RECURSO – APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REDIBITÓRIA C/C INDENIZATÓRIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO AUTOMOTOR USADO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIAS DOS RÉUS. PRELIMINARES DE ILEGIMITIDADE PASSIVA. CONFUSÃO COM O MÉRITO. AUSÊNCIA DE ACESSORIEDADE ENTRE O NEGÓCIO JURÍDICO OBJETO DA LIDE E O FINANCIAMENTO BANCÁRIO CONTRAÍDO PELA AUTORA COM O FIM DE GARANTIR O PAGAMENTO DE PARTE DA CONTRAPRESTAÇÃO PECUNIÁRIA ASSUMIDA. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. IMPOSSIBILIDADE DE SE IMPOR À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RESPONSABILIDADE PELO ALEGADO VÍCIO OCULTO.
(TJSC; Processo nº 0808889-72.2013.8.24.0045; Recurso: recurso; Relator: Desembargadora Substituta QUITERIA TAMANINI VIEIRA; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 13 de novembro de 2025)
Texto completo da decisão
Documento:6988858 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 0808889-72.2013.8.24.0045/SC
RELATORA: Desembargadora Substituta QUITERIA TAMANINI VIEIRA
RELATÓRIO
Na origem, perante o Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Palhoça, o pleito formulado na "Ação de Restituição de Quantia Paga c/c Reparação por Danos Materiais e Morais á Imagem da Pessoa Juridica" proposta por TECHE & TECHE TRANSPORTADORA LTDA contra FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA e TRILHA SC COMERCIO DE VEICULOS LTDA. foi julgado parcialmente procedente pelos fundamentos declinados na sentença apelada (evento 120, SENT1), em cujo dispositivo constou o seguinte:
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE em parte o pedido formulado na inicial para o fim de (i) declarar rescindida a compra do veículo TROLLER T-4, combustível Diesel, chassi n. 94TTT4D23DH001202, cor amarelo, ano de fabricação e modelo 2013, que recebeu a placa MKP2014, determinando, solidariamente entre as requeridas, a devolução de R$ 91.000,00 (noventa e um mil reais), os quais deverão ser corrigidos monetariamente pelo INPC desde a data do desembolso e juros de mora contados a partir da citação; (ii) condenar solidariamente as rés à indenização material relativa ao aluguel de veículo comprovado pela autora, no importe de R$ 1.625,00; R$ 1.950,00 e R$ 2.015,00, corrigidos monetariamente pelo INPC desde as datas dos desembolsos e acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação.
Rejeito o pedido de condenação à indenização por danos morais.
Encerro a fase cognitiva do procedimento comum, com a resolução do mérito, na forma do art. 487, inciso I, do CPC.
Considerando que houve sucumbência parcial da autora, condeno as partes ao pagamento de custas processuais na proporção de 20% para a autora e 80% para as rés. Fixo os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, a serem suportados 20% do montante pela autora e 80% pelas rés.
Irresignadas, as requeridas interpuseram recursos de apelação.
TRILHA SC COMERCIO DE VEICULOS LTDA., em suas razões (evento 132, APELAÇÃO1), afirmou ser descabido o desfazimento do negócio porquanto o veículo está em perfeitas condições de uso, à disposição do comprador, tendo sido consertado no prazo legal.
FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA, igualmente (evento 134, APELAÇÃO1) defendeu ser descabido o desfazimento do negócio porquanto o veículo foi reparado no prazo legal, não possuindo qualquer vício. Aduziu, ainda, ser indevida a condenação pelos danos materiais decorrentes da locação de outros veículos, porquanto ausente previsão legal de fornecimento de carro reserva pelo prazo integral do período despendido para o conserto do veículo adquirido.
O consumidor, por sua vez, interpôs recurso adesivo (evento 148, REC1), arguindo a ocorrência de dano moral a ser indenizado em monta não inferior a R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais).
Ao final, postularam o conhecimento e provimento dos recursos para reforma da sentença.
Foram apresentadas contrarrazões (evento 154, CONTRAZ1 e evento 155, CONTRAZ1).
Desnecessário o envio à Procuradoria-Geral de Justiça.
É o breve relato.
VOTO
Admissibilidade
Preenchidos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço dos recursos.
Mérito
No mérito, os recursos não merecem provimento.
Consigno, inicialmente, que se aplica ao caso dos autos o Código de Proteção e Defesa do Consumidor por estarem as partes enquadradas no disposto nos arts. 2º e 3º do referido Diploma e sobretudo diante da vulnerabilidade técnica e financeira da consumidora, quando comparado à parte adversa. Observo, inclusive, que já constou deferida a inversão do ônus da prova (arts. 4º, inc. I, e 6º, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor) (evento 120, SENT1).
Aliás, equipara-se a parte autora ao conceito de consumidor por ser vítima do evento danoso, na forma do art. 17 do Código Consumerista.
Restou incontroverso que a parte autora dos autos originários adquiriu de TRILHA SC COMERCIO DE VEICULOS LTDA., em 07-06-2013, o veículo TROLLER T-4, conforme nota fiscal apresentada no evento 1, INF4, p. 02, pela quantia de R$ 91.000,00.
Igualmente incontroverso que o veículo apresentou situação anormal que exigiu a vistoria e reparos por parte da vendedora nas datas de 18-07-2013, 29-07-2013 e a última em 05-08-2013, na qual o veículo foi deixado para verificação e não foi mais retirado pela parte consumidora, encontrando-se até os dias atuais sob a guarda da vendedora.
A lide cinge-se em aferir se, sanados os defeitos do veículo, é cabível o desfazimento do negócio, com as repercussões jurídicas dele decorrentes.
Dizem as requeridas dos autos originários que o veículo foi reparado no prazo legal do art. 18, do CDC, sendo incabível o desfazimento do negócio. Sem razão.
Expõe referido art.:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.
O prazo para que os vícios fossem sanados superou, em muito, os 30 dias do supracitado artigo, conforme muito bem apontou o juízo sentenciante, nos seguintes termos:
Ocorre, porém, que a situação dos autos revelou uma sucessão de fatos manifestamente contrária ao que se espera da aquisição de um veículo novo, 0KM, pois este deveria estar em pleno funcionamento desde sua retirada da concessionária e o que se viu foi o retorno à oficina reiterado por três oportunidades em menos de um mês, a primeira um pouco mais de um mês depois da aquisição (aquisição em 07/06/2013; primeira ida à oficina em 18/07/2013, a segunda em 29/07/2013 e a última em 05/08/2013). Entre a primeira e a última ida ao conserto denota-se menos de 30 dias, entretanto, a solução do problema apontado pela autora não ocorreu em nenhuma dessas três ocasiões, revelando que a solução do vício levou muito mais do que os 30 dias previstos na legislação consumerista, ao contrário do que sustentaram as rés. Isso porque o laudo pericial deixou claro que os vícios apresentados pelo veículo somente foram sanados com a realização do recall cuja companha foi anunciada em 17/10/2013 e o atendimento ao recall do veículo da autora somente foi procedida em 25/11/2013, momento em que foram definitivamente corrigidos os defeitos sentidos pela autora. Foram, portanto mais de quatro meses entre a primeira reclamação da autora e comunicação dos problemas apresentados pelo veículo e a efetiva correção.
Nisso, insurgiram-se as requeridas dos autos de origem ao argumento de que os vícios foram sanados antes do referido recall. Sem razão.
Da tabela juntada aos autos pelo perito técnico, vislumbra-se que, de fato, o veículo passou por substituição de peças em um recall datado de 25-11-2013, peças essas idênticas às referidas nos consertos anteriores ("injetor"), conforme se depreende (evento 79, LAUDO / 106):
Apesar da informação datada de 16-08-2013, de que o veículo da consumidora estaria "pronto", evidente que o vício somente foi sanado com o recall datado de 25-11-2013.
Segundo o sítio eletrônico do Ministério dos Transportes:
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelece que é responsabilidade do fabricante comercializar veículos que estejam em segurança. No entanto, caso seja identificado defeito que apresente algum risco aos usuários do trânsito, a empresa deve, imediatamente, notificar o mercado consumidor para que sejam adotadas medidas de mitigação dessa falha: as campanhas de chamamento ou recalls. (<https://www.gov.br/transportes/pt-br/assuntos/noticias/2024/10/voce-sabe-o-que-e-e-como-funciona-o-recall-a-senatran-tira-suas-duvidas>, acessado em 23-10-2025).
Ainda, segundo o perito (evento 79, LAUDO / 106, p. 4):
O recall, portanto, refere-se à chamada oficial de um fabricante ou fornecedor para recolher e corrigir produtos que apresentam defeitos ou riscos à segurança do consumidor. Reconhecido o chamamento para que o veículo fosse reparado, evidente que somente naquele momento o vício foi sanado, afinal, esta é a finalidade do recall.
O perito, inclusive, foi categórico ao informar (evento 79, LAUDO / 106):
No período em que o veículo Troller T4 3.2L, de placa MKP 2014 permaneceu sob guarda da 1ª Requerida, ocorreu a publicação de uma campanha de recall em 17/10/2013 que incluiu o número do chassi do Requerente n°.94TTT4D23DH001202 e que estava diretamente relacionada com os defeitos reclamados pelo Requerente.
E concluiu (evento 79, LAUDO / 106, p. 9):
Por fim, respondendo a um quesito de uma das partes, o perito afirmou (evento 79, LAUDO / 107, p. 9):
Portanto, não há qualquer dúvida de que o reparo não foi realizado no prazo de 30 dias a partir da data em que a consumidora reclamou do defeito, diversamente do que afirmaram as requeridas dos autos originários em seus reclamos.
Nesse sentido:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO ZERO QUILÔMETRO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DAS RÉS. ALEGADA INEXISTÊNCIA DO VÍCIO DO PRODUTO E, CONSEQUENTEMENTE, DO DANO MORAL. INSUBSISTÊNCIA. AUTOMÓVEL QUE PASSOU A APRESENTAR FALHAS REITERADAS NO CÂMBIO POWERSHIFT. PROBLEMA EM AUTOMÓVEL NOVO E AUSÊNCIA DE ÊXITO NOS CONSERTOS. DIREITO DA AUTORA EM OPTAR PELO DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO (ART. 18, §1º, II, DO CDC). RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO PELO VEÍCULO, COM ABATIMENTO PELO USO, QUE, EM TESE, SERIA DEVIDO.CONTUDO, NA PARTICULARIDADE DOS AUTOS, A REQUERENTE SE ENVOLVEU EM ACIDENTE DE TRÂNSITO NO CURSO DA AÇÃO COM A "PERDA TOTAL" DO VEÍCULO. SEGURADORA QUE JÁ INDENIZOU À REQUERENTE EM 100% DA TABELA FIPE DO VEÍCULO EM 2016. PERMANÊNCIA DO BEM NA POSSE DA AUTORA E DEPRECIAÇÃO PELO DECURSO DO TEMPO QUE DESAUTORIZA A RESTITUIÇÃO DA DIFERENÇA ENTRE O MONTANTE PAGO PELA SEGURADORA E AQUELE DESPENDIDO PELA AUTORA PELO VEÍCULO NOVO EM 2014, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO ILICÍTO.DANO MORAL. INCESSANTE SURGIMENTO DE DEFEITOS. EXPECTATIVA DE TRANQUILIDADE FRUSTRADA. PECULIARIDADES A CONFIGURAR O ABALO. DEVER DE INDENIZAR. PRECEDENTES DESTA CORTE. QUANTUM INDENIZATÓRIO. PRETENDIDA MINORAÇÃO PELAS RÉS. INACOLHIMENTO. VERBA INDENIZATÓRIA FIXADA EM R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS), EM OBSERVÂNCIA A RAZOABILIDADE E PROPORCIONAIDADE.ÔNUS SUCUMBÊNCIAIS. REDISTRIBUIÇÃO.RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.
(TJSC, Apelação n. 0300732-03.2016.8.24.0001, do , rel. José Agenor de Aragão, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 06-06-2024).
Com isso, ultrapassado o prazo legal, perfeitamente possível à consumidora exigir o desfazimento do negócio, com a evolução integral do valor pago, nos termos do art. 18, § 1º, II, do CDC, não merecendo reparos a sentença, no ponto.
Dos danos materiais
A apelante FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA alegou não ser devida a condenação ao pagamento de locação de veículo porquanto inexistente dispositivo legal que obrigue o fornecimento de carro reserva pelo período em que o automóvel adquirido ficou em conserto. Sem razão.
Restou indubitável a responsabilidade das requeridas dos autos originários pelo vício do produto. Consequentemente, como os danos materiais pleiteados pela consumidora, com o aluguel momentâneo de veículo, advieram do vício de fabricação, devem ser ressarcidos (arts. 186 e 927, do CC).
A necessidade de locação de outro veículo decorreu, decerto, da necessidade de deixar o automóvel objeto da demanda parado na oficina, nas tentativas de realização do conserto.
Nesse sentido:
EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REDIBITÓRIA C/C INDENIZATÓRIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO AUTOMOTOR USADO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIAS DOS RÉUS. PRELIMINARES DE ILEGIMITIDADE PASSIVA. CONFUSÃO COM O MÉRITO. AUSÊNCIA DE ACESSORIEDADE ENTRE O NEGÓCIO JURÍDICO OBJETO DA LIDE E O FINANCIAMENTO BANCÁRIO CONTRAÍDO PELA AUTORA COM O FIM DE GARANTIR O PAGAMENTO DE PARTE DA CONTRAPRESTAÇÃO PECUNIÁRIA ASSUMIDA. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. IMPOSSIBILIDADE DE SE IMPOR À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RESPONSABILIDADE PELO ALEGADO VÍCIO OCULTO. JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA IMPOSITIVO EM RELAÇÃO AO BANCO. PERÍCIA JUDICIAL REALIZADA A CONFIRMAR QUE OS PROBLEMAS EVIDENCIADOS NO BLOCO DO MOTOR DO AUTOMÓVEL (RACHADURAS), TAMANHA SUA GRAVIDADE, INUTILIZAVAM-NO, E QUE SURGIRAM AINDA ANTES DA COMPRA PELA REQUERENTE. INFORMAÇÃO, AINDA, DE QUE OS VÍCIOS, EMBORA RELACIONADOS À FALTA DE MANUTENÇÃO PREVENTIVA, SENDO DECORRENTES, ASSIM, DE DESGASTE NATURAL, NÃO ERAM FACILMENTE PERCEPTÍVEIS POR PESSOAS SEM CONHECIMENTOS TÉCNICOS NA ÁREA DE MECÂNICA AUTOMOTIVA. PERCEPÇÃO DE VAZAMENTOS DE ÓLEO E ÁGUA POUCOS DIAS APÓS A TRANSAÇÃO. CONSERTO PATROCINADO PELA REVENDA QUE SE MOSTROU INÚTIL E ATÉ AGRAVOU O QUADRO. NECESSIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DO BLOCO DO MOTOR. VÍCIO OCULTO VISLUMBRADO. DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO JURÍDICO MANTIDO (ART. 18, § 1º, INC. II, CDC). RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA DA REVENDA ONDE SE DEU A ALIENAÇÃO E DO SÓCIO DE UMA SEGUNDA QUE EMITIU A NOTA FISCAL. PRESUNÇÃO DE QUE AMBAS INTEGRARAM A CADEIA DE FORNECIMENTO DO PRODUTO. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO À DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS PELA CONSUMIDORA A TÍTULO DE ENTRADA E DAS PARCELAS ADIMPLIDAS DO FINANCIAMENTO BANCÁRIO. RESTITUIÇÃO A SER REALIZADA PELOS REQUERIDOS, ENTRETANTO, QUE DEVE ABARCAR NÃO O VALOR DE MERCADO PELA TABELA FIPE DO VEÍCULO DADO COMO PARTE DO PAGAMENTO, MAS SIM O IMPORTE CONFERIDO AO BEM NO NEGÓCIO JURÍDICO. ADEQUAÇÃO DA SENTENÇA NO PONTO. LIMITAÇÃO, AINDA, DOS DANOS MATERIAIS A SEREM INDENIZADOS, OBSERVANDO-SE APENAS IMPORTE CUJO PAGAMENTO FOI DEVIDAMENTE COMPROVADO NA PETIÇÃO INICIAL A TÍTULO DE LOCAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. RECURSO DA CASA BANCÁRIA PROVIDO. RECURSOS DOS DEMAIS RÉUS PARCIALMENTE PROVIDOS. (TJSC, ApCiv 5021958-82.2022.8.24.0020, 3ª Câmara de Direito Civil, Relator para Acórdão SAUL STEIL, julgado em 11/03/2025).
Com isso, deve ser mantida a sentença, no ponto.
Acresço ao tópico que, em relação aos consectários legais da origem, deverão ser observados ainda os termos dos art. 389, caput e p. único, 395, 404 e 406, do Código Civil, com a redação dada pela Lei nº 14.905, de 2024, ou seja, a correção monetária se dará pelo INPC até 29/8/2024, e a partir de 30/8/2024, pelo IPCA, ao passo que os juros de mora calculados à taxa de 1% ao mês até 29/8/2024, e a partir de 30/8/2024, com base na taxa legal, que corresponde à taxa referencial Selic, deduzido o IPCA (art. 389, parágrafo único e art. 406, § 1º, do CC).
Nesse sentido, "diante da nova redação dada aos arts. 389 e 406 do CC pela Lei n. 14.905/2024, bem como em virtude da Circular n. 345 de 2024 da CGJ/SC, até o dia 29/08/2024 deve incidir correção monetária pelo INPC a partir da data do arbitramento (Súmula nº 362, do STJ), acrescido de juros de mora 1% ao mês a partir da citação (Súmula nº 54, do STJ). A partir do dia 30/08/2024 em diante (início da vigência da Lei n. 14.905/2024), deve-se utilizar o seguinte índice: a) IPCA quando incidir apenas a correção monetária; b) a Taxa Selic deduzida do IPCA, quando incidir apenas juros de mora; c) a Taxa Selic, quando incidir conjuntamente correção monetária e juros de mora". (TJSC, Apelação n. 5015350-07.2022.8.24.0008, do , rel. Eliza Maria Strapazzon, Primeira Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, j. 14-05-2025).
Por fim, estabelece a referida Circular n. 345/2024 da Corregedoria Geral de Justiça de SC que, "na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo".
Do dano moral
Arguiu, a parte consumidora, a ocorrência de dano moral indenizável. Sem razão.
No que se refere ao dano moral, o tema é regulado pelo art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, do qual derivam as previsões infraconstitucionais delineadas nos arts. 186, 187 e 927, todos do Código Civil.
É pacífico na jurisprudência o entendimento de que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral, à luz do disposto no Enunciado da Súmula 227 do Superior , rel. André Carvalho, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 13-09-2022).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VEÍCULO QUE APRESENTOU DEFEITOS LOGO APÓS A SUA AQUISIÇÃO. DEMANDA PROPOSTA CONTRA A FABRICANTE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA REQUERIDA.
APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. COMPRA REALIZADA POR PESSOA JURÍDICA. CONDIÇÃO DE DESTINATÁRIA FINAL FÁTICA DO PRODUTO. INCIDÊNCIA DA TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA E FINANCEIRA EVIDENCIADAS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA CORRETAMENTE APLICADA NA ORIGEM.
MÉRITO. NOTA FATURADA PELA FABRICANTE EM NOME DA RECORRIDA. RESPONSABILIDADE DA RECORRENTE PELO CONSERTO DO SISTEMA DE AR CONDICIONADO, BEM COMO PELOS PROBLEMAS DE INFILTRAÇÃO EM DIAS DE CHUVA, PELA LATERAL DA JANELA DO MOTORISTA E DO CARONA DA CABINE, BEM COMO ATRAVÉS DO EMBORRACHAMENTO DO PARA-BRISA. DEVER DA FABRICANTE DE REPARAR OS VÍCIOS MANTIDO.
"Enquadra-se na condição de consumidora, nos termos do art. 2º da Lei 8.078/90, a pessoa jurídica que adquire produto como destinatária final, não visando a sua transformação ou revenda, mas sim a utilização própria como forma de alcançar a consecução das suas finalidades sociais." (TJSC, AI n. 2015.052632-8, de Gaspar, rel. Jorge Luis Costa Beber, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 7.4.2016).
DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE PROVAS DO ABALO ANÍMICO ALÉM DE MERO ABORRECIMENTO COTIDIANO. PRECEDENTES DESTA CORTE. DANOS MORAIS AFASTADOS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
MODIFICAÇÃO DA SENTENÇA QUE IMPLICA EM REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. DISTRIBUIÇÃO DE MANEIRA PROPORCIONAL AO GANHO E PERDA DE CADA PARTE. ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, NOS TERMOS DO ART. 85, §§ 2º E 8º, DO CPC.
HONORÁRIOS RECURSAIS INDEVIDOS.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 0302086-63.2017.8.24.0022, do , rel. Sebastião César Evangelista, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 30-03-2023).
Assim, não estando demonstrada a ofensa a honra ou a imagem da empresa demandante dos autos de origem, deve-se manter a sentença, no ponto.
Da sucumbência
Negado provimento aos recursos, deve ser mantida a distribuição dos ônus sucumbenciais fixada na origem.
Dos honorários recursais
Considerando o desprovimento das espécies, arbitro os honorários recursais em 5% (art. 85, §11, do CPC) sobre o valor da condenação a cada recorrente, a ser acrescida a monta estabelecida na origem.
No caso, segundo a orientação da Corte Especial do Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 0808889-72.2013.8.24.0045/SC
RELATORA: Desembargadora Substituta QUITERIA TAMANINI VIEIRA
EMENTA
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE QUANTIA PAGA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELAÇÕES CÍVEIS. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO ZERO QUILÔMETRO. VÍCIOS REITERADOS. PRAZO LEGAL PARA REPARO EXCEDIDO. DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS MANTIDA. DANO MORAL À PESSOA JURÍDICA NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. ARBITRADOS HONORÁRIOS RECURSAIS.
I. CASO EM EXAME: Recursos de apelação interpostos contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação indenizatória, declarando rescindida a compra de veículo novo, determinando a restituição do valor pago e condenando solidariamente as fornecedoras ao ressarcimento de despesas com locação de automóveis, afastando, contudo, a indenização por dano moral.
II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO: As questões em discussão consistem em: (i) verificar a possibilidade de desfazimento do negócio diante da alegação de reparo do vício no prazo legal; (ii) analisar a responsabilidade das fornecedoras pelo ressarcimento das despesas com locação de veículos; e (iii) avaliar a configuração de dano moral à pessoa jurídica consumidora.
III. RAZÕES DE DECIDIR: (iv) Aplica-se ao caso o Código de Defesa do Consumidor, diante da relação de consumo e da vulnerabilidade técnica e econômica da parte consumidora, sendo cabível a inversão do ônus da prova. (v) Restou incontroverso que o veículo apresentou vícios reiterados e que o reparo definitivo somente ocorreu após recall realizado meses após a primeira reclamação, superando o prazo de 30 dias previsto no art. 18, §1º, do CDC, o que autoriza o desfazimento do negócio e a restituição do valor pago. (vi) As despesas com locação de veículos decorreram diretamente da impossibilidade de uso do bem adquirido, impondo-se a manutenção da condenação ao ressarcimento, nos termos dos arts. 186 e 927 do CC. (vii) Não restou demonstrado abalo à imagem ou à honra objetiva da pessoa jurídica consumidora, ônus que lhe incumbia, razão pela qual é indevida a indenização por dano moral.
IV. DISPOSITIVO: Recursos conhecidos e desprovidos. Mantida a sentença. Fixados honorários recursais em 5% sobre o valor da condenação para cada apelante.
Teses de julgamento:
1. "O prazo de 30 dias previsto no art. 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor é peremptório, autorizando o consumidor a exigir a restituição do valor pago quando não sanado o vício no período legal”.
2. "As despesas comprovadas com locação de veículos, decorrentes da impossibilidade de uso do bem adquirido, devem ser ressarcidas pelo fornecedor”.
3. "A pessoa jurídica somente faz jus à indenização por dano moral quando demonstrado abalo à sua imagem ou reputação, não se presumindo o prejuízo”.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, V e X; CDC, arts. 2º, 3º, 6º, VIII, 14, 17 e 18; CC, arts. 186, 389, 395, 404, 406 e 927; CPC, arts. 373, I e II, 85, § 11; Súmulas 54, 227 e 362 do STJ.
Jurisprudência relevante citada: TJSC, Apelação n. 0300732-03.2016.8.24.0001, rel. José Agenor de Aragão, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 06-06-2024; TJSC, ApCiv 5021958-82.2022.8.24.0020, rel. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 11-03-2025; TJSC, Apelação n. 0302086-63.2017.8.24.0022, rel. Sebastião César Evangelista, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 30-03-2023.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos do decidiu, por unanimidade, conhecer dos recursos e, no mérito, negar-lhes provimento. Fixados honorários recursais em 5% sobre o valor da condenação a cada um dos apelantes, a serem acrescido à monta fixada na origem, na forma da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 13 de novembro de 2025.
assinado por QUITERIA TAMANINI VIEIRA, Desembargadora Substituta, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6988859v4 e do código CRC cf94d9a9.
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Signatário (a): QUITERIA TAMANINI VIEIRA
Data e Hora: 14/11/2025, às 17:11:20
0808889-72.2013.8.24.0045 6988859 .V4
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 12/11/2025 A 19/11/2025
Apelação Nº 0808889-72.2013.8.24.0045/SC
RELATORA: Desembargadora Substituta QUITERIA TAMANINI VIEIRA
PRESIDENTE: Desembargador MARCOS FEY PROBST
Certifico que este processo foi incluído como item 84 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 12/11/2025 às 00:00 e encerrada em 13/11/2025 às 22:20.
Certifico que a 1ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 1ª CÂMARA ESPECIAL DE ENFRENTAMENTO DE ACERVOS DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DOS RECURSOS E, NO MÉRITO, NEGAR-LHES PROVIMENTO. FIXADOS HONORÁRIOS RECURSAIS EM 5% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO A CADA UM DOS APELANTES, A SEREM ACRESCIDO À MONTA FIXADA NA ORIGEM, NA FORMA DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Substituta QUITERIA TAMANINI VIEIRA
Votante: Desembargadora Substituta QUITERIA TAMANINI VIEIRA
Votante: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO
Votante: Desembargador MARCOS FEY PROBST
ALESSANDRA MIOZZO SOARES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 15:43:13.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas