APELAçãO – APELAÇÃO. Direito do Consumidor. Ação declaratória de nulidade de negócio jurídico cumula- da com pedido de restituição de valores. Contrato de concessão de direito de uso. Multipropriedade por sis- tema de tempo compartilhado (time-sharing). Respeitável sentença de procedência. Inconformismo da requerida RCI Brasil. Suscita pre- liminares de incompetência da autoridade judiciária brasileira, inaplicabilidade das normas brasileiras e ilegitimidade passiva. Busca a improcedência. Contrato de consumo firmado no exterior. Incidência da jurisdição nacional sobre o caso, por força do ar- tigo 22, inciso II, do Código de Processo Civil. Legi- timidade da apelante diante da sua responsabilidade solidária por participar da cadeia de fornecimento no mercado de consumo. Preliminares rejeitadas. Contrato de ‘time-sharing’. Negociação realizada me- diante métodos de venda emocional e “marketing” agressivo. Abusividade. Análise sob a ótica protetiva do Código de Defesa do Consumidor. Negócio jurídico nulo por dolo das fornecedoras. Violação ao dever de informação e princípio da transparência. Direito dos consumidores apelados ao ressarcimento dos valores pagos, permitindo o retorno das partes ao estado an- terior. “O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirma- ção, nem convalesce pelo decurso do tempo” (Código Civil – artigo 169). RECURSO DESPROVIDO. 147(TJSP; Relator: DARIO GAYOSO; Data do Julgamento: 9 de julho de 2025)
, em sessão permanente e virtual da 27ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Nega-
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ram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão. (Voto nº 7.638)
O julgamento teve a participação dos Desembargadores ROGÉRIO
MURILLO PEREIRA CIMINO (Presidente sem voto), ALFREDO ATTIÉ e
DAISE FAJARDO NOGUEIRA JACOT.
São Paulo, 9 de julho de 2025.
DARIO GAYOSO, Relator
Ementa: APELAÇÃO. Direito do Consumidor. Ação
declaratória de nulidade de negócio jurídico cumula-
da com pedido de restituição de valores. Contrato de
concessão de direito de uso. Multipropriedade por sis-
tema de tempo compartilhado (time-sharing).
Respeitável sentença de procedência.
Inconformismo da requerida RCI Brasil. Suscita pre-
liminares de incompetência da autoridade judiciária
brasileira, inaplicabilidade das normas brasileiras e
ilegitimidade passiva. Busca a improcedência.
Contrato de consumo firmado no exterior. Incidência
da jurisdição nacional sobre o caso, por força do ar-
tigo 22, inciso II, do Código de Processo Civil. Legi-
timidade da apelante diante da sua responsabilidade
solidária por participar da cadeia de fornecimento no
mercado de consumo. Preliminares rejeitadas.
Contrato de ‘time-sharing’. Negociação realizada me-
diante métodos de venda emocional e “marketing”
agressivo. Abusividade. Análise sob a ótica protetiva
do Código de Defesa do Consumidor. Negócio jurídico
nulo por dolo das fornecedoras. Violação ao dever de
informação e princípio da transparência. Direito dos
consumidores apelados ao ressarcimento dos valores
pagos, permitindo o retorno das partes ao estado an-
terior.
“O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirma-
ção, nem convalesce pelo decurso do tempo” (Código
Civil – artigo 169).
RECURSO DESPROVIDO.
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VOTO
Vistos.
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Trata-se de recurso de apelação interposto contra respeitável sentença
proferida nos autos de ação declaratória de nulidade contratual ajuizada por RO-
SELI PERPETUA CARFAN DE SOUZA e OSVALDO DE SOUZA em face de
FLORIDA RESORTS CONSULTORIA E MARKETING EIRELI e RCI BRA-
SIL PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE INTERCÂMBIO LTDA.
A respeitável sentença julgou procedente a ação para declarar rescindi-
do o contrato firmado entre as partes; condenar as rés, de maneira solidária, a
restituírem os valores comprovadamente pagos pelos autores, a serem apurados
em liquidação de sentença, acrescidos de correção monetária desde o efetivo
pagamento e com incidência de juros de mora de 1% (um por cento) a partir
da citação; e ratificar a tutela de urgência. Diante da sucumbência, condenou as
requeridas, de forma solidária, ao pagamento das custas e despesas processuais,
bem como em honorários advocatícios ao patrono da parte oposta, arbitrados em
10% (dez por cento) do valor da condenação (p. 410/413).
Inconformada, a requerida RCI BRASIL - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
DE INTERCÂMBIO LTDA. interpôs recurso de apelação (p. 416/434) susci-
tando preliminar de ilegitimidade passiva e de incompetência da autoridade ju-
diciária brasileira para processar e julgar a ação, argumentando pela inaplicabi-
lidade da legislação brasileira aos contratos celebrados fora do País. Alega não
possuir ingerência no contrato firmado com a empresa “Berkley” em novembro
de 2017 e nenhuma relação com o imóvel adquirido pelos apelados. O contrato
objeto do pedido de resolução não foi firmado com a apelante, mas sim, com
a empresa Berkley Vacation Resorts, Inc. sediada na Flórida-EUA. Alega tra-
tar-se de empresa operadora de intercâmbio com responsabilidade limitada aos
termos do artigo 1.358-P do Código Civil, sendo responsável tão somente pela
promoção e organização de permuta de períodos de ocupação entre consumi-
dores, proporcionando a troca em unidades habitacionais em empreendimentos
além daquele contratado; não há caracterização de grupo econômico com a cor-
ré Berkley. Assevera que os apelados não relataram qualquer incidente relativo
ao contrato de intercâmbio; seus inconformismos, ou ainda qualquer troca de
correspondência com a apelante “RCI”, se limita ao fato de não terem con-
seguido resilir o contrato de “time-sharing” firmado com a Berkley. Ademais,
destaca que o contrato foi firmado em 10/11/2017, sendo a ação proposta apenas
em 05/10/2022, ou seja, 05 (cinco) anos após a assinatura do contrato, tendo as
apeladas todo esse tempo hábil para que fizessem uso e pudessem usufruir dos
serviços contratados, sem qualquer impeditivo apontado. Durante a vigência do
contrato a associação, prestou os serviços de intercâmbio quando solicitado (p.
430).
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Pretende o provimento do recurso para julgar improcedente a ação em
face da apelante “RCI”.
Contrarrazões pelo desprovimento do recurso (p. 438/452).
Oposição ao julgamento virtual (p. 457).
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Complemento do preparo recursal (p. 461/464).
É o relatório.
V O T O.
Recurso tempestivo e preparado (p. 433/444 e 462/463).
Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal.
O recurso não comporta provimento.
Não prosperam as alegações de incompetência da autoridade judiciária
brasileira para processar e julgar a ação e de inaplicabilidade da legislação bra-
sileira aos contratos celebrados fora do País.
Ainda que a demanda tenha por objeto negócios jurídicos entabulados
fora do País, há incidência da jurisdição nacional ao caso, diante do disposto no
artigo 22, inciso II, do Código de Processo Civil, estabelecendo que “compe-
te à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações decorrentes
de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência
no Brasil”.
De igual modo, rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva, pois o
contrato celebrado denota a existência de relação de direito material entre as
partes. Os contratos de cessão de direito de uso de imóvel em sistema de tempo
compartilhado e de associação a programa de intercâmbio foram celebrados de
forma conjunta, como pacote de produtos e serviços, tratando-se de contratos
coligados, o que se revela suficiente para o reconhecimento da atuação de am-
bas as rés na cadeia de fornecimento no mercado de consumo, com evidente
parceria entre elas, razão pela qual respondem de forma solidária frente aos
consumidores/apelados.
No mérito, a sentença não comporta reparo.
Os apelados, em viagem de férias, foram abordados por representante das
requeridas, sendo submetidos a métodos persuasivos e estratégias de “marke-
ting” agressivo para adesão a cota de empreendimento em regime de multipro-
priedade, sem tempo de reflexão e atenção aos termos contratuais.
Dispõe o artigo 1.358-B do Código Civil que o regime de multiproprie-
dade se regula, de forma supletiva e subsidiária, pelas demais disposições do
mesmo código e pelo Código de Defesa do Consumidor.
O contrato de multipropriedade, conhecido por ‘time-sharing’ (tempo
compartilhado), como outro qualquer, deve estar embasado no princípio da boa-
fé desde a formação, na execução e no pós-contrato, a fim de garantir a plena
fruição do entabulado entre as partes.
Em decorrência dos métodos de venda emocional e “marketing” agressi-
vo aliados a outras circunstâncias estratégicas que impedem ou dificultam a per-
cepção racional do que está sendo contratado, há caracterização de abusividade
incompatível com os princípios sociais do contrato e clara violação ao dever de
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informação e ao princípio da transparência que norteia as relações de consumo.
A mencionada legislação especial presume o consumidor como a parte
contratual mais vulnerável (artigo 4º, I, do mesmo código).
O abuso no método de venda, impede a reflexão, a decisão racional e
refletida, assim como a livre escolha, em razão do emprego de publicidade abu-
siva e métodos comerciais coercitivos ou desleais, tornando a manifestação de
vontade viciada, por dolo das requeridas, o que torna inafastável o reconheci-
mento da nulidade do negócio jurídico.
O fato de os autores terem usufruído, por algumas vezes do serviço e das
acomodações, não pode servir de permissão ou convalidação de ato jurídico
nulo, insuscetível de confirmação e que não convalesce pelo decurso do tempo
(artigo 169 do Código Civil).
E no contexto em que a avença foi celebrada num cenário de desinfor-
mação, sem conhecimento certo da extensão da relação contratual, evidente que
a avença celebrada não pode surtir seus regulares efeitos, razão pela qual, nulo
o negócio jurídico, acertada a conclusão pela restituição da quantia paga pelos
consumidores submetidos à práticas abusivas, coercitivas, desleais e contrárias
à boa-fé, admitindo-se o retorno das partes ao seu estado anterior.
Bem fundamentou o MM. Juiz: “O contrato entabulado pelas partes diz
respeito à prestação de serviços de hospedagem na modalidade Timeshare, ca-
racterizada, em apertada síntese, como sendo aquela em que o usuário, além
de adquirir título, paga prestações mensais para que lhe seja franqueado o uso
dos estabelecimentos que integram a rede hoteleira, especialmente em períodos
de férias. Embora o objeto desse tipo de contrato não seja ilegal ou abusivo,
na hipótese, os autores foram abordados em solo estrangeiro, durante perío-
do de férias e sem qualquer auxílio jurídico. Além disso, foram instigados por
vendedores que falavam português a subscreverem contrato redigido em inglês,
conforme documento de fls. 26/98. Frente a esse panorama, com a inversão
do ônus da prova, caberia a parte requerida comprovar que a parte autora foi
devidamente informada sobre as condições do serviço ofertado, o que não ocor-
reu. Portanto, considerando as circunstâncias em que o contrato foi firmado,
é forçoso concluir que os autores não foram devidamente cientificados sobre
os termos da contratação e do alcance de todas as cláusulas, sendo de rigor o
reconhecimento da abusividade da relação jurídica ante a violação do dever de
informação previsto no artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumi-
dor. Com o reconhecimento da abusividade do contrato, as partes deverão re-
tornar ao status quo ante, impondo-se, dessa forma, a restituição da totalidade
da quantia desembolsada pela parte autora.”
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A respeitável sentença deu adequada solução ao litígio.
Nesse contexto, pelo meu voto, NEGA-SE PROVIMENTO AO RE-
CURSO.
Em razão do desprovimento do recurso, majoro os honorários sucumben-
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ciais para quinze por cento (15%), com base no artigo 85, § 11, do Código de
Processo Civil.
Considera-se prequestionada toda matéria constitucional e infraconstitu-
cional discutida, evitando-se, com isso, oposição de embargos de declaração
para este fim (Súmulas 211 do Superior Tribunal de Justiça e 282 do Supremo
Tribunal Federal).