EMBARGOS – Documento:6792421 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 0301144-38.2018.8.24.0073/SC RELATOR: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES RELATÓRIO Para retratar o desenvolvimento processual, adota-se o relatório da sentença: Trata-se de ação proposta por V. D. S. contra Trisa Comércio de Automóveis Ltda Me, qualificados, na qual objetiva a rescisão do contrato de compra e venda do veículo VW/Gol, placas LWU-5461, com o réu, o retorno das partes ao status quo ante e o recebimento de indenização por danos morais, sob a alegação de que não foi possível transferir o veículo.
(TJSC; Processo nº 0301144-38.2018.8.24.0073; Recurso: embargos; Relator: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:6792421 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 0301144-38.2018.8.24.0073/SC
RELATOR: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES
RELATÓRIO
Para retratar o desenvolvimento processual, adota-se o relatório da sentença:
Trata-se de ação proposta por V. D. S. contra Trisa Comércio de Automóveis Ltda Me, qualificados, na qual objetiva a rescisão do contrato de compra e venda do veículo VW/Gol, placas LWU-5461, com o réu, o retorno das partes ao status quo ante e o recebimento de indenização por danos morais, sob a alegação de que não foi possível transferir o veículo.
Citado, o réu apresentou contestação, na qual aduziu que o dever de transferir o veículo é do autor, que estava ciente das implicações do bem.
Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos.
Houve réplica. Após o regular trâmite, os autos vieram concluso (evento 24, SENT40)
O Juízo de origem acolheu em parte o pedido nos seguintes termos:
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos na inicial, com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC), para rescindir o contrato firmado entre as partes e determinar o retorno das partes ao status quo ante, com restituição dos valores pagos ao autor, devidamente atualizados, e a devolução do veículo ao réu, considerando o valor da tabela FIPE vigente na data da entrega.
Diante da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das despesas processuais pendentes, na proporção de 1/3 distribuídos ao(s) integrante(s) do polo ativo e de 2/3 imputados ao(s) do lado passivo, conforme arts. 86 e 87 do CPC.
Os litigantes estão obrigados a indenizar as despesas adiantadas no curso do processo, observada a mesma proporção antes fixada, admitida a compensação, conforme art. 82, § 2º, do CPC.
Fixo os honorários sucumbenciais devidos aos advogados no valor de R$ 1.000,00 para cada (art. 85, § 8º, do CPC), vedada a compensação, conforme art. 85 do CPC.
A exigibilidade dos encargos da sucumbência está suspensa com relação à parte ativa, durante o prazo extintivo de 5 (cinco) anos, em face da gratuidade da justiça (fl. 72), nos termos dos arts. 98 a 102 do CPC e da Lei 1.060/1950 (evento 24, SENT40)
A parte ré opôs embargos de declaração (evento 30, EMBDECL44), rejeitados por ausência de vícios (evento 35, SENT1).
Insatisfeita com a decisão, a ré interpôs apelação alegando, em síntese, cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide sem produção de prova testemunhal, o que teria violado o contraditório e a ampla defesa; sustentou ainda ausência de culpa e responsabilidade civil, argumentando que o autor tinha plena ciência da situação do veículo, agiu com desídia e má-fé, e que os danos decorrem exclusivamente de sua conduta, não havendo nexo causal entre os fatos e qualquer ato da ré. Ao final, pediu, preliminarmente, o reconhecimento do cerceamento de defesa para anulação da sentença e produção de prova testemunhal; no mérito, a improcedência dos pedidos do autor, com revogação da rescisão contratual, do retorno ao status quo ante e da restituição de valores; a revogação da inversão do ônus probatório; sucessivamente, que o autor seja obrigado a quitar débitos e entregar o veículo à ré, ou que haja compensação entre os valores devidos; e, por fim, a inversão do ônus de sucumbência e condenação do autor ao pagamento das custas e honorários. (evento 40, APELAÇÃO1).
O autor também recorreu, sustentando que, após adquirir o veículo da ré, não conseguiu transferir a documentação para seu nome devido à omissão da vendedora sobre o falecimento do antigo proprietário, o que impossibilitou a transferência e culminou na apreensão do bem; sustentou que não pode ser responsabilizado pela depreciação do veículo nem pelas despesas decorrentes da permanência do automóvel no pátio, pois foi privado da posse por culpa exclusiva da ré, além de ter sofrido constrangimento e prejuízo moral pela impossibilidade de reaver o patrimônio. Concluiu pedindo a reforma da sentença para: (a) confirmar a rescisão contratual com retorno ao status quo ante, abatendo a depreciação apenas pelo período em que esteve na posse do veículo; (b) condenar a ré ao pagamento das despesas relativas à permanência e deterioração do veículo no pátio; (c) condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais; e (d) condenar a ré ao pagamento de custas e honorários advocatícios (evento 46, APELAÇÃO1).
Foram apresentadas contrarrazões apenas pelo autor (evento 48, CONTRAZAP1).
É o relatório.
VOTO
1. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Os recursos devem ser conhecidos, eis que estão presentes os pressupostos de admissibilidade - cabimento, legitimidade, interesse, tempestividade e regularidade formal. O preparo foi devidamente recolhido.
2. JUÍZO DE MÉRITO
2.1 Recurso da ré
2.1.1 Cerceamento de defesa
A ré alegou, preliminarmente, cerceamento de defesa, diante do julgamento antecipado da lide, o que teria impedido a produção de prova testemunhal para demonstrar os danos atribuídos ao autor.
Contudo, a análise dos autos demonstra que a controvérsia pode ser resolvida com base no conjunto documental já produzido, conforme a legislação vigente e considerando as manifestações das partes.
Trata-se, predominantemente, de matéria de direito, que dispensa a produção das provas requeridas pela parte autora. Assim, a decisão do juízo de origem de julgar antecipadamente o mérito da demanda mostra-se adequada.
A produção de provas adicionais revelou-se desnecessária (art. 355, I, do CPC) e, além disso, não há pedido específico na contestação nesse sentido. Na contestação, o pedido de produção de prova foi formulado de forma genérica, sem indicar qual prova seria produzida nem sua relevância para demonstrar os fatos alegados.
Ademais, a análise dos autos deve se concentrar no objeto da ação - o contrato de compra e venda juntado no evento 1, DOC9 - e nas razões que fundamentam o pedido de rescisão. Por isso, a prova requerida genericamente não impede o julgamento antecipado, sobretudo quando o fato constitutivo do direito da parte autora decorre, essencialmente, da análise das obrigações contratuais assumidas pelas partes.
Rejeita-se, portanto, a preliminar de cerceamento de defesa.
2.1.2 Aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC)
A apelante sustenta a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao caso e, por consequência, questiona a inversão do ônus da prova. Ocorre que, ao contrário do alegado, o CDC é aplicável à espécie, pois as partes se enquadram nos conceitos previstos nos arts. 2º e 3º da referida norma.
O autor figura como consumidor, por ser o destinatário final do bem adquirido, sem qualquer intenção de revenda ou aproveitamento econômico. Já a ré atua como fornecedora, pois comercializa veículos de forma profissional e habitual, com finalidade lucrativa, inserindo-se no mercado de consumo.
Reconhecida a relação de consumo, aplicam-se, notadamente, as regras sobre a inversão do ônus da prova, diante da evidente hipossuficiência técnica, econômica e informacional do consumidor.
Desse modo, competia à ré comprovar a regularidade registral do veículo, bem como demonstrar a ausência de responsabilidade, sobretudo porque o contrato atribuiu à vendedora, ora ré, a obrigação de entregar o bem livre de quaisquer restrições.
2.1.3 Ausência de culpa pela rescisão do contrato
No mérito, a ré sustenta não ter sido responsável pela apreensão do veículo que impediu o autor de usufruir sua posse, situação que motivou o ajuizamento da presente demanda, com pedido, entre outros, de rescisão do contrato de compra e venda.
No contrato (evento 1, DOC9), e também no extrato consolidado do veículo emitido pelo Detran/SC (evento 1, DOC17), verifica-se que o bem está registrado em nome de Getúlio Pereira, terceiro alheio à negociação, já falecido à época da celebração. Este fato é incontroverso.
Considerando essa circunstância, a transferência da propriedade junto ao órgão de trânsito competente exigiria a apresentação do comprovante de transferência, devidamente assinado pelo antigo proprietário. Sendo este falecido e com inventário em andamento, a regularização registral do automóvel dependeria de autorização judicial, o que não ocorreu até o momento da venda.
A decisão recorrida fundamenta-se nas disposições do Código de Trânsito Brasileiro (CTB):
Art. 123. Será obrigatória a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando:
I - for transferida a propriedade;
[...]
§ 1º No caso de transferência de propriedade, o prazo para o proprietário adotar as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo é de trinta dias, sendo que nos demais casos as providências deverão ser imediatas.
Art. 134 – No caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado, dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação.
A ré reitera que o autor tinha ciência das condições do automóvel e, mesmo assim, optou por firmar o contrato. Essa alegação, contudo, não se sustenta, pois não há qualquer registro dessa informação no contrato ou em outro elemento de prova constante dos autos, o que evidencia violação ao dever de informação e à boa-fé contratual.
Ainda que o veículo tenha sido apreendido por culpa do autor - que o estacionou em local proibido -, o documento necessário para regularizar a situação registral do automóvel, cuja entrega era obrigação da vendedora, não estava em sua posse. Ou seja, mesmo que regularizasse as pendências relativas a multas, estadia e guincho, não conseguiria retirar o automóvel do depósito sem a documentação exigida.
Dessa forma, a ré descumpriu a cláusula contratual que previa a entrega do bem “desembaraçado” e “livre de quaisquer ônus” (1ª cláusula contratual - evento 1, DOC9).
Não merece acolhimento, igualmente, a alegação de que o veículo foi apreendido pelas autoridades competentes em razão de documentação atrasada. Isso porque tal fato não afasta a impossibilidade de transferência da propriedade ao autor. Ou seja, ainda que, por sua desídia, o automóvel tenha sido apreendido, quando tentou retirá-lo do depósito, não obteve êxito por não possuir a documentação necessária.
E tal obrigação, por força do contrato, competia à parte ré.
Portanto, diante da ausência de documentação essencial para a transferência da propriedade, cuja entrega competia à ré, e da impossibilidade de o autor regularizar a situação do veículo, impõe-se reconhecer a responsabilidade da vendedora pelo inadimplemento contratual, o que justifica a rescisão do pacto firmado.
2.1.4 Responsabilidade pelo pagamento das infrações administrativas que impedem o cumprimento da sentença - ponto comum dos recursos
A ré sustentou que, para que a sentença seja cumprida e o veículo retorne à sua posse, é necessário retirá-lo do local onde se encontra apreendido, o que somente será viável mediante o pagamento das multas, diárias e do guincho responsável pela remoção, encargos que, segundo a ré, devem ser atribuídos ao autor.
O autor, por sua vez, afirmou ser indevido o repasse da responsabilidade pelo pagamento das multas, guincho e diárias de depósito, pois o automóvel foi recolhido em razão da ausência de documentação que lhe conferia a propriedade.
A sentença reconheceu que o veículo foi apreendido por estar estacionado em cruzamento de vias públicas, conduta infracional atribuída ao autor. Por esse motivo, as despesas diretamente relacionadas à infração - como multa e guincho - foram corretamente atribuídas ao comprador, não havendo relação entre tais encargos e o vício contratual que motivou a rescisão.
No entanto, quanto às diárias de pátio, verifica-se que o prolongamento da retenção do veículo decorreu da impossibilidade de retirada, causada pela ausência de documentação hábil para transferência, fato imputável à ré. Embora a infração inicial seja de responsabilidade exclusiva do autor, a permanência do bem no depósito resulta de conduta omissiva da ré, que entregou veículo sem condições legais de registro.
Diante desse contexto, reconhece-se a concorrência de culpas quanto às despesas de pátio, com partilha proporcional entre as partes.
Assim, o recurso do autor deve ser desprovido, mantendo-se sua responsabilidade integral pelas despesas de multa e guincho, enquanto o recurso da ré merece parcial provimento, apenas para reconhecer a responsabilidade concorrente pelas diárias de pátio.
2.1.5 Compensação
Sucessivamente, a ré requereu a compensação dos valores, descontando-se os encargos administrativos do total a ser restituído ao autor, o qual deverá obedecer a tabela FIPE, conforme determinado na sentença.
Nos termos do art. 368 do Código Civil, a compensação extingue as obrigações até o limite da menor delas, quando duas pessoas forem, ao mesmo tempo, credoras e devedoras uma da outra.
No presente caso, há uma situação típica para aplicação da compensação, pois (i) o autor possui crédito decorrente da restituição do valor pago pela compra do veículo, em virtude do desfazimento contratual e, (ii) a ré, por sua vez, tem direito ao recebimento dos encargos administrativos correspondentes à multa de trânsito, guincho e diárias no depósito, que devem ser descontados do valor a ser restituído ao autor.
Desta forma, ambos os valores são líquidos e certos, referentes à mesma relação jurídica, o que permite a compensação entre eles.
A tabela FIPE é parâmetro reconhecido e amplamente utilizado para a avaliação do valor justo de mercado dos veículos automotores, servindo como referência adequada para a apuração do montante a ser restituído, respeitando o princípio da equivalência material e evitando enriquecimento sem causa, conforme constou na sentença.
Assim, a compensação entre os valores será realizada observando-se o valor do veículo conforme tabela FIPE vigente na data da entrega, deduzidos os encargos administrativos, com destaque para a partilha proporcional das diárias de pátio, em razão da concorrência de culpas anteriormente reconhecida.
Dessa forma, o recurso da ré deve ser parcialmente provido, para determinar a compensação entre os créditos das partes, com abatimento dos encargos administrativos e divisão proporcional das diárias de pátio.
2.2 Recurso do autor
2.2.1 Incidência da FIPE
O autor sustenta que o valor a ser restituído deveria corresponder à tabela FIPE vigente na data da apreensão do veículo, sem qualquer abatimento por depreciação.
Sem razão.
O valor da restituição deve refletir o valor de mercado do automóvel, conforme a tabela FIPE na data da efetiva devolução, como fixado pela sentença. Entendimento diverso implicaria enriquecimento sem causa por parte do autor.
A jurisprudência é firme nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE VEÍCULO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ADULTERAÇÃO DO HODÔMETRO. VÍCIO DO PRODUTO. PARCIAL PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DA RÉ. DECADÊNCIA. NÃO ACOLHIMENTO. VÍCIO OCULTO. AUTOR QUE ACIONOU A PARTE RÉ DENTRO DO PRAZO DE 90 DIAS PREVISTO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. RÉ ALEGA QUE NÃO TINHA CIÊNCIA DA ADULTERAÇÃO, BEM COMO NÃO TERIA RESTADO COMPROVADO QUE A ALTERAÇÃO FOI PROMOVIDA PELO ESTABELECIMENTO. INSUBSISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORNECEDORA QUE TEM O DEVER DE GARANTIR A AUTENTICIDADE E A INTEGRIDADE DOS VEÍCULOS COMERCIALIZADOS. RESCISÃO VIÁVEL. RESTITUIÇÃO QUE DEVE CONSIDERAR A DEPRECIAÇÃO DO AUTOMÓVEL. ACOLHIMENTO. DEMANDANTE QUE VEM USUFRUINDO NORMALMENTE DO BEM POR CERCA DE SEIS ANOS. REEMBOLSO QUE DEVERÁ CONSIDERAR O VALOR DE MERCADO DO VEÍCULO, MENSURADO ATRAVÉS DA TABELA FIPE, DA DATA DA DEVOLUÇÃO DO BEM À PARTE REQUERIDA. DANOS MORAIS. MERAS IRRITAÇÕES, DISSABORES E OUTROS CONTRATEMPOS COTIDIANOS QUE NÃO POSSUEM O CONDÃO DE ATRIBUIR AO RÉU O DEVER DE INDENIZAR. REQUERENTE QUE PERMANECEU USUFRUINDO DO BEM ATÉ A PRESENTE DATA, SEM MAIORES EMPECILHOS. CONDENAÇÃO AFASTADA. SENTENÇA MODIFICADA EM PARTE. REDISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE (AC n. 5001555-97.2019.8.24.0020, rel. Flavio Andre Paz de Brum, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 14-11-2024).
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO. ADULTERAÇÃO DE HODÔMETRO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação cível contra sentença que julgou parcialmente procedente ação de rescisão contratual cumulada com indenização por danos morais.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões em discussão: (i) saber se se a adulteração do hodômetro de veículo usado configura vício oculto apto a ensejar a rescisão contratual e o dever de indenizar por danos morais; e (ii) saber se a restituição deve considerar o valor de mercado do veículo na data da devolução.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A responsabilidade do fornecedor é objetiva nos termos do art. 18 do CDC. A adulteração do hodômetro caracteriza vício oculto grave que acarreta desvalorização substancial do bem.
4. A informação fraudulenta relativa à quilometragem do veículo viola a boa-fé objetiva e justifica a rescisão contratual, com o retorno das partes ao estado anterior, sendo cabível a manutenção da condenação por danos morais arbitrados diante das circunstâncias excepcionais do caso.
5. O valor do veículo a ser restituído deve seguir o parâmetro da tabela FIPE na data da devolução, estando atualizada monetariamente nessa referência, afastando-se cálculo em liquidação.
IV. DISPOSITIVO
6. Recurso desprovido. Honorários sucumbenciais majorados.
(AC n. 0307356-26.2017.8.24.0036, rel. Vania Petermann, Terceira Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, j. 29-7-2025).
Assim, mantém-se o critério da tabela FIPE na data da devolução, com abatimento pela depreciação, afastando-se a tese recursal.
2.2.2 Danos morais
O autor alegou ter sido privado de seu patrimônio por circunstância alheia à sua vontade, especificamente pela apreensão do veículo em razão da ausência de documentação regular. Atribuiu à ré a responsabilidade pelos fatos narrados na inicial e pleiteou compensação pecuniária por danos morais.
Embora se reconheça o desconforto decorrente da situação enfrentada, não se verifica, no caso concreto, violação a direitos da personalidade ou a qualquer outro bem jurídico extrapatrimonial que justifique a reparação pretendida.
Nos termos do Enunciado 29 da Súmula deste Tribunal, “O descumprimento contratual não configura dano moral indenizável, salvo se as circunstâncias ou as evidências do caso concreto demonstrarem a lesão extrapatrimonial.”Exige-se, portanto, demonstração inequívoca de que a conduta da parte inadimplente extrapolou o mero dissabor, atingindo de forma concreta e extraordinária a esfera íntima do ofendido.
No caso, o autor não comprovou prejuízo moral efetivo, tampouco demonstrou de que forma o descumprimento contratual lhe causou abalo de tal magnitude que justificasse a indenização. A simples rescisão contratual, desacompanhada de prova das consequências negativas concretas e excepcionais sobre sua esfera pessoal, não sustenta o pedido indenizatório.
Portanto, ausente prova de abalo extrapatrimonial relevante, mantém-se o indeferimento do pedido indenizatório.
3. CONCLUSÃO
Assim, deve-se acolher parcialmente a apelação interposta pela ré para reconhecer o direito à compensação entre créditos e débitos, conforme determinado acima. Por outro lado, nega-se provimento ao apelo do autor.
Diante do resultado do julgamento, no qual se verifica o provimento mínimo do recurso da demandada, conserva-se a distribuição dos ônus sucumbenciais estabelecida na sentença.
Pelo exposto, voto por conhecer das apelações, prover em parte o apelo da ré e desprover o recurso do autor. Em cumprimento ao art. 85, §§2° e 11, do CPC, majoro os honorários fixados anteriormente em R$ 400,00 para a parte autora.
assinado por GIANCARLO BREMER NONES, Desembargador Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6792421v64 e do código CRC 8f5dca54.
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Documento:6792422 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 0301144-38.2018.8.24.0073/SC
RELATOR: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES
EMENTA
DIREITO DO CONSUMIDOR. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÕES. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO. IMPOSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE. PROPRIETÁRIO ANTERIOR FALECIDO. RESCISÃO CONTRATUAL. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
I. CASO EM EXAME
1. A autora ajuizou ação de rescisão de contrato de compra e venda de veículo cumulada com indenização por danos morais, alegando impossibilidade de transferência da propriedade. O juízo de origem julgou parcialmente procedente o pedido, determinando a rescisão contratual e o retorno ao status quo ante. Ambas as partes apelaram, insurgindo-se a ré contra o reconhecimento de sua responsabilidade e o autor contra o critério de restituição e o indeferimento dos danos morais.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há cinco questões em discussão: (i) saber se houve cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide; (ii) saber se é aplicável o Código de Defesa do Consumidor à relação estabelecida entre as partes; (iii) saber se a vendedora responde pela impossibilidade de transferência da propriedade quando o proprietário anterior estava falecido; (iv) saber se há direito à compensação entre o valor da restituição e os encargos administrativos decorrentes da apreensão do veículo; e (v) saber se o descumprimento contratual configura dano moral indenizável.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide quando a controvérsia é predominantemente de direito e o conjunto probatório documental é suficiente para o deslinde da causa, especialmente quando o pedido de produção de provas foi formulado de forma genérica na contestação, sem indicação de sua relevância.
4. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações de compra e venda de veículos quando o adquirente figura como destinatário final do bem e o fornecedor comercializa automóveis de forma profissional e habitual, sendo cabível a inversão do ônus da prova diante da hipossuficiência técnica, econômica e informacional do consumidor.
5. A vendedora que entrega veículo registrado em nome de proprietário falecido, sem a documentação necessária para transferência da propriedade, descumpre a cláusula contratual que prevê a entrega do bem livre de quaisquer ônus, justificando a rescisão contratual, ainda que a apreensão inicial tenha decorrido de conduta infracional do comprador.
6. A permanência do veículo no depósito público resulta de concorrência de culpas quando a infração de trânsito é atribuível ao comprador, mas a impossibilidade de retirada do bem decorre da ausência de documentação hábil para transferência, imputável à vendedora, sendo devida a partilha proporcional das despesas de pátio entre as partes.
7. É cabível a compensação entre o valor da restituição decorrente da rescisão contratual e os encargos administrativos de responsabilidade do comprador, aplicando-se o art. 368 do Código Civil quando as partes são, reciprocamente, credoras e devedoras na mesma relação jurídica.
8. A restituição de valores em razão de rescisão contratual de compra e venda de veículo deve considerar o valor de mercado do bem conforme tabela FIPE na data da efetiva devolução, com abatimento pela depreciação, evitando enriquecimento sem causa do adquirente que usufruiu do automóvel.
9. O descumprimento contratual não configura dano moral indenizável quando não demonstrada violação a direitos da personalidade ou qualquer bem jurídico extrapatrimonial que extrapole o mero dissabor, exigindo-se prova de abalo concreto e excepcional à esfera íntima do ofendido.
IV. DISPOSITIVO E TESE
10. Recurso da ré parcialmente provido para determinar a compensação entre créditos e débitos, com partilha proporcional das diárias de pátio. Recurso do autor desprovido. Honorários sucumbenciais majorados.
_______________
Dispositivos relevantes citados: Código Civil, arts. 368; Código de Defesa do Consumidor, arts. 2º, 3º e 18; Código de Trânsito Brasileiro, arts. 123 e 134; CPC, arts. 85, 355.
Jurisprudência relevante citada: TJSC, AC nº 5001555-97.2019.8.24.0020, rel. Flavio Andre Paz de Brum, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 14-11-2024; TJSC, AC nº 0307356-26.2017.8.24.0036, rel. Vania Petermann, Terceira Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, j. 29-07-2025.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos do decidiu, por unanimidade, conhecer das apelações, prover em parte o apelo da ré e desprover o recurso do autor. Em cumprimento ao art. 85, §§2° e 11, do CPC, majoro os honorários fixados anteriormente em R$ 400,00 para a parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por GIANCARLO BREMER NONES, Desembargador Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6792422v6 e do código CRC 852c7576.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 21/10/2025 A 29/10/2025
Apelação Nº 0301144-38.2018.8.24.0073/SC
RELATOR: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES
PRESIDENTE: Desembargador MARCOS FEY PROBST
PROCURADOR(A): VANIA AUGUSTA CELLA PIAZZA
Certifico que este processo foi incluído como item 43 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 06/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 21/10/2025 às 00:00 e encerrada em 22/10/2025 às 13:34.
Certifico que a 3ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
ADIADO O JULGAMENTO NOS TERMOS DO ART. 935 DO CPC.
CLEIDE BRANDT NUNES
Secretária
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Identificações de pessoas físicas foram ocultadas
Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 04/11/2025 A 11/11/2025
Apelação Nº 0301144-38.2018.8.24.0073/SC
RELATOR: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES
PRESIDENTE: Desembargador MARCOS FEY PROBST
PROCURADOR(A): CARLOS HENRIQUE FERNANDES
Certifico que este processo foi incluído em mesa e julgado na Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24 - iniciada em 04/11/2025 às 00:00 e encerrada em 04/11/2025 às 19:26.
Certifico que a 3ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª CÂMARA ESPECIAL DE ENFRENTAMENTO DE ACERVOS DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DAS APELAÇÕES, PROVER EM PARTE O APELO DA RÉ E DESPROVER O RECURSO DO AUTOR. EM CUMPRIMENTO AO ART. 85, §§2° E 11, DO CPC, MAJORO OS HONORÁRIOS FIXADOS ANTERIORMENTE EM R$ 400,00 PARA A PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES
Votante: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES
Votante: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR
Votante: Desembargador MARCOS FEY PROBST
CLEIDE BRANDT NUNES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 02:16:34.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas