Decisão 70

Recurso: Apelação

Relator: VICENTINI BARROSO

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 12 de agosto de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO E TUTELA CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO - Con- trato de cessão parcial de quotas sociais cujas parce- las foram atreladas a notas promissórias - Pretensão do autor de suspender a exigibilidade do pagamen- to das parcelas a partir de agosto de 2020 enquanto não devolvidas as notas promissórias - Descabimento - Réu que se desincumbiu do ônus de provar fato im- peditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 373, II, CPC) ao informar e comprovar nos autos que já havia firmado declaração de extravio das notas promissórias de janeiro a março de 2020 e assumir a responsabilidade - Demais, as parcelas corresponden- 319 tes às notas promissórias extraviadas foram pagas e dada regular quitação pelo réu, bem como ocorreram os pagamentos dos meses subsequentes sem insurgên- Jurisprudência - Direito Privado cia pelo autor - Ausente, portanto, condição suspen- siva que justificasse falta de pagamento a partir de agosto de 2020 - Exigibilidade mantida - Protesto re- gular - Recurso desprovido.(TJSP; Relator: VICENTINI BARROSO; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça; Data do Julgamento: 12 de agosto de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 15ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 38.990) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ACHILE ALESINA (Presidente) e MENDES PEREIRA. São Paulo, 12 de agosto de 2025. VICENTINI BARROSO, Relator


Ementa: APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO E TUTELA CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO - Con- trato de cessão parcial de quotas sociais cujas parce- las foram atreladas a notas promissórias - Pretensão do autor de suspender a exigibilidade do pagamen- to das parcelas a partir de agosto de 2020 enquanto não devolvidas as notas promissórias - Descabimento - Réu que se desincumbiu do ônus de provar fato im- peditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 373, II, CPC) ao informar e comprovar nos autos que já havia firmado declaração de extravio das notas promissórias de janeiro a março de 2020 e assumir a responsabilidade - Demais, as parcelas corresponden- 319 tes às notas promissórias extraviadas foram pagas e dada regular quitação pelo réu, bem como ocorreram os pagamentos dos meses subsequentes sem insurgên- Jurisprudência - Direito Privado cia pelo autor - Ausente, portanto, condição suspen- siva que justificasse falta de pagamento a partir de agosto de 2020 - Exigibilidade mantida - Protesto re- gular - Recurso desprovido.





VOTO

1. A sentença de fls. 244/250, de relatório adotado e embargos de declara- ção rejeitados (fls. 271/273), julgou parcialmente procedente ação declaratória de inexigibilidade de débito e tutela cautelar de sustação de protesto, movida pelo apelante ao apelado e outrem - sucumbência devida pelo autor na propor- ção de 2/3 e pelos réus 1/3, além de honorários advocatícios devidos pelas partes ao advogado adverso de 20% do valor atualizado da causa. Diz-se da presença de condição suspensiva da exigibilidade do crédito. Afirma que a parte contrária não lhe entregou as notas promissórias vinculadas às parcelas do contrato de cessão de quota social, razão pela qual estaria sus- penso o pagamento também. Assevera que quitou o contrato e não recebeu de volta nenhuma nota promissória de janeiro de 2020 a fevereiro de 2021. Alega omissão da sentença em relação às notas promissórias a partir de abril de 2020. Sustenta que a declaração emitida pelo réu de extravio não é válida para anular os títulos e afastar a condição suspensiva. Defende ausência de violação à boa- fé objetiva e falta dos elementos caracterizadores da supressio. Pretende, assim, que as parcelas vencidas a partir de agosto de 2020 sejam declaradas inexigí- veis, mantendo-as em deposito judicial até a devolução das notas promissórias (fls. 276/285). Veio resposta (fls. 292/298). Oposição ao julgamento virtual (fl. 302). É o relatório. 2. Recurso infundado. A sentença examinou a situação de forma ade- quada e, a rigor técnico, seria caso de sua só confirmação (art. 252, Regimento Interno). Trata-se de ação declaratória de inexigibilidade de débito e tutela cautelar de sustação de protesto (fls. 01/09) fundada em contrato de cessão parcial de quotas sociais firmado entre as partes cujas parcelas foram atreladas a notas promissórias (fls. 11/16 e 17/20). Narra o autor, em suma, que, diante da não devolução pelo réu Mohammed das notas promissórias representativas das parcelas vencidas em 19/01/2020, 19/02/2020 e 19/03/2020, suspendeu os pagamentos devidos diretamente a Mohammed a partir da parcela vencida em 19/08/2020. Formulou, assim, pe- 320 dido liminar de sustação de protesto das parcelas com vencimentos a partir de 19/08/2020 mediante depósito judicial e, ao final, requereu a procedência da ação para “... a) tornar definitiva a decisão liminar; b) declarar o pagamento das parcelas vencidas em 19.01.2020, 19.02.2020 e 19.03.2020 devidas por Jurisprudência - Direito Privado HENRIQUE e a obrigação de MOHAMMED devolver as respectivas notas pro- missórias; c) declarar a suspensão da exigibilidade do pagamento da parce- la vencida em 19.08.2020, no valor R$ 15 mil, devida por HENRIQUE para MOHAMMED, referente ao Contratos #1, e do repasse de parte do valor dessa parcela, equivalente a R$ 5 mil, para DENISE, por força do Contrato #2, até que a devolução das notas promissórias das parcelas de janeiro, fevereiro e março de 2020 do Contrato #1; d) estender os efeitos da tutela jurisdicional declaratória acima para as parcelas vincendas, a partir daquela que vencerá em 19.09.2020;” (fl. 09). O juiz julgou parcialmente procedente a ação para “... (i) declarar que o autor pagou ao réu regularmente as parcelas vencidas em 19 de janeiro, 19 de fevereiro e 19 de março de 2020, em decorrência do que foi estipulado no contrato de fls. 11/16; e, (ii) declarar que o autor pagou ao réu R$ 5.000,00 a título de amortização da parcela do referido contrato que teve vencimento em agosto de 2020.” (fl. 249). Somente o autor recorre. Alega que “... as parcelas vencidas a partir de Ago-2020 deveriam ter sido declaradas inexigíveis, mantendo-se os valores de- pósitos em conta judicial, até que as respectivas cártulas da garantia cambial sejam devolvidas.” (fl. 285) - sem razão, contudo. Em primeiro lugar, o autor, por vezes, é confuso nos seus argumentos, porquanto ao mesmo tempo que afirma que não recebeu nenhuma das notas pro- missórias e que houve omissão na sentença (fl. 281), também esclarece que “... O saldo contratual é o seguinte ... o interregno entre Abr-2020 e Jul-2020 não compõe o objeto da ação” (fl. 278). Logo, se não é objeto da ação, não poderia mesmo o juiz fazer qualquer análise sobre este período. Em segundo lugar, assevera que: “... Nada foi dito ou julgado em relação ao período de Ago-2020 (...) Com relação às notas promissórias referentes aos meses de Set-2020 a Fev-2021, que foram se vencendo ao longo do trâmite processual, cujos valores foram caucionados pelo Autor-Apelante, correspon- dente ao pedido deduzido por meio da Letra “d” do subitem 4.4 do Capítulo IV da Petição Inicial (fl. 9), cuja redação foi ampliada no Aditamento da Petição Inicial (fl. 51), nada foi dito ou considerado na sentença” (fls. 278/279) - o que não é verdade. Basta se leia a sentença para constatar que o juiz decidiu, sim, mas em sentido contrário ao pretendido pelo apelante, porque entendeu pela exigibilida- de das parcelas e, por conseguinte, da regularidade dos protestos. Aliás, essa a razão pelo parcial provimento da ação pelo juiz de primeira instância. Extrai-se o seguinte trecho do julgamento: “... Isso significa que o réu tinha o direito de cobrar-lhe dos valores vencidos de agosto de 2020 em diante e, por conseguinte, a sustação dos protestos que foi concedida deveria ser revo- Jurisprudência - Direito Privado gada. Não o faço, contudo, pois como os valores foram depositados nos autos pelo autor e o réu os levantará, o ideal é que sejam mesmo cancelados, mas o autor deverá arcar com os emolumentos.” (fls. 248) - do que correto. Com efeito, o recorrente foi arbitrário na sua atitude de deixar de pagar diretamente o réu Mohammed a partir da parcela de agosto de 2020 sob alega- ção de que as notas promissórias de janeiro a março de 2020 não foram devol- vidas pelo réu. Seja porque, nada reclamou quanto às parcelas correspondentes às notas promissórias extraviadas (janeiro a março de 2020) e efetuou os pagamentos sem a respectiva devolução, bem como continuou o pagamento nos meses sub- sequentes (abril a julho de 2020), como bem observado na sentença: “... Não me parece, contudo, que o autor tenha razão em ter agido assim porque se a questão em tela dizia respeito às parcelas de janeiro a março de 2020, o exercício desse direito de defesa consistente em suspender a eficácia de sua obrigação para com o réu deveria ocorrer nesse mesmo período. Mas não foi o que ele fez. Pagou as parcelas no seu devido tempo, mesmo sem receber as notas promissórias, e assim seguiu pagando as parcelas de abril, maio, junho e julho. Optou por deixar de exercer esse direito e, com isso, não poderia mais querer exercê-lo a destempo, pois criou a expectativa no réu de que não mais o faria. Cuida-se da ‘suppressio’, um dos desdobramentos do princípio da boa-fé objetiva.” (fl. 247). Seja porque o réu demonstrou boa-fé ao informar o extravio ao autor das notas promissórias e, ainda, firmar declaração assumindo qualquer responsabi- lidade por elas (vide fl. 124). Ou seja, não só foi justificada pelo réu a não de- volução das notas promissórias, como também ele assumiu a responsabilidade de forma expressa. Assim, forçoso convir que o réu se desincumbiu do ônus de provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 373, II, CPC). Além disso, o recorrente insiste na obrigação do réu de propor ação anu- latória de cambial a fim de que as notas promissórias extraviadas não lhe se- jam eventualmente exigidas. Mas, evidentemente, ninguém é obrigado a ajuizar nenhuma demanda e, repita-se, o réu, no caso, emitiu declaração assinada de extravio e assumiu a responsabilidade. Portanto, diferentemente do quanto alegado, não havia condição suspen- siva nenhuma que justificasse o não pagamento pelo recorrente das parcelas com vencimento a partir de agosto de 2020. Por fim, as notas promissórias com vencimentos a partir de agosto de 2020 até fevereiro de 2021 não foram devolvidas ao autor porque, de acordo 322 com o que consta nos autos, foram levadas a protesto (vide fls. 31, 57, 74, 140, 166, 176 e 184), situação, inclusive, que ensejou a propositura da demanda com pedido liminar de sustação que fora deferida, ensejando o depósito judicial das parcelas ao longo do processo. Jurisprudência - Direito Privado Nesse contexto, por qualquer ângulo que se analise a questão, não se vê motivo para acolhimento do pedido do recorrente. A sentença, portanto, não se altera. E não incide o art. 85, § 11, do CPC, vez que a verba honorária já foi fixada no patamar máximo. 3. Pelo exposto, desprovê-se o recurso.