Decisão 9

Processo: 2044679-80.2025.8.26.0000

Recurso: Agravo

Relator: ENIO ZULIANI

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 10 de abril de 2025

Ementa Técnica

AGRAVO – Tutela de urgência emitida em lide complexa Jurisprudência - Direito Privado pela magnitude dos interesses disputados (empreen- dimento hoteleiro) e que obteve confirmação no Tri- bunal de Justiça do Estado de São Paulo. Antes mesmo de ser aberta a fase de exigibilidade da multa (astreinte) aplicada para persuadir os reque- ridos ao cumprimento de diversos itens relacionados com a execução frustrada do contrato, o Juízo de Pri- meiro Grau publicou segunda decisão majorando o valor das sanções, sem, contudo, reconhecer o não cumprimento (até porque não foi objeto de cognição ou de julgamento). A decisão foi baseada em raciocínio intuitivo de que os requeridos não se movimentariam diante das cifras primitivas e essa fundamentação brota naturalmen- te para o juiz encarregado da dinâmica da lide e não configura erro ou abuso. Preserva-se a deliberação para que essa medida de apoio institucional da juris- dição obtenha efetividade, citando os artigos 139, III e 537, § 1º, do CPC. O montante definido não é exage- rado para ser declarado como medida de sacrifício a uma das partes e a sua maior virtude está em afastar a pecha de insignificância que desobriga aquele que deve cumprir. Não provimento.(TJSP; Agravo 2044679-80.2025.8.26.0000; Relator: ENIO ZULIANI; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça; Data do Julgamento: 10 de abril de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 94.058) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CARLOS CASTILHO AGUIAR FRANÇA (Presidente sem voto), ALCIDES LEOPOL- DO e MARCIA DALLA DÉA BARONE. 28 São Paulo, 10 de abril de 2025. ENIO ZULIANI, Relator


Ementa: Tutela de urgência emitida em lide complexa Jurisprudência - Direito Privado pela magnitude dos interesses disputados (empreen- dimento hoteleiro) e que obteve confirmação no Tri- bunal de Justiça do Estado de São Paulo. Antes mesmo de ser aberta a fase de exigibilidade da multa (astreinte) aplicada para persuadir os reque- ridos ao cumprimento de diversos itens relacionados com a execução frustrada do contrato, o Juízo de Pri- meiro Grau publicou segunda decisão majorando o valor das sanções, sem, contudo, reconhecer o não cumprimento (até porque não foi objeto de cognição ou de julgamento). A decisão foi baseada em raciocínio intuitivo de que os requeridos não se movimentariam diante das cifras primitivas e essa fundamentação brota naturalmen- te para o juiz encarregado da dinâmica da lide e não configura erro ou abuso. Preserva-se a deliberação para que essa medida de apoio institucional da juris- dição obtenha efetividade, citando os artigos 139, III e 537, § 1º, do CPC. O montante definido não é exage- rado para ser declarado como medida de sacrifício a uma das partes e a sua maior virtude está em afastar a pecha de insignificância que desobriga aquele que deve cumprir. Não provimento.





VOTO

Vistos. Publicou a ilustre Juíza de Direito da 2ª Vara Cível de Olímpia a decisão de fls. 37-42 do presente agravo (1797-1802 dos autos em Primeiro Grau) e que modifica o valor da multa (astreinte) arbitrada quando emitida tutela de urgência, em parte (fls. 628-634 dos autos em Primeiro Grau). Na decisão em que adiantadas tutelas de bloqueio, de prevenção, rastreamento imobiliário e de especificações sobre negócios realizados com as unidades proporcionais as quotas reservadas aos autores da ação, a multa, para o caso para penalizar por eventual venda de unidades que caberiam aos autores, foi estabelecida em R$ 10 mil reais. Para o caso de descumprimento das ordens emanadas com os itens “b”, “c”, “d” e “e” a multa diária foi de R$ 5 mil reais, até o teto de R$ 100 mil reais. No decisum complementar (objeto do agravo tirado pelas requeridas SPE WGSA 02 Empreendimentos Imobiliários e outras, que figuram como requeri- das) os seguintes pontos ficaram definidos: que o prazo para cumprir as limina- Jurisprudência - Direito Privado res deveriam ser contados em dias “corridos” e o termo a quo em 3.12.2024; que o quantum da multa por comercialização de unidades lançadas para os autores da ação era mantido com observação de que a penalidade pecuniária é para cada operação proibida, incidindo, pois, em dobro se for objeto de segunda comer- cialização. Sobre a ordem de apresentar relação completa das quotas dos autores (item “b”, a multa foi especificamente imposta como sendo de R$ 3 mil reais ao dia até R$ 90 mil. Quanto ao item “c” ou devolução todas das unidades (quotas) em estoque, também remodelado para R$ 3 mil reais por dia e até R$ 90 mil. Quanto ao item “d” (indicar as operações financeiras realizadas com demons- trativos de créditos das unidades aplicados ou não de unidades destinadas aos autores) a multa foi amoedada em R$ 2 mil por dia até R$ 60 mil e, finalmente, sobre o item “e” (indicar os débitos de responsabilidade dos requerentes, com origens e identificação dos contratos respectivos), igualmente R$ 2 mil reais diários até R$ 60 mil. As recorrentes afirmam que a exasperação da penalidade não é justifica- da, por não ter ocorrido descumprimento, sendo que o que era excessivo antes tornou-se desproporcional com a majoração dos valores. Defende que não cabe aplicar multa, reiterando que não há comercialização das quotas desde 20.5.2024 (item 24 do agravo - fls. 16) e quanto aos demais insiste no excesso e no fato de que os autores da ação possuem todos os dados que necessitam, porque existe intercâmbio intermitente de informações e cita uma planilha como prova de que não existia interesse de agir sobre o item “b” e demais, pelo que pedem que seja reconhecida a exclusão de responsabilidade por incumprimento de decisões ju- diciais, liberando-as de multa ou, como pedido subsidiário, que sejam cortados os excessos (arts. 8º, e 537, § 1º, I e II, do CPC. O agravo foi respondido com alegações sobre conduta desidiosa das recorrentes pela falha na prestação de contas e centralizam a questão de que não seriam eles (autores) responsáveis pela abertura de matrículas, lançando argumentos sobre inadmissibilidade de serem admitidas as teses de cumprimento ou de não provimento. É o relatório. A tutela de urgência emitida pela Juíza de Direito da 2ª Vara de Olímpia foi mantida in totum pela Quarta Câmara de Direito Privado, quando defini- dos os agravos de instrumentos 2330919-25.2024.8.26.0000 (fls. 819-822) e 2293066-87.2024.8.26.0000 (fls. 825-831). Nada obsta a persecução das mul- tas, conforme pronunciamentos do STJ (Resp. 2169203 MG, DJ de 7.2.2025, Ministro Ricardo Villas Boas Cueva: “RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL. PROCESSUAL CIVIL. MULTA COMINATÓRIA. FATO GERADOR. DESCUMPRIMENTO. DECISÃO. 30 CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE SENTENÇA. PROSSEGUIMENTO. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO. EFEITO SUSPENSIVO. AUSÊNCIA. 1. A controvérsia dos autos resume-se em definir qual o fato gerador do crédito re- lativo a astreintes para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial Jurisprudência - Direito Privado e se é possível o prosseguimento do cumprimento provisório de sentença. 2. As astreintes têm como objetivo coagir a parte ao cumprimento de obrigação imposta pelo juízo, tratando-se de técnica executiva prevista no artigo 536, § 1º, do Código de Processo Civil. 3. A multa cominatória, diversamente da in- denização que objetiva recompor o dano causado à esfera jurídica da vítima, tem como finalidade a defesa da autoridade do próprio Estado-Juiz. 4. O fato gerador da obrigação principal não se confunde com o da multa coercitiva. 5. Na hipótese, a obrigação principal tem como fato gerador o adimplemento defeituoso do contrato firmado entre as partes, o qual deu origem aos vícios construtivos e ao direito de obter reparação. A multa cominatória, a seu turno, tem como fato gerador o descumprimento da decisão judicial que determi- nou certa conduta. 6. Esta Corte firmou posicionamento no sentido de que, com a entrada em vigor do CPC/2015, não houve alteração do entendimento consolidado na vigência do CPC/1973, no sentido de que a multa cominató- ria somente pode ser objeto de execução provisória quando confirmada por sentença e o recurso interposto não tenha sido recebido no efeito suspensivo, ficando condicionado o levantamento de valores ao trânsito em julgado da sentença que a fixou. 7. Recurso especial conhecido e não provido.” Essa multa que tem conotação de apoio persuasivo para que as decisões prévias sejam cumpridas com eficiência e oportunidade, pode ser exigida no caso em apreço, porque a decisão que a estipulou foi mantida em Segundo Grau. No entanto não está em julgamento o elemento ou pressuposto constitutivo da obri- gação imposta pelo juiz, porque para decidir se a parte cumpriu ou descumpriu a decisão de urgência do art. 300 do CPC, é preciso cognição adequada sobre esse ponto vital da aplicação concreta da penalidade. As decisões de Olímpia não chegaram a esse clímax, limitadas que estão ao fator “arbitramento”, sendo que a segunda (motivo do agravo) complementa a primeira sobre o fator majoração da cifra arbitrada. E o referendum decorre da melhor interpretação dos artigos 139, III e 537, § único, do CPC. Não existe, convém expor, preclusão que impe- de o juiz de reavaliar a multa e a exasperar ou suavizar, por ser possível agir de ofício (AgInt. no AResp. 2574206 SP, DJ de 3-10-2024, Ministro Marco Buzzi). É importante registrar que a douta Magistrada considerou, para efeito de exasperar a expressão monetária, que os autos não confirmavam condutas indicativas de que o cumprimento pontual iria ocorrer, o que corresponde não a um reconhecimento definitivo de inadimplemento, mas, sim, a um raciocínio próprio de circunstância previsível ou de probabilidade que obriga agir para o bem da jurisdição. Não foi escrito que a parte descumpriu, mas, sim, que os indícios seriam de que a multa não estimularia cumprimento correto, uma exposição conectada com uma impressão inspiradora de um arrocho no peso da multa. Não é uma técnica equivocada ou deliberação arbitrária essa que a Turma Jurisprudência - Direito Privado Julgadora examina; existem razões plausíveis para o referendum. O caso é complexo e o seu começo recheado de narrativas antagônicas sobre imputabilidade de culpa pela execução que não agradou os autores (que- rem a rescisão do que foi pactuado para recuperarem o saldo residual possível, segundo alegam) exterioriza que a litigiosidade tende a enrijecer e consumir tempo de jurisdição que ameaça os direitos depositados nas expectativas de um sucesso empresarial, sendo que a cada frustração de negócio unitário, o fator dano recrudesce. Daí a pertinência da multa como fator para estimular o cum- primento dos itens determinados na tutela que foi mantida em dois julgados. E o arbitramento não comporta a censura que lhe foi increpada, lembrando, mais uma vez, que não é possível decidir se a parte cumpriu ou descumpriu a tutela de urgência, porque isso não foi decidido e o Tribunal não está autorizado a reexaminar algo que não foi julgado em Primeiro Grau. Quanto ao valor, foi exercido criterioso juízo de ponderação diante da intensidade dos interesses disputados. É preciso compreender que a astreinte não é sinônimo de pena e muito menos simboliza um castigo. Representa um acréscimo ao fator ordem dependente de cumprimento para a efetividade juris- dicional (art. 5º, XXXV, da CF) e que na expressão de COUTURE é uma “san- ción disciplinaria, hasta que se cumpla con la orden judicial” (Fundamentos del Derecho Procesal Civil, Buenos Aires, Depalma, 1977, p. 464, § 302). Segundo AMILCAR DE CASTRO “o vocábulo astreinte é sinônimo de contrainte, que quer dizer constrangimento, ou violência exercida contra alguém. A astreinte não é pena para punir o devedor pelo fator não haver cumprido, ou haver demo- rado a cumprir, mas um meio de coação para obrigar o devedor a cumprir” (Do procedimento de execução, 2ª edição, Forense, 2000, p. 146). Felizmente o sistema processual brasileiro introduziu a astreinte e isso é afirmado porque LIEBMAN, ao tomar contato com as questões processuais debatidas em cenário nacional, afirmou o seguinte sobre “astreintes”: “Os meios coativos que se acabam de mencionar (referia o mestre italiano as multas) não tem propriamente caráter executório, porque visam conseguir o adimplemento da obrigação pela prestação do próprio executado (cf. acima, n. 3), compelido a cumpri-la para evitar as pesadas sanções que o ameaçam. São, porém, meios sumamente eficazes para o fim almejado. O direito brasileiro não conhece nada que se lhes possa comparar, tornando-se por isso a tutela dessa espécie de obri- gações muito menos eficiente” (Processo de Execução, 3ª edição, Saraiva, 1968, p. 170, § 97). O valor arbitrado não é exagerado diante da importância econômica do empreendimento e, principalmente, da necessidade de ser obtido transparência nessa espécie de prestação de contas antecipada do lado frustrante do contrato que vinculou as partes, pelo que fica mantida, até porque a redução não interes- sa ao ponto motivador da astreinte, tal como deixei anotado “que a experiência revelou que a multa estabelecida pelo juiz estimula o devedor recalcitrante a Jurisprudência - Direito Privado cumprir as ordens judiciais sem recorrer a expedientes protelatórios” (ÊNIO SANTARELLI ZULIANI, Direito das Obrigações -vol. I, Curso de Direito Ci- vil coordenado por Alexandre de Mello Guerra, Revista dos Tribunais, 2025, p. 483). Não há ofensa ao art. 8º e 537, § 1º, I e II, todos do CPC). Nega-se provimento.