Decisão TJSC

Processo: 0000299-55.2018.8.24.0081

Recurso: Recurso

Relator: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO

Órgão julgador:

Data do julgamento: 6 de outubro de 2017

Ementa

RECURSO – Documento:7019871 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 0000299-55.2018.8.24.0081/SC RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO RELATÓRIO No Juízo da Vara Única da Comarca de São Domingos, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de L. F. P. , pela prática, em tese, da infração penal contra a vida prevista no art. 121, § 2º, III, do Código Penal, em razão dos fatos assim narrados na inicial acusatória (evento 8, DOC67): No dia 6 de outubro de 2017, sexta-feira, por volta da 0h30min, no interior da residência familiar pertencente à vítima e edificada à Rua Toldinho, n. 237, bairro Centro, no Município de Entre Rios-SC, o denunciado L. F. P., agindo com evidente animus necandi, matou V. B., seu sogro1 , ao nele desferir socos e pelo menos 29 (vinte e nove) golpes com uma faca artesanal, atingindo-o principalmente na ...

(TJSC; Processo nº 0000299-55.2018.8.24.0081; Recurso: Recurso; Relator: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 6 de outubro de 2017)

Texto completo da decisão

Documento:7019871 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 0000299-55.2018.8.24.0081/SC RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO RELATÓRIO No Juízo da Vara Única da Comarca de São Domingos, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de L. F. P. , pela prática, em tese, da infração penal contra a vida prevista no art. 121, § 2º, III, do Código Penal, em razão dos fatos assim narrados na inicial acusatória (evento 8, DOC67): No dia 6 de outubro de 2017, sexta-feira, por volta da 0h30min, no interior da residência familiar pertencente à vítima e edificada à Rua Toldinho, n. 237, bairro Centro, no Município de Entre Rios-SC, o denunciado L. F. P., agindo com evidente animus necandi, matou V. B., seu sogro1 , ao nele desferir socos e pelo menos 29 (vinte e nove) golpes com uma faca artesanal, atingindo-o principalmente na região do tórax, os quais resultaram nos ferimentos descritos no laudo pericial cadavérico de fls. 38-422 e que foram causas eficientes de sua morte por choque hipovolêmico. Para alcançar o resultado, o denunciado L. F. P. empregou meio cruel em suas ações, causando intenso e desnecessário sofrimento à vítima V. B., que foi atingida por pelo menos vinte e nove golpes em todas as regiões de seu corpo. Encerrada a instrução processual e apresentadas alegações finais pelas partes, sobreveio decisão de pronúncia, que admitiu a pretensão acusatória, para submeter o acusado a julgamento Popular pelo suposto cometimento do crime de homicídio qualificado, nos exatos termos descritos na peça vestibular (evento 247, DOC1). Inconformado, o réu interpôs Recurso em Sentido Estrito, o qual, à unanimidade, foi conhecido e desprovido por esta Câmara Criminal, que manteve a decisão de pronúncia nos seus exatos termos (evento 270, DOC1). Realizado o julgamento em sessão plenária, o Conselho de Sentença acatou integralmente a versão do Ministério Público, para condenar o réu pela prática do delito de homicídio qualificado pelo meio cruel (art. 121, § 2º, III, CP). A par do julgamento externado, o Magistrado presidente decidiu (evento 497, DOC1): Ante o exposto, por força da decisão do Conselho de Sentença, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a denúncia formulada pelo Ministério Público para CONDENAR o réu L. F. P., ao cumprimento da pena de 12 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, por infração ao art. 121, § 2º, III, do Código Penal. A pena privativa de liberdade imposta ao acusado deverá ser cumprida inicialmente em regime fechado, segundo o disposto no art. 33, § 2º, "a", do Código Penal. Irresignado, o acusado interpôs o presente recurso de apelação, em cujas razões postula a realização de novo julgamento, pois a decisão dos jurados, ao afastar a legítima defesa, apresentou-se como manifestamente contrária à prova dos autos (evento 540, DOC1). Em contrarrazões, o Ministério Público propôs o desprovimento do apelo, com a manutenção incólume da sentença recorrida (evento 544, DOC1). Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Dra. Procuradora Rosemary Machado, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 14, DOC1). Este é o relatório. assinado por ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7019871v2 e do código CRC 585eff85. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO Data e Hora: 13/11/2025, às 18:09:14     0000299-55.2018.8.24.0081 7019871 .V2 Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:30:29. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Documento:7019872 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 0000299-55.2018.8.24.0081/SC RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO VOTO Trata-se de recurso de apelação interposto por L. F. P. contra a decisão proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de São Domingos que, considerando o julgamento externado pelo Tribunal do Júri, condenou-o à pena privativa de liberdade de 12 (doze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, por infração ao disposto no art. 121, § 2º, III, do Código Penal.   1. Dos fatos Consta do caderno processual, em suma, que na data de 06/10/2017, por volta das 0h30min, no interior da residência localizada na Rua Toldinho, n. 237, Bairro Centro, Município de Entre Rios/SC, o acusado, devido a desavenças de ordem familiar, matou  V. B., seu sogro, mediante golpes de arma branca (uma faca artesanal), desferindo, contra a vítima, 29 (vinte e nove) golpes, principalmente na região do tórax, causando-lhe lesões que foram a causa determinante do óbito.  Por tais razões, o Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de L. F. P., dando-o como incurso na sanção do art. 121, § 2º, III, do Código Penal.  Encerrada a instrução processual e apresentadas alegações finais pelas partes, sobreveio decisão de pronúncia, que admitiu a pretensão acusatória, para submeter o acusado a julgamento Popular pelo suposto cometimento do crime de homicídio qualificado, nos termos descritos na peça vestibular (evento 247, DOC1). Inconformado, o réu interpôs Recurso em Sentido Estrito, o qual, à unanimidade, foi conhecido e desprovido por esta Câmara Criminal, que manteve a decisão de pronúncia nos seus exatos termos. Realizado o julgamento em sessão plenária, o Conselho de Sentença acatou integralmente a versão do Ministério Público, para condenar o acusado pela prática do delito de homicídio qualificado pelo meio cruel (art. 121, § 2º, III,  CP). A par do julgamento externado, o Magistrado presidente definiu a reprimenda de 12 (doze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial fechado (evento 497, DOC1).   2. Admissibilidade O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual comporta conhecimento.   3. Mérito: Da pontuada decisão manifestamente contrária à prova dos autos A defesa aduz que a decisão dos jurados, ao afastar a tese de legítima defesa (excludente de ilicitude), divorciou-se completamente das provas dos autos. Para sustentar a justificante, arrazoa, em suma, que "o apelante inicialmente agiu para proteger sua esposa e, posteriormente, para se defender, caracterizando assim sua conduta como legítima defesa". Acrescenta, ademais, que "na data do julgamento, o apelante afirmou que não foi o autor de todos os golpes de faca desferidos contra a vítima, alegando categoricamente que desferiu dois ou três golpes e, em seguida, se evadiu do local" e que "não há testemunha ocular ou outra prova pericial qualquer que comprove que apelante foi o autor de todas as facadas". O pedido, todavia, não comporta acolhimento.  Como se sabe, o princípio constitucional da soberania dos vereditos e, por consequência, a legislação processual penal, estabelecem a delimitação da atuação do Judiciário, sendo vedado ao juízo ad quem reformar o decidido pelo Tribunal do Júri. Inobstante, se a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos, é possível que a Corte de Justiça revisora, somente nesse caso, anule o veredito do Conselho de Sentença e submeta o acusado a novo julgamento (art. 5º, XXXVIII, "c", da Constituição Federal e art. 593, III e § 3º, do Código de Processo Penal). De forma específica, relativamente à contrariedade do pronunciamento com o conjunto probatório do caderno processual, como é cediço, descabe valoração e sopesamento de provas, competindo ao Juízo ad quem apenas uma análise a fim de verificar se a deliberação do Conselho de Sentença encontra suporte nos autos, ainda que mínimo. Tal entendimento, naturalmente, visa preservar a decisão soberana proferida pelo Tribunal do Júri. No que concerne à hipótese insculpida no art. 593, III, "d", do Código de Processo Penal, leciona a doutrina de Renato Brasileiro de Lima: [...] para que seja cabível apelação com base nessa alínea e, de modo a se compatibilizar sua utilização com a soberania dos veredictos, é necessário que a decisão dos jurados seja absurda, escandalosa, arbitrária e totalmente divorciada do conjunto probatório constante dos autos. Portanto, decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela que não encontra nenhum apoio no conjunto probatório, é aquela que não tem apoio em nenhuma prova, é aquela que foi proferida ao arrepio de tudo que consta dos autos, enfim, é aquela que não tem qualquer prova ou elemento informativo que a suporte ou justifique, e não aquela que apenas diverge do entendimento dos juízes togados a respeito da matéria. (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 9ª edição revista, ampliada e atualizada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2021. pág. 1517). A decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela em que a deliberação realizada pelos jurados divorcia-se completamente dos elementos de convicção presentes nos autos. Em outros termos, existindo amparo, ainda que ínfimo, no substrato probatório amealhado ao feito, incabível a cassação do julgamento proferido pelo juízo natural dos crimes contra a vida. Estabelecidas essas premissas, diversamente do aventado pela defesa, extrai-se do caderno processual arcabouço probatório que ampara a decisão do Conselho de Sentença. No caso em apreço, a materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria emergem do inquérito policial de n. 272.17.00027, em especial do boletim de ocorrência, do termo de apreensão, da certidão de óbito, do relatório de investigação, do laudo pericial cadavérico, do laudo pericial em local do crime (todos anexos ao evento 1), bem como da prova oral colhida durante a persecução penal.  Os depoimentos produzidos na etapa judicial, no sumário da culpa, foram devidamente apontados na sentença de pronúncia e guardam fidedignidade às mídias constantes nos autos, de modo que, a fim de conferir celeridade processual e evitar qualquer tipo de exercício de tautologia, aproveito os resumos das declarações, confira-se: Na audiência de instrução, a testemunha Sérgio Covatti Crespi respondeu que: Eu era agente de polícia civil do estado de Santa Catarina atuando na delegacia de polícia civil de Xaxim; eu me recordo do fato, de algumas coisas, faz bastante tempo. Eu estava de plantão na delegacia quando fui chamado para atender um local de crime de homicídio na cidade de Entre Rios, um seria no caso a vítima o Valdir. Então eu me desloquei juntamente com o IGP e com o IML, chegamos ao local já vi uma guarnição da polícia militar fazendo o local de crime, a segurança, o isolamento da área. Eu recordo então de… não sei se, bom, se seria essa minha vinculação com o caso, se eu poderia continuar contando; inicialmente então eu entrevistei… chegando no local do crime ali, a esposa da vitima que me referiu que ela não presenciou o fato, que ela estaria dormindo no momento do ocorrido ali, mas que ela acordou com um barulho e ao sair do quarto ela teria se deparado com investigado no caso o Luiz, deixando o local do fato com os braços ensanguentados e portando uma faca, uma coisa assim, ela teria justificado que ela demorou para acordar porque ela tomava medicamento para dormir, isso seria o que ela teria dito na ocasião. Após entrevistei a filha dela, que seria companheira ou namorada do acusado ali, do Luis, e ela teria nos relatado então que a confusão teria iniciado na sala no momento em que o pai dela supostamente iria agredi-la e o Luiz ali, teria não gostado da situação e tomado aquela situação ali com a vítima e teria desferido um soco no rosto da vítima inclusive fazendo perder supostamente um dente ali e tendo sangramento. Essa briga evoluiu para a cozinha, mas restou por isso ele trocaram algumas ofensas ali, algumas agressões físicas e cessado, aí ela teria retornado para o quarto junto com o Luiz e o Valdir supostamente teria ido no jardim, pego uma ferramenta de jardinagem e coisa assim e retornado para tirar satisfação com o Luiz enfim, para continuar a briga porque segundo a filha ali, acho que era Tamara o nome dela, não me recordo, ele teria bebido né. Aí nesse momento, o Luiz ali segurou a porta, ele tava com aparentemente uma faca de cozinha, uma faca, enfim, ali no quarto e teria dado seguimento a confusão que culminou com a morte, ali, do Valdir. Seria mais ou menos esse o contexto que a Tamara passou, eu recordo que a entrada da casa se dava pela porta da cozinha e que já entrando no local tu via muito sangue né, o sangue na cozinha, o sangue ele fazia… ele circundava a mesa da cozinha como se alguém tivesse correndo atrás de outra pessoa, porque havia pegadas no sangue, nas manchas de sangue ao redor da circunferência da mesa da cozinha e também havia fios de sangue na geladeira e em outros locais da cozinha, bastante sangue. E o corpo ele se encontrava na sala, e a sala para a cozinha tinha uma abertura, ela não tinha porta era só um arco, e o corpo estava na sala também com diversos ferimentos de faca e muito sangue também. Seria mais ou menos isso que eu me recordo; [...] Eu recordo que nós entramos pela garagem e a garagem tinha duas portas laterais, uma que era da sala, onde o corpo estava, e uma que era pela cozinha. A porta da sala tava trancada né, então nos entramos a porta da cozinha que estava aberta, então basicamente tu ingressava ali pela cozinha a direita tinha a sala onde o corpo estava, sem divisórias ali era uma abertura em arco né sem portas, ai tinha se eu não me engano tinha uma espécie de corredor e agora não recordo se era dois ou três quartos; a não assim ó, só basicamente… tinha bastante gente e vizinhos e todos comentavam que a foi o Luiz, foi o Luiz né, era o que o pessoal dizia ali, mas em entrevista específica com a Tamara que seria a mais velha, porque os outros eram menores, a gente acabou não entrevistando, eram muito pequenas as crianças, até para não traumatizar, enfim, mas quem eu associei foi a Tamara, só ela comentou isso e a mãe dela, no caso a esposa da vítima, ela não comentou muito, porque, segundo ela, ela só teria visto a cena final ali né, então ela não sabia informar se ele estava alterado ou não; num primeiro momento sim, ela não chegou a relatar o estado de ânimo do Luiz né, ela só comentou que devido ao início, que o Boldi tentou dar um tapa na Tamara enfim, que ele teria se alterado nesse momento né, digamos, em relação à agressão que a Tamara teria sofrido ali; ela comentou que ele havia ingerido bastante bebida alcoólica.(Mídia de evento 230). Em juízo, a esposa da vítima, Loreci Norberto Boldi, afirmou que: Estava casada com a vítima há dezessete anos quando ele faleceu; O pior é que eu não lembro, eu fiquei internada um tempo por depressão e eu tava a base de medicamento; Só vi quando ele tava morto; o acusado era casado com uma filha da depoente, mas não é mais; a vítima e o acusado não tinham rixa [...] (Mídia de evento 195). A despeito de dizer que não se lembra dos fatos, na fase policial a depoente afirmou que: [...] por volta das 20h00min, jantou, tomou remédio para dormir, como faz há 3 anos; Que foi se deitar cedo e em cerca de 5 minutos dormiu em razão da medicação; Que por volta da 00h40min, a depoente acordou com gritos de discussão entre Valdir e Luiz Fernando; Que a depoente, ainda deitada, gritou para sua filha, Tamara, para que fosse até a casa de Ronivaldo para que o chamasse para intervir na discussão; Que a depoente havia tentado ligar para Ronivaldo, mas como não conseguiu realizar a chamada, pediu para que Tamara fosse pessoalmente; Que quando Tamara já havia saído, a depoente ouviu um barulho forte, e logo pensou que a estante da sala havia caído sobre seu marido, pois há alguns meses Valdir passava o dia e a noite sob efeito de álcool, sempre muito embriagado; Que a depoente se levantou e foi até a sala, sendo que no corredor que leva a cozinha e a sala, deparou-se com Luiz Fernando saindo, sem camisa, com as mãos ensanguentadas e com uma faca em punho; Que a depoente perguntou a Luiz Fernando se ele havia se cortado, pois ele tinha o hábito de se mutilar os braços; Que Luiz Fernando nada disse à depoente, embarcou em sua motocicleta e saiu em alta velocidade em direção à Linha Aparecida, levando a faca consigo; Que a depoente foi até a sala, onde viu seu marido caído e todo ensanguentado e com muito sangue em roda dele; Que a depoente foi verificar se havia pulsação no braço de Valdir, mas não conseguiu captar nenhum batimento, ele já havia falecido; Que havia sangue sobre vários móveis daquele cômodo; Que a depoente passou a gritar muito, fazendo com que seus filhos, Tainara Boldi (11 anos) e Cristiano Boldi (9 anos), acordassem; Que as duas crianças foram até a sala e se deparam com aquela cena; Que logo em seguida, Ronivaldo chegou ao local, e ao ver seu pai desfalecido, se apavorou; Que após se acalmar um pouco, Ronivaldo pegou seus dois irmãos mais novos e os levou para sua casa; Que Tamara chegou logo após a chegada de Ronivaldo e não quis seguir com este para sua casa, ficando ali com a depoente durante toda a noite; Que Ronivaldo foi quem acionou a polícia militar para informar o homicídio; Que não sabe se Tamara havia presenciado a discussão; Que a ferramenta apreendida no local, uma espécie de enxada de cabo curto, estava sob a posse de seu marido em uma discussão que ocorrera minutos antes dessa segunda discussão que ensejou a briga e a morte de Valdir; Que nessa primeira discussão, que teria ocorrido cerca de meia hora antes, a depoente foi até eles e pediu para se acalmarem, nesse momento Valdir já estava de posse da ferramenta, mas que a pedido da depoente, ele havia a deixado em algum lugar da residência; Que como eles haviam se acalmado, a depoente retornou para a cama, só acordando com a segunda discussão que resultou nos fatos acima declarados; Que em relação à faca que Luiz Fernando tinha em suas mãos, a depoente afirma não se tratar de nenhuma das que havia naquela residência, não a reconhecendo; Que a depoente acredita que Luiz Fernando já havia levado a faca consigo; Que Luiz Fernando tinha o hábito de ir com facas em sua casa; Que geralmente Luiz Fernando andava portando facas; Que de um facão Luiz Fernando Fazia uma adaga; Que adaga era o tipo de faca que Luiz Fernando costumava portar; Que como a depoente não presenciou os fatos, não sabe se a atitude de Luiz Fernando foi para se defender ou unicamente para atacar a vitima. (Evento 1, doc. 10-11) Em depoimento especial, a filha da vítima, Tamara Boldi, respondeu que: A gente morava, tipo eu morava numa casa e meu pai morava em outra, não tinha máquina de lavar roupas, ai eu levava as roupas para lavar na casa do meu pai. Aí a gente tinha ido lavar as roupas, eu lavei as roupas, e daí tava dobrando para levar para casa, aí era umas 17:30/18:00 da tarde, o Luiz Fernando chegou em casa, ele trabalhava junto com meu pai. Ele chegou em casa, aí a gente tava ajeitando nossas roupas para pegar e ir para nossa casa porque meu pai tava bebendo, aí ele falou que não, era para a gente jantar na casa dele, porque era para gente jantar lá. Daí ele pegou e foi e abaixou o portão e não deixou a gente ir para casa, daí a gente ficou lá. Dai quando meu pai bebia, ele tipo, ele não ficava agressivo, só ele ficava desaforando, ficava falando as coisas. Aí ele pegou e... A gente tava jantando e tudo, e ai a gente começou brigar, eu e ele, porque tipo, eu não entendia sabe, quando ele tava são ele era mil maravilhas, a gente convivia, a gente brincava, a gente saía junto, mas quando ele bebia a gente sempre tinha uma desavença, sempre, sempre. Aí a gente começou brigar, aí fui deitar, a gente foi deitar, mas daí ele foi lá no quarto e falou para mim levar, que era para eu levantar, aí levantei, e fui e sentei numa cadeira de bambu que tinha lá. Eu to contando as partes que lembro, porque já faz muito tempo, e algumas partes eu não lembro muito; Aí eu e o Luiz Fernando fomos sentar em uma cadeira de bambu que tinha na sala, perto da televisão, aí meu pai foi lá me incomodar de novo, daí eles começaram a brigar entre eles, eu acho que o pai quis me bater, ele quis me pegar pelo cabelo, aí o Luiz Fernando foi e deu um soco no rosto dele, que ele caiu deitado no sofá, aí foi onde tudo começou. Quando a gente discutiu meu pai ficou bravo e quis me bater, aí ele quis me pegar pelos cabelos, e Luiz Fernando, acho que tentando me defender, deu soco nele, aí meu pai caiu no sofá, mas ele levantou, daí ele foi até a dispensa onde a gente guardava um machadinho de corta graveto e pegou aquilo lá, daí foi até ele, até o Luiz Fernando, daí o portão trancado e não tinha como a gente sair de lá de dentro, daí eu peguei e... Daí o Luiz Fernando entrou dentro do quarto onde a gente dormia e o pai ficou na sala, e eu fiquei entremeio a porta para ninguém entrar e ninguém sair, eu não queria que acontecesse nada. Aí meu pai começou a falar para mim ligar para o meu irmão mais velho, e aí eu comecei a ligar e ligar, eu liguei umas 15 (quinze) vezes, e ele não atendeu. Naquele mesmo dia minha cunhada tinha faculdade lá em Xaxim, ela fazia faculdade de Educação Física, mas ele já tava em casa, aí o meu irmão não atendia, não atendia e não atendia. Aí meu pai pegou e falou que era para eu chamar ele, que meu pai não ia fazer nada, não ia fazer nada e era para eu chamar ele. Aí eu peguei e a Tainara e Cristiano que eles eram mais pequenos e coloquei eles na porta, porque eu sabia que o meu pai não ia machucar eles para entrar, não ia. E nisso tudo a minha mãe tava sentada lá na janela fumando um cigarro, ela tava sentadona numa cadeira de plástico fumando um cigarro na janela, aí eu peguei deixei meus dois irmãos na porta e sai correndo, peguei abri o portão e sai correndo, para ir chamar meu irmão, porque meu pai me falou que se eu chamasse meu irmão não ia acontecer nada, ele ia lá e resolver tudo, e ia ficar naquilo. Aí eu peguei e saí correndo para chamar meu irmão, quando eu cheguei na casa dele comecei a bater palma e gritar, mas ele não aparecia, aí teve uma hora que ele acendeu uma luz, naquele mesmo momento o Luiz Fernando apareceu de moto, aí ele pegou e falou que tinha matado o meu pai. Daí aquela hora tipo, parece que o mundo da gente desaba, a gente não entende o que tá acontecendo, parece que a gente saí de si, aí eu fiquei.... Daí eu saí correndo e fui para casa, não, eu não peguei e fui para casa, eu gritei para o meu irmão, na hora que ele saiu na porta eu falei "o Luiz Fernando matou o pai", aí tipo ele, mesmo sem entender nada, pegou o carro e foi lá em casa, aí eu saí correndo e fui atrás dele. Daí quando eu cheguei em casa, o meu pai tava caído, no mesmo lugar onde a gente tava sentado, ele tinha esfaqueado o meu pai. Eu não entendo, aquele dia que a gente pensa mil vezes na pessoa que a gente põe dentro de casa, ai eu fiquei assim, mas só que eles se davam muito bem, momentos antes de tudo isso acontecer eles tavam jogando bola, tipo, depois ninguém entendeu, ninguém entendeu o que tinha acontecido ali, porque teve gente que passou 23h na frente da nossa casa e eles tavam jogando bola na área, tavam brincando, ninguém entendeu o que aconteceu naquele momento, tavam jogando bola com o Cristiano e meu pai, e tavam brincando lá na área. Daí teve gente que perguntou se eles não tinham brigado antes e não sei o que, entre eles, eles não brigaram, fui eu e meu pai que discutimos, foi só nós dois. Aí quando eu cheguei meu pai tava morto o, naquela hora foi foda, poque tipo... Vou contando e você vai tentando juntar aí tá? Daí, uns minutos antes, já tinha dado uma encrenca com a minha mãe e meu pai, meu pai tava brincando com meu irmão e acabou machucando ele, daí meu pai era fanático por ele, porque ele era o menino mais novo. Aí minha mãe ligou para a polícia, e a policia foi até lá em casa, pegou e viu os dois né, aí o policial pegou e olhou para cara do pai e falou que era para ele largar mão de ser beudo e para de fica enchendo o cu de cachaça, que se resolvia tudo, aí meu pai tava alcoolizado, daí meu pai falou que não, que para evitar confusão era para eles levarem ele e manter ele lá por uma noite, no outro dia minha mãe pegava e ia cedo buscar ele né, pagava se tivesse que pagar alguma coisa, mas ia buscar ele, aí eles falaram que não que só era para parar de encher o cu de cachaça. Aí os mesmos policiais que foram aquela horas da noite lá falar com eles, foram os mesmo que foram atender a ocorrência dele morto, aqueles cara devem ter ficado um peso na consciência muito grande, mas doeu cara, meu Deus, hoje eu olho para os meus irmãos e fico puta que pariu. Olha eu sou eu, hoje eu sou mãe, obrigada meu Deus por ser mãe e por cuidar dos meus irmãos, mas poxa eu sempre tive o sonho de fazer uma faculdade e hoje eu não tenho condições de fazer uma faculdade, porque eu não tenho mais meu pai, a Tainara e o Cristiano, o futuro deles é o que??? Eu trabalho, eu ganho seiscentos reais meio-dia, mas eu não vou ter condições de pagar uma faculdade para eles, coisa que eles mereciam, coisa que o meu pai ia dar para eles, ia dar para mim, tipo, ia ser uma vida maravilhosa, hoje eu vivo uma vida maravilhosa sabe, mas só que não sou formada em nada, trabalho como faxineira meio-dia, eu não tenho vergonha do meu serviço, eu digo graças a Deus porque eu consigo comprar as coisas para os meus irmãos sabe, mas é uma falta tão grande, eu sinto por eles, eles sentem uma falta... Eles querem ter uma presença, é que nem tipo, às vezes eu brigo com a minha irmã e ela chora muito porque tipo, a mãe abandonou eles, porque ela mesmo falou que não quer os filhos dela, o pai a gente não tem, aí quando acontece uma briguinha assim e eu já não falo direito com ela, ela chora, porque eles sentem falta, eu odeio, odeio ver eles mendigando atenção da mãe, tá certo que ela é nossa mãe, mas pô, cara, a hora que a gente mais precisou ela virou as costas; Fazia três meses que o pai tinha morrido, ela já ia em festa, antes ainda, fez um mês ela já ia em festa, três meses ela já começou namorar, levou o cara para dentro de casa, e... Quantos homens já passaram por aquela casa senhor. Aí por último ela abandonou meus irmãos, eu fiz dezoito anos, ela abandonou eles, e desde os dezoito eu tenho eles comigo, desde os dezoito eu consigo manter eles, porque eu sei que eu sou capaz, eu acredito em mim e acredito neles, que daqui a algum tempo eles vão ter tudo que eles merecem. É muito grande a falta que sinto do meu pai, até para gente conversar, a gente conversava, brincava, a gente convivia, a gente era uma família, agora a gente é uma família, mas não é completa, porque às vezes eu fico olhando para o meu filho e pensando, como meu pai ia tá feliz por ter ele aqui, meu filho não ia parar comigo, porque meu pai ia viver levando ele para o garimpo, meu Deus, era o sonho dele, um neto piá. Ai meu irmão teve duas menina, mas ele amava elas do mesmo jeito, mas o meu nenê nasceu a cara do meu pai, eu olho para ele e fico tão feliz, foi isso que aconteceu naquela noite. Passou muito tempo cara, muito tempo, é tão ruim, a gente não poder dar um presente de dia dos pais, não poder fazer nada, eu ganho presente de dia dos pais, do dia das mães, eu ganho presente de aniversário, tipo eu ganho em todas as datas comemorativas, eu ganho dos meus irmãos, mas tipo é ruim, porque o Cristiano vive no meio da gente que é menina, ele não tem confiança em conversar com a gente sobre os assuntos de homem deles. A Tainara não fala tanto comigo né, que eles ficaram só na deles, mas a Tainara vai na psicologa toda segunda-feira, aí a gente desabafa um pouco né, mas o Cristiano não, ele não quis ir, eu incentivei ele e eu falei que era bom ele conversar, ele falou que não queria, ele prefere jogar bola, sair, brincar, tá certo que ele já é grande, mas ele gosta de brincar ainda, ele joga bola, e daí eu deixo. Tipo eu não tento ficar obrigando eles a fazerem as coisas, eles fazem se eles quiserem, mas eu sinto sozinha, porque nossa mãe não está nem aí para gente, nem aí não digo sabe, às vezes ela vem e conversa com a gente, mas tipo de presença assim. Às vezes eu sinto falta, às vezes eu não sinto, eu cansei de ficar mendigando carinho para ela, cansei sabe, de ela chegar lá em casa eu ficar igual um cachorrinho abandonado atrás dela, para ela pelo menos não sair sem me dar um abraço, eu falei "não piazada, vamos para de ser bobo, a gente fica mendigando o carinho dela, e hoje ela não tá nem aí para a gente". Ela ta morando com a minha tia, daí ela recebe o salário de aposento pela morte do pai, mas ela não pergunta se as crianças precisam de um tênis, se elas precisam de um roupa, ela só se importa com ela, as coisas para os meus irmãos sou eu que tenho que ir atrás, mas vai sair uma certa quantidade de dinheiro do garimpo, que tá saindo, que ele tá cuidando do nosso garimpo, mas não é uma quantidade fixa, tem mês que entra dinheiro, tem mês que entra mil reais, tem mês que entra quinhentos reais, a gente não tem uma coisa fixa, um dinheiro que seja dá gente. Pelo menos, eu trabalhando, fazendo meu servicinho pelo menos todo mês eu sei que eu vou ter os meus seiscentos reais, que eu vou poder comprar roupa para eles, que eu vou poder pelo menos pagar a ficha que a gente tem para comprar comida, nunca, nunca, eu tento o máximo possível nunca deixar faltar nada para eles, às vezes eu não tenho condição de comprar roupa para eles, todo mês, mas nunca deixei faltar comida para eles, nunca, nunca, nunca, nunca. Comida, atenção, carinho, essa coisas que bem dizer, são o principal para a gente, as roupas também, mas eles entendem que tem mês que não tem dinheiro. Teve um mês, logo que eu saí do serviço que a gente não tinha um pedaço de carne no freezer, não entrava dinheiro do garimpo, não entrava dinheiro de lugar nenhum, foi aí que eu comecei a trabalhar, aí eles deram valor para mim, porque aí eles viram que mesmo na dificuldade a gente sempre vai tá junto, eu nunca vou abandonar eles, nunca. Não posso acreditar que a Tainara tem dezesseis anos de idade, já tá um moça, me ajuda em tudo, tudo, tudo, ela limpa a casa, ela me ajuda a cuidar do nenê, o pia também me ajuda a fazer bastante coisa, mas só que ele gosta mais brincar, mexer no telefone, ele gosta de distrair, e eu deixo porque tipo é uma coisa que não deixa eles ficarem pensando muita coisa, mas só que logo que o pai morreu, ele não falou com ninguém, com ninguém, ele achou refúgio na comida, hoje ele tá grande, bem grande, porque tipo, ele não conversou com ninguém. No começo mandaram a gente ir para o acompanhamento psicológico, ele não quis ir, ele não conversava com ninguém sobre isso, ele não queria falar nada, e daí a gente continuou morando na mesma casa que aconteceu tudo, até hoje a gente mora, tipo lá, não é que a gente sinta um presença ruim, só que fica meio pesado essas coisas assim, aconteceu tudo lá dentro mesmo, aí fica sei lá, quando eles saem de casa, que nem quando ele vai dormir na casa do nosso vô ele volta para que mais alegre, mas sei lá, mais livre, mas a menina não gosta de sair muito, e eu só fico em casa, às vezes eu fico triste, às vezes não, às vezes eu fico triste por ficar só em casa, e às vezes eu fico feliz por ficar só em casa. É muita briga por causa de herança, minha mãe e meu irmão dividiram as coisas entre eles, e venderam um pouco das coisas, aí minha mãe tava casada com um homem, não digo que ele é uma boa influência, porque ele não é, mas a minha mãe também não é muito boa influência porque senão ela não estava com ele. Aí venderam eucalipto que o pai tinha, venderam um caminhão que ele tinha lá em cima no garimpo, aí minha mãe deu todo o dinheiro para o homem que ela tava junto, meu irmão vai para escola cara, de manhã cedo de calção porque ela não tirou nem para comprar uma calça para o piá ir para a escola, ela nunca tirou... Ela nunca se importou com as crianças, que eu veja ela nunca se importou com eles, aí teve um dia que ela falou que ela não tinha filho, que ela não tinha filho. Ai hoje, quando me perguntam eu digo que eu sou filha do Bento, porque minha mãe fala que não tem filho, não tem nada, daí ela disse que ter filho é tão bom, mas tão bom que ela decidiu viver carreira solo, não quis ter, não quis ficar com a gente, mas só que ela bebia muito, tipo eu dei graça a Deus que ela ta saindo de lá cara, porque ela vivia bebendo e batendo nas crianças, batendo nas crianças não, mas às vezes ela batia, não era sempre, mas só que ela bebia e você não podia falar nada para ela que ela ficava mais agressiva, aí ela foi morar com a nossa tia, aí eu disse "obrigada meu Deus", menos uma incomodação, agora ela tá lá, não se arrepende de ter abandonado as crianças, mas esses dias atrás eu tava muito cansada e ofereci eles para ela de novo, porque agora ela não tá mais bebendo, ela falou que ela não queria, que era para mandar eles para o abrigo, aí eu não quis, não vou mandar eles para o abrigo nunca, eles podem fazer o que eles quiserem, mas eu não vou dá meus meninos, eles são meus, meus filhos; Deixa eu... Eu lembro da minha mãe sentada lá na cozinha e eu ponhando meus irmãos na frente da porta para ninguém passar, para não acontecer nada, eu não vi na hora. A Tainara viu tudo, eu tenho muito dó deles cara, muito dó, porque tipo, eles eram muito pequeno e a Tainara entrou em desespero ela não sabia o que fazer, até hoje, tipo ela não... Daí ela fica tipo, ela ficava se culpando, a se eu fizesse isso, não tinha acontecido, se eu fizesse aquilo, não tinha acontecido. É como eu, às vezes eu paro e penso, porque tipo eu sofri muito, muito, muito, depois que meu pai morreu, muito, até que eu fugi e fui morar com o Luiz Fernando, o cara que matou meu pai, mas tipo assim, sabe naquele momento em que ninguém te conforta, ninguém, ninguém, ninguém, todo mundo te julga. A minha mãe mesmo dizia que eu tinha mandado matar meu pai, porque foi meu marido que matou, então fui eu que mandei matar meu pai, que eu não gostava do meu pai, que isso, que aquilo, que eu só vivia nas custas do meu pai sabe, ficava jogando as coisas na cara. Aí o Luiz Fernando apareceu, quando ele pareceu ele começou a mandar mensagem dizendo que não, não tinha sido por minha culpa que aquilo tinha acontecido, não tinha sido minha culpa me confortando, naquele momento eu tão, tão desanimada com a vida que... Eu já tinha tentado me matar já, um monte de vezes, po cara o meu pai, o meu marido, tipo o meu tudo, um monte de coisa que bem dizer que, bem dizer ficou tudo nas minhas costas depois, porque eu fugi com ele e todo mundo da cidade começou a comentar que eu tinha mandando matar meu pai, que eu não gostava do meu pai, que eu queria ficar com todas as coisas do meu pai, se as pessoas de hoje vissem como a gente ficou depois que o meu pai morreu, eles não iam falar isso, o meu irmão hoje em dia bem dizer, tá rico, a gente tá lá, ele nunca pergunta se falta alguma coisa, se precisa de alguma coisa, não chega, tipo não troca uma palavra com a gente, só fala um "bom dia" ou "boa tarde" quando deposita dinheiro à vista, manda mensagem, mas nunca chegou a ir lá em casa conversar. Meu filho, ele nunca, tipo não digo que nunca viu, ele viu umas duas vezes, mas nunca chegou e conversou, nunca pegou no colo, nada, daquela noite eu só lembro disso... De ter saído correndo e ido atrás do meu irmão, quando eu cheguei em casa meu pai tava morto; É que tipo, a gente vivia brigando entre a gente, porque o meu pai gostava de jogar as coisas na cara, tipo, a você depende de mim, a porque você precisa do meu dinheiro, a porque eu faço compra para você. Aí a gente começou a brigar sobre assunto do meu nôno, porque teve uma vez que o meu nôno tava passando mal e aí meu pai foi na frente da casa dele, e ele tava bêbado, quando eles tavam carregando o meu nôno na ambulância, meu pai deu um tiro começou a brigar, acho que brigou com a irmã dele, discutiu, e ele deu um tiro para cima e aquilo atacou mais o meu nôno, no outro dia eles vieram avisar que o meu nôno tinha morrido e naquele momento da raiva, eu falei que ele tinha matado o nôno, e tipo, daí ele ficou com muito raiva, porque não foi isso que aconteceu, foi uma coisa que ele fez em questão de momento, questão de segundos, um ato que foi uma bobeira dele, tipo eu falei que tinha sido ele que tinha matado o nôno, aí ele já ficou sabe triste e começou a brigar, e foi esse o motivo de ele querer começar a me bater, que ele me pegou pelo cabelo e fez as coisas, e daí depois eu virei as costas e fui deitar, e tipo, eu fingi que nada tinha acontecido, mas o meu pai continuou naquela porque ele tinha bebido e uma pessoa bêbada, tipo, para você discutir com ela é dois toque, aí ele foi lá no quarto e continuou discutindo e foi aí que ele me pegou pelo cabelo e aconteceu tudo isso, eu tava sentada do lado do Luiz Fernando e ele foi e me pegou pelo cabelo, foi nesse momento que ele deu o soco no pai; Naquele momento eu me ajoelhei perto dele, peguei na mão dele e comecei a pedir perdão, e perdão, e perdão, por tudo que eu tinha falado, por tudo o que eu tinha feito, eu comecei a pedir perdão e ele levantou com muita raiva e ele foi pegar o machadinho, daí que eles começaram a querer brigar, eu fiquei na porta do quarto para que tipo, eles não se machucassem, porque eu não queria aquilo, eu amava o meu pai e eu também gostava do Luiz Fernando, tipo a gente era um casal, e meu pai era tudo que eu tinha para mim, meu pai era meu exemplo cara, e daí foi ai que aconteceu tudo; daí eles pegaram começaram a brigar e eu entrei na porta para nenhum dos dois, tipo, se machucar. Aí comecei a ligar para o meu irmão, porque meu pai me falou quer era para mim chamar o meu irmão que nada ia fazer acontecer, ele ia devolver aquilo. Aí comecei a ligar, ligar, ligar, liguei para ele quinze vezes para ele e não apareceu, aí meu pai falou que era para eu ir lá chamar ele, que meu pai ia ficar sentado na sala, ia ficar lá na sala, não ia fazer nada, não ia acontecer nada, eles iam esperar eu chegar, dai eles iam resolver. Aí eu peguei, descalça, do jeito que eu tava mesmo fui abri o portão e sai correndo, fui chamar o meu irmão, daí quando eu cheguei lá o Luis Fernando apareceu, e tipo, foi questão de... Não chegou a ser dez minutos, quando eu cheguei lá e comecei a bater, e bater, e bater, e nada do mano sair. Foi questão de dez minutos ele apareceu lá e disse que tinha matado meu pai e eu fiquei sem entender nada, porque quando eu sai de lá meu pai tava bem, tava vivo, tipo, eles tavam brigando, meu pai tava sangrando por causa do soco que ele levou, mas tipo... ele tava vivo e eu não entendi o que tinha acontecido, o porquê daquilo lá, e tipo eu sei que foi o meu pai que quis me bater na frente dele, mas nada justifica matar uma pessoa, essa é uma coisa que eu não entendo; Eles tavam vendo toda a confusão, eu vi que eles tavam desesperado, eu queria resolver aquilo lá logo, e tipo a minha mãe ela ... Fazia uns quinze dias ela tinha saído da clinica onde ela tava internada, aí ela tinha tomado os remédios dela, mas só que ela tava sentada lá cozinha, mas ela tava tipo, bem aérea, ela tava fumando um cigarro, mas ela tava bem aérea. Ai fui e ponhei meus irmãos na porta, porque meu pai não ia bater neles, eles eram crianças, meu irmão [...] a arma que ele usou no crime tava dentro do quarto, por isso que não teve mais nenhum a não ser na porta do quarto mesmo, na hora que eu deixei as crianças lá, depois disso eu não... Não sei mais de nada, só das coisas que eu perguntei para eles, tipo quando eu tava junto com o Luiz Fernando eu perguntava para ele as coisas sabe. E até por fim o que acabou com o nosso relacionamento foi... Foi tudo isso que aconteceu, meu peso na consciência, e tipo quando eu tive a oportunidade eu pedi para ele, tipo, o que que meu pai falava, o que meu pai falou, o que aconteceu naquele momento, ele falou que as crianças saíram da porta e ele foi para cima do meu pai e disse que meu pai pedia para ele parar, diz que meu pai gritava para ele, para parar de esfaquear ele por favor, que ele não ia fazer nada, não ia chamar a policia, não ia nada, era só para ele parar, parar com aquilo lá que ele tava fazendo, dai ele falou que naquele momento ele não conseguiu, diz que ele tava com muita raiva, ele não conseguiu parar, dai eu falei, uma pessoa não conseguir parar de esfaquear outra, mesmo a pessoa implorando para você, tipo você vendo que a pessoa tava sentindo dor, implorando para você parar e você não ter um pingo de escrúpulo para parar, tipo, e ainda a Tainara e o Cristiano vendo tudo, a Tainara e ele viram tudo, tudo, tudo que aconteceu na hora que ele começou a esfaquear o pai, tudo, por isso a Tainara hoje toma até remédio, toma remédio para dormir, toma remédio para ansiedade, desde pequena sofrendo [...] (Mídias de eventos 116, 117 e 118). A outra filha da vítima, Tainara Boldi, por meio de depoimento especial afirmou que: Sim, eu lembro que eu tava deitada no colchão do quarto, a mãe tava na cama com o meu irmão, daí o pai, ele tava bêbado, tava só o nenê acordado, sabe andando ali, feliz, daí ele foi para o quarto né e nisso ele falou bem assim para mim "dá um abraço no pai, que o pai vai tá ali no limpo" (inaudível; 13:27), e daí eu dei, né? E daí meio que peguei no sono e eu acordei com ele gritando, sabe, daí acordei, daí ele tava com o nariz sangrando porque o Luiz Fernando tinha dado um soco no nariz dele, eu não sei o que aconteceu. Daí ele tava muito irritado sabe, dai eu tentei acalmar ele, aí eu falei "para pai", aí ele tava com Luiz Fernando tava ali na porta (inaudível, 14:06), e daí ele tava aqui (aponta) na sala, o Luiz Fernando tava no quarto do pai e o pai tava na sala, e a Tâmara tava tentando segurar o Luiz Fernando, ela ligava, ligava para o maninho e ele não atendia e daí ela falou bem assim "Tainara, eu vou lá chamar o maninho, você fica aqui", daí eu fiquei, eu tentava acalmar ele só que adiantava nada, dai o Luiz Fernando foi para cima, começou (faz gesto como se estivesse esfaqueando) e daí eu fiquei em choque, eu fiquei parada assim, eu não sabia o que fazer, por pouco eu não entrei na frente do meu pai só que, eu era pequena, porque se eu fosse mais velha eu entrava, e daí ele saiu pela porta assim, pegou a moto e saiu, e eu fui correndo desesperada na estrada, eu falei "Tâmara, o Luiz matou o pai"; [...] : Foi quieto, porque ele tava bem e feliz, e do nada... Quando eu acordei ele tava sangrando, sabe, tava pingando sangue para toda parte da casa, ele tava bem irritado, não tipo grito de bravo ao menos, foi isso. [...] Tava eu, o meu irmão mais pequeno, que ele tinha...não lembro quantos anos ele tinha, e a minha irmã, ela tava segurando o Luiz Fernando, mas eu não sabia que tinha faca né, ninguém acreditava que tinha faca. Ela pegou meu irmão mais pequeno, e aí eles foram lá chamar o maninho, e daí eu tentei acalmar o pai, mas ele não se acalmava, daí quando eu vi o Luiz Fernando foi para cima dele sabe, empurrou ele e começou a (faz gesto como se estivesse esfaqueando), daí o Luiz Fernando pegou e saiu, daí eu fiquei traumatizada né, eu era pequena, eu tava tava em choque, e daí... Eu sei lá o que deu nele, mas o meu tirava os chinelos dele para entregar para o Luiz Fernando, ninguém imaginaria que ele faria isso né [...] Quando ele empurrou o pai e começou sabe, ele tinha uma faquinha porque ele tinha garimpo né, ele era fanático em pedra. Aí o Luiz Fernando empurrou ele, pegou ele e bateu a... Ele se bateu na arvorezinha e dai ele começou sabe (faz gesto como se estivesse esfaqueando) esfaquear o pai, e ele não parava, foi muito ruim. (Mídia de evento 118). O Policial Civil João Luiz Bussolaro, em juízo, afirmou que: Eu respondia a delegacia na época, a delegacia de Entre Rios e eu tomei conhecimento na madrugada, na noite, na madrugada que teria acontecido esse homicídio. Que o genro teria efetuado alguns golpes de faca na região do tórax do sogro dele, do V. B.. E então teria fugido com uma motocicleta. O fato teria sido presenciado pela mãe da namorada, ou seja a companheira do Boldi e pela filha, que era namorada a época então do autor, suposto autor; Pelas informações levantadas ele teria se desentendido com o sogro ali, segundo relatos da própria filha ou da esposa se eu não estou enganado, teria dito que ele teria dado um tapa na menina e o rapaz ficou enfurecido e foi para cima desferindo golpes de faca; Eu não fiz esse atendimento primário Dr. eu fui na sequência, que fez o atendimento primário foi o plantonista Sérgio Covatti, eu fui no dia seguinte fazer... Acompanhar eventual levantamento e dar sequência nas investigações; Esse primeiro que foi ao local, viu o corpo e conversou com as pessoas, acompanhou o IGP, esse foi o Sérgio Covatti. Eu dei sequência nas investigações, mas pela dinâmica que tinha sangue na casa toda, não condizia muito bem como o relato da filha de que ele teria dado um tapa e o cara tinha ido para cima dado umas facadas ali e acabou por isso. Ali pelo que se deu a entender, pelo sangue que tinha pela casa respingado parecia que ele perseguiu o Valdir e efetuou as facadas intencionalmente sem sombra de dúvida; [...] Ah tá, é que deu um sinal aqui de conexão perdida, é... Ele teria dito que o autor teria usado de uma machadinha, uma machadinha não, uma ferramenta de jardinagem, mas não tinha nenhuma lesão no Pedroso ali, condizente com aquela ferramenta (Mídia de evento 195). Sob o crivo do contraditório, o acusado exerceu o direito de permanecer em silêncio (Mídia de evento 230). Diante do Tribunal do Júri, foi ouvida apenas a testemunha Sérgio Covatti Crespi, cujo relato, em linhas gerais, foi reiterado pelo testigo. O acusado, ao seu turno, quando interrogado em Plenário, aduziu: Que tinha voltado do trabalho para casa; Que estava passando um tempo na casa da vítima para ajudar em um momento turbulento da família; Que estava sentado no sofá e a vítima começou a incomodar; Que saía de perto da vítima, mas ela continuava perseguindo e incomodando; Que, em certo momento, a vítima tentou agredir a Tamara, pegou ela pelo cabelo e tentou dar uma facada nela; momento em que deu um soco na vítima; Que ele caiu no sofá; Que foi para o quarto pegar a chave da moto para sair do local; Que a vítima então pegou um machadinho; Que a Tamara se colocou entre ambos pra evitar uma briga de maior proporção; Que tentaram ligar para a polícia e para um filho da vítima, mas ninguém atendia; Que a Tamara então saiu do meio dos dois, momento em que a Loreci entrou em cena, tentando evitar o pior; Que em determinado momento a Loreci saiu do local também, momento em que a vítima foi pra cima de si; Que entraram em luta; Que então desferiu uma ou duas facadas na vítima; Que então saiu da residência; Que a vítima estava alterada; Que não se lembra qual o primeiro local do corpo em que acertou a primeira facada; Que acredita que a Loreci tenha visto o momento em que a vítima tentou dar uma facada na Tamara; Que foi atingido por um golpe do machadinho nas mãos; Que quando deu o primeiro soco na vítima, ela ainda não estava com a faca na mão; Que deu um soco porque a vítima puxou sua companheira, Tamara, pelos cabelos; Que utilizou uma faca que estava em cima de um berço, para atingir a vítima e se defender (evento 495, VIDEO1 , transcrição indireta). Pois bem. A respeito dos pressupostos da excludente de ilicitude suscitada pela defesa, o art. 25 do Código Penal prevê: "Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem". O diploma legal exige, para incidência da legítima defesa, a comprovação simultânea de que a ação tenha ocorrido para repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, valendo-se dos meios necessários utilizados moderadamente. Cezar Roberto Bitencourt, em brilhante lição doutrinária, ao analisar os pressupostos necessários à configuração da legítima defesa, assim pontua: 3.1. Agressão injusta, atual ou iminente Agressão é a conduta humana que lesa ou põe em perigo um bem ou interesse juridicamente tutelado. Injusta será a agressão que não estiver protegida por uma norma jurídica, isto é, não for autorizada pelo ordenamento jurídico. É irrelevante que a agressão não constitua ilícito penal. A agressão, porém, não pode confundir-se com provocação do agente, devendo-se considerar a sua intensidade para valorá-la adequadamente. A reação a uma agressão justa não caracteriza legítima defesa, como, por exemplo, reagir à regular prisão em flagrante ou a ordem legal de funcionário público etc. O raciocínio é lógico: se a agressão (ação) é lícita, a defesa (reação) não pode ser legítima. A injustiça da agressão deve ser considerada objetivamente, sem relacioná-la com o seu autor, uma vez que o inimputável também pode praticar condutas ilícitas, ainda que seja inculpável. Além de injusta, a agressão deve ser atual ou iminente. Atual é a agressão que está acontecendo, isto é, que ainda não foi concluída; iminente é a que está prestes a acontecer, que não admite nenhuma demora para a repulsa. Agressão iminente não se confunde com agressão futura. A reação do agredido para caracterizar a legítima defesa deve ser sempre preventiva. 3.1.1. Reação imediata — agressão passada ou futura A reação deve ser imediata à agressão, já que a demora na repulsa descaracteriza o instituto da legítima defesa. Se passou o perigo, deixou de existir, e não pode mais fun-damentar a defesa legítima, que se justificaria para eliminá-lo. Segundo Bettiol, a legítima defesa “deve exteriorizar-se antes que a lesão ao bem tenha sido produzida”. A ação exercida após cessado o perigo caracteriza vingança, que é penalmente reprimida. Igual sorte tem o perigo futuro, que possibilita a utilização de outros meios, inclusive a busca de socorro da autoridade pública. 3.2. A direito próprio ou alheio Qualquer bem jurídico pode ser protegido pelo instituto da legítima defesa, para repelir agressão injusta, sendo irrelevante a distinção entre bens pessoais e impessoais. Assim, pode-se classificá-la em: legítima defesa própria, quando o repelente da agressão é o próprio titular do bem jurídico ameaçado ou atacado; e legítima defesa de terceiro, quando objetiva proteger interesses de outrem. No entanto, na defesa de direito alheio, deve-se observar a natureza do direito defendido. Quando se tratar de direitos disponíveis e de agente capaz, a defesa por terceiro não pode fazer-se sem a concordância do titular desses direitos, obviamente. 3.3. Meios necessários, usados moderadamente Embora se reconheça a legitimidade da reação pessoal, nas circunstâncias definidas pela lei, o Estado exige que essa legitimação excepcional obedeça aos limites da necessidade e da moderação. A configuração de uma situação de legítima defesa está diretamente relacionada com a intensidade da agressão, com a periculosidade do agressor e com os meios de defesa disponíveis. Necessários são os meios suficientes e indispensáveis para o exercício eficaz da defesa. Se não houver outros meios, poderá ser considerado necessário o único meio disponível. Mas, nesta hipótese, a análise da moderação deverá ser mais exigente. Em ouros termos, os meios necessários (ou disponíveis) devem ser usados moderadamente. Essa circunstância deve ser determinada pela intensidade real da agressão e pela forma do emprego e uso dos meios disponíveis. Como afirmava Welzel, “a defesa pode chegar até onde seja requerida para a efetiva defesa imediata, porém, não deve ir além do estritamente necessário para o fim proposto”. Havendo disponibilidade de defesas, igualmente eficazes, deve-se escolher aquela que produza menor dano. 3.3.1. Princípio da proporcionalidade Admitimos a invocação do princípio da proporcionalidade na legítima defesa, na medida em que os direitos absolutos devem circunscrever-se a limites muito exíguos. Seria, no mínimo, paradoxal admitir o princípio da insignificância para afastar a tipici-dade de determinados fatos, e sustentar o direito de reação desproporcionada à agressão, como, por exemplo, matar alguém para defender quaisquer valores menores (Código penal comentado – 10. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019, p. 104/105). No caso em tela, não há demonstração dos pressupostos necessários ao reconhecimento da pontuada excludente de ilicitude. Consoante os elementos colhidos nos autos, especialmente os depoimentos prestados, infere-se que houve uma desavença entre o acusado, a vítima e a informante Tamara - filha do ofendido e companheira do réu à época do ocorrido. Inicialmente, o conflito se manifestou de forma verbal, ocasião em que o recorrente desferiu um soco no rosto da vítima, em reação à tentativa desta de puxar os cabelos de Tamara. Após tal agressão, o ofendido se muniu de uma ferramenta do tipo "machadinha', sendo que, naquele momento, Tamara intercedeu entre as partes, impedindo a continuidade das agressões ou a escalada para algo pior. Todavia, posteriormente, quando Tamara se ausentou do local com o intuito de acionar seu irmão mais velho, os fatos delituosos se concretizaram. Conforme relato da testemunha ocular Tainara, irmã de Tamara, enquanto esta tentava acalmar o genitor, o acusado iniciou nova investida, desta vez portando arma branca, desferindo múltiplos golpes contra a vítima, e, em seguida, evadiu-se do local levando consigo o instrumento utilizado na ação criminosa. Em consonância, a informante Tamara declarou que, embora não tenha presenciado diretamente os fatos, em momento posterior indagou ao réu sobre a dinâmica dos acontecimentos, tendo este confessado que avançou contra a vítima, golpeando-a com a arma branca, mesmo diante dos apelos para cessar as agressões. Segundo Tamara, o réu lhe confidenciou que estava tomado por intensa raiva e que, em razão disso, não conseguia interromper os ataques. Ademais, o laudo cadavérico e o exame pericial realizado no local do crime (evento 1, DOC37 e seguintes) indicam que a vítima foi atingida por aproximadamente 29 (vinte e nove) facadas em regiões vitais -  tórax e cabeça -, circunstância que revela uma reação manifestamente excessiva e desproporcional, sobretudo considerando que o acusado não apresentava qualquer lesão corporal. E, no ponto, em que pese Luiz Fernando tenha afirmado, em Plenário, que desferiu apenas duas facadas contra a vítima, fato é que referida alegação vai de encontro ao restante do conjunto probatório coligido aos autos. Ressalte-se, ainda, que o instrumento encontrado ao lado do corpo da vítima - uma enxada de pequenas proporções, vulgarmente denominada "machadinha" - não continha vestígios de sangue, conforme atestado pelo laudo técnico, reforçando a tese de que o acusado, após o desentendimento inicial, deu início às agressões contra o ofendido, sem que houvesse, por parte deste, qualquer ameaça ou agressão atual ou iminente. Isso posto, sem maiores delongas, da percuciente análise do caderno processual, extrai-se que a tese acolhida pelo Tribunal do Júri encontra amplo amparo nas circunstâncias fáticas e probatórias submetidas ao contraditório judicial, de modo que não há razão para a realização de novo julgamento, ao contrário do pontuado em apelo. Repisa-se que, "[...] Cabe ao Tribunal, tão somente, verificar se a decisão dos jurados encontra amparo, ainda que mínimo, no conjunto probatório disponível nos autos, sendo vedado novo integral revolvimento e sopesamento probatórios, de modo que deverá se averiguar unicamente se a decisão tomada pelos jurados encontra, ou não, suporte nos elementos que instruem o processo. [...]" (TJSC, Apelação Criminal n. 0016537-28.2010.8.24.0018, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 21-10-2021). A propósito, em casos similares, assim decidiu este Sodalício: PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. CRIME CONTRA A VIDA. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO (ART. 121, §2º II, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CP). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO DE ANULAÇÃO DO JULGAMENTO POR SER A DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS (ART. 593, III, "D", DO CPP). NÃO OCORRÊNCIA. DECISÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA QUE ENCONTRA ARRIMO NO CONTEXTO PROBATÓRIO. PRINCÍPIO DA SOBERANIA DO VEREDITO (ART. 5º, XXXVIII, "C", DA CF). SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 5010766-75.2020.8.24.0036, do , rel. Carlos Alberto Civinski, Primeira Câmara Criminal, j. 04-11-2021, grifou-se). APELAÇÃO CRIMINAL. RÉU PRESO. PROCESSO DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ARTS. 121, § 2º, II E IV, C/C ART. 14, II, DO CP; E ART. 14 DA LEI N. 10.826/03, NA FORMA DO ART. 69 DO CP). DECISÃO CONDENATÓRIA. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. APELO CONHECIDO E, AFASTADA A PRELIMINAR SUSCITADA, DESPROVIDO. [...] 2. MÉRITO. PLEITO DE ANULAÇÃO DO JULGAMENTO AO ARGUMENTO DE QUE A DECISÃO É CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS, QUE NÃO DEMONSTRARIA O ANIMUS NECANDI DO APELANTE. NÃO ACOLHIMENTO. Consoante orientação do Superior , rel. Júlio César Machado Ferreira de Melo, Terceira Câmara Criminal, j. 18-10-2022, grifou-se). Dessarte, tendo em conta que o corpo de jurados encampou versão plenamente possível diante dos elementos presentes nos autos, em respeito ao princípio constitucional da soberania do veredito emanado pelo Tribunal do Júri, inviável a cassação da decisão e a consequente submissão do caso a novo julgamento. O desprovimento do recurso, nestes termos, é medida de rigor.   4. Do dispositivo Ante o exposto, voto no sentido de conhecer e de negar provimento ao recurso.   assinado por ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7019872v14 e do código CRC 8fa855fd. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO Data e Hora: 13/11/2025, às 18:09:14     0000299-55.2018.8.24.0081 7019872 .V14 Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:30:29. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Documento:7019873 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 0000299-55.2018.8.24.0081/SC RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO EMENTA DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE MEIO CRUEL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. DESPROVIMENTO. I. Caso em exame 1. Apelação criminal contra sentença que, considerando o julgamento externado pelo Tribunal do Júri, condenou o réu à pena privativa de liberdade de 12 (doze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, por infração ao disposto no art. 121, § 2º, III, do Código Penal.   II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em aferir se a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, conforme alegado em apelo.   III. razões de decidir 3. A decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela em que o desfecho perfilhado pelos jurados divorcia-se completamente dos elementos de convicção presentes nos autos. Prova testemunhal e laudos periciais que amparam a tese acolhida pelos jurados, no sentido de que o apelante, motivado por desavença familiar, investiu violentamente contra a vítima, seu próprio sogro, desferindo aproximadamente 29 (vinte e nove) golpes de faca, os quais resultaram no óbito do ofendido. Legítima defesa não comprovada nos autos.   Iv. dispositivo 4. Recurso conhecido e desprovido.   ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, conhecer e de negar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Florianópolis, 11 de novembro de 2025. assinado por ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7019873v3 e do código CRC 0bd711d4. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO Data e Hora: 13/11/2025, às 18:09:14     0000299-55.2018.8.24.0081 7019873 .V3 Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:30:29. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 06/11/2025 A 12/11/2025 Apelação Criminal Nº 0000299-55.2018.8.24.0081/SC RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO PRESIDENTE: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA PROCURADOR(A): PEDRO SERGIO STEIL Certifico que este processo foi incluído como item 223 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 21/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 06/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 19:00. Certifico que a 1ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão: A 1ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER E DE NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO Votante: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO Votante: Desembargador PAULO ROBERTO SARTORATO Votante: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI ALEXANDRE AUGUSTO DE OLIVEIRA HANSEL Secretário Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:30:29. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas