RECURSO – PROCESSUAL CIVIL - JUSTIÇA GRATUITA - PESSOA JURÍDICA - CONDOMÍNIO EDILÍCIO - COMPROVAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA - OCORRÊNCIA - CPC, ART. 99, §§ 2º E 3º - DEFERIMENTO 1 Na forma do art. 99, § 3º, do Código de Processo Civil e da Súmula n. 481 do Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(TJSC; Processo nº 5000269-30.2020.8.24.0059; Recurso: recurso; Relator: Desembargador EDUARDO GALLO JR.; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 13 de novembro de 2025)
Texto completo da decisão
Documento:6938564 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5000269-30.2020.8.24.0059/SC
RELATOR: Desembargador EDUARDO GALLO JR.
RELATÓRIO
CONDOMÍNIO VALE DAS ÁGUAS propôs "ação de indenização por danos materiais", perante o Juízo da Vara Única da Comarca de São Carlos, contra J. M. GATO - CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA.
Na inicial, narrou que é condomínio edilício construído pela ré no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, o qual apresentou diversos problemas estruturais que afetam toda a área comum: "rachaduras nas paredes e estruturas, problemas nas instalações elétricas e hidráulicas, esgoto sanitário entupindo e transbordando, falha de impermeabilização, reboco e pintura esfarelados e deteriorados, pisos trincados, umidade ascendente, bem como portas emperradas e janelas de baixa qualidade, com frestas que permitem a entrada de água da chuva". Ao final, requereu a concessão da gratuidade da justiça e a procedência dos pedidos para condenar a ré ao pagamento da verba necessária à realização dos reparos e ao ressarcimento dos valores já gastos para a reparação do imóvel (evento 1, DOC1).
A gratuidade da justiça foi deferida no evento 15, DOC1.
Citada, a parte ré apresentou contestação. Impugnou a gratuidade da justiça e suscitou a inépcia da inicial. No mérito, defendeu que o autor incluiu fotografias e laudos que não dizem respeito ao edifício erigido pela ré, e que houve reprodução de circunstâncias fáticas já apresentadas em outros processos; ademais, impugnou os orçamentos realizados (evento 46, DOC1).
Réplica ofertada (evento 51, DOC1).
Designada a prova testemunhal e pericial (evento 62, DOC1).
Audiência realizada no evento 100, DOC1.
Laudo pericial acostado no evento 164, DOC1 e laudo complementar, no evento 189, DOC1.
Alegações finais apresentadas (evento 195, DOC1 e evento 197, DOC1).
Na sentença, o Dr. Edipo Costabeber julgou improcedentes os pedidos iniciais (evento 199, DOC1).
Irresignado, o autor interpôs apelação cível. Argumentou que: (i) o laudo pericial judicial confirmou a existência de manifestações patológicas nas áreas comuns do condomínio, decorrentes de vícios de construção, ainda que o perito não tenha indicado com precisão sua origem; (ii) o juízo a quo incorreu em equívoco ao desconsiderar que a responsabilidade do fornecedor é objetiva, conforme o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, bastando a demonstração do dano e do nexo causal; (iii) a dúvida quanto à origem dos defeitos não ilide o dever de indenizar, por se tratar de vícios ocultos que se manifestaram posteriormente à entrega das unidades; (iv) a perícia apontou a necessidade de reparos em calçadas, muros e forros, o que comprova a existência de falhas construtivas; (v) a sentença contrariou precedentes de casos idênticos, nos quais se reconheceu a responsabilidade da construtora e da Caixa Econômica Federal em empreendimentos do programa “Minha Casa, Minha Vida”. Ao final, postulou o provimento do recurso (evento 207, DOC1).
A parte requerida também se insurgiu por apelação cível. Argumentou que: (i) a concessão do benefício da gratuidade a justiça é medida excepcional para pessoas jurídicas, admitida apenas mediante prova cabal de incapacidade financeira, o que não ocorreu no caso concreto; (ii) o condomínio possui receitas regulares provenientes das contribuições condominiais, aplicações financeiras e fundos de reserva, o que afasta qualquer alegação de vulnerabilidade econômica; (iii) os documentos juntados aos autos demonstram equilíbrio entre receitas e despesas, inexistindo déficit ou endividamento; (iv) a contratação de engenheiro de outro estado, com custo elevado de deslocamento, revela condição financeira confortável e incompatível com a alegada hipossuficiência; (v) a manutenção da benesse configura desvirtuamento da finalidade da justiça gratuita, concebida para amparar apenas quem efetivamente não possa suportar os encargos processuais. Ao final, postulou o indeferimento do pedido de gratuidade da justiça ao autor (evento 219, DOC1).
Contrarrazões apresentadas (evento 226, DOC1 e evento 227, DOC1).
Este é o relatório.
VOTO
Os recursos merecem ser conhecidos, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
Trata-se de ação indenizatória proposta por condomínio edilício em face da respectiva incorporadora, pela qual alegou, em suma, que a ré do empreendimento imobiliário negligenciou a boa técnica construtiva, visto que são percebidos diversos vícios estruturais. Após regular instrução, o juízo de origem julgou improcedentes os pedidos por não vislumbrar nexo de causalidade entre os danos existentes e o serviço desempenhado pela construtora:
Em que pesem as alegações inaugurais e os defeitos relatados pelo síndico da parte ocupante do polo ativo, não foram acostados ao processo elementos concretos capazes de comprovar o direito alegado. Em outras palavras, a parte ocupante do polo ativo não provou o fato constitutivo do seu direito, ônus que lhe(s) incumbia (artigo 373, inciso I, Código de Processo Civil).
A partir da prova técnica produzida, conclui-se que os prédios apresentam "[...] excelentes condições de construção, conservação e funcionamento. Em nenhum local dos andares que foram analisados houve a constatação de patologia estrutural ou de qualquer tipo de problema de conservação dos edifícios" (EVENTO 164. 1, p. 5).
[...]
Embora o perito nomeado tenha exposto que "Os únicos reparos necessários no condomínio são a reparação parcial de alguns pontos das calçadas em paver e a reparação imediata de parede de alvenaria presente entre dois prédios" (EVENTO 164, p. 15), não há provas de que a origem dos defeitos seja imputável à parte ocupante do polo passivo, pois, reprisa-se, atestou-se "[...] excelentes condições de construção, conservação e funcionamento".
Aliás, no laudo complementar (EVENTO 189), o perito aclarou que "[...] não há necessidade de substituição total do piso do estacionamento, apresenta apenas pontos comuns de desgaste que é considerado normal para o tipo de pavimentação e uso". Portanto, tem-se que os reparos indicados são esperados e normais diante do uso continuado das benfeitorias edificadas.
Diante do laudo técnico produzido e dos esclarecimentos complementares juntados (EVENTOS 164 e 189), em que o auxiliar da justiça apresentou respostas claras e suficientes aos quesitos formulados e apontou a ausência de vícios construtivos, é desnecessária a complementação do laudo pericial, a realização de nova prova técnica e/ou a produção de outras provas.
Neste recurso, a parte autora não se insurge contra as conclusões do laudo pericial em si, mas contra a análise delas pelo juízo a quo, especialmente quanto aos vícios verificados nas calçadas, nos muros e forros.
Inicialmente, verifico que a prova oral, neste caso, assume importância meramente complementar no substrato probatório. Havendo controvérsia sobre a existência e a origem dos vícios construtivos apontados, evidente que a prova pericial desponta maior relevância. Sobre o tema:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PROVA PERICIAL PRODUZIDA. DESNECESSIDADE DE AUDIÊNCIA. [...] (TJSC, Apelação n. 0300080-75.2017.8.24.0057, do , rel. Gustavo Henrique Aracheski, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 18-09-2025).
Da leitura dos laudos periciais, não há como concluir pela correlação dos vícios apontados à técnica construtiva empregada pela ré. Vejamos.
O perito afirmou que, de modo geral, "os prédios apresentam excelentes condições de construção, conservação e funcionamento. Em nenhum local dos andares que foram analisados houve a constatação de patologia estrutural ou de qualquer tipo de problema de conservação dos edifícios" (evento 164, DOC1, p. 5).
Sobre a grande maioria dos problemas apontados pelo autor, o expert consignou expresamente sua inexistência ou a ausência de causa imputável à ré. Apenas a título exemplificativo - e tendo em vista que a reprodução integral do laudo pericial nesta decisão é medida absolutamente dispensável:
3) Há pisos cerâmicos soltos (caso positivo, quantifique)?
R: Não houve a constatação, na data da perícia, de revestimentos cerâmicos soltos nas áreas comuns dos edifícios.
4) Há problemas com a instalação elétrica (por exemplo, ausência de eletrodutos onde seria necessária a presença destes equipamentos)?
R: Não. Todos os pontos elétricos analisados apresentavam bom funcionamento e detinham de toda a infraestrutura necessária para sua operação.
5) Há problemas de infiltração, a partir do(s) telhados(s). Se positivo, descrever/quantificar?
R: [...]
O que pôde notar foi sinais de envelhecimento em fitas impermeabilizantes, que é uma fita impermeável autoadesiva composta de uma camada de adesivo asfáltico, recoberta com uma lâmina de alumínio flexível e protegida por um filme plástico. [...] Esse tipo de patologia é absolutamente normal, pois como o elemento de vedação encontra-se diretamente exposto ao clima é natural que sua vida útil é muito curta e em caso de não substituição dos pontos pode haver a incidência de infiltração incidente.
6) Tem infiltração ascendente?
R: Em todas as paredes analisadas não houve a constatação de infiltração ascendente, ou seja, aquela que acontece de baixo para cima, trazendo para a sua parede a umidade existente no solo onde tal elemento está construído.
7) Há presença de mofo nas paredes? (Se positivo, detalhar/quantificar);
R: Nas áreas comuns dos edifícios que compõe o condomínio não constatou-se a presença de mofo a ponto que pudesse ser considerado uma patologia.
[...]
11) Descrever a situação da pintura e, se possível estimar há quanto tempo foi realizada;
R: A situação atual da pintura dos imóveis pode ser considerada normal. Apresenta desgastes naturais oriundos do período de execução da pintura até esse momento.
12) Há algum defeito ou problema no reservatório de água?
R: Foram analisados todos os reservatórios de água e em todos não houve nenhuma fator que pudesse definir defeito ou problema, ou seja, todos os reservatórios apresentam bom funcionamento e excelente estado de conservação.
[...]
16) Há trincas ou rachaduras em paredes? Ou são superficiais, somente no reboco?
R: Não há trincas e/ou rachaduras nas paredes, o que foi encontrado nas paredes dos prédios forma apenas fissuras [...] e a vida útil das edificações o aparecimento de pequenas fissuras induzem em extrema normalidade construtiva.
Já os problemas especificamente apontados neste recurso (nas calçadas, nos muros e forros), verifico que o perito, de fato, concluiu pela sua existência (quesitos 10 e 17 da ré e 21 da autora). Contudo, o auxiliar consignou expressamente que "Os problemas encontrados não advêm de técnicas construtivas das edificações" (evento 164, DOC1, p. 13). Ainda apontou:
Os únicos reparos necessários no condomínio são a reparação parcial de alguns pontos das calçadas em paver e a reparação imediata de parede de alvenaria presente entre dois prédios. A questão da pintura geral dos blocos não diz respeito a uma má construção e sim a uma boa conservação da construção, ou seja, a pintura atual encontra-se em estado de conservação aceitável, porém sua vida útil está diminuindo progressivamente (algo extremamente normal), então, para as edificações apresentarem maior condição de conservação é sim essencial a renovação da pintura externa, porém não é algo de extrema necessidade. (p. 15)
Não bastasse, a parte autora apresentou, em diversos momentos, argumentação dissociada dos fatos discutidos nos autos (petições genéricas). A título de exemplo, vê-se que suas alegações finais nitidamente não referenciam o laudo pericial produzido nos autos (evento 195, DOC1). Soma-se a inclusão, no rol de reparos pretendidos, de despesas não relacionadas ao edifício em tela, como aquelas supostamente necessárias à intervenção no salão de festas (evento 1, DOC13, p. 23), estrutura esta inexistente no condomínio em questão (quesito 18 do laudo - evento 164, DOC1, p. 11).
Tal conduta, além de beirar a má-fé, incrementa a certeza deste julgador acerca das conclusões periciais.
Portanto, é media imperativa a manutenção da improcedência dos pedidos autorais, razão pela qual nego provimento ao recurso.
Já a parte ré requer, em seu recurso, o indeferimento da gratuidade da jutiça requerida pela autora. Aponta que, apesar de se tratar de condomínio destinado a pessoas de baixa renda, os resultados contábeis não demonstram insuficiência de recurso.
Sobre o tema, evidente que, apesar de a parte autora ser entidade despersonalizada, a análise da hipossuficiência financeira deve se ater aos mesmos parâmetros utilizados nos casos em que a benesse é requerida por pessoa jurídica. Ademais, em se tratando de condomínio edilício construído no âmbito do programa governamental "Minha Casa Minha Vida", há precedentes desta Corte conferindo o benefício:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL - JUSTIÇA GRATUITA - PESSOA JURÍDICA - CONDOMÍNIO EDILÍCIO - COMPROVAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA - OCORRÊNCIA - CPC, ART. 99, §§ 2º E 3º - DEFERIMENTO 1 Na forma do art. 99, § 3º, do Código de Processo Civil e da Súmula n. 481 do Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5000269-30.2020.8.24.0059/SC
RELATOR: Desembargador EDUARDO GALLO JR.
EMENTA
ementa: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. VÍCIO CONSTRUTIVO. nexo de causalidade. desprovimento.
I. CASO EM EXAME
1. Ação de indenização por danos materiais ajuizada por condomínio edilício contra a incorporadora responsável pela construção do empreendimento, no âmbito do programa “Minha Casa Minha Vida”, sob a alegação de vícios construtivos. Sentença de improcedência dos pedidos.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões em discussão: (i) saber se os vícios apontados decorrem de falhas na técnica construtiva e ensejam indenização por parte da incorporadora; e (ii) saber se estão presentes os requisitos legais para a concessão da gratuidade da justiça à parte autora.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A prova pericial concluiu que os edifícios apresentam boas condições de construção, conservação e funcionamento, inexistindo patologias estruturais ou falhas relevantes atribuíveis à construtora. Os reparos identificados foram considerados comuns ao uso e não decorrentes de vícios construtivos imputáveis à má execução ou incorreta técnica construtiva. Ademais, a parte autora não impugnou tecnicamente o laudo pericial, limitando-se a alegações genéricas e dissociadas dos elementos constantes nos autos.
4. A parte autora não demonstrou insuficiência de recursos, possuindo disponibilidade financeira e receitas regulares, o que justifica o indeferimento da gratuidade da justiça.
IV. DISPOSITIVO E TESE
5. Recurso da autora desprovido. Recurso da ré provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Câmara de Direito Civil do decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso da autora e dar provimento ao recurso da ré, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 13 de novembro de 2025.
assinado por EDUARDO MATTOS GALLO JUNIOR, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6938565v4 e do código CRC ea0b6c6a.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): EDUARDO MATTOS GALLO JUNIOR
Data e Hora: 13/11/2025, às 18:06:11
5000269-30.2020.8.24.0059 6938565 .V4
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 18/11/2025
Apelação Nº 5000269-30.2020.8.24.0059/SC
RELATOR: Desembargador EDUARDO GALLO JR.
PRESIDENTE: Desembargador EDUARDO GALLO JR.
PROCURADOR(A): ANTENOR CHINATO RIBEIRO
Certifico que este processo foi incluído como item 40 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 13/11/2025 às 12:32.
Certifico que a 6ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA E DAR PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador EDUARDO GALLO JR.
Votante: Desembargador EDUARDO GALLO JR.
Votante: Desembargador MARCOS FEY PROBST
Votante: Desembargador JOAO DE NADAL
JULIANA DE ALANO SCHEFFER
Secretária
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