Relator: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
Órgão julgador:
Data do julgamento: 19 de dezembro de 2006
Ementa
RECURSO – Documento:6979011 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 5008782-60.2022.8.24.0012/SC RELATOR: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA RELATÓRIO O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, por seu promotor de justiça Luís Suzin Marini Júnior, com fundamento no artigo 129, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil, e com base nas informações constantes no Inquérito Policial, promoveu ação penal pública em desfavor de A. C. L., imputando-lhe, em tese, a prática das normas incriminadoras, descritas nos seguintes termos (evento 1, DENUNCIA1):
(TJSC; Processo nº 5008782-60.2022.8.24.0012; Recurso: recurso; Relator: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:6979011 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5008782-60.2022.8.24.0012/SC
RELATOR: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
RELATÓRIO
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, por seu promotor de justiça Luís Suzin Marini Júnior, com fundamento no artigo 129, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil, e com base nas informações constantes no Inquérito Policial, promoveu ação penal pública em desfavor de A. C. L., imputando-lhe, em tese, a prática das normas incriminadoras, descritas nos seguintes termos (evento 1, DENUNCIA1):
[...]A denunciada A. C. L., ao tempo dos procederes narrados nesta, tratava-se de única sócia e administradora da empresa LZ1 Comércio de Alimentos Ltda, inscrita no CNPJ sob o nº 30.219.771/0001-35, estabelecida na Avenida Barão do Rio Branco, nº 217, sala 2, Centro, no Município de Caçador-SC (Cláusula 5ª do Contrato Social Consolidado na Alteração Contratual nº 4, conforme fl. 16 do procedimento anexo). O objeto social da empresa consiste em “Lanchonete, sorveteria, serviços de alimentação; e Comércio varejista de chocolates, doces, bombons e confeitos” (Cláusula 2ª do Contrato Social Consolidado na Alteração Contratual nº 4 - fl. 15). Com a gestão da empresa citada, a denunciada tinha ciência e controle das transações e negócios realizados, bem como responsabilidade pela apuração e recolhimento do ICMS-Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços devido, sendo, ainda, na qualidade de única sócia e administradora, a principal beneficiária dos lucros e quaisquer outras vantagens advindas da atividade empresarial. Nessa condição, descumprindo seu dever de praticar os atos determinados em Lei e, também, de fiscalizar e impedir atos de infringência à Lei, tendo domínio do fato, deixou de recolher no prazo legal (20º dia do mês seguinte ao mês de apuração, conforme art. 40, caput, da Resolução CGSN-Comitê Gestor do Simples Nacional n° 140/20181 ) o ICMS referente aos meses de fevereiro de 2020 a janeiro de 2021, apropriando-se indevidamente, de forma livre e consciente, de valores que deveriam ser entregues ao Estado de Santa Catarina, destinatário final do tributo. Por efeito, foram lavrados em face da empresa supracitada os Termos de Inscrição em Dívida Ativa-TIDAs nº 210006240402 (R$ 10.184,21), 210006240313 (R$ 11.407,60) e 210006240585 (R$ 2.131,73), todos datados de 6-9-2021 (fls. 3/4, 6/7 e 9/10), com a apuração do imposto devido, multa fiscal e juros de mora, montantes estes que até a presente data não foram pagos na integralidade ao Fisco. As apropriações indevidas de imposto realizadas pela denunciada são ilustradas nas tabelas abaixo, tomando por parâmetro os períodos de apuração e as datas limites para repasse ao Fisco: TIDA n° 210006240402 TIDA nº 210006240313 TIDA nº 210006240585 Os créditos tributários foram constituídos com base nas declarações do Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional – Declaratório (PGDAS-D), fornecidas pela empresa à autoridade fazendária por atos de gestão da denunciada, conforme fls. 20/31 (Súmula 436 do STJ2 ). Os Termos de Inscrição em Dívida Ativa - TIDAs objeto desta indicam, pelo ICMS declarado pela denunciada, a apropriação do total, respectivamente, de R$ 8.242,65 (oito mil, duzentos e quarenta e dois reais e sessenta e cinco centavos), R$ 9.226,48 (nove mil, duzentos e vinte e seis reais e quarenta e oito centavos) e R$ 1.736,22 (um mil, setecentos e trinta e seis reais e vinte e dois centavos) do tributo que deveria ser recolhido aos cofres públicos estaduais nos períodos acima mencionados, isso em valores históricos, os quais importavam, com os acréscimos legais decorrentes de correção monetária, multa fiscal e juros, R$ 10.184,21 (dez mil cento e oitenta e quatro reais e vinte e um centavos), R$ 11.407,60 (onze mil, quatrocentos e sete reais e sessenta centavos) e R$ 2.131,73 (dois mil, cento e trinta e um reais e setenta e três centavos). Conforme consulta junto ao SAT - Sistema de Administração Tributária da Secretaria de Estado da Fazenda em 18-11-2022, os montantes das dívidas ativas eram, respectivamente, de R$ 8.996,35 (oito mil, novecentos e noventa e seis reais e trinta e cinco centavos) (fl. 41), R$ 12.503,71 (doze mil, quinhentos e três reais e setenta e um centavos) (fl. 42) e R$ 2.337,99 (dois mil, trezentos e trinta e sete reais e noventa e nove centavos) (fl. 43).
A denúncia foi recebida em 30-11-2022 (evento 3, DESPADEC1).
Após a regular instrução do processo criminal, a Juíza de Direito Naiara Brancher proferiu sentença de procedência da denúncia, constando na parte dispositiva (evento 66, SENT1):
[...] V. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na denúncia para CONDENAR a ré A. C. L., já qualificada, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 10 (dez) meses de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, no valor unitário descrito na fundamentação, por infração ao artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, por doze vezes, na forma continuada.
Cabível a substituição da pena, conforme exposto acima.
VI. Custas pela condenada.
VII. Não há bens apreendidos nos autos.
VIII. Transitada em julgado a presente decisão: a) lance-se o nome da ré no Rol dos Culpados e no cadastro da Corregedoria-Geral da Justiça; b) anote-se a condenação no sistema eleitoral (inciso III do artigo 15 da Constituição Federal); c) promova-se o cálculo da pena de multa e intime-se a ré para pagamento em 10 (dez) dias, sob pena de execução; e d) proceda-se a anotação no Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa e por Ato que implique Inelegibilidade – CNCIAI. e) proceda-se a execução da pena.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Transitado em julgado, arquive-se.
A sentença foi publicada e registrada em 29-09-2025, e a acusada intimado quanto ao seu teor em 02-10-2025, por seu procurador constituído nos autos (evento 67).
Não resignado com a prestação jurisdicional entregue, a tempo e modo A. C. L. interpôs recurso. Em suas razões técnicas, a defesa postulou, primeiramente, a atipicidade da conduta imputada à recorrente, argumentando que o artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90 conflita com o artigo 7º, item 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que veda a prisão por dívidas, exceto em casos de obrigação alimentar, sendo que tal Convenção possui status supralegal no ordenamento jurídico brasileiro e torna inaplicável a legislação infraconstitucional conflitante. Sustentou, ainda, que o tipo penal do artigo 2º, inciso II, exige que o agente, na qualidade de sujeito passivo, desconte ou cobre o tributo de terceiros e deixe de repassá-lo aos cofres públicos, configurando apropriação indébita tributária, o que não teria ocorrido no caso concreto, uma vez que a denúncia apenas narrou a falta de recolhimento do ICMS próprio, sem qualquer menção a desconto ou cobrança de terceiros, fraude ou sonegação de informações, tratando-se de mero inadimplemento fiscal. Subsidiariamente, alegou a ocorrência de excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, demonstrando que a recorrente enfrentava graves dificuldades financeiras, conforme evidenciado pelo quantitativo de dívidas bancárias e pela posterior falência da empresa, tendo priorizado o pagamento dos salários dos funcionários na tentativa de manter a continuidade empresarial e preservar os empregos gerados, não havendo recursos suficientes para o recolhimento dos tributos, razão pela qual não se poderia exigir conduta diversa diante da ausência de dolo e da impossibilidade material de cumprimento da obrigação tributária (evento 76, APELAÇÃO1).
O Ministério Público impugnou as razões recursais defensivas, requerendo o conhecimento e improvimento do recurso (evento 85, PROMOÇÃO1).
Lavrou parecer pela douta Procuradoria de Justiça Criminal o exmo. sr. dr. procurador de justiça Rogério A. Da Luz Bertoncini que opinou pelo conhecimento e pelo desprovimento do apelo manejado pela defesa (evento 10, PARECER1).
É, no essencial, o relatório.
assinado por CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA, Juiz de Direito de Segundo Grau, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6979011v8 e do código CRC 36febee2.
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Apelação Criminal Nº 5008782-60.2022.8.24.0012/SC
RELATOR: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
VOTO
A defesa insurge-se contra o decisum a quo que condenou o acusado pela prática do crime previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, por doze vezes, na forma continuada, fixando-lhe a pena privativa de liberdade de 10 (dez) meses de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa.
O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
1. Da atipicidade da conduta - inaplicabilidade da norma penal que incrimina.
A defesa sustenta que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos veda, de forma absoluta, a prisão por dívidas, excetuando-se apenas as oriundas de obrigação alimentar. Assim, considerando que o crime previsto no art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90 prevê pena privativa de liberdade àquele que simplesmente deixa de pagar tributos, entende que a norma infraconstitucional afronta o tratado internacional, devendo a sentença ser reformada para absolver o apelante, nos termos do art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
Sem razão.
Extrai-se da sentença que a apelante era única sócia e administradora da empresa LZ1 Comércio de Alimentos Ltda, inscrita no CNPJ sob o nº 30.219.771/0001-35, e a materialidade do delito imputado encontra-se certificada nos Termos de Inscrição de Dívida Ativa nº 210006240402 (R$ 10.184,21), 210006240313 (R$ 11.407,60) e 210006240585 (R$ 2.131,73), que atestam que a apelante deixou de efetuar o repasse aos cofres públicos de quantia pertencente ao Estado, correspondente aos meses de fevereiro de 2020 a janeiro de 2021, nos valores de R$ 8.996,35 (oito mil, novecentos e noventa e seis reais e trinta e cinco centavos), R$ 12.503,71 (doze mil, quinhentos e três reais e setenta e um centavos) e R$ 2.337,99 (dois mil, trezentos e trinta e sete reais e noventa e nove centavos), a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, cobrado de consumidores.
O tipo penal em questão não se refere ao mero inadimplemento de obrigação tributária, mas sim à apropriação indevida de valores pertencentes ao Fisco, os quais foram previamente recolhidos de terceiros — no caso, consumidores finais — e deixaram de ser repassados à Fazenda Pública, configurando, portanto, conduta dolosa e penalmente relevante.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já enfrentou a matéria. No julgamento do ARE 999.425/SC, sob a sistemática da repercussão geral, a Corte firmou o Tema 937, reconhecendo a constitucionalidade do tipo previsto no art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, ao entender que a conduta nele descrita não configura mero inadimplemento civil, mas sim infração penal por violar dever legal de repasse de tributo retido.
Ademais, também restou assentado pelo STF que os crimes previstos na referida lei não afrontam o art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal, tampouco a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, uma vez que não se trata de prisão por dívida civil, mas de sanção penal imposta em razão do descumprimento deliberado de dever legal.
Dessa forma, não há que se falar em inconstitucionalidade ou violação à Convenção Interamericana de Direitos Humanos, sendo plenamente legítima a responsabilização penal pela conduta tipificada no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.
2. Atipicidade da conduta - inexistência de regime de substituição tributária.
Ademais, a despeito da alegação da defesa no sentido de que o não recolhimento de ICMS declarado não se enquadraria no crime de apropriação indébita tributária (art. 2º, II, da Lei 8.137/90), já que o tributo devido era próprio da empresa e não decorrente de regime de substituição tributária, também não deve prosperar.
Considerando o RHC 163334/SC, entende-se que o termo "cobrado", constante da descrição típica do crime em análise, abrange os tributos indiretos, como o ICMS, independentemente de ser próprio ou por substituição tributária, já que o ônus financeiro recai sobre o consumidor final.
Assim, o tipo penal se configura pelo fato de o contribuinte de direito, ao declarar o tributo, demonstrar consciência da obrigação de recolhê-lo, sendo irrelevante a destinação do ICMS como tributo próprio da empresa, vejamos:
“HABEAS CORPUS. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS POR MESES SEGUIDOS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. DECLARAÇÃO PELO RÉU DO IMPOSTO DEVIDO EM GUIAS PRÓPRIAS. IRRELEVÂNCIA PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO. TERMOS ‘DESCONTADO E COBRADO’. ABRANGÊNCIA. TRIBUTOS DIRETOS EM QUE HÁ RESPONSABILIDADE POR SUBSTITUIÇÃO E TRIBUTOS INDIRETOS. ORDEM DENEGADA.
1. Para a configuração do delito de apropriação indébita tributária - tal qual se dá com a apropriação indébita em geral - o fato de o agente registrar, apurar e declarar em guia própria ou em livros fiscais o imposto devido não tem o condão de elidir ou exercer nenhuma influência na prática do delito, visto que este não pressupõe a clandestinidade.
2. O sujeito ativo do crime de apropriação indébita tributária é aquele que ostenta a qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária, conforme claramente descrito pelo art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, que exige, para sua configuração, seja a conduta dolosa (elemento subjetivo do tipo), consistente na consciência (ainda que potencial) de não recolher o valor do tributo devido. A motivação, no entanto, não possui importância no campo da tipicidade, ou seja, é prescindível a existência de elemento subjetivo especial.
3. A descrição típica do crime de apropriação indébita tributária contém a expressão ‘descontado ou cobrado’, o que, indiscutivelmente, restringe a abrangência do sujeito ativo do delito, porquanto nem todo sujeito passivo de obrigação tributária que deixa de recolher tributo ou contribuição social responde pelo crime do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, mas somente aqueles que ‘descontam’ ou ‘cobram’ o tributo ou contribuição.
4. A interpretação consentânea com a dogmática penal do termo ‘descontado’ é a de que ele se refere aos tributos diretos quando há responsabilidade tributária por substituição, enquanto o termo ‘cobrado’ deve ser compreendido nas relações tributárias havidas com tributos indiretos (incidentes sobre o consumo), de maneira que não possui relevância o fato de o ICMS ser próprio ou por substituição, porquanto, em qualquer hipótese, não haverá ônus financeiro para o contribuinte de direito. 5. É inviável a absolvição sumária pelo crime de apropriação indébita tributária, sob o fundamento de que o não recolhimento do ICMS em operações próprias é atípico, notadamente quando a denúncia descreve fato que contém a necessária adequação típica e não há excludentes de ilicitude, como ocorreu no caso. Eventual dúvida quanto ao dolo de se apropriar há que ser esclarecida com a instrução criminal. 6. Habeas corpus denegado.” (HC 399.109/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2018, DJe 31/08/2018).
Assim, no caso do ICMS, tratando-se de tributo indireto, mesmo em operações próprias, o contribuinte de direito (quem recolhe o imposto) transfere o ônus financeiro ao consumidor final, de modo que o valor do ICMS já foi "cobrado" do terceiro (o consumidor) no momento da operação e, por isso, deve ser repassado ao Fisco, sendo irrelevante se o regime é de substituição tributária ou não.
Logo, é inviável a absolvição sob o fundamento de que o não recolhimento do ICMS em operações próprias é atípico, notadamente quando a denúncia descreve fato que contém a necessária adequação típica.
Logo, rejeito a tese.
3. Excludente de culpabilidade por inexigbilidade de conduta diversa.
Por fim, alega a defesa que as dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa configurariam causa supralegal de exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa.
A tese não prospera.
A excludente da inexigibilidade de conduta diversa aplica-se a situações excepcionalíssimas em que, diante das circunstâncias concretas, não se poderia exigir do agente comportamento conforme o direito. Trata-se de hipótese residual e de aplicação restritíssima.
Dificuldades financeiras empresariais não configuram causa de exclusão da culpabilidade no crime de apropriação indébita tributária. E a razão é singela: o ICMS é tributo indireto, cujo ônus econômico é suportado integralmente pelo consumidor final. A empresa atua como mera depositária e repassadora de valores que nunca integraram seu patrimônio.
Conforme assinalado na sentença, a ré confessou que optou deliberadamente por utilizar os valores dos tributos para outras despesas:
A. C. L., em seu interrogatório, disse que os fatos são verdadeiros e que, tendo em vista a pandemia, não foi possível continuar com o estabelecimento comercial.
Contou que não ocorreu a intenção de cometer o crime, porém não tiveram condições financeiras de arcar com todos os débitos, tendo ainda efetuado empréstimo, que também não conseguiu efetuar a quitação.
Trata-se, portanto, de escolha consciente e reprovável, não de situação que escape ao controle do agente.
A jurisprudência é pacífica no sentido de que dificuldades financeiras não elidem a culpabilidade em crimes tributários:
[...] IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS) DECLARADO MAS NÃO RECOLHIDO. PROVA DOCUMENTAL SUFICIENTE NESSE SENTIDO. CONFIGURAÇÃO DELITIVA A PARTIR DO MOMENTO QUE DEIXA DE RECOLHER O IMPOSTO NO PRAZO LEGAL. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA E ESTADO DE NECESSIDADE, EM RAZÃO DE DIFICULDADES FINANCEIRAS DA EMPRESA NÃO ACOLHIDOS. IMPOSTO INDIRETO (ICMS). PAGAMENTO SOFRIDO PELO CONSUMIDOR FINAL (CONTRIBUINTE DE FATO) E NÃO PELA EMPRESA (CONTRIBUINTE DE DIREITO), QUE TEM APENAS O DEVER DE ARRECADAR E REPASSAR O RESPECTIVO VALOR AO FISCO. EMPRESA QUE SE ENCONTRAVA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DEVEDOR OU SEUS ADMINISTRADORES QUE SERÃO MANTIDOS NA CONDUÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL, SOB FISCALIZAÇÃO DO COMITÊ, SE HOUVER, E DO ADMINISTRADOR JUDICIAL. EXEGESE DO ART. 64, CAPUT, DA LEI N. 11.101/05. MANUTENÇÃO DO ÉDITO CONDENATÓRIO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJSC, Apelação Criminal n. 0900604-03.2018.8.24.0020, do , rel. José Everaldo Silva, Quarta Câmara Criminal, j. 08-07-2021).
Ademais, a contumácia delitiva (doze meses consecutivos de não recolhimento do tributo - fevereiro de 2020 a janeiro de 2021) demonstra que não se trata de situação excepcional, mas de prática reiterada e consciente.
Logo, rejeito a tese.
4. Dispositivo
Isto posto, voto no sentido de conhecer e desprover o recurso, nos termos da fundamentação.
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Apelação Criminal Nº 5008782-60.2022.8.24.0012/SC
RELATOR: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DEIXAR DE RECOLHER, NO PRAZO LEGAL, ICMS DEVIDO (ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI N.º 8.137/90, POR doze (12) VEZES, NA FORMA DO ARTIGO 71, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA.
(1) PLEITO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA PELA INAPLICABILIDADE DA NORMA PENAL QUE A INCRIMINA. REJEIÇÃO. TIPIFICAÇÃO DO REFERIDO CRIME NÃO SE RELACIONA AO MERO INADIMPLEMENTO DE TRIBUTOS, MAS SIM À APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE VALORES QUE DEVERIAM SER REPASSADOS AO FISCO. CONSTITUCIONALIDADE do ART. 2º, II, DA LEI Nº 8.137/90 DECLARADA PELO STF EM REPERCUSSÃO GERAL (ARE 999.425/SC - TEMA 937). ausente VIOLAÇÃO AO PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA. SANÇÃO PENAL QUE NÃO SE CONFUNDE COM PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA.
(2) PLEITO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA PELA INEXISTÊNCIA DE REGIME EM SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. REJEIÇÃO. NO CASO DO ICMS, TRATANDO-SE DE TRIBUTO INDIRETO, MESMO EM OPERAÇÕES PRÓPRIAS, O CONTRIBUINTE DE DIREITO (QUEM RECOLHE O IMPOSTO) TRANSFERE O ÔNUS FINANCEIRO AO CONSUMIDOR FINAL. ASSIM, O VALOR DO ICMS JÁ FOI "COBRADO" DO TERCEIRO (O CONSUMIDOR) NO MOMENTO DA OPERAÇÃO E, POR ISSO, DEVE SER REPASSADO AO FISCO, SENDO IRRELEVANTE SE O REGIME É DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA OU NÃO.
(3) EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE - INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. IMPOSSIBILIDADE. DIFICULDADES FINANCEIRAS QUE NÃO ELIDEM A CULPABILIDADE EM CRIMES TRIBUTÁRIOS. ICMS COMO TRIBUTO INDIRETO SUPORTADO PELO CONSUMIDOR FINAL. EMPRESA COMO MERA DEPOSITÁRIA E REPASSADORA. OPÇÃO DELIBERADA DO RÉU EM UTILIZAR OS VALORES PARA OUTRAS FINALIDADES. CONTUMÁCIA DELITIVA. PRÁTICA REITERADA E CONSCIENTE. PRECEDENTES. TESE REJEITADA.
RECURSO CONHECIDO e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, conhecer e desprover o recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA, Desembargador Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6979012v11 e do código CRC fd2230b2.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 11/11/2025
Apelação Criminal Nº 5008782-60.2022.8.24.0012/SC
RELATOR: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
REVISOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA
PRESIDENTE: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
PROCURADOR(A): EDUARDO PALADINO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 11/11/2025, na sequência 194, disponibilizada no DJe de 27/10/2025.
Certifico que a 3ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER E DESPROVER O RECURSO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
Votante: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
Votante: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA
Votante: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
POLLIANA CORREA MORAIS
Secretária
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