Decisão TJSC

Processo: 0003197-78.2007.8.24.0064

Recurso: recurso

Relator: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA

Órgão julgador:

Data do julgamento: 11 de novembro de 2025

Ementa

RECURSO – DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. POSSE AD USUCAPIONEM. TRANSMUDAÇÃO DE POSSE. RECURSO DA PARTE RÉ DESPROVIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO EM PARTE. [...] III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Embora a posse exercida pelo autor inicialmente tivesse caráter precário, em decorrência do vínculo contratual entre sua ex-companheira e a ré, tal natureza foi alterada a partir de 2010, quando a demandada tomou ciência da posse exclusiva do requerente e houve a rescisão do negócio em acordo judicial. 4. A ciência da ré acerca da ocupação do imóvel por terceiro, desacompanhada de providências para retomada da posse, revela alteração fática relevante que rompe a subordinação possessória anterior, autorizando a caracterização do animus domini e a consequente transmudação da posse de precária para própria. 5. A transmudação da posse encontra respaldo doutrinári...

(TJSC; Processo nº 0003197-78.2007.8.24.0064; Recurso: recurso; Relator: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 11 de novembro de 2025)

Texto completo da decisão

Documento:6922252 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 0003197-78.2007.8.24.0064/SC RELATOR: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA RELATÓRIO Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou procedente os pedidos iniciais na Ação de Usucapião. Decisão do Culto Juiz Otavio Jose Minatto. Em suas razões recursais, alega o apelante (evento 411, APELAÇÃO1), em síntese, que a sentença deve ser anulada, pois foi proferida sem a análise dos depoimentos colhidos em audiência, os quais só foram juntados aos autos no último dia do prazo recursal; que não foi oportunizada a manifestação adequada sobre tais provas, o que vicia a decisão por ausência de contraditório e ampla defesa; que não se completou o prazo necessário para a usucapião, pois os apelados mesmos declararam que a posse com animus domini se iniciou em 08/08/1990, sendo a ação ajuizada em 05/03/2007, o que totalizaria apenas 16 anos e 5 meses, aquém dos 20 anos exigidos pelo artigo 550 do Código Civil de 1916; que a sentença considerou indevidamente o tempo de posse posterior ao ajuizamento da ação para fins de completar o lapso temporal; que a posse dos apelados não tem animus domini, uma vez que decorre de contrato de locação e, portanto, é precária; que os próprios apelados reconheceram na inicial a relação locatícia; que não há qualquer ato de interversão da posse; que o inadimplemento contratual e o não pagamento de IPTU não configuram posse com intenção de dono; que a ausência de cobrança de aluguéis pelo locador é mero ato de tolerância; que não há comprovação de abandono do imóvel; que o apelado nunca renunciou à propriedade, sendo vedado presumir tal intenção; que o contrato de locação não foi rompido formalmente; que a função social da propriedade foi atendida com a locação, não havendo justificativa para a aquisição da propriedade por usucapião; que a sentença inverteu os ônus da prova indevidamente; que permanece o vínculo jurídico da posse derivada; que a hipoteca existente no imóvel impede a aquisição da propriedade. Pediu nestes termos, o provimento do recurso para anular ou reformar a sentença e julgar improcedente o pedido inicial. Em contrarrazões, aduzem os apelados (evento 417, CONTRAZ1), em resumo, que a alegação de nulidade da sentença não procede, pois os depoimentos em audiência foram disponibilizados e a parte não impugnou na oportunidade adequada, havendo preclusão; que a sentença é válida e foi proferida com base em farto conjunto probatório, inclusive documental; que os apelados comprovaram que desde 08/08/1990 passaram a exercer posse mansa, pacífica e com animus domini sobre o imóvel, até o ajuizamento da ação em 2007 e além, totalizando mais de 20 anos até a notificação judicial ocorrida em 2011; que restaram preenchidos os requisitos da usucapião extraordinária; que o contrato de locação se extinguiu em 1990 e, desde então, os apelados ocupam o bem como proprietários, inclusive participando de reuniões de condomínio; que a ausência de cobrança de aluguéis por mais de duas décadas evidencia o abandono do imóvel pelo proprietário; que a hipoteca eventualmente existente não obsta a usucapião, por se tratar de aquisição originária de propriedade; que os apelados provaram documentalmente e por testemunhas a posse ad usucapionem; que os próprios moradores e vizinhos os reconhecem como proprietários; que a sentença deve ser mantida em sua integralidade. Parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça, Dr. Alexandre Herculano Abreu manifestou-se pela não intervenção do órgão ministerial (evento 11, PROMOÇÃO1). O processo seguiu os trâmites legais. É o relatório do essencial. VOTO O caso é peculiar. A divergência central consiste em definir se, após o término do contrato de locação em 1990, houve ou não a caracterização do animus domini, bem como se é possível reconhecer a conversão da posse precária em posse ad usucapionem, diante da alegada ausência de cobrança de aluguéis, inércia do proprietário e suposto abandono do imóvel. Discute-se, ainda, se o período de posse é juridicamente suficiente para fins de usucapião, à luz do prazo exigido pela legislação aplicável à época dos fatos. Pois bem. No que tange à alegada nulidade da sentença, sustenta-se que as mídias contendo os depoimentos colhidos em audiência de instrução e julgamento somente foram disponibilizadas aos autos após a prolação da decisão. Tal argumento, no entanto, não se sustenta à luz do ordenamento jurídico processual. A hipótese configura nulidade de algibeira, ou seja, vício supostamente existente que só é arguido após a prolação da sentença, quando desfavorável à parte, contrariando o princípio da lealdade processual. A jurisprudência é pacífica no sentido de que não há nulidade sem demonstração de prejuízo concreto, conforme dispõe o artigo 282, § 1º, do CPC. Ocorre que, além de não demonstrar qualquer prejuízo efetivo, a parte permaneceu inerte quando intimada para apresentar alegações finais (evento 348, ATOORD1 e Evento 352), oportunidade em que poderia ter apontado o suposto vício ou requerido providência para assegurar o contraditório. Ademais, não houve qualquer indicação nos autos, sequer em grau recursal, de quais depoimentos ou trechos das testemunhas teriam, de fato, o condão de modificar o entendimento do julgador ou alterar o resultado da lide. A alegação, portanto, é genérica, especulativa e carente de mínimo lastro técnico, o que afasta por completo sua relevância processual. Oportuno lembrar que nulidade processual não é instrumento de inconformismo com o mérito, tampouco substitui a insurgência quanto ao conteúdo da prova. Esta Corte entende que a ausência de impugnação oportuna e de demonstração objetiva de prejuízo processual conduz ao reconhecimento da preclusão da matéria, razão pela qual não há nulidade a ser reconhecida (TJSC, ApCiv 0000973-13.2011.8.24.0167, 3ª Vice-Presidência , Relator JÚLIO CÉSAR MACHADO FERREIRA DE MELO , D.E. 06/10/2025). Superada a preliminar, passa-se à análise do mérito, que igualmente não merece provimento. Cumpre observar que, para aferir a existência do animus domini, é essencial, inicialmente, examinar a origem da posse, ou seja, de que forma o possuidor foi imitido no bem. Em seguida, deve-se avaliar se há impedimentos de natureza objetiva, como ocorre nas hipóteses de posse derivada (decorrente de contratos de locação, comodato ou usufruto, por exemplo), os quais, por sua própria natureza, afastam a presunção de intenção de domínio. Na ausência desses obstáculos, presume-se a existência do ânimo de dono. Com efeito, observo que o juízo singular enfrentou a controvérsia com clareza, precisão técnica e adequada aplicação das normas de direito material e processual, em consonância com os entendimentos consolidados nos Tribunais Superiores. Por amor à brevidade, transcrevo a respeitável sentença e adoto como razões de decidir, em prestígio à bem lançada fundamentação do ilustre prolator: "[...] Trato de Ação de Usucapião proposta por C. W. D. A. N. e H. H. R. N. contra L. S. R. e Itau Unibanco S.A., fundada na aquisição do apartamento nº 412, bloco F do Edifício Gisele, situado à Rua Assis Brasil nº 4.910, Ponta de Baixo em São José/SC. É incontroverso nos autos que os autores residem no imóvel caracterizado pelo apartamento nº 412, bloco F do Edifício Gisele, situado à Rua Assis Brasil nº 4.910, Ponta de Baixo, São José/SC, desde 1º de junho de 1985, quando firmaram contrato de locação com Liomar, cumprindo as contraprestações financeiras até agosto de 1990, morando no local até a presente data. A controvérsia cinge-se, portanto, na existência de animus domini, para fins de reconhecimento de usucapião do bem. É cediço que à aquisição da propriedade em razão da posse dá-se a nomenclatura de usucapião. Para Silvio de Salvo Venosa:  A possibilidade de a posse continuada gerar a propriedade justifica-se pelo sentido social e axiológico das coisas. Premia-se aquele que se utiliza utilmente do bem, em detrimento daquele que deixa escoar o tempo, sem dele utilizar-se ou não se insurgindo que outro o faça, como se dono fosse. Destarte, não haveria justiça em suprimir-se o uso e gozo de imóvel (ou móvel) de quem dele cuidou, produziu ou residiu por longo espaço de tempo, sem oposição.1 Mais, esta forma de aquisição da propriedade funda-se em duas grandes vertentes, uma objetiva e outra subjetiva.  Tem-se, assim, como fundamento subjetivo, o usucapião decorrente da passividade do proprietário, ou seja, presume-se que há o intuito de renúncia ao direito de domínio do bem. Quanto ao fundamento objetivo, pode-se dizer que se justifica na utilidade social da coisa, dando segurança e uma função realmente social à propriedade.  Nesse sentido, e verificando qual melhor se encaixa ao direito pátrio, leciona Benedito Silvério Ribeiro:  De uma ou de outra forma, a teoria objetiva é a que melhor se coaduna com os princípios de direito, repetida por juristas de renome e que oferece logicidade como fundamento.  Assim, o interesse social ou o interesse da coletividade, que constitui propriamente o primado do direito, é o fundamento básico da prescrição, tanto extintiva quanto aquisitiva.2 Importante salientar, ademais, que o usucapião no ordenamento jurídico brasileiro possui algumas modalidades, dentre elas, a indígena, ordinária, extraordinária, urbana e rural, sendo relevante ao deslinde da demanda apenas as últimas.  Passo, apenas a título de esclarecimento, a explicar sobre alguns dos modos de usucapião.  O usucapião ordinário encontra-se elencado no Código Civil de 2002, em seu artigo 1.242, caracterizando-se quando alguém possuir bem imóvel pelo prazo de dez anos, de forma contínua e inconteste, possuindo justo título e boa-fé. Cito que a diferença entre esta forma e a extraordinária (art. 1.238 do CC/02), dá-se em razão da desnecessidade de existência de justo título e boa-fé, sendo necessário, apenas, que a posse ocorra durante quinze anos, sem interrupção nem oposição, para que o possuidor adquira a propriedade.  Além do mais, dizem-se usucapiões especiais, o rural, o urbano e o indígena, tendo em vista a especialidade de suas caracterizações. Quanto ao urbano e rural, seus fundamentos expressam-se na CRFB/88, sendo o primeiro no art. 183, consignando que "aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural", e o segundo no art. 191, que define que "aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade". No caso dos autos, todavia, em que pese a definição atual do usucapião, tem-se que necessário se utilizar do Código Civil de 1916 com relação aos prazo, inteligência do artigo 2.028 do Código Civil de 2002, que assim dispõe: "Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada." Isso porque, conforme afirmado na peça exordial, os autores tomaram a posse do imóvel usucapiendo em agosto de 1990, mais de 10 anos antes de entrar em vigor o atual códex civil.  No Código Civil de 1916/16, o usucapião também era verificado em suas formas ordinária (artigo 551) e extraordinária (art. 550), prevendo a primeira que "adquire também o domínio do imóvel aquele que, por dez anos entre presentes, ou quinze entre ausentes, o possuir como seu, contínua e incontestadamente, com justo título e boa fé" e a segunda que "aquele que, por vinte anos sem interrupção, nem oposição, possuir como seu, um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio independentemente de título de boa fé que, em tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para a transcrição no registro de imóveis". Além de tais características para configurar o usucapião, é necessário que se verifique o animus domini do usucapiente, que é a posse com o ânimo de proprietário. Ou seja, são requisitos para que se caracterize o direito ao usucapião, o tempo, a posse (mansa e pacífica), o animus domini, e, na sua modalidade ordinária, justo título e boa-fé.  Não será possível, todavia, a aquisição da propriedade através da posse, quando esta se iniciar de um contrato firmado que a torne precária, como é o caso dos de locação e comodato. Nesse sentido, é o entendimento da Corte Catarinense: AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL RURAL. EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE LOCAÇÃO FIRMADO ENTRE AS PARTES. ANIMUS DOMINI NÃO CONFIGURADO. REQUISITO INDISPENSÁVEL PARA CONCESSÃO DA USUCAPIÃO. AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE INVIÁVEL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. DECISÃO ACERTADA. AUTORES QUE ALTERARAM A VERDADE DOS FATOS. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.    A aquisição da propriedade por meio de usucapião especial rural está condicionada ao exercício da posse mansa, pacífica e ininterrupta pelo prazo de cinco anos com ânimo de dono, bem como que a dimensão da propriedade usucapida não ultrapasse vinte e cinco hectares.   A utilização da coisa por mera permissão do proprietário não induz posse com animus domini, mas tão somente a detenção do bem, e não havendo preenchimento de um dos requisitos para aquisição originária da propriedade, improcedente é a usucapião pleiteada. (TJSC, Apelação Cível n. 2015.061633-5, de Araquari, rel. Des. Saul Steil, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 28-04-2016). E mais: APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA USUCAPIÃO E DE IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO. APELO DO OPOENTE.    OPOSIÇÃO. ALEGAÇÃO DE POSSE POR CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITO POSSESSÓRIO DE TERCEIRO, FIRMADO EM COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA COM A PROPRIETÁRIA, POR MEIO DE PROCURADOR. MANDATO. PROCURAÇÃO NÃO JUNTADA. NECESSIDADE DE OUTORGA DE PROCURAÇÃO COM PODERES ESPECÍFICOS PARA ALIENAR IMÓVEL. DICÇÃO DO ART. 661, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA QUE NÃO RESPALDA TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE OU POSSE.    Firmado compromisso de compra e venda por pessoa que não comprovou que lhe foi outorgada procuração pela proprietária do bem, com poderes especiais para alienar o imóvel, o contrato firmado não é apto para transferir a propriedade ou a posse do bem objeto do litígio.   ALEGAÇÃO DE CONTRATO DE COMODATO FIRMADO COM A MÃE DA AUTORA DA AÇÃO DE USUCAPIÃO, PARA INVIABILIZAR O MANEJO DA AÇÃO. GENITORA QUE FIRMOU CONTRATO EM SEU PRÓPRIO NOME. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO OUTORGADA PELA FILHA OU DE PROVA ACERCA DA NECESSIDADE DE SER REPRESENTADA PELA MÃE. INEXISTÊNCIA DE CONTRATO DE COMODATO COM A LITIGANTE.   A permissão acerca da utilização do bem, por contrato de comodato, inviabiliza a pretensão de usucapião, salvo quando firmada com terceira pessoa que não a autora da ação.   USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CC. ATOS POSSESSÓRIOS INICIADOS SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. INCIDÊNCIA DA REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ART. 2.029 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. POSSE DO IMÓVEL, DE FORMA MANSA E PACÍFICA, PELO PRAZO DE DOZE ANOS COMPROVADA.   Logrando êxito, a Autora, em comprovar a posse do imóvel pelo período de doze anos, preenchidos estão os requisitos da ação de usucapião prevista no parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil.   SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0027787-91.2006.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 18-05-2017). No caso dos autos, no entanto, ao verificar as provas trazidas e os fatos não controvertidos, os autores firmaram contrato de locação com o réu em 5/09/1985 (Evento 335, Informação 162), com prazo final em 5/03/1986, tendo quitado os débitos locatícios até meados de 1990.  Ora, é possível concluir, portanto, que o contrato de locação existente entre as partes impossibilitou o animus domini até meados de 1990, uma vez que o vínculo locatício perdurou em razão de renovações tácitas.  Contudo, com a suspensão do pagamento das parcelas inerentes aos alugueres cabíveis, em meados de 1990, entendo que houve a rescisão do contrato de locação, iniciando-se, assim, a posse mansa e pacífica com animus domini dos autores, que perdurou até a data da notificação extrajudicial, em 21/06/2011 (Evento 336, Informação 271/272). Com relação ao tempo em que os autores permaneceram morando e garantindo a função social da propriedade não possui controvérsia, restando demonstrado que lá vivem como se o imóvel fosse seu por mais de 20 anos, ultrapassando lapso temporal suficiente para o reconhecimento da usucapião. Sendo assim, tenho que perfectibilizado o direito à usucapião dos autores, vez que preenchidos os pressupostos legais.  [...]" Restou claro, portanto, que o presente caso trata-se de transmudação da posse precária, oriunda de contrato de locação que converteu-se em posse própria, especialmente diante da inércia do proprietário e da ausência de qualquer oposição à ocupação do imóvel. Extraio do conjunto probatório que, embora tenha existido relação locatícia entre as partes até meados de 1990, a posse passou a ser exercida com animus domini a partir do encerramento desse vínculo. Desde então, os ocupantes permaneceram no imóvel de forma mansa, pacífica, contínua e pública, sem qualquer oposição ou tentativa de retomada da posse pelo titular registral, comportando-se como verdadeiros proprietários. Logo, consoante entendimento consolidado desta Corte, com a ruptura do contrato locatício extingue-se a posse precária, podendo a posse ser convertida em ad usucapionem, desde que presentes os demais requisitos legais, conforme ocorreu no caso concreto. Confira-se, mutatis mutandis: EMENTA: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. POSSE AD USUCAPIONEM. TRANSMUDAÇÃO DE POSSE. RECURSO DA PARTE RÉ DESPROVIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO EM PARTE. [...] III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Embora a posse exercida pelo autor inicialmente tivesse caráter precário, em decorrência do vínculo contratual entre sua ex-companheira e a ré, tal natureza foi alterada a partir de 2010, quando a demandada tomou ciência da posse exclusiva do requerente e houve a rescisão do negócio em acordo judicial. 4. A ciência da ré acerca da ocupação do imóvel por terceiro, desacompanhada de providências para retomada da posse, revela alteração fática relevante que rompe a subordinação possessória anterior, autorizando a caracterização do animus domini e a consequente transmudação da posse de precária para própria. 5. A transmudação da posse encontra respaldo doutrinário e jurisprudencial, inclusive no Enunciado 273 do CJF. 6. A oposição manifestada pela parte ré apenas no âmbito da presente demanda não tem o condão de interromper o prazo da prescrição aquisitiva, por não se tratar de resistência efetiva à posse, conforme reiterada jurisprudência do Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 0003197-78.2007.8.24.0064/SC RELATOR: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. POSSE DECORRENTE DE CONTRATO DE LOCAÇÃO. ruptura do negócio locatício. TRANSMUDAÇÃO DE POSSE PRECARIA EM POSSE COM ANIMUS DOMINI. PRAZO VINTENÁRIO CONFIGURADO. MODO ORIGINÁRIO DE AQUISIÇÃO. EXTINÇÃO DE GRAVAMES.HONORÁRIOS RECURSAIS DEVIDOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Não se reconhece nulidade da sentença quando a alegada irregularidade (ausência momentânea das mídias de audiência) não foi suscitada oportunamente, tampouco demonstrado prejuízo concreto, caracterizando nulidade de algibeira. 2. A posse inicialmente exercida por força de contrato de locação firmado em 1985 converteu-se em posse ad usucapionem a partir de 1990, quando cessaram os pagamentos e restou caracterizada a inércia do proprietário. Estando demonstrado que a posse foi exercida de forma contínua, mansa e pacífica por mais de vinte anos, com animus domini, sem oposição ou interrupção até 2011, restam preenchidos os requisitos do usucapião extraordinário, nos termos do art. 550 do Código Civil de 1916, aplicável à época dos fatos. 3. A existência de hipoteca anterior não impede a aquisição da propriedade por usucapião, por se tratar de modo originário de aquisição do domínio. Majoração dos honorários recursais em R$ 2.500,00, nos termos do art. 85, § 11, do CPC. Recurso conhecido e desprovido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Câmara de Direito Civil do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, majorando-se os honorários advocatícios, nos termos do art. 85, § 11º, do CPC, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Florianópolis, 11 de novembro de 2025. assinado por EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6922253v3 e do código CRC 2d484eb0. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA Data e Hora: 11/11/2025, às 18:20:12     0003197-78.2007.8.24.0064 6922253 .V3 Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 02:03:12. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 17/11/2025 Apelação Nº 0003197-78.2007.8.24.0064/SC RELATOR: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA PRESIDENTE: Desembargadora ELIZA MARIA STRAPAZZON PROCURADOR(A): BASILIO ELIAS DE CARO Certifico que este processo foi incluído como item 125 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 15:39. Certifico que a 8ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão: A 8ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, MAJORANDO-SE OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, NOS TERMOS DO ART. 85, § 11º, DO CPC. RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA Votante: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA Votante: Desembargadora ELIZA MARIA STRAPAZZON Votante: Desembargador Substituto MARCELO PONS MEIRELLES JONAS PAUL WOYAKEWICZ Secretário Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 02:03:12. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas