Decisão TJSC

Processo: 5000422-77.2021.8.24.0043

Recurso: recurso

Relator: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR

Órgão julgador:

Data do julgamento: 12 de novembro de 2025

Ementa

RECURSO – Documento:6738831 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5000422-77.2021.8.24.0043/SC RELATOR: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR RELATÓRIO G. D. J. interpôs apelação contra a sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Mondaí que, nos autos da ação de cobrança ajuizada por F. H. e R. H., julgou procedentes os pedidos, nos seguintes termos: A controvérsia do processado se resume em saber se os autores, ao realizarem o pagamento de dívidas do devedor Gilmar, têm o direito de se sub-rogarem nos direitos dos credores que tiveram seus débitos adimplidos. 

(TJSC; Processo nº 5000422-77.2021.8.24.0043; Recurso: recurso; Relator: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 12 de novembro de 2025)

Texto completo da decisão

Documento:6738831 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5000422-77.2021.8.24.0043/SC RELATOR: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR RELATÓRIO G. D. J. interpôs apelação contra a sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Mondaí que, nos autos da ação de cobrança ajuizada por F. H. e R. H., julgou procedentes os pedidos, nos seguintes termos: A controvérsia do processado se resume em saber se os autores, ao realizarem o pagamento de dívidas do devedor Gilmar, têm o direito de se sub-rogarem nos direitos dos credores que tiveram seus débitos adimplidos.  Ambas as partes fizerem referência à sentença proferida nos autos da ação pauliana n. 043.07.001492-5, que tramitou neste juízo, e reconheceu que o réu Gilmar vendeu o imóvel matriculado sob o n. 9070, no CRI de Mondaí, a Maria Aparecida de Jesus Lopes Flach em fraude a credores. Fato é que a decisão também acabou por influir na esfera de direito dos autores deste feito, porquanto a sentença também declarou nula a aquisição feita por eles, tudo isso como forma de os credores do réu Gilmar poderem se utilizar do imóvel para verem saldados seus créditos. Em resumo, os autores perderam a propriedade do imóvel, o qual retornou à esfera de direito do réu. O objetivo específico da anulação foi beneficiar os seus credores, não o constituindo benesse ao réu. Outro fato importante, mas que não foi muito explorado pelas partes, diz respeito à situação fática do imóvel, haja vista que, ao que tudo indica, muito embora formalmente o imóvel tenha voltado para a esfera patrimonial do réu Gilmar - para beneficiar os credores —, faticamente quem permaneceu na posse foram os autores.  Portanto, diante deste contexto, a par da situação da propriedade sobre o imóvel, o que não é objeto da controvérsia neste feito, cabe decidir se os autores, ao realizarem o pagamento aos credores do réu, sub-rogaram-se, ou não, nos direitos deles, de modo fazer nascer a pretensão de cobrança exigida neste feito. [...] No caso dos autos, analisando os termos de acordo firmado entre o autor, réu e os respectivos credores (evento 1.9-12-15), noto que os autores foram denominados como "terceiro interessado" e o pagamento foi realizado em razão deles estarem na posse do imóvel penhorado pelos credores, de modo que, ainda que de forma indireta, pagaram pelo débito para não serem privados do imóvel. Friso que por "patrimônio" não está se referindo ao direito de propriedade dos autores sobre o imóvel, uma vez que nula a aquisição, mas sim ao também reconhecido constitucionalmente direito à posse, o qual estava sendo exercida pelos autores na época da avença e, caso não paga a dívida, poderiam dele serem privados.  Ainda, os acordos foram firmados pelos autores, réus, credores e seus respectivos procuradores, ou seja, a autonomia da vontade foi manifestada mediante o conhecimento do ordenamento jurídico Portanto, fundado no art. 112 do Código Civil, considero que a intenção das partes ao realizar o acordo era dar quitação às dívidas que poderiam fazer com que os autores perdessem a posse do bem - muito embora não se tenha usado expressamente o termo sub-rogação. Ressalto, ainda, que a situação dominial atual do imóvel, neste feito, tem pouca repercussão, pois se ele continua em nome do réu, mas possuído pelos autores desde 2018 (época dos acordos), pelo que não tem o condão de desconfigurar os pagamentos realizados pelos autores, muito embora possa ser discutido em demanda petitória específica. Não há como se restringir a interpretação do art. 346, inciso III, do Código Civil ao conceito de proprietário, sob pena de afastar a tutela de outros direitos, como a posse e seus desdobramentos, sem fundamento em qualquer tipo de método de interpretação. A alegação do réu no sentido de que apenas quis colaborar com os autores ao assinar os acordos não tem respaldo nos autos, tampouco se extrai da intenção das partes, na medida em que ficou consignado nos acordos (itens 6) que, após a quitação das dívidas, a propriedade imobiliária do imóvel n. 9070 seria transferida aos autores.  Outrossim, a tese de que não realizou a venda do imóvel aos autores também não tem o condão de alterar o rumo do julgado, porquanto, como dito, a situação da propriedade sobre o imóvel não afastada a prova sobre o exercício da posse e os pagamentos realizados pelos autores em relação a débitos do réu. Assim, tenho haver prova nos autos suficientes para comprovar a sub-rogação descrita no art. 346, inciso III, do Código Civil, uma vez que os autores realizaram o pagamento do débito para não serem privados da posse exercida sobre o bem. Quanto aos valores pagos não há controvérsia. No que diz respeito à impugnação à justiça gratuita feita pelo réu na contestação, tenho que o fundamento único de que os pagamentos feitos não sugerem a necessidade não prospera, primeiro porque o pagamento dos débitos ocorreu no ano de 2018, nada vindo aos autos sobre a situação financeira atual dos autores. Segundo, porque o pedido inicial foi instruído com a documentação exigida, pelo que não vislumbro motivos suficientes para revogação. Por fim, quanto ao pedido de condenação do réu por litigância de má-fé, considero não ser o caso, pois a complexidade dos fatos, a existência de outras partes e demandas envolvidas e as próprias teses defensivas não sugerem que, de alguma forma, o autor quisesse alterar a verdade dos fatos.  Assim, rejeito o pedido de condenação do réu as penas de litigância de má-fé. Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial para o fim de CONDENAR o réu G. D. J. ao pagamento do valor de R$ 63.500,00, corrigidos monetariamente pelo INPC desde o dia dos desembolsos e com incidência de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação neste feito. CONDENO o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios no valor de 10% sobre o valor da condenação, na forma do art. 85, § 2º, do CPC. Suspensa a execução em razão do deferimento, nesta fase, dos benefícios da justiça gratuita ao réu. Interposto recurso, intime-se a parte adversa para apresentar contrarrazões e remetam-se os autos à instância superior. Oportunamente, arquivem-se. (evento 37, SENT1). Sustentou, em síntese, que: a) não possuía relação jurídica com os autores, por não ser ele quem vendeu o imóvel a eles; b) é inaplicável a sub-rogação legal, pois os requerentes possuíam precariamente o imóvel; e c) assinou os acordos de boa-fé, não sendo beneficiado pelos pagamentos e não assumindo obrigação de ressarcimento (evento 45, APELAÇÃO1). Contrarrazões no evento 51, CONTRAZ1. É o relatório. VOTO 1 – Admissibilidade Dispensada a antecipação do preparo porque o apelante é beneficiário da gratuidade, o recurso deve ser conhecido, uma vez que tempestivo e presentes os demais requisitos de admissibilidade. 2 – Mérito 2.1 – Da venda do imóvel Sustenta o recorrente, em suma, que não foi ele quem vendeu o imóvel diretamente aos autores, razão pela qual não estaria sujeito ao ressarcimento dos valores pagos. Entretanto, sem razão. Conforme se extrai da matrícula nº 9070 (evento 1, MATRIMÓVEL8), G. D. J. foi proprietário do imóvel e o alienou em fraude contra credores, conforme reconhecido judicialmente em ação pauliana. Ainda que não tenha realizado a venda diretamente aos autores, foi ele quem deu origem à cadeia de negócios posteriormente anulada por decisão judicial. É ilógico e juridicamente inadequado atribuir a responsabilidade aos demais antigos proprietários — os quais, presume-se, agiram de boa-fé ao adquirir e transmitir o bem — pelo ressarcimento dos débitos que têm origem nas obrigações do próprio apelante. Portanto, a responsabilidade pela origem do prejuízo recai sobre o recorrente, que alienou o imóvel em prejuízo de seus credores, e não sobre os adquirentes subsequentes que agiram de boa-fé. 2.2 – Da sub-rogação Alega o recorrente que não há sub-rogação legal no presente caso, sob o argumento de que os autores não possuíam direito sobre o imóvel à época dos pagamentos, e que não houve cláusula expressa nos acordos que autorizasse qualquer tipo de ressarcimento.  Razão não lhe assiste. Nos termos do artigo 346, III, do Código Civil (CC), a sub-rogação opera-se de pleno direito em favor do terceiro interessado que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte. No caso dos autos, os autores, embora não fossem formalmente proprietários do imóvel à época dos pagamentos — em razão da anulação dos registros por ação pauliana —, exerciam a posse legítima e contínua do bem, e realizaram os pagamentos justamente para não serem privados dessa posse. Ademais, os acordos foram firmados com a anuência do recorrente (evento 1, DOC9, DOC12, DOC15 e DOC17), que era o devedor nas ações executivas, e os pagamentos foram realizados diretamente aos seus credores. Ainda que não haja cláusula expressa de sub-rogação nos termos dos acordos, a própria natureza da obrigação e o contexto fático implicam na aplicação da sub-rogação legal. 2.3 – Da boa-fé e da responsabilidade civil do réu Alega o recorrente que sua conduta foi pautada pela boa-fé, sustentando que apenas anuiu aos acordos firmados entre os autores e seus credores, sem assumir qualquer obrigação de ressarcimento. Adianta-se, sem razão. No presente caso, o réu, ciente de que os autores estavam prestes a perder a posse do imóvel em razão de dívidas que lhe eram imputadas, anuiu expressamente aos acordos judiciais que resultaram no pagamento de R$ 63.500,00 por parte dos autores, com o objetivo de cancelar as penhoras e viabilizar a lavratura de nova escritura pública. Não se pode admitir que o réu, após ter se beneficiado da quitação de suas dívidas, venha agora se eximir da responsabilidade. É incontroverso que foi o responsável pela alienação fraudulenta do imóvel, sendo exclusivamente sua conduta que deu origem à cadeia de negócios posteriormente desfeita, e que obrigou os autores a arcar com os débitos para preservar a posse do bem. A responsabilidade civil do réu, portanto, decorre não apenas da sub-rogação legal, mas também do nexo causal entre sua conduta ilícita e o prejuízo suportado pelos autores. Deve o apelante responder pelo ressarcimento dos valores pagos, ainda que não haja cláusula expressa. Portanto, a alegação de boa-fé do réu não apenas é contraditória com sua conduta anterior, como também não afasta sua responsabilidade pelos danos causados. Ao permitir que os autores arcassem com suas dívidas para manter a posse do imóvel, o réu assumiu, ainda que tacitamente, a obrigação de ressarcir os valores pagos, sob pena de enriquecimento sem causa. Assim, correta a condenação em primeiro grau, reconhecendo o dever do réu de indenizar os autores pelos danos decorrentes de sua conduta. 3 – Honorários recursais A fixação dos denominados honorários recursais está prevista no artigo 85, § 11, do CPC/2015, nos seguintes termos:  O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento. Sobre essa importante inovação legislativa, vale ver que a Segunda Seção do Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5000422-77.2021.8.24.0043/SC RELATOR: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR EMENTA DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. SUB-ROGAÇÃO LEGAL. TERCEIRO INTERESSADO QUE PAGA DÍVIDA ALHEIA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta contra sentença que julgou procedente ação de cobrança ajuizada por terceiros que pagaram dívidas do réu para preservar a posse de imóvel. O réu havia alienado o bem em fraude contra credores, negócio posteriormente anulado por ação pauliana. Os autores, na posse do imóvel, realizaram pagamentos aos credores do réu mediante acordos judiciais com a participação do réu para evitar a perda da posse. Sentença reconheceu a sub-rogação legal e condenou o réu ao ressarcimento. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão consistem em saber se: (i) há responsabilidade do réu pelo ressarcimento, considerando que não vendeu diretamente o imóvel aos autores; (ii) configura-se sub-rogação legal quando terceiro interessado paga dívida alheia para preservar direito de posse; e (iii) a ausência de cláusula expressa de ressarcimento nos acordos afasta a obrigação de restituir. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Opera-se a sub-rogação legal prevista no art. 346, III, do Código Civil quando terceiro interessado paga dívida para preservar direito. Interpretação, neste caso, que excluísse o direito dos autores porque não são proprietários do imóvel, mas mero possuidores, significaria permitir o evidente enriquecimento sem causa do réu. A responsabilidade pelo ressarcimento recai sobre o réu que deu origem à cadeia de negócios fraudulentos posteriormente anulada, sendo ilógico atribuir tal responsabilidade aos adquirentes possuidores que agiram de boa-fé. IV. DISPOSITIVO 4. Recurso conhecido e desprovido. Majoração de ofício dos honorários advocatícios em 2%. Dispositivos relevantes citados: CC, art. 346, III; CPC, arts. 85, § 11, e 487, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt nos EREsp 1.539.725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 2ª Seção, j. 19.10.2017. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos do decidiu, por unanimidade, a) conhecer do recurso e negar-lhe provimento; e b) de ofício, com base no artigo 85, § 11, do CPC, majorar os honorários de sucumbência em 2%, mantida a base de incidência adotada na sentença, suspensa a exigibilidade em razão da concessão do benefício da justiça gratuita, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Florianópolis, 12 de novembro de 2025. assinado por LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR, Desembargador Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6738832v4 e do código CRC a7b28bbc. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR Data e Hora: 12/11/2025, às 19:30:11     5000422-77.2021.8.24.0043 6738832 .V4 Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:13:35. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 18/11/2025 Apelação Nº 5000422-77.2021.8.24.0043/SC RELATOR: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR PRESIDENTE: Desembargador MARCOS FEY PROBST PROCURADOR(A): MONIKA PABST Certifico que este processo foi incluído como item 61 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 12/11/2025 às 16:06. Certifico que a 3ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão: A 3ª CÂMARA ESPECIAL DE ENFRENTAMENTO DE ACERVOS DECIDIU, POR UNANIMIDADE, A) CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO; E B) DE OFÍCIO, COM BASE NO ARTIGO 85, § 11, DO CPC, MAJORAR OS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA EM 2%, MANTIDA A BASE DE INCIDÊNCIA ADOTADA NA SENTENÇA, SUSPENSA A EXIGIBILIDADE EM RAZÃO DA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR Votante: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR Votante: Desembargador Substituto GUSTAVO HENRIQUE ARACHESKI Votante: Desembargador MARCOS FEY PROBST CLEIDE BRANDT NUNES Secretária Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:13:35. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas