Decisão TJSC

Processo: 0300190-62.2019.8.24.0103

Recurso: recurso

Relator: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA

Órgão julgador:

Data do julgamento: 11 de novembro de 2025

Ementa

RECURSO – DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA POR INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL. NULIDADE DA SENTENÇA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME1. Apelação cível interposta por autores de ação de usucapião visando à declaração de domínio sobre imóvel localizado no Município de Bombinhas/SC, sob alegação de posse mansa, pacífica e com animus domini. A sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido, sob fundamento de ausência de provas suficientes, mesmo após requerimento de audiência de instrução e

(TJSC; Processo nº 0300190-62.2019.8.24.0103; Recurso: recurso; Relator: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 11 de novembro de 2025)

Texto completo da decisão

Documento:6889518 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 0300190-62.2019.8.24.0103/SC RELATOR: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA RELATÓRIO Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou procedente os pedidos iniciais e improcedente o pedido contraposto, nos autos da Ação de Indenização por Danos Materiais.  Decisão do culto Juiz Shirley Tamara Colombo de Siqueira. O nobre magistrado entendeu que a parte autora demonstrou a propriedade registral sobre o lote 02, derivado da matrícula nº 3.240, com área de 3.600 m², e reconheceu sua posse indireta, condenando a ré ao pagamento de indenização pelo valor do terreno acrescido das construções realizadas e da desvalorização da área remanescente, nos termos do art. 1.259 do Código Civil. Também fixou honorários advocatícios de sucumbência em 10% sobre o proveito econômico obtido pela autora (evento 201, SENT1). Em suas razões recursais, alega a apelante (evento 235, APELAÇÃO1), em síntese, que houve cerceamento de defesa, pois lhe foi negada a produção de prova testemunhal para comprovar a posse exercida há décadas e a configuração da usucapião; que a apelada demonstrou incongruências quanto à titularidade e à localização do imóvel, tendo inclusive declarado em outros documentos não possuir bens; que deveria ser reconhecida a prescrição aquisitiva, diante do exercício da posse contínua, pacífica e com animus domini por quase trinta anos; que a sentença ocasiona enriquecimento ilícito da recorrida, pois o valor das edificações supera em muito o do terreno, devendo incidir o disposto no art. 1.255, parágrafo único, do Código Civil (acessão inversa); que, em caso de reforma parcial, deve ser revogada a justiça gratuita concedida à autora, diante da alteração de sua condição econômica; que deve ser reconhecida a litigância de má-fé da parte autora, por tentar reivindicar imóvel já vendido em oportunidades anteriores. Pediu, nestes termos, a anulação da sentença por cerceamento de defesa, com retorno dos autos para reabertura da instrução e colheita de prova testemunhal; o reconhecimento da prescrição aquisitiva em favor da ré; subsidiariamente, a aplicação da acessão inversa, com indenização restrita ao valor venal do terreno, afastando-se o acréscimo relativo às edificações; a revogação da justiça gratuita concedida à autora; a condenação desta por litigância de má-fé. Em contrarrazões, aduz a apelada (evento 244, CONTRAZAP1), em resumo, que não houve cerceamento de defesa, pois a causa foi decidida com base em farto conjunto documental e laudo pericial, suficientes para o julgamento antecipado da lide; que o lote 02 da matrícula nº 3.240 permanece em seu nome e a posse exercida pela ré não é originária nem apta a configurar usucapião; que não há enriquecimento ilícito, mas mero ressarcimento pelos prejuízos causados com a ocupação irregular; que a justiça gratuita deve ser mantida, diante da condição econômica da autora, que não se alterou; que inexiste litigância de má-fé, pois a demanda foi ajuizada com base em título dominial válido e reconhecido pelo perito. O processo seguiu os trâmites legais. É o relatório do essencial. VOTO No presente caso, a controvérsia recursal concentra-se em verificar se houve cerceamento de defesa, diante do indeferimento da prova testemunhal considerada essencial para esclarecer supostas incongruências quanto à posse do imóvel pela apelada, além de discutir se a condenação imposta configura enriquecimento ilícito, com possível aplicação da acessão inversa prevista no art. 1.255, parágrafo único, do Código Civil, bem como a manutenção do benefício da justiça gratuita concedido à autora e a eventual caracterização de litigância de má-fé. O recurso, adianto, merece provimento.  O pedido reivindicatório, inicialmente, visava às "áreas remanescentes dos imóveis objetos, Lotes 01 e 02 da Matrícula 3.240 ficha 001, Livro 02 RG, do 2° Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de São Francisco do Sul, com áreas de 1.550,00 m² e 3.600,00 metros quadrados, respectivamente" (evento 1, INIC1, fl. 2). Entretanto, após a realização da perícia técnica, verificou-se que determinadas áreas já haviam sido alienadas, restando controvérsia apenas quanto à área remanescente do Lote 2, registrada sob a Matrícula nº 3.240 do 2º Ofício de Registro de Imóveis. Confira-se da sentença (evento 201, SENT1): "[...] Em suma, concluiu a Sra. Perita: (...) Após cuidadosa avaliação, pode-se inferir que somente o Lote 2 constante da Matrícula 3.240 do 2º Ofício de Registro de Imóveis é da Requerente, tendo sido identificado que o mesmo apresenta-se em forma de losango e que possuía uma edificação tipo galpão desde, pelo menos, o ano de 2005. (...) Em relação aos demais lotes citados pela parte autora (lotes 1 e 3), concluiu-se que houve a venda regular ainda no ano de 1977, ao Sr. Nestor e à Sra. Marlene Gioppo, respectivamente.  Posteriormente, em relação ao lote 3 houve a venda para o Sr. Wanderlei e para o Sr. Ademar no ano de 2003, que posteriormente estes venderam para a requerida em 05/2015. Ainda, quando da venda do lote 3 pela requerente à Sra. Marlene (em 1977), ficou estipulado que dentro deste lote ficaria reservado para a parte autora uma fração de terras correspondente a 1.485 m2, para neste fazer sua moradia. Citada fração de terras foi vendida posteriormente pela requerente ao Sr. Jocélio, no ano de 2008, sendo que posteriormente este (Jocélio) vende fração maior de terras à requerida, incluído os 1.485 m2, totalizando,  2.315 m2. Logo, há que se considerar que, atualmente, a requerida esbulha da parte autora tão somente o denominado "Lote 2". [...]" Em reconvenção, a apelante alegou exceção de usucapião, sustentando que exercia posse mansa, pacífica e com animus domini desde 1994, afirmando que adquiriu o imóvel de terceiros, desconhecendo qualquer titularidade remanescente da apelada, e que construiu sobre o terreno de boa-fé, com significativo investimento financeiro. Pois bem. É certo que compete ao magistrado, nos termos do art. 370 do CPC, a direção do processo e a apreciação sobre a necessidade de provas. Todavia, não se pode olvidar que o julgamento antecipado da lide, em hipóteses em que a controvérsia depende de maior dilação probatória, pode configurar cerceamento de defesa. No caso em exame, observo que a tese de usucapião extraordinária deduzida em reconvenção não pode ser afastada sumariamente sem a devida instrução. A própria fundamentação da sentença reconheceu a ausência de comprovação dos requisitos temporais e fáticos da prescrição aquisitiva, o que reforça a pertinência da produção da prova testemunhal como meio idôneo para esclarecer tais circunstâncias. Soma-se a isso a existência de declarações incongruentes da própria apelada quanto à área ocupada, ao histórico de posse e à efetiva dimensão do terreno em litígio, elementos que tornam indispensável a reabertura da instrução processual para adequada elucidação da controvérsia. Ademais, verifico a ausência de precisa delimitação do marco inicial da ocupação pela apelante, cuja alegação remonta ao ano de 1994. Há, portanto, complexidade fática relevante, considerando que a posse teria sido transmitida por meio de negócios informais e que a apelante realizou edificação substancial no imóvel. Nesse contexto, é oportuno invocar entendimento consolidado em casos como o da espécie: "EMENTA: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA POR INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL. NULIDADE DA SENTENÇA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta por autores de ação de usucapião visando à declaração de domínio sobre imóvel localizado no Município de Bombinhas/SC, sob alegação de posse mansa, pacífica e com animus domini. A sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido, sob fundamento de ausência de provas suficientes, mesmo após requerimento de audiência de instrução e julgamento. [...] 3. A usucapião exige demonstração de posse contínua, mansa e com animus domini por prazo legal, sendo a prova testemunhal frequentemente essencial quando os documentos não abrangem todo o período exigido. 4. O indeferimento de prova testemunhal requerida expressamente pela parte, quando seguida de julgamento de improcedência por insuficiência de provas, configura cerceamento de defesa. 5. A jurisprudência é pacífica no sentido de reconhecer a nulidade da sentença em tais casos, impondo o retorno dos autos para reabertura da instrução processual. [...]" (TJSC, Apelação n. 5003136-76.2022.8.24.0139, do , rel. Alex Heleno Santore, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 09-09-2025). Nessas condições, diante das peculiaridades da causa e da necessidade de melhor esclarecimento dos fatos controvertidos, impõe-se o acolhimento da preliminar de cerceamento de defesa, com a consequente desconstituição da sentença e retorno dos autos à origem, a fim de que a instrução seja reaberta, facultando-se às partes a produção da prova testemunhal já requerida, com o regular prosseguimento da demanda até novo julgamento. Diante do provimento do recurso, deixo de fixar honorários recursais (Tema n. 1.059/STJ). Por fim, para viabilizar a interposição de recurso às Cortes Superiores, ficam desde já devidamente questionadas todas as matérias infraconstitucionais e constitucionais suscitadas pelas partes. Ressalta-se que não é necessária a citação numérica dos dispositivos legais, sendo suficiente que a questão tenha sido debatida e decidida por este TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 0300190-62.2019.8.24.0103/SC RELATOR: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA CUMULADA COM RECONVENÇÃO DE USUCAPIÃO. DIVERGÊNCIA QUANTO À ÁREA E À POSSE DO IMÓVEL. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA INSTRUÇÃO. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. TEMA N. 1.059 DO STJ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Verificada a necessidade de dilação probatória para o exame da posse e dos requisitos da usucapião extraordinária, revela-se indevido o julgamento antecipado da lide com fundamento no art. 355, I, do CPC. 2. O indeferimento da prova testemunhal requerida pela parte, quando seguida de improcedência por insuficiência de provas, caracteriza cerceamento de defesa, impondo a desconstituição da sentença. 3. Diante das contradições nas declarações sobre a posse, o histórico dominial do imóvel e a ausência de delimitação temporal precisa, impõe-se a reabertura da instrução processual para adequada elucidação dos fatos. Sentença desconstituída, com retorno dos autos à origem para realização da prova oral e novo julgamento. Honorários recursais incabíveis. Recurso conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Câmara de Direito Civil do decidiu, por unanimidade, conhecer o recurso e dar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Florianópolis, 11 de novembro de 2025. assinado por EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6889519v4 e do código CRC 6111487a. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA Data e Hora: 11/11/2025, às 18:53:52     0300190-62.2019.8.24.0103 6889519 .V4 Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 02:18:00. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 17/11/2025 Apelação Nº 0300190-62.2019.8.24.0103/SC RELATOR: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA PRESIDENTE: Desembargadora ELIZA MARIA STRAPAZZON PROCURADOR(A): BASILIO ELIAS DE CARO Certifico que este processo foi incluído como item 114 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 15:39. Certifico que a 8ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão: A 8ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER O RECURSO E DAR-LHE PROVIMENTO. RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA Votante: Desembargador EMANUEL SCHENKEL DO AMARAL E SILVA Votante: Desembargadora ELIZA MARIA STRAPAZZON Votante: Desembargador Substituto MARCELO PONS MEIRELLES JONAS PAUL WOYAKEWICZ Secretário Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 02:18:00. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas