Decisão 72

Recurso: Apelação

Relator: DARIO GAYOSO

Data do julgamento: 9 de julho de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – APELAÇÃO. Direito do Consumidor. Ação declaratória de nulidade de negócio jurídico cumula- da com pedido de restituição de valores. Contrato de concessão de direito de uso. Multipropriedade por sis- tema de tempo compartilhado (time-sharing). Respeitável sentença de procedência. Inconformismo da requerida RCI Brasil. Suscita pre- liminares de incompetência da autoridade judiciária brasileira, inaplicabilidade das normas brasileiras e ilegitimidade passiva. Busca a improcedência. Contrato de consumo firmado no exterior. Incidência da jurisdição nacional sobre o caso, por força do ar- tigo 22, inciso II, do Código de Processo Civil. Legi- timidade da apelante diante da sua responsabilidade solidária por participar da cadeia de fornecimento no mercado de consumo. Preliminares rejeitadas. Contrato de ‘time-sharing’. Negociação realizada me- diante métodos de venda emocional e “marketing” agressivo. Abusividade. Análise sob a ótica protetiva do Código de Defesa do Consumidor. Negócio jurídico nulo por dolo das fornecedoras. Violação ao dever de informação e princípio da transparência. Direito dos consumidores apelados ao ressarcimento dos valores pagos, permitindo o retorno das partes ao estado an- terior. “O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirma- ção, nem convalesce pelo decurso do tempo” (Código Civil – artigo 169). RECURSO DESPROVIDO. 147(TJSP; Relator: DARIO GAYOSO; Data do Julgamento: 9 de julho de 2025)

Voto / Fundamentação

, em sessão permanente e virtual da 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Nega- Jurisprudência - Direito Privado ram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 7.638) O julgamento teve a participação dos Desembargadores ROGÉRIO MURILLO PEREIRA CIMINO (Presidente sem voto), ALFREDO ATTIÉ e DAISE FAJARDO NOGUEIRA JACOT. São Paulo, 9 de julho de 2025. DARIO GAYOSO, Relator


Ementa: APELAÇÃO. Direito do Consumidor. Ação declaratória de nulidade de negócio jurídico cumula- da com pedido de restituição de valores. Contrato de concessão de direito de uso. Multipropriedade por sis- tema de tempo compartilhado (time-sharing). Respeitável sentença de procedência. Inconformismo da requerida RCI Brasil. Suscita pre- liminares de incompetência da autoridade judiciária brasileira, inaplicabilidade das normas brasileiras e ilegitimidade passiva. Busca a improcedência. Contrato de consumo firmado no exterior. Incidência da jurisdição nacional sobre o caso, por força do ar- tigo 22, inciso II, do Código de Processo Civil. Legi- timidade da apelante diante da sua responsabilidade solidária por participar da cadeia de fornecimento no mercado de consumo. Preliminares rejeitadas. Contrato de ‘time-sharing’. Negociação realizada me- diante métodos de venda emocional e “marketing” agressivo. Abusividade. Análise sob a ótica protetiva do Código de Defesa do Consumidor. Negócio jurídico nulo por dolo das fornecedoras. Violação ao dever de informação e princípio da transparência. Direito dos consumidores apelados ao ressarcimento dos valores pagos, permitindo o retorno das partes ao estado an- terior. “O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirma- ção, nem convalesce pelo decurso do tempo” (Código Civil – artigo 169). RECURSO DESPROVIDO. 147





VOTO

Vistos. Jurisprudência - Direito Privado Trata-se de recurso de apelação interposto contra respeitável sentença proferida nos autos de ação declaratória de nulidade contratual ajuizada por RO- SELI PERPETUA CARFAN DE SOUZA e OSVALDO DE SOUZA em face de FLORIDA RESORTS CONSULTORIA E MARKETING EIRELI e RCI BRA- SIL PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE INTERCÂMBIO LTDA. A respeitável sentença julgou procedente a ação para declarar rescindi- do o contrato firmado entre as partes; condenar as rés, de maneira solidária, a restituírem os valores comprovadamente pagos pelos autores, a serem apurados em liquidação de sentença, acrescidos de correção monetária desde o efetivo pagamento e com incidência de juros de mora de 1% (um por cento) a partir da citação; e ratificar a tutela de urgência. Diante da sucumbência, condenou as requeridas, de forma solidária, ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como em honorários advocatícios ao patrono da parte oposta, arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da condenação (p. 410/413). Inconformada, a requerida RCI BRASIL - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE INTERCÂMBIO LTDA. interpôs recurso de apelação (p. 416/434) susci- tando preliminar de ilegitimidade passiva e de incompetência da autoridade ju- diciária brasileira para processar e julgar a ação, argumentando pela inaplicabi- lidade da legislação brasileira aos contratos celebrados fora do País. Alega não possuir ingerência no contrato firmado com a empresa “Berkley” em novembro de 2017 e nenhuma relação com o imóvel adquirido pelos apelados. O contrato objeto do pedido de resolução não foi firmado com a apelante, mas sim, com a empresa Berkley Vacation Resorts, Inc. sediada na Flórida-EUA. Alega tra- tar-se de empresa operadora de intercâmbio com responsabilidade limitada aos termos do artigo 1.358-P do Código Civil, sendo responsável tão somente pela promoção e organização de permuta de períodos de ocupação entre consumi- dores, proporcionando a troca em unidades habitacionais em empreendimentos além daquele contratado; não há caracterização de grupo econômico com a cor- ré Berkley. Assevera que os apelados não relataram qualquer incidente relativo ao contrato de intercâmbio; seus inconformismos, ou ainda qualquer troca de correspondência com a apelante “RCI”, se limita ao fato de não terem con- seguido resilir o contrato de “time-sharing” firmado com a Berkley. Ademais, destaca que o contrato foi firmado em 10/11/2017, sendo a ação proposta apenas em 05/10/2022, ou seja, 05 (cinco) anos após a assinatura do contrato, tendo as apeladas todo esse tempo hábil para que fizessem uso e pudessem usufruir dos serviços contratados, sem qualquer impeditivo apontado. Durante a vigência do contrato a associação, prestou os serviços de intercâmbio quando solicitado (p. 430). 148 Pretende o provimento do recurso para julgar improcedente a ação em face da apelante “RCI”. Contrarrazões pelo desprovimento do recurso (p. 438/452). Oposição ao julgamento virtual (p. 457). Jurisprudência - Direito Privado Complemento do preparo recursal (p. 461/464). É o relatório. V O T O. Recurso tempestivo e preparado (p. 433/444 e 462/463). Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal. O recurso não comporta provimento. Não prosperam as alegações de incompetência da autoridade judiciária brasileira para processar e julgar a ação e de inaplicabilidade da legislação bra- sileira aos contratos celebrados fora do País. Ainda que a demanda tenha por objeto negócios jurídicos entabulados fora do País, há incidência da jurisdição nacional ao caso, diante do disposto no artigo 22, inciso II, do Código de Processo Civil, estabelecendo que “compe- te à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil”. De igual modo, rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva, pois o contrato celebrado denota a existência de relação de direito material entre as partes. Os contratos de cessão de direito de uso de imóvel em sistema de tempo compartilhado e de associação a programa de intercâmbio foram celebrados de forma conjunta, como pacote de produtos e serviços, tratando-se de contratos coligados, o que se revela suficiente para o reconhecimento da atuação de am- bas as rés na cadeia de fornecimento no mercado de consumo, com evidente parceria entre elas, razão pela qual respondem de forma solidária frente aos consumidores/apelados. No mérito, a sentença não comporta reparo. Os apelados, em viagem de férias, foram abordados por representante das requeridas, sendo submetidos a métodos persuasivos e estratégias de “marke- ting” agressivo para adesão a cota de empreendimento em regime de multipro- priedade, sem tempo de reflexão e atenção aos termos contratuais. Dispõe o artigo 1.358-B do Código Civil que o regime de multiproprie- dade se regula, de forma supletiva e subsidiária, pelas demais disposições do mesmo código e pelo Código de Defesa do Consumidor. O contrato de multipropriedade, conhecido por ‘time-sharing’ (tempo compartilhado), como outro qualquer, deve estar embasado no princípio da boa- fé desde a formação, na execução e no pós-contrato, a fim de garantir a plena fruição do entabulado entre as partes. Em decorrência dos métodos de venda emocional e “marketing” agressi- vo aliados a outras circunstâncias estratégicas que impedem ou dificultam a per- cepção racional do que está sendo contratado, há caracterização de abusividade incompatível com os princípios sociais do contrato e clara violação ao dever de Jurisprudência - Direito Privado informação e ao princípio da transparência que norteia as relações de consumo. A mencionada legislação especial presume o consumidor como a parte contratual mais vulnerável (artigo 4º, I, do mesmo código). O abuso no método de venda, impede a reflexão, a decisão racional e refletida, assim como a livre escolha, em razão do emprego de publicidade abu- siva e métodos comerciais coercitivos ou desleais, tornando a manifestação de vontade viciada, por dolo das requeridas, o que torna inafastável o reconheci- mento da nulidade do negócio jurídico. O fato de os autores terem usufruído, por algumas vezes do serviço e das acomodações, não pode servir de permissão ou convalidação de ato jurídico nulo, insuscetível de confirmação e que não convalesce pelo decurso do tempo (artigo 169 do Código Civil). E no contexto em que a avença foi celebrada num cenário de desinfor- mação, sem conhecimento certo da extensão da relação contratual, evidente que a avença celebrada não pode surtir seus regulares efeitos, razão pela qual, nulo o negócio jurídico, acertada a conclusão pela restituição da quantia paga pelos consumidores submetidos à práticas abusivas, coercitivas, desleais e contrárias à boa-fé, admitindo-se o retorno das partes ao seu estado anterior. Bem fundamentou o MM. Juiz: “O contrato entabulado pelas partes diz respeito à prestação de serviços de hospedagem na modalidade Timeshare, ca- racterizada, em apertada síntese, como sendo aquela em que o usuário, além de adquirir título, paga prestações mensais para que lhe seja franqueado o uso dos estabelecimentos que integram a rede hoteleira, especialmente em períodos de férias. Embora o objeto desse tipo de contrato não seja ilegal ou abusivo, na hipótese, os autores foram abordados em solo estrangeiro, durante perío- do de férias e sem qualquer auxílio jurídico. Além disso, foram instigados por vendedores que falavam português a subscreverem contrato redigido em inglês, conforme documento de fls. 26/98. Frente a esse panorama, com a inversão do ônus da prova, caberia a parte requerida comprovar que a parte autora foi devidamente informada sobre as condições do serviço ofertado, o que não ocor- reu. Portanto, considerando as circunstâncias em que o contrato foi firmado, é forçoso concluir que os autores não foram devidamente cientificados sobre os termos da contratação e do alcance de todas as cláusulas, sendo de rigor o reconhecimento da abusividade da relação jurídica ante a violação do dever de informação previsto no artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumi- dor. Com o reconhecimento da abusividade do contrato, as partes deverão re- tornar ao status quo ante, impondo-se, dessa forma, a restituição da totalidade da quantia desembolsada pela parte autora.” 150 A respeitável sentença deu adequada solução ao litígio. Nesse contexto, pelo meu voto, NEGA-SE PROVIMENTO AO RE- CURSO. Em razão do desprovimento do recurso, majoro os honorários sucumben- Jurisprudência - Direito Privado ciais para quinze por cento (15%), com base no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil. Considera-se prequestionada toda matéria constitucional e infraconstitu- cional discutida, evitando-se, com isso, oposição de embargos de declaração para este fim (Súmulas 211 do Superior Tribunal de Justiça e 282 do Supremo Tribunal Federal).