RECURSO – APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE PERDAS E DANOS. DANO MATERIAL. PRODUÇÃO DE FUMO. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA QUE AFETOU O PROCESSO DE SECAGEM E CURA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, CONDENANDO A CONCESSIONÁRIA A INDENIZAR OS DANOS SUPORTADOS PELO AGRICULTOR. RECURSO DA CELESC. ALEGADA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE POR MOTIVO DE FORÇA MAIOR. ACOLHIMENTO. INTERRUPÇÕES OCORRIDAS NO ÂMBITO DAS ENCHENTES QUE AFETARAM A REGIÃO DO ALTO VALE DO ITAJAÍ EM OUTUBRO E NOVEMBRO DE 2023. COMARCA DE RIO DO SUL. SUCESSÃO DE QUATRO ENCHENTES EM DOIS MESES. DECLARAÇÃO DE ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA PELO MUNICÍPIO DE RESIDÊNCIA DO AUTOR. EVENTO QUE, MESMO SE PREVISÍVEL, TEVE EFEITOS INEVITÁVEIS POR PARTE DA CONCESSIONÁRIA. FATO QUE EXTRAPOLA MERO FORTUITO INTERNO, COMO NO CASO DE INTEMPÉRIES CLIMÁTICAS USUAIS. EFETIVA OCORRÊNCIA DE EVENTO DE FORÇA MAIOR. EXCLUSÃO DO NEXO DE CAUS...
(TJSC; Processo nº 5005719-84.2024.8.24.0035; Recurso: recurso; Relator: Desembargadora GLADYS AFONSO; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:6953852 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5005719-84.2024.8.24.0035/SC
RELATORA: Desembargadora GLADYS AFONSO
RELATÓRIO
Adota-se, por oportuno, o relatório da sentença:
Trata-se de ação de indenização movida por C. G. contra CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A., partes qualificadas e representadas.
Em resumo, a parte autora alega que cultiva tabaco e, em virtude de interrupção no fornecimento de energia elétrica na(s) data(s) 17, 18 e 19.11.2023, houve perda na qualidade do fumo que estava em processo de secagem e cura. Assim, requereu a condenação da ré ao ressarcimento de seus prejuízos materiais. Formulou os demais requerimentos de praxe, valorou a causa e juntou documentos.
Citada, a parte ré apresentou contestação instruída com documentos. No mérito, sustentou as seguintes teses de defesa: a excludente do caso fortuito e força maior, em decorrência da situação de calamidade pública enfrentada na ocasião dos fatos; e, o caráter unilateral e tendencioso do laudo técnico que instrui o pedido inicial.
Por fim, houve réplica e as partes tiveram a oportunidade de especificar e justificar a produção de mais provas. (evento 42, DOC1)
No referido ato, a autoridade judiciária de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:
Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, resolvo o mérito e JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por C. G. contra CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A.
Por consequência, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários de sucumbência, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa, atualizado desde o ajuizamento, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, observado o mínimo de R$ 800,00.
Inconformada, a parte autora interpôs apelação (evento 52, DOC1), na qual argumentou, em linhas gerais, que: a) houve cerceamento de defesa, pois o juízo a quo julgou antecipadamente o mérito, sem oportunizar a produção de prova pericial e testemunhal necessária para demonstrar a extensão dos danos; b) a interrupção do serviço de energia elétrica, por mais de 40 horas, causou expressivos prejuízos materiais, uma vez que comprometeu a secagem do tabaco nas estufas de ar forçado; c) o serviço de fornecimento de energia elétrica é essencial e deve ser prestado de forma contínua e eficiente, incumbindo à concessionária adotar medidas preventivas e corretivas para evitar longos períodos de interrupção; d) os eventos climáticos ocorridos na região não configuram hipótese de força maior, por se tratarem de situações previsíveis e inerentes à atividade desenvolvida pela ré, conforme entendimento consolidado na Súmula 33 do TJSC; d) o laudo técnico produzido atestou a perda da qualidade e da massa do fumo, totalizando prejuízo de R$ 51.959,50. (evento 52, DOC1)
Com contrarrazões, nas quais a apelada apontou a falta de dialeticidade recursal (evento 58, DOC1).
Após, os autos ascenderam a este , rel. Newton Varella Junior, Sexta Câmara de Direito Comercial, j. 03-04-2025 - grifei).
Preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, a insurgência merece ser conhecida, passando-se, desta forma, à respectiva análise.
Trata-se de ação indenizatória promovida pela parte recorrente contra a concessionária de energia elétrica ao fundamento de que houve interrupção na distribuição do insumo, o que acarretou perdas produtivas no processo de secagem do tabaco nas estufas de ar forçado, vindo a lhe causar prejuízos financeiros.
O juízo de origem julgou improcedentes os pedidos ao fundamento de que houve exclusão do nexo de causalidade, já que a interrupção se deu por motivos climáticos: "Com efeito, por ter extrapolado o campo da previsibilidade, o evento climático em discussão afasta a responsabilidade da concessionária ré. Imperativo, pois, o julgamento improcedente do pedido inicial."
Neste recurso, a parte autora afirma, em suma, que o evento climático em questão não transborda das circunstâncias afetas ao risco da atividade empreendida pela ré, de modo que não é suficiente a ilidir a responsabilidade civil pelos danos.
Inegável que o caso se submete às normas civis e consumeristas, bem como ao regramento afeto às concessionárias de serviços públicos (Lei n. 8.987/1995). Nesse sentido, extrai-se que a concessionária responderá objetivamente pelos prejuízos que causar a seus consumidores/usuários pela má prestação do serviço (art. 14 do CDC e art. 25, caput, da Lei n. 8.987/1995).
Nada obstante, a mera natureza da atividade em questão (fornecimento de energia elétrica) não atrai a teoria do risco integral, de modo que é possível o rompimento do nexo de causalidade pela presença de alguma causa excludente (art. 393, parágrafo único, do Código Civil).
No caso dos autos, a controvérsia reside no enquadramento dos eventos climáticos que assolaram o Alto Vale do Itajaí ao final de 2023 como caso fortuito ou de força maior apto a ilidir a responsabilidade da concessionária ré.
Nesta temática, importante relembrar o enunciado n. 33 da Súmula desta Corte, que sintetiza que "A ocorrência de intempéries climáticas causadoras de danos em rede elétrica, porque evento previsível e ínsito à atividade, não configuram caso fortuito ou de força maior capaz de afastar a responsabilidade civil da concessionária de energia elétrica por danos decorrentes da demora no restabelecimento do fornecimento do serviço."
Ou seja, a mera ocorrência de intempéries climáticas previsíveis e normais não é causa de afastamento da responsabilidade da concessionária de serviço público, porquanto integram o risco inerente à atividade, de modo que deve estar preparada para superar os desafios decorrentes do mau tempo.
Contudo, a hipótese dos autos é distinta.
Isso porque o evento climático em questão transbordou do previsível, ensejando, inclusive, declaração de calamidade pública pelas autoridades. Os efeitos extraordinários estão consignados no relatório colacionado pela ré nos autos:
As chuva iniciaram no decorrer do dia 14 de novembro, porém a partir do dia 16 começaram a obter uma maior intensidade ocasionando enxurradas associada a inundação gradual, elevando o nível de criticidade do rio Itajaí Açu para o estado de Emergência (>6,5m) a partir das 09horas, do dia 17 de novembro, alcançando o ápice de 13,03mt ás 00h44min do dia 18/11/2023, registrando em nossa Estação Telemétrica, localizada na ponte Dom Tito Buss, um índice pluviométrico de 183,8mm no período de 14 á 17 de novembro resultando em inundações de diversos bairros do município de uma forma muito rápida e fora dos padrões habituais e sem previsões meteorológicas, desabrigando e desalojando diversas pessoas conforme registro no Item 6. Além dos danos particulares em residências, houve grande perca no comércio local devido não ter tempo hábil para retirada de suas mercadorias/produtos, quedas de muros, árvores, etc..., houveram diversos registros de deslizamentos de terra e taludes, danos estes de grande magnitude que requereu a intervenção de profissionais da área de geologia, profissionais este que de forma voluntária foram cedidos de outros municípios para garantir a segurança das pessoas e orientar as ações a serem adotadas, houve a interdição de diversas residência e vias pública, problemas com o fornecimento de energia elétrica em decorrência das águas alcançarem a fiação elétrica, problemas com a distribuição de água potável devido o rompimento de tubulações, no entanto é prematuro precisar os danos uma vez que o ainda encontra-se em Estado de Calamidade Pública (ECP) conforme Decreto Municipal nº 12.305/2023, reconhecido pela Portaria nº 3.345/2023. (evento 29, DOC8)
No cenário em questão, esta Corte já reconheceu a configuração da força maior a excluir o nexo de causalidade:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE PERDAS E DANOS. DANO MATERIAL. PRODUÇÃO DE FUMO. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA QUE AFETOU O PROCESSO DE SECAGEM E CURA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, CONDENANDO A CONCESSIONÁRIA A INDENIZAR OS DANOS SUPORTADOS PELO AGRICULTOR. RECURSO DA CELESC. ALEGADA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE POR MOTIVO DE FORÇA MAIOR. ACOLHIMENTO. INTERRUPÇÕES OCORRIDAS NO ÂMBITO DAS ENCHENTES QUE AFETARAM A REGIÃO DO ALTO VALE DO ITAJAÍ EM OUTUBRO E NOVEMBRO DE 2023. COMARCA DE RIO DO SUL. SUCESSÃO DE QUATRO ENCHENTES EM DOIS MESES. DECLARAÇÃO DE ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA PELO MUNICÍPIO DE RESIDÊNCIA DO AUTOR. EVENTO QUE, MESMO SE PREVISÍVEL, TEVE EFEITOS INEVITÁVEIS POR PARTE DA CONCESSIONÁRIA. FATO QUE EXTRAPOLA MERO FORTUITO INTERNO, COMO NO CASO DE INTEMPÉRIES CLIMÁTICAS USUAIS. EFETIVA OCORRÊNCIA DE EVENTO DE FORÇA MAIOR. EXCLUSÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA DA CONCESSIONÁRIA E OS DANOS EVENTUALMENTE SUPORTADOS PELO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL AFASTADA. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. REFORMA DA SENTENÇA PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO DO AUTOR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, ApCiv 5005731-41.2024.8.24.0054, 7ª Câmara de Direito Civil, Relator para Acórdão ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE, julgado em 18/09/2025)
Portanto, mostra-se correta a decisão do juízo de primeira instância ao julgar improcedente a demanda, em vista da ausência de requisito fundamental à responsabilização civil da concessionária ré.
Ademais, anota-se que a dilação probatória requerida pela parte autora teria como objeto a extensão dos prejuízos que sofrera. Contudo, ante a ausência de responsabilidade da ré pelos danos, mostra-se despiciendo averiguar a dimensão dos prejuízos decorrentes da interrupção do fornecimento de energia elétrica.
Ante o desprovimento da insurgência, necessária a imposição de honorários recursais (art. 85, § 11º, do CPC), razão pela qual majoro aqueles fixados na origem em 2%, o que faço com base nos critérios estabelecidos pelo mesmo dispositivo.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso.
assinado por GLADYS AFONSO, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6953852v6 e do código CRC e3d853cc.
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Documento:6953853 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5005719-84.2024.8.24.0035/SC
RELATORA: Desembargadora GLADYS AFONSO
EMENTA
Ementa: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS DECORRENTES DE INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Ação de indenização proposta pela parte autora em razão de interrupção no fornecimento de energia elétrica, que teria causado prejuízos na secagem do tabaco, julgada improcedentes ao fundamento de que ocorreu caso fortuito ou de força maior devido a situação de calamidade pública decorrente das chuvas que assolaram a região.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A controvérsia em questão consiste em saber se os eventos climáticos apontados configuram caso fortuito ou de força maior apto a ilidir a responsabilidade da concessionária ré.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A ocorrência de intempéries climáticas causadoras de danos em rede elétrica, porque evento previsível e ínsito à atividade, não configuram caso fortuito ou de força maior capaz de afastar a responsabilidade civil da concessionária de energia elétrica por danos decorrentes da demora no restabelecimento do fornecimento do serviço.
4. Contudo, as chuvas que assolaram o Alto Vale do Itajaí ao final de 2023 foram evento climático que transbordou do previsível, ensejando, inclusive, declaração de calamidade pública pelas autoridades. Ante a configuração da força maior, exclui-se o nexo de causalidade e, consequentemente, afasta-se a responsabilidade da concessionária ré.
IV. DISPOSITIVO E TESE
5. Recurso conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara de Direito Civil do decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por GLADYS AFONSO, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6953853v3 e do código CRC 5ccb40ed.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 11/11/2025
Apelação Nº 5005719-84.2024.8.24.0035/SC
RELATORA: Desembargadora GLADYS AFONSO
PRESIDENTE: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS
PROCURADOR(A): VANIA AUGUSTA CELLA PIAZZA
Certifico que este processo foi incluído como item 129 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 13:17.
Certifico que a 5ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora GLADYS AFONSO
Votante: Desembargadora GLADYS AFONSO
Votante: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS
Votante: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA
ROMILDA ROCHA MANSUR
Secretária
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