Relator: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA
Órgão julgador:
Data do julgamento: 11 de novembro de 2025
Ementa
RECURSO – Documento:6958336 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5032555-53.2021.8.24.0018/SC RELATOR: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA RELATÓRIO Trata-se de apelação interposta em ação de cobrança contra sentença (evento 37, SENT1) que julgou procedentes os pedidos iniciais. Decisão do culta Juíza Maira Salete Meneghetti. O magistrado entendeu que a parte requerida deveria ser condenada ao pagamento de R$ 129.688,16 (cento e vinte e nove mil, seiscentos e oitenta e oito reais e dezesseis centavos), devidamente corrigidos pelo INPC/IBGE desde 19/12/2019, com juros moratórios de 1% ao mês desde a citação, além do pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, nos termos do artigo 85, §2º do CPC.
(TJSC; Processo nº 5032555-53.2021.8.24.0018; Recurso: recurso; Relator: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 11 de novembro de 2025)
Texto completo da decisão
Documento:6958336 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5032555-53.2021.8.24.0018/SC
RELATOR: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em ação de cobrança contra sentença (evento 37, SENT1) que julgou procedentes os pedidos iniciais.
Decisão do culta Juíza Maira Salete Meneghetti.
O magistrado entendeu que a parte requerida deveria ser condenada ao pagamento de R$ 129.688,16 (cento e vinte e nove mil, seiscentos e oitenta e oito reais e dezesseis centavos), devidamente corrigidos pelo INPC/IBGE desde 19/12/2019, com juros moratórios de 1% ao mês desde a citação, além do pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, nos termos do artigo 85, §2º do CPC.
Alega o apelante (evento 41, APELAÇÃO1), em síntese, que não possui bens nem exerce mais atividade comercial, o que inviabiliza o pagamento de custas processuais e justifica o pedido de gratuidade da justiça; que houve violação ao princípio da não surpresa, pois após permitir a especificação de provas, o juízo sentenciou o feito sem oportunizar a produção de provas orais requeridas; que o despacho anterior à sentença reconheceu a divergência nas versões apresentadas pelas partes e solicitou manifestação quanto à prova, demonstrando a necessidade de dilação probatória; que a sentença foi proferida sem considerar as manifestações sobre as provas nem designar audiência de instrução e julgamento; que houve cerceamento de defesa, pois a produção da prova testemunhal permitiria comprovar a veracidade das alegações da apelante sobre inexistência de prejuízo, divergência de assinaturas e ausência de assinatura no contrato que fundamenta a multa; que o julgamento antecipado impediu a produção da prova essencial à defesa; que a sentença utilizou fundamentos frágeis, sem o necessário esclarecimento dos fatos por meio das provas requeridas; que o art. 442 do CPC admite a produção de prova testemunhal, não havendo justificativa legal para o indeferimento; que houve violação ao contraditório e ampla defesa.
Pediu nestes termos, o recebimento do recurso, concessão da gratuidade da justiça, provimento da apelação com a consequente cassação da sentença para retorno dos autos à Vara de Origem, a fim de que seja saneado o feito e realizada audiência de instrução e julgamento para oitiva de testemunhas.
Também, em síntese, a apelada (evento 47, CONTRAZ1) alega que a apelação não deve ser conhecida por deserção, pois foi interposta sem o recolhimento do preparo e o pedido de gratuidade de justiça já havia sido indeferido no primeiro grau; que, caso superada essa preliminar, ainda assim o recurso não merece provimento, pois não houve cerceamento de defesa, tendo sido oportunizada a manifestação das partes sobre as provas pretendidas; que a matéria é eminentemente documental e o juízo entendeu desnecessária a oitiva de testemunhas, sendo a prova testemunhal, no caso, irrelevante e protelatória; que não há elementos que sustentem a alegada falsidade de assinatura e tampouco foi requerida perícia; que a sentença deve ser mantida integralmente e requer a fixação de honorários recursais.
O processo seguiu os trâmites legais.
É o relatório do essencial.
VOTO
Cinge-se a controvérsia recursal à análise da sentença que julgou procedente a ação de cobrança ajuizada pela Cooperativa de Transporte de Cargas de Seara – COOPERSEARA em face de J.G. de Souza Transportes e Representações Ltda., condenando a ré ao pagamento de valores decorrentes de alegados prejuízos no transporte de mercadorias e de multa contratual prevista em termo de resilição.
A apelante sustenta que houve cerceamento de defesa, uma vez que o juízo de origem julgou antecipadamente a lide, sem oportunizar a produção de prova testemunhal previamente requerida. Alega, ainda, violação ao princípio da não surpresa, pois, após despacho determinando a especificação das provas (evento 29), o magistrado proferiu sentença sem analisar as manifestações das partes nem designar audiência de instrução. Busca, assim, a reforma da sentença, com o retorno dos autos à origem para o regular saneamento do feito e a realização de audiência de instrução e julgamento, a fim de assegurar o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa.
Passo à análise dos argumentos levantados.
De início, defiro a justiça gratuita em favor da apelante.
Conforme reconhecido na decisão de agravo interno (evento 27, DESPADEC1), proferida por este relator, foi comprovado nos autos que a empresa agravante encontra-se inapta junto à Receita Federal do Brasil, conforme certidão anexada noevento 22, DOC3. Tal condição permite pressupor o encerramento das atividades empresariais, impossibilitando-a de exercer quaisquer atos de comércio ou de gerar receita.
Diante dessa comprovação específica da inaptidão da pessoa jurídica, que se equipara à demonstração de insuficiência de recursos, entende-se que o benefício da justiça gratuita deve ser deferido à apelante.
Assim, acolho a preliminar para conceder à apelante os benefícios da justiça gratuita.
A apelante alega cerceamento de defesa e violação ao princípio da não surpresa, argumentando que o juízo, após despacho que indicava a necessidade de especificação de provas e a existência de versões opostas, proferiu sentença sem oportunizar a produção de prova testemunhal.
É certo que o Código de Processo Civil, em seus artigos 9º e 10, consagra o princípio da não surpresa e o direito ao contraditório, vedando decisões surpresa e assegurando às partes a oportunidade de influenciar o resultado da causa. O cerceamento de defesa ocorre quando há supressão indevida de produção de prova essencial ao deslinde da controvérsia, resultando em prejuízo à parte.
Todavia, a produção probatória – especialmente a de natureza testemunhal – não consubstancia direito absoluto, devendo sua admissibilidade ser apreciada à luz da utilidade e necessidade para o deslinde da controvérsia (art. 355 do CPC). Compete ao magistrado, na condição de destinatário da prova, aferir sua pertinência e suficiência.
No caso em exame, a controvérsia gira em torno de suposta falha na prestação do serviço de transporte de carga perecível, com destaque para a manutenção inadequada da temperatura durante o trajeto. A sentença recorrida fundamentou-se nos relatórios de temperatura constantes dos autos (evento 1, DOC7), elaborados por empresa de monitoramento, que registraram, de forma objetiva e automatizada, as variações térmicas no compartimento de carga ao longo do transporte. Tais documentos se apresentam idôneos e suficientes à comprovação das condições em que se deu o transporte.
A prova testemunhal requerida pela apelante, embora pudesse versar sobre aspectos periféricos, como o conhecimento do motorista acerca da temperatura, a divergência de assinaturas ou o estado da carga após a recusa, não teria o condão de infirmar os dados técnicos extraídos dos sensores de temperatura. Estes, por sua natureza contemporânea aos fatos e dotados de precisão técnica, prevalecem sobre eventuais depoimentos sujeitos a limitações de memória ou interesse subjetivo.
A jurisprudência tem entendido que "não há cerceamento de defesa quando o juiz, destinatário da prova, entende suficientes os documentos constantes dos autos e julga antecipadamente a lide, indeferindo diligências desnecessárias ou protelatórias (CPC, arts. 355, I; 370 e 371)" (TJSC, Apelação n. 5021473-59.2024.8.24.0005, do , rel. Des. Alex Heleno Santore, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 16-09-2025).
Dessa forma, não se verifica prejuízo à parte recorrente, razão pela qual rejeito a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa e violação ao princípio da não surpresa.
No mérito, a sentença deve ser integralmente mantida.
É incontroverso que as partes estavam vinculadas por contrato de transporte e que a carga de frios foi transportada pela apelante. A recusa da mercadoria pelo destinatário, em razão da inadequação da temperatura, também é fato não contestado de forma eficaz.
Os arts. 749 e 750 do Código Civil consagram a responsabilidade objetiva do transportador, a qual independe da comprovação de culpa, bastando a existência do dano e do nexo causal com a conduta do transportador.
No caso, a falha na prestação do serviço é evidente. Os relatórios de temperatura (evento 1, DOC7) demonstraram que a carga perecível foi transportada em condições térmicas inadequadas, muito acima do recomendado, o que culminou na sua recusa. O fato de a carga ter sido posteriormente comercializada por valor inferior não afasta a responsabilidade da transportadora, mas apenas demonstra uma tentativa de minoração do prejuízo, que de fato ocorreu e foi suportado pela apelada.
As demais alegações recursais, como a suposta divergência de assinaturas em termo de responsabilidade ou a ausência de rubrica em contrato de rescisão, não têm o condão de afastar a responsabilidade objetiva, que decorre da inobservância do dever legal de entrega da carga em condições adequadas, sendo tais elementos contratuais meramente acessórios.
Sobre o tema:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. TRANSPORTE RODOVIÁRIO. CARGA NÃO ACONDICIONADA NA TEMPERATURA EXIGIDA. RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. PRELIMINAR EM CONTRARRAZÕES SUSCITADA PELA PARTE ADVERSA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE NO RECURSO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA. INSUBSISTÊNCIA. DEVOLUÇÃO DA MATÉRIA DEBATIDA NO PRIMEIRO GRAU. ATENDIMENTO AO DISPOSTO NO ART. 1.010, II E III, DO CPC. REGULARIDADE FORMAL DO RECURSO EVIDENCIADA. MÉRITO. PLEITO VISANDO A REFORMA DA SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE CUMPRIMENTO INTEGRAL DO CONTRATO. INSUBSISTÊNCIA. VIGILÂNCIA AGROPÉCUÁRIA QUE CONSTATOU NO CAMINHO AVARIAS NAS FRUTAS TRANSPORTADAS. OSCILAÇÃO DE TEMPERATURA NO TRANSPORTE. RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR. INAPLICABILIDADE DO PRAZO DE 10 DIAS PARA RECLAMAÇÃO DOS VÍCIOS PELA DESTINATÁRIA (ART. 754, PARAGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL), EM RAZÃO DOS VÍCIOS TEREM SIDO CONSTATADOS ANTES DE CHEGAR AO DESTINO. PLEITO SUBSIDIÁRIO PARA RECEBIMENTO DO FRETE DE RETORNO. INSUBSISTÊNCIA. RETORNO DA MERCADORIA À ORIGEM QUE SE DEU EM FACE DE ATO INDEVIDO DO TRASPORTADOR QUE DESCUMPRIU SUA OBRIGAÇÃO DE GARANTIR INTEGRIDADE DA CARGA. PLEITO DE MINORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INSUBSISTÊNCIA. DEMANDA QUE IMPLICOU PRODUÇÃO DE PROVAS DOCUMENTAIS POR PARTE DA REQUERIDA E OITIVA DE TESTEMUNHAS POR CARTA PRECATÓRIA QUE JUSTIFICAM FIXAÇÃO DA PORCENTAGEM ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. HONORÁRIOS RECURSAIS FIXADOS EM FAVOR DOS APELADOS. TEMA 1.059. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0300233-68.2016.8.24.0017, do , rel. Des. Denise Volpato, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 08-04-2025)
A sentença, portanto, mostra-se alinhada à legislação vigente e à jurisprudência consolidada, razão pela qual deve ser mantida.
Nestes termos, dou parcial parcial provimento ao recurso, apenas para deferir os benefícios da justiça gratuita à apelante, mantendo-se, no mais, a sentença em todos os demais termos.
Diante do parcial provimento do recurso, deixo de fixar honorários recursais (Tema n. 1.059/STJ).
Por fim, para viabilizar a interposição de recurso às Cortes Superiores, ficam desde já devidamente questionadas todas as matérias infraconstitucionais e constitucionais suscitadas pelas partes. Ressalta-se que não é necessária a citação numérica dos dispositivos legais, sendo suficiente que a questão tenha sido debatida e decidida por este TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5032555-53.2021.8.24.0018/SC
RELATOR: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA
EMENTA
DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGA PERECÍVEL. sentença de procedência. insurgência do réu. justiça gratuita. acolhimento. comprovação de encerramento das atividades empresariais. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. INOCORRÊNCIA. PROVAS DOCUMENTAIS SUFICIENTES AO DESLINDE DA CONTROVÉRSIA. RELATÓRIOS DE TEMPERATURA IDÔNEOS E CONTEMPORÂNEOS AOS FATOS. DESNECESSIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL. PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. INOBSERVÂNCIA NÃO CONFIGURADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO TRANSPORTADOR. FALHA NA MANUTENÇÃO DA TEMPERATURA ADEQUADA DURANTE O TRANSPORTE. DANO E NEXO CAUSAL COMPROVADOS. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. sentença PARCIALMENTE REFORMADA. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. TEMA N. 1.059 DO STJ. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1- O julgamento antecipado da lide não configura cerceamento de defesa quando os elementos documentais são suficientes à formação do convencimento do julgador.
2- A prova testemunhal é prescindível quando incapaz de infirmar dados técnicos e objetivos constantes dos autos.
3- O transportador responde objetivamente pelos danos causados à carga, bastando a comprovação do dano e do nexo causal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Câmara de Direito Civil do decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, unicamente para deferir os benefícios da justiça gratuita à apelante, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6958337v5 e do código CRC 8d75d6e9.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA
Data e Hora: 11/11/2025, às 18:19:42
5032555-53.2021.8.24.0018 6958337 .V5
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:21:31.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 17/11/2025
Apelação Nº 5032555-53.2021.8.24.0018/SC
RELATOR: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA
PRESIDENTE: Desembargadora ELIZA MARIA STRAPAZZON
PROCURADOR(A): BASILIO ELIAS DE CARO
Certifico que este processo foi incluído como item 81 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 15:39.
Certifico que a 8ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 8ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, UNICAMENTE PARA DEFERIR OS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA À APELANTE.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA
Votante: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA
Votante: Desembargadora ELIZA MARIA STRAPAZZON
Votante: Desembargador Substituto MARCELO PONS MEIRELLES
JONAS PAUL WOYAKEWICZ
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:21:31.
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