RECURSO – Documento:6940554 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação / Remessa Necessária Nº 5016661-87.2020.8.24.0045/SC RELATOR: Desembargador RICARDO ROESLER RELATÓRIO Constou do relatório da sentença (109.1): Trato de AÇÃO CIVIL PÚBLICA deflagrada com o intuito de proteger o meio ambiente e defender a ordem urbanística. As partes estão identificadas no cabeçalho desta decisão. O autor diz que o réu particular ocupou espaço protegido pela legislação ambiental, sem licença para tanto. Busca a desocupação do imóvel, com a remoção de todas as construções pelo réu particular. Diz que os dois ultimos réus são corresponsável pelo dano em questão, pois não cumpriram a contento o dever legal de zelar pela defesa e preservação do meio ambiente. Pede liminar para interditar o local e forçar os entes públicos a exercer o seu poder de fiscalização. Em cognição exauriente, no tocante ao prime...
(TJSC; Processo nº 5016661-87.2020.8.24.0045; Recurso: recurso; Relator: Desembargador RICARDO ROESLER; Órgão julgador: Turma, j. em 04.02.2025).; Data do Julgamento: 24 de março de 2010)
Texto completo da decisão
Documento:6940554 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação / Remessa Necessária Nº 5016661-87.2020.8.24.0045/SC
RELATOR: Desembargador RICARDO ROESLER
RELATÓRIO
Constou do relatório da sentença (109.1):
Trato de AÇÃO CIVIL PÚBLICA deflagrada com o intuito de proteger o meio ambiente e defender a ordem urbanística. As partes estão identificadas no cabeçalho desta decisão. O autor diz que o réu particular ocupou espaço protegido pela legislação ambiental, sem licença para tanto. Busca a desocupação do imóvel, com a remoção de todas as construções pelo réu particular. Diz que os dois ultimos réus são corresponsável pelo dano em questão, pois não cumpriram a contento o dever legal de zelar pela defesa e preservação do meio ambiente. Pede liminar para interditar o local e forçar os entes públicos a exercer o seu poder de fiscalização. Em cognição exauriente, no tocante ao primeiro réu, reivindica: (a) a desocupação em definitivo da área mencionada; (b) a remoção de todas as construções e materiais implantados no local; (c) a abstenção da prática de qualquer ato de degradação ambiental; (d) e a recuperação ambiental do imóvel. No tocante aos dois últimos réus, pede que concorram com esforços e maquinário próprios para a remoção de toda a edificação e materiais eventualmente implantados no terreno, promovendo, ainda, a recuperação ambiental na área atingida.
O pedido de tutela de urgência foi alvo de apreciação.
Superadas as fases de contestação e réplica, houve a produção de informação técnica pelo IMA.
Após a manifestação das partes sobre a informação técnica, os autos vieram conclusos.
Ao final, o magistrado julgou procedentes os pedidos formulados pelo Ministério Público, nos seguintes termos:
CONFIRMO a liminar.
CONDENO o réu particular a:
(a) DESOCUPAR a área descrita na inicial, no prazo de 60 dias, a contar do trânsito em julgado desta sentença;
(b) REMOVER todas as construções e materiais implantados no local, no prazo de 60 dias, a contar do trânsito em julgado desta sentença;
(c) ABSTER-SE da prática de qualquer ato de degradação ambiental;
(d) EFETUAR a recuperação ambiental do imóvel, conforme orientações do IMA.
CONDENO os réus IMA e Município de Palhoça, de forma subsidiária, assegurado o direito de regresso contra o réu particular (art. 934 do Código Civil), a:
(a) CONCORRER com esforços e maquinário próprio para a remoção de toda a edificação e materiais implantados no local pela primeira ré;
(b) CONCORRER com esforços e maquinário próprio para a recuperação ambiental do local atingido, conforme solução técnica a ser aprovada pelo IMA.
CONDENO o réu particular ao pagamento das custas judiciais no importe de 33,3%.
ISENTO o IMA e o Município de Palhoça da referida obrigação.
INCABÍVEL a condenação dos réus ao pagamento de honorários de sucumbência. A Corte Especial do STJ firmou compreensão no sentido de que, em razão da simetria, descabe a condenação em honorários advocatícios da parte requerida em ação civil pública, quando inexistente má-fé, de igual sorte, como ocorre com a parte autora, por força da aplicação do art. 18 da Lei nº 7.347/1985 (cf. STJ, EAREsp 962.250/SP, Corte Especial, rel. Min. Og Fernandes, p. em 21.8.18).
P.R.I.
Mesmo que não haja recurso, haverá remessa necessária, visto que o ente público foi condenado ao cumprimento de obrigação de fazer, sem conteúdo econômico quantificável.
O Instituto do Meio Ambiente apelou da sentença, postulando, em síntese, a exclusão do órgão ambiental do polo passivo da demanda, em virtude da ausência de responsabilidade pelos danos ambientais causados (120.1).
Inconformado, o réu L. D. D. A. interpôs recurso de apelação, suscitando, preliminarmente, a nulidade processual em virtude do cerceamento de defesa, considerando que não foi oportunizada a produção de prova pericial postulada, com o escopo de atestar que o local se trata de área urbana consolidada, razão pela qual pleiteia a cassação da sentença para que seja permitida a produção da prova requerida. No mérito, sustentou que se trata de área urbana consolidada, devendo ser julgado improcedentes os pedidos do Ministério Público (133.1).
O Ministério Público ofereceu contrarrazões (144.1).
Lavrou parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Durval da Silva Amorim, o qual opinou pelo pelo conhecimento e não provimento dos recursos de apelação, com a manutenção da decisão recorrida (9.1).
VOTO
A controvérsia trazida nos recursos de apelação reside na responsabilização do Instituto do Meio Ambiente e, em relação ao réu Laerte, a questão atinente à configuração do dano ambiental em si, já que o insurgente alega se tratar de área urbana consolidada.
De acordo com o que extraio da inicial, no dia 14.07.2016, na Praia do Sonho, município de Palhoça, integrantes da Polícia Militar Ambiental constataram que o apelante L. D. D. A., sem qualquer autorização dos órgãos competentes, suprimiu vegetação nativa de restinga por meio de aterro, nivelamento do solo e construção de uma casa de madeira de 100 m², em terreno cercado de aproximadamente 330 m², situado dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) do Entorno Costeiro. A obra foi realizada em solo não edificável, a cerca de 12 metros de um curso d’água de 3 a 4 metros de largura, configurando intervenção em Área de Preservação Permanente (APP), sem se enquadrar como atividade de baixo impacto, utilidade pública ou interesse social.
O órgão ministerial afirmou que as ações, sem projeto aprovado ou licença ambiental, violaram normas federais, estaduais e municipais, causando e perpetuando a degradação ambiental e afetando a ordem urbanística. Além disso, descreve que tanto o Instituto do Meio Ambiente (IMA) como o Município de Palhoça foram omissos e ineficientes, deixando de exercer a fiscalização e o poder de polícia administrativa, não atuando de forma preventiva ou repressiva nem promovendo a restauração dos danos.
O apelante Laerte arguiu, em preliminar, a nulidade da sentença, em razão de cerceamento de defesa, alegando que a produção de prova pericial foi indeferida, sem qualquer justificativa. Afirmou que o julgamento se fundamentou exclusivamente em elementos probatórios produzidos pela acusação e, na única hipótese com participação da defesa, em prova realizada por corréu (IMA), de forma parcial e incompleta.
A prefacial deve ser rechaçada.
A despeito dos argumentos lançados pelo apelante, é sabido que cabe ao juízo avaliar se é possível proferir a sentença com base nos elementos probatórios existentes nos autos, exigindo ou não a dilação probatória (TJSC, ApelRemNec 0000604-10.1997.8.24.0070, 4ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Diogo Pítsica, j. em 17.10.2025).
Do exame dos autos constato que a prova colacionada no 75.2 e no 96.2 - informações técnicas do Instituto do Meio Ambiente - concluiu pela existência de danos ambientais causados pela edificação em Área de Proteção Ambiental do Entorno Costeiro e em Área de Preservação Permanente, sendo desnecessárias respostas aos quesitos realizados pelo apelante.
E nem mesmo merece acolhimento a tese de que a informação técnica confeccionada pelo IMA é parcial, preservando interesses próprios, porque se trata, na realidade, do órgão responsável pela elaboração da documentação em questão, porque compete a ele, entre outras atribuições, exercer a fiscalização para evitar a degradação ambiental.
Este mesmo entendimento também se estende aos demais órgãos públicos que emitiram dados técnicos nestes autos, quais sejam: Polícia Militar Ambiental, Instituto Geral de Perícias – IGP e FCAM, os quais, da mesma forma, serviram como prova para embasar a sentença proferida, sem que estejam subordinados ao Ministério Público.
E não há qualquer lógica a alegação de que o Instituto do Meio Ambiente estivesse desinteressado na produção probatória, ao elaborar "de forma incompleta, parcial, insegura e com informações comprovadamente inverídicas". Isso porque o IMA também foi condenado e, inclusive, interpôs recurso de apelação, o que demonstra o seu interesse na causa.
E, mesmo que assim não fosse, da leitura das indagações realizadas pelo apelante (72.1), verifico que em nada alterariam o resultado do julgamento.
Assim, a despeito de ter sido proferida decisão contrária à pretensão do recorrente, a sentença foi devidamente fundamentada, com base em farto acervo probatório, inexistindo o cerceamento de defesa.
Por tal razão, entendo que a produção de uma nova prova, nos moldes como pretende o insurgente, não promoveria desfecho diverso da lide, até porque o magistrado é o destinatário final da prova e proferiu o julgamento com os elementos constantes dos autos que se mostraram suficientes a fundamentar um juízo de certeza.
No tocante ao mérito, o apelante sustenta, em síntese, que sua construção não gerou e nem manteve dano ambiental relevante, pois a área já se encontrava há décadas consolidada e densamente ocupada, com diversas outras edificações em condições iguais ou piores, inclusive com trechos do curso d’água retificados.
Da imagem colacionada no laudo (96.2), é possível constatar que o imóvel está localizado em APP, além do fato de que, ao contrário do aduzido pelo apelante, não se trata de área urbana consolidada, muito embora se observe residências no entorno; contudo, as vias nem sequer são asfaltadas, evidenciando que se trata de local ocupado irregularmente, em um cenário bem diverso de um perímetro urbano. Veja-se:
Ainda, em relação à proximidade com o curso d'água, extraio das imagens obtidas no laudo pericial juntado no evento 96.2:
No mais, a existência de outras construções nas proximidades, em situações semelhantes, não serve como justificativa para a permanência da habitação. Aliás, é muito rasa a tentativa de legitimar a irregularidade da edificação na conveniência da ilicitude de outras. A premissa propõe a inversão de valores na medida em que procura condicionar a decisão não ao que deveria ser, mas ao que eventualmente se nota naquele lugar: se há tantas outras propriedades irregulares, justifica-se o desvio na edificação levantada pelo insurgente.
Assim, a alegação de que a área já se encontrava consolidada e degradada não possui o condão de afastar a responsabilidade do apelante. Até porque, ao edificar em APA e APP já degradada, o apelante contribuiu para a manutenção e, possivelmente, para o agravamento da situação de ilicitude ambiental. A sua conduta, mesmo que em um cenário de degradação preexistente, configura um novo ato ilícito que exige a reparação integral do dano.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO. INEXISTÊNCIA. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO AMBIENTAL PRESUMIDO. EMBARGO ADMINISTRATIVO. CONTINUIDADE DA OBRA. ANTROPIZAÇÃO DA REGIÃO URBANA E FATO CONSUMADO. IRRELEVÂNCIA. ÁREA DE 4 (QUATRO) M². CONDUTA ESPECIALMENTE AFRONTOSA AO PODER ESTATAL. IMPOSSIBILIDADE DE BENEFICIAMENTO DO PARTICULAR PELA PRÓPRIA TORPEZA. DEMOLIÇÃO E RECUPERAÇÃO INTEGRAL DA ÁREA. NECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O caso diz respeito a dano ambiental resultante da reforma e ampliação de imóvel em área de preservação permanente urbana. Mesmo diante de embargo administrativo da obra, o banheiro, de 4m² (quatro metros quadrados), foi reformado, com ampliação de laje. A origem rejeitou o pedido de demolição e restauração ambiental da área sob o fundamento da condição antropizada do local, na cidade do Rio de Janeiro/RJ.
2. A Corte de origem dirimiu fundamentadamente a matéria submetida à sua apreciação, manifestando-se acerca dos temas necessários ao integral deslinde da controvérsia, não havendo omissão, contradição, obscuridade ou erro material, afastando-se, por conseguinte, a alegada violação ao art. 1.022 do CPC/2015.
3. Conforme a jurisprudência, a edificação ilícita em área de preservação permanente configura situação de dano ambiental presumido.
4. A teoria do fato consumado é inaplicável em matéria ambiental (Súmula 613/STJ). Desse modo, a antropização da área é irrelevante para a solução da lide que discute dano ambiental cometido por degradador individualizado. Inexiste direito adquirido a poluir.
5. A pequena extensão da área atingida não pode se sobrepor, como razão de decidir, ao comportamento flagrantemente ofensivo ao meio ambiente cometido pelo particular. A conduta afrontosa do administrado, que dá continuidade à obra sabidamente ilícita, após notificação estatal para paralisá-la, não pode ter guarida judicial.
Regra geral de direito é a vedação de que a conduta ilegal beneficie o próprio responsável, ou, em linguagem corrente, a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza.
6. O particular inconformado com a fiscalização pelo Poder Público dispõe de meios administrativos e judiciais de contestá-la. Não pode, porém, exercer por mão própria o que entende ser seu direito, tanto mais para violar bem jurídico ambiental, objeto de especial proteção normativa.
7. A patente antijuridicidade da continuação da obra degradadora do meio ambiente, após notificação administrativa para paralisação da reforma, conduz à inafastabilidade da sanção do transgressor.
8. Recurso especial provido, para determinar a demolição da parcela do imóvel objeto da autuação administrativa, com subsequente restauração integral da área. (REsp n. 1.714.536/RJ, rel. Min. Afrânio Vilela, Segunda Turma, j. em 04.02.2025).
O insurgente aduziu, ainda, que há interesse público e social na manutenção da ocupação, porquanto o imóvel poderia ser regularizado via REURB. Contudo, conforme amplamente demonstrado nos autos, a edificação em questão está localizada em uma Área de Proteção Ambiental (APA) e em Área de Preservação Permanente (APP), conferindo à área uma dupla proteção, dada a sua relevância ambiental, o que resulta na restrição de uso e de ocupação que se sobrepõe a quaisquer interesses particulares.
Sobre a questão, extraio do laudo pericial a descrição da área (1.3):
Dos exames realizados no local, constatou-se o seguinte: 5.1. A região onde se situava a área motivo pericial encontra-se dentro da ZPE - Zona de Proteção Especial; constituída por áreas não edificáveis reservadas à recuperação e proteção ambiental, abrangendo Áreas de Preservação Permanente – APPs, remanescentes da Mata Atlântica e vegetações litorâneas do tipo mangue e restinga protetoras de dunas e cordões arenosos, além de áreas identificadas como sítios arqueológicos, tombados pelo patrimônio histórico e cultural estadual ou federal (Redação do Decreto Estadual n° 3.159-2010, de 24 de março de 2010). 5.2. A área motivo pericial está inserida no Bioma Mata Atlântica. Trata-se de um manguezal bastante antropizado. 5.3. Constatou-se no local a construção de uma casa, cujo corpo principal construído tem torre de 42m². Ao redor da casa havia varanda, formando uma área coberta total de aproximadamente 100m². As paredes, nos seus pavimentos apresentavam pintura na cor marrom. Por ocasião do exame pericial não havia ninguém em casa. A edificação estava construída em um terreno, delimitados por cercas, medindo aproximadamente 330m². A distância entre a casa e o corpo d’água era de aproximadamente 12m. Seu lençol freático, ou “água possúía largura variando entre 3 e 4m, porém, no dia da perícia, em função da maré alta, parte de suas águas chegava próximo ao cercado do terreno. Não foi constatada a presença de medidor de consumo de energia elétrica da concessionária CELESC próximo a edificação, e que tudo indica, a energia elétrica chegava à edificação na forma de rabicho.
A Informação Técnica n. 3226/2023/IMA/GEANP prossegue (75.2):
c) O local do dano ambiental está inserido no território do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, no seu entorno e/ou em alguma unidade de conservação? R: Não. O local dos fatos se encontra na APA do entorno Costeiro. Lei estadual n°14.661/2009 d) Indique pormenorizadamente outras restrições ambientais incidentes no local do dano ambiental. R: O local específico onde está situado o imóvel é caracterizado por dunas fixas (nas áreas mais altas) alternadas com banhados (nas áreas mais baixas), ambas originalmente cobertas por vegetação típica de restinga, formação conhecida como Cordões Arenosos da Baixada do Maciambú, enquadrando-se como Área de Preservação Permanente (APP) conforme Código Florestal Brasileiro, desde 1965, substituído pelas Leis Federais n. 12.651 e n. 12.727 de 2012, Código Estadual do Meio Ambiente – Lei n. 14.675/2009, E está na APP do curso d´água (dentro dos 30 metros), Lei n°12.651/2012.
Daí que a descrição do laudo no sentido de que a edificação se encontra a 12 metros de curso d'água de 3 a 4 metros, configura a hipótese na qual se emprega o Tema Repetitivo 1.010, o qual estabelece que "Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade.
Além do mais, o art. 8º da Lei n. 12.651/2012 apregoa que a supressão de vegetação nativa em APP é admitida apenas em hipóteses de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, o que não ficou demonstrado no caso vertente, inviabilizando, portanto, a manutenção da edificação no local (Apelação n. 5005056-71.2022.8.24.0079, rel. Desa. Bettina Maria Maresch de Moura, Terceira Câmara de Direito Público, j. 08.07.2025).
Diante desse contexto, é forçoso reconhecer que a edificação promovida pela parte apelante constitui intervenção indevida em área ambientalmente protegida, realizada à revelia das exigências legais e sem qualquer respaldo técnico ou jurídico, cuja manutenção se revela incompatível com a normativa ambiental, sendo juridicamente inviável sua regularização ou convalidação.
Assim, a condenação imposta na sentença deve ser integralmente mantida, como medida necessária à recomposição do dano ambiental verificado e à efetividade das normas de proteção ao meio ambiente.
No que se refere ao recurso interposto pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), este sustenta que não houve omissão de sua parte e que a responsabilidade pela recuperação da área degradada recairia exclusivamente sobre o poluidor direto.
A despeito da tese lançada pelo apelante, é sabido que a responsabilidade por danos ambientais no ordenamento jurídico brasileiro é objetiva e solidária, fundamentada na teoria do risco integral, o que significa que todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para o dano, seja por ação ou omissão, devem responder por sua reparação.
Na hipótese dos autos, o insurgente, ao permitir a ocupação irregular de uma Área de Preservação Permanente (APP) e Unidade de Conservação Estadual (APA do Entorno Costeiro), assumiu o risco de que danos ambientais ocorressem, e sua omissão contribuiu diretamente para a concretização desses danos.
Dito de outro modo, a permissão para a realização de construção em terreno protegido pela legislação ambiental, sem qualquer tipo de licença ou alvará, é um indicativo claro da falha na fiscalização, até porque o dever de fiscalizar do apelante não é uma faculdade, mas uma imposição constitucional e legal.
O argumento do IMA de que a intervenção não seria de sua atribuição, com base na Lei Complementar n. 140/2011, não merece acolhimento, tendo em vista que a previsão de regras de cooperação entre os entes federativos não o exime de sua responsabilidade em relação à proteção ambiental. Pelo contrário, a Lei Complementar n. 140/11 busca harmonizar as políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação e garantir a presença conjunta dos entes públicos, demonstrando a necessidade de que sejam realizadas atividades coordenadas com o escopo de tornar o trabalho dos órgãos ambientais mais eficiente.
Além disso, o Estado, em todas as suas esferas, tem o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse sentido, em conformidade com o art. 225 da Constituição da República, assegura-se "o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".
Destaco também a previsão contida no art. 23, VI, da Constituição da República, o qual prevê que "é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas fôrmas".
Ademais, quanto à responsabilidade do apelante, oportuno ressaltar o entendimento do Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação / Remessa Necessária Nº 5016661-87.2020.8.24.0045/SC
RELATOR: Desembargador RICARDO ROESLER
EMENTA
DIREITO AMBIENTAL. APELAÇÃO CÍVEL / REMESSA NECESSÁRIA. OCUPAÇÃO IRREGULAR EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA. MANUTENÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA.
I. CASO EM EXAME
Trato de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina (autor/recorrido) com o objetivo de promover a desocupação e recuperação ambiental de imóvel situado em Área de Proteção Ambiental (APA) e Área de Preservação Permanente (APP), ocupado irregularmente por particular (réu/recorrente) sem licença ambiental. A sentença julgou procedentes os pedidos, condenando o particular à desocupação e recuperação da área, e o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (réu/recorrente) à responsabilidade subsidiária pela reparação do dano ambiental. Ambos interpuseram apelação. Houve remessa necessária.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
Há três questões em discussão: (i) saber se houve cerceamento de defesa em razão do indeferimento da prova pericial requerida pelo réu particular; (ii) saber se a área ocupada configura área urbana consolidada, afastando a caracterização de APP; (iii) saber se o IMA pode ser responsabilizado subsidiariamente pelos danos ambientais decorrentes da omissão no dever de fiscalização.
III. RAZÕES DE DECIDIR
1. A alegação de cerceamento de defesa foi afastada, pois o juízo considerou suficientes os elementos probatórios constantes dos autos, inclusive laudos técnicos elaborados por órgãos ambientais.
2. A área objeto da lide está inserida em APA e APP, com vegetação nativa suprimida e construção próxima a curso d’água, não se enquadrando como área urbana consolidada.
3. A responsabilidade ambiental é objetiva e solidária, sendo o IMA corresponsável pela omissão na fiscalização, conforme previsto no art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981 e na Súmula 652 do STJ.
4. A regularização fundiária (REURB) não é aplicável à área em questão, dada a dupla proteção ambiental e ausência de interesse público ou social que justifique a manutenção da edificação.
IV. DISPOSITIVO E TESE
Recursos desprovidos. Remessa necessária improvida.
Tese de julgamento:
“1. A edificação em Área de Proteção Ambiental e Área de Preservação Permanente, sem licença ambiental, configura intervenção ilícita, ainda que em área antropizada.”
“2. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e solidária, alcançando os entes públicos que se omitiram no dever de fiscalização.”
“3. A regularização fundiária não se aplica a imóveis situados em áreas ambientalmente protegidas, cuja ocupação contraria normas legais.”
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 23, VI, e 225; Lei n. 6.938/1981, art. 14, § 1º; Lei n. 12.651/2012, arts. 4º e 8º; Lei n. 7.347/1985, art. 18.
Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp n. 1.714.536/RJ, Rel. Min. Afrânio Vilela, Segunda Turma, j. 04.02.2025; STJ, EAREsp 962.250/SP, Corte Especial, Rel. Min. Og Fernandes, j. 21.08.2018; STJ, Súmula 652.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara de Direito Público do decidiu, por unanimidade, negar provimento aos recursos interpostos, bem como à remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por RICARDO ROESLER, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6940555v6 e do código CRC 4ddd34cb.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): RICARDO ROESLER
Data e Hora: 14/11/2025, às 14:59:54
5016661-87.2020.8.24.0045 6940555 .V6
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 11/11/2025
Apelação / Remessa Necessária Nº 5016661-87.2020.8.24.0045/SC
RELATOR: Desembargador RICARDO ROESLER
PRESIDENTE: Desembargador JOAO HENRIQUE BLASI
PROCURADOR(A): NARCISIO GERALDINO RODRIGUES
Certifico que este processo foi incluído como item 193 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 16:47.
Certifico que a 2ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 2ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AOS RECURSOS INTERPOSTOS, BEM COMO À REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador RICARDO ROESLER
Votante: Desembargador RICARDO ROESLER
Votante: Desembargadora MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA
Votante: Desembargador JOAO HENRIQUE BLASI
NATIELE HEIL BARNI
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:25:52.
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