, inclusive em face da pane por uso
de combustível adulterado fornecido pela própria lo-
cadora, situação essa mais do que suficiente para cau-
sar o dano alegado, cuja indenização imposta nesse
particular deverá ser mantida inclusive pelo montan-
te arbitrado, a qual não se mostra abusiva, mas sim
180
compatível com o dano suportado.
RECURSO IMPROVIDO.
VOTO
Jurisprudência - Direito Privado
Vistos.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. decisão de fls.
258/261, cujo relatório se adota, que julgou procedente a demanda, para A)
Declarar a inexigibilidade do débito cobrado nos valores de R$15.164,87; B)
Condenar a parte ré a indenizar a parte autora, a título de reparação por danos
morais, na quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigidos monetariamente
e com incidência de juros de mora de 1% ao mês a partir da data desta sentença.
Por consequência, condenou a ré ao pagamento das custas e despesas proces-
suais, bem como, dos honorários advocatícios sucumbenciais fixados em 10%
sobre o valor da condenação.
Entendeu o i. Magistrado a quo, que a relação existente entre as partes
era de consumo, apontando, no mérito que, de fato, existia cláusula contratual
que estabelecia que o contratante tinha vistoriado o veículo que se encontrava
em perfeitas condições de uso e conservação se responsabilizando pela sua de-
volução à requerida nas mesmas condições em que o recebeu, mas que inexistia
prova no sentido de que o autor havia sido informado de maneira clara sobre
os seus termos. Afirmou, ainda, que o perito judicial havia concluído que o in-
cidente decorreu de adulteração do combustível utilizado no motor do veículo
da requerida, que foi entregue com o tanque cheio e não foi reabastecido pelo
requerente. Sendo assim, concluiu que a falha decorrente do uso de combustí-
vel adulterado não pode ser atribuída ao requerente, razão pela qual inexigível
pagamento pela troca das peças do motor e mão de obra, acrescido de taxa ad-
ministrativa de 12% como realizado pela ré, revela-se abusiva, pois impõe ao
consumidor uma desvantagem exagerada, nos termos do artigo 51, IV, do CDC.
Além disso, reputou havido dano na seara moral visto que em face da pane no
veículo o autor ficou horas na beira da estrada, situação essa que caracterizava
falha na prestação de serviço.
Foram opostos embargos de declaração os quais restaram rejeitados.
Irresignada, a ré apelou.
Aduziu, em suma, que a r. decisão deveria ser reformada, ao argumento
de que era aplicável ao caso em análise da cláusula contratual que estabelecia
que o locatário do veículo deveria conduzir o bem com o zelo necessário e
restituí-lo em perfeitas condições, cuja ciência é inequívoca. Alegou que o bem
estava em perfeitas condições, visto que foi possível ao locatário utilizar o bem
por 450 km, sendo inverossímil a alegação de que o carro tenha saído da loja
com barulho no motor. Destacou que a r. sentença destacou que o perito havia
apontado que os danos ao motor decorreram de combustível adulterado, e que
o recorrido não teria abastecido o veículo durante todo o percurso, se olvidando
que o perito também havia afirmado que o acendimento da luz da injeção indica-
va falha no sistema e recomendava a paralisação imediata do veículo, ainda que
Jurisprudência - Direito Privado
não fosse possível identificar a causa com exatidão. Apontou que o autor havia
ignorado o alerta do painel e seguiu a viagem, agravando o dano, com o qual
deveria arcar, ainda que de forma coparticipativa. No mais, se insurgiu contra a
indenização imposta na seara moral, bem como, em relação ao montante fixado.
Processado o apelo, foram apresentadas contrarrazões, tendo os autos
sido remetidos a esta Instância.
É a síntese do necessário.
O recurso não comporta acolhimento.
Isto porque, em que pese a cláusula 6ª do instrumento firmado entre as
partes preveja ser obrigação do locatário restituir o veículo nas mesmas con-
dições em que havia retirado, ato que se dava após o bem ter sido vistoriado,
referida cláusula não se mostra clara em relação à sua extensão, passando a exi-
gir que o consumidor, ao locar o bem ou deve ter conhecimentos mecânicos ou
comparecer na loja com mecânico de sua confiança, se olvidando que deve agir
tanto no momento da contração, como ao longo da execução do contrato com
olhos postos no princípio da boa-fé.
Ou seja, para que restasse evidenciada tal observância, necessário se fazia
que a locadora providenciasse a realização de vistoria por terceiros isentos, de
modo a comprovar as condições em que o bem foi entregue à locação, de modo
que pudesse ser verificada eventual divergência entre as condições mecânicas
do veículo no momento da devolução daquele pelo consumidor.
Entender de forma inversa seria o mesmo que permitir que a locadora
de veículo se isentasse de qualquer responsabilidade pelo estado do bem posto
em circulação, impondo ao consumidor, inclusive, que tenha que suportar os
custos relativos a um conserto que sequer se correlaciona com a forma com a
qual utilizou o bem, pois, como é cediço, os problemas mecânicos surgem em
decorrência do desgaste ou da forma irregular com o bem vem sendo utilizado.
In casu, verte claro que o veículo teve uma pane mecânica apenas dois
dias após a locação do veículo pelo consumidor, não se mostrando plausível a
imputação àquele do problema ocorrido, principalmente quando considerado
que o problema havido não seria passível de constatação no checklist realizado
no momento da entrega do bem (vide fls. 124/125).
Importante destacar nesse particular que o documento de fls. 35 no senti-
do de que o automotor havia rodado com falha na ignição, cuja insistência teria
levado, ao travamento do bico na posição aberto, vindo a causar calço hidráuli-
co no motor não pode ser analisado de forma isolado, visto ser desconhecida a
condição em que o carro foi recebido pelo consumidor.
Produzida em Primeiro Grau prova pericial indireta, foi constatado pelo
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perito que a contratação se deu em relação ao veículo, com o tanque cheio, o
qual não foi consumido integralmente entre o momento do seu recebimento e
o da pane, entendimento esse que decorre da análise da distância percorrida e o
consumo registrado.
Jurisprudência - Direito Privado
Entretanto, ainda que o expert tenha reconhecido a existência de correla-
ção entre o travamento do bico injetor e os danos relatados no documento de fls.
35, apontou que danos dessa natureza estão diretamente relacionados à qualida-
de do combustível utilizado para o abastecimento do automotor, salientando que
a injeção eletrônica do veículo nem sempre é capaz de detectar a adulteração do
combustível com o acendimento da lâmpada de advertência, mas adapta o motor
para manter seu funcionamento.
Diante desse cenário, apesar de o expert ter pontuado que “O acendimen-
to da luz de advertência do motor denota que o motorista preste atenção ao
veículo e o estacione no local seguro mais próximo possível, mas não deno-
ta o imediato desligamento do motor como em casos de superaquecimento”,
ressaltou que “em casos de adulteração de combustível, dificilmente o sistema
aponta a anomalia com acendimento de lâmpada de advertência no painel,
pois a adulteração é pensada para evitar que o cliente perceba o ocorrido.”
Assim, sendo certo que não há prova de que houve o efetivo assentimento
da luz no painel do veículo dando conta de problemas no motor e que esta fora
ignorada pelo consumidor e que tal situação teria agravado o dano, tampouco
de mau uso por parte do consumidor, inviável impor a ele o dever de reparar um
dano causado pelo combustível de má qualidade utilizado pela própria fornece-
dora, nem mesmo do pagamento de coparticipação.
Da mesma forma, plausível a manutenção da condenação imposta na sea-
ra moral.
Acerca dessa temática, deve ser destacado que foi ultrapassado o tempo
em que dano moral equivalia à dor, sofrimento e angústia da vítima em razão da
ofensa. Os mais renomados estudiosos da responsabilidade civil modernamente
conceituam o dano moral de maneira bastante clara e objetiva: trata-se de ofensa
aos direitos da personalidade e, em sentido mais amplo, à própria dignidade da
pessoa humana. A consequência, os efeitos de mencionada ofensa podem, estes
sim, ser constituídos pela dor, sofrimento ou vexame causado.
Fenômeno interno, portanto, o dano moral, em si mesmo, não se pode
exigir que seja provado. O que deve ser provado são fatos, condutas ou omis-
sões que ocasionem a mencionada ofensa aos direitos da personalidade e, por
consequência, sofrimento e dor ao prejudicado. A avaliação sobre quais fatos
que causam dano moral deve ser feita pelo juiz, segundo a jurisprudência e as
regras da experiência.
Extrai-se, desde já, o conceito de dano moral e a desnecessidade de sua
comprovação, via de regra. Por questões de ordem lógica, portanto, deve ser
analisada a possibilidade de reparação dos danos extrapatrimoniais.
Muito se questionou sobre a reparabilidade dos danos morais. Não se
ignora que, inicialmente, havia certa resistência quanto à possibilidade de re-
Jurisprudência - Direito Privado
paração, mas a discussão restou superada em face da Constituição Federal de
1.988, que em seu artigo 5º, incisos V e X, deixou evidente a possibilidade de
reparação do dano moral, bem como a sua cumulatividade com o dano material.
Neste sentido inclusive foi editada a Súmula nº 37 do STJ, cujo enunciado des-
taco: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos
do mesmo fato.”. Prevaleceu, portanto, a correta orientação de que os danos
morais devem ser reparados.
Fixados, assim, o conceito do dano moral, a desnecessidade de compro-
vação de sua ocorrência e a possibilidade de sua reparação, pertinente se mostra
a análise dos critérios de fixação do valor da indenização correspondente, sendo
tal matéria uma das mais tormentosas na doutrina e jurisprudência.
O dano moral não precisa representar a medida nem o preço da dor, mas
uma compensação pela ofensa injustamente causada a outrem.
A indenização econômica, assim, tornou-se o único meio para a reparação
do dano moral. Ocorre por mera compensação ou neutralização e não exatamen-
te por restauração dos bens lesados, o que, à evidência, seria impossível. Diante
de tais situações, a única via pela qual se pode ao menos minorar os efeitos do
dano é por meio da reparação pecuniária.
Assim, para a fixação dos danos morais, além do dano, também se deve
levar em conta a situação econômica do causador deste, não se podendo fixar o
valor de indenização em quantia irrisória, sob pena de não vir a surtir o efeito
repressivo que se pretende, qual seja, fazer com que o agente perceba, eficaz-
mente, as consequências de seu ato ilícito, gerando, ainda, efeito preventivo, de
modo a evitar que novas situações desse tipo ocorram.
Nesse aspecto, devem ser levadas em consideração as peculiaridades do
caso, as regras de experiência do julgador e os balizamentos doutrinários. E a
fim de se buscar parâmetros para a fixação, é de grande relevância a análise da
atual jurisprudência sobre o tema, mormente do Superior Tribunal de Justiça.
Destaco, dentre os diversos julgados daquele Tribunal alguns de seus arestos,
por meio dos quais é possível verificar que a indenização não deve ser fixada
nem em quantia absurda, tampouco em quantia irrisória. Veja-se:
AgRg no Ag 1145425 / SP - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO 2009/0006470-8
Ministro RAUL ARAÚJO (1143)
T4 - QUARTA TURMA
DJe 24/02/2011
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA
A INADMISSÃO DE RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DA-
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NOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA. QUANTUM INDENIZATÓ-
RIO REDUZIDO DE R$ 73.272,00 (SETENTA E TRÊS MIL, DU-
ZENTOS E SETENTA E DOIS REAIS) PARA R$ 25.000,00 (VINTE
E CINCO MIL REAIS). SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA AFASTADA.
Jurisprudência - Direito Privado
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Esta Corte admite a revisão do quantum arbitrado a título de indeni-
zação por danos morais, quando o valor fixado nas instâncias ordinárias
se revelar ínfimo ou exorbitante, caso em que, afastada a incidência da
Súmula 7/STJ, o Superior Tribunal de Justiça intervém para estabelecer
o montante condizente com os parâmetros adotados pela respectiva ju-
risprudência e com as peculiaridades delineadas no acórdão recorrido,
como ocorreu na hipótese vertente.
2. A decisão agravada, ao reduzir a verba indenizatória de R$ 73.272,00
para R$ 25.000,00 pela reparação moral decorrente da inscrição inde-
vida do nome da autora/agravante em cadastros de restrição ao crédito,
adequou a quantia fixada nos juízos ordinários aos patamares estabele-
cidos por este Pretório em casos assemelhados e às peculiaridades da
espécie, motivo pelo qual deve ser mantida pelos próprios fundamentos.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
Diante de toda a exposição sobre o tema, entendo ter se configurado ofen-
sa aos direitos da personalidade apta a autorizar a condenação do ofensor ao
pagamento de indenização pelos danos morais sofridos.
No caso destes autos, evidente o dano moral suportado pelo consumidor
que teve frustrada a possibilidade de se utilizar de forma plena do bem locado,
tendo ficado parado na beira da estrada, inclusive em face da pane por uso de
combustível adulterado fornecido pela própria locadora, situação essa mais do
que suficiente para causar o dano alegado, cuja indenização imposta nesse parti-
cular deverá ser mantida inclusive pelo montante arbitrado, a qual não se mostra
abusiva, mas sim compatível com o dano suportado.
No mais, tenho que o i. Magistrado a quo solveu com peculiar clareza
e riqueza de fundamentação a lide exposta em Juízo dando à causa a solução
justa e adequada, conforme amplo precedente jurisprudencial e doutrinário, cuja
segura conclusão pronunciada não merece ser reformada pelas razões do(a) ape-
lante.
E outros fundamentos são dispensáveis diante da adoção integral dos que
foram deduzidos na r. sentença, e aqui expressamente adotados para evitar inútil
e desnecessária repetição.
Destarte, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso.
No mais, majoram-se os honorários advocatícios sucumbenciais para
12% do valor atualizado da condenação.