APELAçãO – LOCAÇÃO. Ação declaratória de nulidade de contrato com pedido subsidiário de revisão de alu- guel. Acolhimento apenas do pedido subsidiário. In- surgência da ré. Preliminares de não conhecimento do recurso rejeitadas. Revisão dos aluguéis que era pos- sível, pois atendidos os requisitos do art. 19 da Lei de Locações. Demonstração, pela autora, de que o valor do aluguel pago pela ré é substancialmente inferior ao praticado em outros espaços do mesmo shopping. Ausência de impugnação aos documentos que instruí- ram a petição inicial. Alegações deduzidas pela ré que são genéricas e desprovidas de respaldo probatório. Revisão do aluguel na forma determinada pelo Juízo 92 “a quo” que era de rigor. Erro material na sentença corrigido de ofício, para determinar que o reajuste do aluguel ocorra anualmente. Recurso desprovido, com observação. Jurisprudência - Direito Privado(TJSP; Relator: MILTON CARVALHO; Data do Julgamento: 26 de junho de 2025)
, em sessão permanente e virtual da 36ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Ne-
garam provimento ao recurso, com observação. V.U.”, de conformidade com o
voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 44.738)
O julgamento teve a participação dos Desembargadores LIDIA CONCEI-
ÇÃO (Presidente) e PEDRO BACCARAT.
São Paulo, 26 de junho de 2025.
MILTON CARVALHO, Relator
Ementa: LOCAÇÃO. Ação declaratória de nulidade
de contrato com pedido subsidiário de revisão de alu-
guel. Acolhimento apenas do pedido subsidiário. In-
surgência da ré. Preliminares de não conhecimento do
recurso rejeitadas. Revisão dos aluguéis que era pos-
sível, pois atendidos os requisitos do art. 19 da Lei de
Locações. Demonstração, pela autora, de que o valor
do aluguel pago pela ré é substancialmente inferior
ao praticado em outros espaços do mesmo shopping.
Ausência de impugnação aos documentos que instruí-
ram a petição inicial. Alegações deduzidas pela ré que
são genéricas e desprovidas de respaldo probatório.
Revisão do aluguel na forma determinada pelo Juízo
92
“a quo” que era de rigor. Erro material na sentença
corrigido de ofício, para determinar que o reajuste do
aluguel ocorra anualmente. Recurso desprovido, com
observação.
Jurisprudência - Direito Privado
VOTO
Trata-se de pedido declaratório de nulidade, cumulado com pedido subsi-
diário de revisão de aluguéis, julgados parcialmente procedentes pela respeitá-
vel sentença de fls. 190/192, cujo relatório se adota, para fixar o valor do aluguel
do imóvel, retroativo à citação, em R$11.960,64, com reajuste mensal pelo IGP
-M, com anotação de que as diferenças devidas durante o processo serão pagas
corrigidas monetariamente e serão exigíveis a partir do trânsito em julgado, em
virtude do que as custas e despesas processuais foram rateadas entre as partes,
na razão de 70% para a ré e 30% para a autora, a ré foi condenada ao pagamento
de honorários advocatícios fixados em 10% sobre 70% do valor da causa, e a
autora, de honorários fixados em 10% sobre 30% do valor da causa.
Inconformada, apela a ré, sustentando que o reajuste fixado na sentença
corresponde a quase 100% do valor do aluguel atual, que é de R$6.000,00; que a
autora alega sofrer prejuízos em decorrência do contrato, no entanto, não houve
qualquer irregularidade de sua parte; que a autora apenas pretende reajustar os
alugueis sem qualquer justificativa, o que é absurdo, excessivo e gera desequi-
líbrio contratual; que a autora não comprovou a ocorrência de quebra do equilí-
brio contratual ou a necessidade de restabelecê-lo; que é inadmissível a revisão
dos aluguéis que foram pactuados de forma consensual, lógica e razoável; que
a autora desenvolve raciocínio propositadamente equivocado com o intuito de
induzir o Juízo a erro; que o reajuste determinado na sentença gera enriqueci-
mento sem causa para a autora; que deve ser prestigiada a livre manifestação
de vontade das partes, na qual se observaram a função social do contrato e a
boa-fé objetiva; que deve ser observada a liberdade de contratar e o ato jurídico
perfeito; e, que entende que um reajuste de 30% é justo para ambas as partes
(fls. 195/203).
Houve resposta (fls. 209/225).
É o essencial a ser relatado.
O apelo não é de ser provido, com observação.
A preliminares de não conhecimento do recurso arguidas pela autora não
comportam acolhimento.
O apelo atende aos requisitos do artigo 1.010 do Código de Processo Ci-
vil, pois a ré indicou os fatos e fundamentos jurídicos que embasam o pedido de
reforma da sentença, aduzindo, em síntese, que a pretensão da autora de revisar
o aluguel é injustificada e que o valor fixado pelo Juízo a quo é excessivo. As-
sim, como as alegações deduzidas pela ré são suficientes a impugnar os funda-
mentos da sentença, não há que se falar em inépcia recursal por desatendimento
ao princípio da dialeticidade.
Tampouco se reconhece que as razões deduzidas no apelo configuram
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inovação recursal, uma vez que em contestação a ré impugnou a pretensão de
revisão do contrato, alegando que a autora não teria apresentado provas que a
respaldassem, que o valor do aluguel apontado como devido na petição inicial
era descabido e excessivo, e que não era possível a revisão para aplicar cláusula
de reajuste (fls. 162/163).
Os argumentos contidos no apelo decorrem daqueles expostos na contes-
tação e apenas foram reforçados em razão de a sentença ter acolhido o pedido
de revisão contratual, o que não se confunde com indevida inovação recursal.
Superadas as preliminares, passa-se à análise do mérito.
Na petição inicial a autora alegou que o contrato celebrado entre as partes
seria nulo por conter disposições simuladas, em decorrência das quais a auto-
ra teria experimentado prejuízos acumulados de R$324.000,00, uma vez que
os aluguéis devidos pela ré são muito inferiores aos praticados com relação
aos demais lojistas do shopping. Subsidiariamente, pediu a revisão do contrato,
para que o aluguel devido pela ré fosse fixado em valor compatível ao pago por
outros lojistas (R$15.000,00) e que o aluguel deveria ser corrigido anualmente
pelo IGP-M ou pelo INPC.
Os pedidos foram julgados parcialmente procedentes e, em que pese o
inconformismo manifestado, a respeitável sentença recorrida não compota re-
paros.
O contrato que fundamenta as pretensões formuladas pela autora é aquele
juntado às fls. 45/53, datado em 14/05/2021, pelo qual a ré se obrigou ao pa-
gamento de aluguéis mensais de R$6.000,00, sem qualquer previsão acerca de
reajuste.
A demanda foi ajuizada em julho de 2024, o que era suficiente para re-
conhecer o interesse da autora em pedir a revisão dos aluguéis, uma vez que,
nos termos do artigo 19 da Lei de Locações, Não havendo acordo, o locador ou
locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente
realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço
de mercado.
A petição inicial foi instruída com outros contratos de locação firmados
com lojistas do empreendimento que demonstram que o aluguel pago pela ré
(R$6.000,00, sem qualquer reajuste) destoa expressivamente dos demais, cujos
valores, entre os anos de 2022 e 2023, variavam de R$11.684,00 a R$12.750,00
(fls. 56/61, 62/77, 78/93, 94/109 e 110/125).
Referidos documentos não foram minimamente impugnados em contes-
tação, assim como não o foi a alegação da autora de que tais contratos se refe-
riam a espaços semelhantes ao ocupado pela ré.
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Na contestação a ré se limitou a alegar, genericamente, que o aluguel pre-
tendido pela autora seria excessivo por ser superior ao pretendido por lei e que
geraria para ela enriquecimento sem causa
Ocorre que a limitação legal apontada em defesa diz respeito à fixação
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de aluguéis provisórios e não existe impedimento a que a revisão seja superior
a 80% do valor vigente quando este for compatível com o efetivo valor de mer-
cado.
O fundamento da ação revisional é exatamente o da compatibilização do
aluguel pactuado entre as partes com o valor de mercado do imóvel, como prevê
o já citado artigo 19 da Lei de Locações, diante do que são descabidas as ale-
gações deduzidas no sentido de que a sentença violaria a liberdade contratual, a
boa-fé objetiva, a função social do contrato ou o ato jurídico perfeito.
Não se pode olvidar que a locação impõe às partes obrigações de trato
sucessivo e que, portanto, admitem revisão para que seja mantido o equilíbrio
contratual entre as partes.
Logo, a revisão do aluguel independia da prática de alguma irregularida-
de por parte da ré e, para o acolhimento do pedido considerando que no caso foi
atendido o requisito temporal bastava que se demonstrasse que o aluguel con-
vencionado entre as partes, mesmo que de forma consensual, estava defasado
em comparação com o valor de mercado.
A propósito, a disparidade entre o valor do aluguel pago pela ré e aquele
praticado em espaços no mesmo empreendimento é suficiente para evidenciar
que existia sim desequilíbrio na relação contratual em prejuízo da autora.
Nesse contexto, na falta de impugnação específica aos documentos que
instruíram a petição inicial, era mesmo de se reconhecer que o aluguel pago pela
ré é muito inferior àqueles devidos por outros lojistas do mesmo shopping e que
se justificava a sua elevação na forma determinada pela sentença.
Conquanto a ré alegue que o aumento foi excessivo e que correspondeu
a quase 100% do aluguel vigente, é certo que ela não juntou com a contestação
qualquer documento que pudesse contrariar aqueles apresentados pela autora,
não pediu a anulação da sentença por cerceamento de defesa e, nem mesmo nes-
ta fase recursal trouxe elementos objetivos que poderiam respaldar o argumento
de que o valor fixado pelo Juízo a quo seria excessivo ou desproporcional.
O ônus da prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor cabia à ré (artigo 373, II, do Código de Processo
Civil), mas deste ela não se desincumbiu.
Assim, nem mesmo a pretensão de que o reajuste seja limitado a 30%
pode ser acolhida, porquanto desprovida de lastro probatório e não embasada
em elementos objetivos.
Com efeito, o valor de R$11.960,64 foi definido pelo Juízo a quo a partir
de média aritmética dos valores praticados em outros cinco contratos de locação
do mesmo shopping (que, reitera-se, não foram impugnados pela ré) e nas ra-
zões de apelação não foi manifestada qualquer insurgência especifica quanto ao
método de definição do novo aluguel adotado.
Jurisprudência - Direito Privado
No tocante à correção monetária incidente sobre os aluguéis, embora con-
tra ela a ré não tenha se insurgido no recurso interposto, observa-se que houve
erro material na sentença que deve ser corrigido de ofício, a fim de se evitar
discussões futuras entre as partes.
Isso porque, no dispositivo da sentença, constou que o valor do aluguel,
retroativo à citação, seria de R$11.960,64, com reajuste mensal pelo IGP-M,
no entanto, considerando-se a fundamentação da sentença de que a cláusula
de reajuste deveria ser aplicada conforme normalmente praticado em contra-
tos similares, é de rigor que a correção monetária pelo IGP-M seja computada
anualmente. Assim, realizada a citação em setembro de 2024 (fls. 147/148), o
reajuste do valor de R$11.960,64 deverá ocorrer apenas em setembro de 2025.
Anote-se, de todo modo, que o reajuste do valor do aluguel não se con-
funde com a correção monetária incidente sobre as diferenças devidas com rela-
ção aos aluguéis que se venceram no curso do processo, que é devida na forma
determinada pelo Juízo a quo.
De rigor, portanto, a manutenção da respeitável sentença recorrida, con-
quanto com a observação feita com relação à atualização do valor do aluguel
(que deve ocorrer anualmente).
Por conseguinte, nos termos do artigo 85, §11, do Código de Processo
Civil, majoram-se os honorários fixados na sentença para 12% sobre 70% do
valor da causa, levando-se em conta o trabalho adicional realizado em grau de
recurso e os critérios previstos no § 2º do mesmo artigo 85.
Por tais fundamentos, nega-se provimento ao recurso, com observação.