CONFLITO – 'A exceptio non adimpleti contractus só pode ser alegada com propriedade quando as prestações são contemporâneas (trait pour trait). Quando as prestações são sucessivas, não é lícito invocá-la, em seu prol, a parte a quem incumbia dar o primeiro passo. (in Contratos. 13. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 263).
Disso decorre ser lícito à parte invocar a exceção do contrato não cumprido quando as prestações são contemporâneas e, de fato, o adimplemento da obrigação esteja condicionado ao cumprimento daquela assumida pela parte adversa.
Com efeito, o atraso do consumidor foi reconhecido em sentença, que assim expôs:
Sabe-se que não dependem de prova os fatos "afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária" (CPC, art. 374, II). Dito isso, não há dúvidas que o comprador igualmente não cumpriu o prometido ao deixar de pagar, em 10 e 15 de agosto de 2016, o boleto...
(TJSC; Processo nº 0312565-86.2017.8.24.0064; Recurso: conflito; Relator: Desembargador RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE; Órgão julgador: Turma, DJe 9-12-2022).; Data do Julgamento: 15 de agosto de 2016)
Texto completo da decisão
Documento:6346158 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 0312565-86.2017.8.24.0064/SC
RELATOR: Desembargador RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE
RELATÓRIO
Por refletir com fidelidade o trâmite na origem, adoto o relatório da sentença (evento 180, SENT1, 1G):
I. K. S. ingressou com AÇÃO DECLARATÓRIA e CONDENATÓRIA contra JAT ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA e BANCO DO BRASIL S.A., todos identificados.
Alegou que adquiriu da construtora ré, em 02/03/2015, uma unidade residencial localizada no Condomínio Quinta de Potecas, posteriormente, firmou um Termo Aditivo em 19/05/2015 modificando preço e forma de pagamento, com promessa de entrega para janeiro de 2016, que não cumprida. Em 28/04/2015, firmou com o banco réu o Instrumento Particular, com Efeito de Escritura Pública, de Venda e Compra de Imóvel na Planta Mediante Financiamento Garantido por Alienação Fiduciária, no Âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida. Relatou que, em decorrência do descumprimento contratual, e sem qualquer data prevista para a conclusão da obra e para a expedição do Habite-se, experimentou prejuízos de ordem material e moral.
Em tutela de urgência postulou a suspensão da cobrança do "seguro de obra" ou dos juros pré-amortização (encargos básicos da cláusula décima, §1º), a retirada de seu nome órgãos de proteção ao crédito e abstenção de novas inclusões, e o levantamento dos protestos lavrados.
Pediu pela consignação em pagamento do valor dos títulos protestados, cujo débito admite como sendo de R$ 677,99 (seiscentos e setenta e sete reais e noventa e nove centavos), alegando que a quitação "está pendente apenas por incerteza do meio de como fazê[-lo]".
Ao final, pediu a procedência do pedido, com a DECLARAÇÃO da data para entrega da obra o dia 20/01/2016; subsidiariamente, o reconhecimento do atraso desde 20/07/2016; da inversão da cláusula penal moratória, subsidiariamente, a condenação ao ressarcimentos dos valores suportados com locação de imóvel residencial durante o atraso da entrega da obra; de modificação da cláusula décima primeira, parágrafo primeiro; subsidiariamente, a modificação da cláusula décima sexta, parágrafo primeiro, para limitar os pagamentos de juros pré-amortização em patamar não superior a 50% da parcela final do financiamento; de nulidade das "cláusulas contratuais referentes a capitalização de juros, limitando-os em 10% a.a., para que sejam capitalizados de forma simples, nos termos do art. 6º, alínea 'e', da Lei Regente do Sistema Financeiro de Habitação (Lei n.º 4.380/64", bem como a CONDENAÇÃO, de forma solidária, ao ressarcimento da quantia paga título de juros pré-amortização que exceder a R$ 50,00 (cinquenta reais), subsidiariamente, a amortização no financiamento habitacional, e ao pagamento de indenização por danos morais, de maneira solidária. Valorou a causa e juntou documentos.
Em seguida, informou o depósito judicial do valor dos títulos protestados (3.55).
Foi determinada a emenda da inicial, no sentido de identificar "pontualmente a relação entre as supostas ilegalidades e as cláusulas revisandas (causae petendi), as indicando (ilegalidades e respectivas cláusulas) objetiva e especificamente", e a comprovação da alegada hipossuficiência (16.80).
Em petição, afirmou a parte autora que "o pedido de revisão da obrigação em pagar o 'seguro-obra' ou 'juros pré-amortização' foi bastante delimitado", e que, se houve omissão, esta ocorreu no que diz respeito aos juros capitalizados, pugnando pela realização de prova pericial, em razão da ausência de conhecimento técnico específico e de condições financeiras para contratar um profissional para tal fim. Alternativamente, desistiu do pedido "c) dos danos materiais – 3. da vedação à capitalização de juros". Juntou documentos (18.82)
Recebida a inicial, foi concedido o benefício da justiça gratuita e deferida em parte a tutela de urgência, apenas para determinar a abstenção de inscrição nos cadastros de órgãos de natureza restritiva de crédito, o levantamento dos protestos lavrados e a suspensão da cobrança dos encargos previstos na cláusula décima, §1° (43.105), enquanto se aguardava a decisão do conflito negativo de competência suscitado (37.97).
Intimado (54.113), o réu Banco do Brasil S.A. interpôs recurso de agravo de instrumento contra a decisão que concedeu a tutela, autuado sob o n. 4019614-50.2018.8.24.0000 (60.117-60.121), o qual não obteve provimento, conforme ementa abaixo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA C/C TUTELA DE URGÊNCIA. DEFERIMENTO. EXCLUSÃO DO NOME DO AUTOR NOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E SUSPENSÃO DA COBRANÇA DE ENCARGOS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. RECURSO DA PARTE RÉ. ARGUMENTO DE QUE A DECISÃO GUERREADA SE MOSTRA ARBITRÁRIA, PAUTADA EM ALEGAÇÕES UNILATERAIS E QUE AGIU EM EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. INSUBSISTÊNCIA. AUTOR QUE DILIGENCIOU NA TENTATIVA DE OBTENÇÃO DE BOLETOS, BUSCANDO O PAGAMENTO NOS MOLDES DA OBRIGAÇÃO CONTRATADA. ASSERÇÃO DE IRREVERSIBILIDADE DO INTERLOCUTÓRIO RECORRIDO. TESE NÃO ACOLHIDA. DEPÓSITO JUDICIAL NO MONTANTE DOS DÉBITOS PROTESTADOS, GARANTINDO O ADIMPLEMENTO DA DÍVIDA. ALMEJADA EXCLUSÃO DA SANÇÃO PECUNIÁRIA. INSTRUMENTO COLOCADO À DISPOSIÇÃO DO MAGISTRADO PARA INFLUIR NA VONTADE DAS PARTES NO SENTIDO DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO, BEM ASSIM PRESERVAR A AUTORIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS. MEDIDA BEM APLICADA PELO JUÍZO A QUO. REDUÇÃO DO VALOR DA MULTA DIÁRIA. INSUBSISTÊNCIA. QUANTUM COERENTE, PROPORCIONAL E RAZOÁVEL. ALEGADO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DA PARTE AGRAVADA. TESE SEM RESPALDO NA PROVA DOS AUTOS. MINORAÇÃO REJEITADA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4019614-50.2018.8.24.0000, de São José, rel. André Luiz Dacol, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 16-04-2019).
Reconhecida a competência desta vara cível para julgar a demanda (63.159-63.170), foi ordenada a citação (72.191).
O réu Banco do Brasil S.A. apresentou contestação (79.197), suscitando, em preliminares, a revogação da tutela de urgência, a indevida concessão da justiça gratuita, a ilegitimidade passiva, a ausência de responsabilidade subsidiária pela mera participação como concessora de crédito. No mérito, sustentou a falta de evidências de qualquer ao ilícito de sua parte, muito menos defeito ou negligência na prestação de seus serviços, aptos a ensejar uma reparação moral. Asseverou a responsabilidade da parte ré pela inexecução culposa de suas obrigações e a inexistência de responsabilidade solidária devido à falta de obrigação específica em fiscalizar, tecnicamente, a solidez da obra, e de danos morais e materiais, especialmente porque não comprovados. Teceu considerações sobre os juros de carência, que correspondem à remuneração do capital (valor financiado), não sendo abusiva a cláusula contratual que estabeleça sua cobrança, quando a data do vencimento das prestações não coincide com a data da liberação do crédito. Impugnou a inversão do ônus da prova. Concluiu postulando o acolhimento das preliminares e, ao final, a improcedência dos pedidos inaugurais.
Foi declarada a nulidade da citação editalícia da ré JAT (149.1).
Citada (161.1), a ré JAT Engenharia e Construções LTDA apresentou contestação instruída com documentos (163.1). Suscitou, em preliminares, a indevida concessão da justiça gratuita, a ilegitimidade passiva para ressarcir os juros de obra, e a impossibilidade de exclusão do banco réu do polo passivo, porque financiou a obra e tinha ingerência sobre a mesma. No mérito, sustentou a impossibilidade de arbitramento da data de entrega pretendida, pois foi avençado prazo de 24 meses e tolerância de 180 dias, que findaria em 02/09/2017, porém, o comprador descumpriu sua obrigação antes desta data, ao deixar de pagar três parcelas, vencidas em agosto e dezembro de 2016, com protestos lavrados e, após o ingresso da demanda, inadimpliu outras parcelas, reconhecendo e admitindo o débito, que somente foi pago em 2019, momento que recebeu a unidade habitacional prometida. Teceu considerações sobre a teoria da exceção do contrato não cumprido e da legalidade da cláusula de tolerância, para afastar a mora na entrega do imóvel, devido a inadimplência do comprador. Alegou a vedação de cumulação da cláusula penal e de lucros cessantes, com base no Tema 970, do STJ, a impossibilidade de inversão da cláusula penal sobre o valor total do contrato, e de perdas e danos, consubstanciados em alugueres, e a inexistência de prova de atos ilícitos de sua parte supostamente aptos a ensejar danos morais, sempre reiterando que o comprador deu causa a entrega tardia. Asseverou a legalidade do seguro obra, devido durante o prazo de obra, devendo cessar após a emissão ho Habite-se e, se cobrados depois pela instituição bancária, esta é a única responsável pela devolução. Impugnou pontualmente os documentos. Concluiu postulando o acolhimento das preliminares e, ao final, a improcedência dos pedidos inaugurais.
Houve réplica (167.1), na qual foram rechaçados os argumentos da contestação.
Intimadas para especificação de provas, a parte ré postulou pelo julgamento da lide no estado que se encontra (174.1 e 176.1), enquanto a parte autora, renunciou ao prazo (evento 175).
Sobreveio o seguinte dispositivo:
ANTE O EXPOSTO, na forma do art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO FORMULADO NA INICIAL e, em consequência:
1. DECLARO a mora da construtora ré a partir de 30/07/2016 até 21/12/2017;
2. DECLARO a responsabilidade solidária do réu Banco do Brasil S/A para responder pelos prejuízos decorrentes do atraso na entrega da obra ocasionados pela construtora ré, inclusive os juros de obra;
3. CONDENO a parte ré ao pagamento da cláusula penal moratória estipulada em 2% (dois por cento) sobre o valor total do contrato (R$ 125.000,00), acrescida de juros de 1% a.m., limitado ao período da mora (30/07/2016 até 21/12/2017);
4. CONDENO a parte ré a ressarcir os valores pagos a título de seguro obra, na forma simples, cobrados após a mora da construtora ré (30/07/2016) até 21/12/2017 ou depois desta, se foi cobrado, aplicando-se correção monetária (INPC) a partir de cada desembolso, e juros de mora de 1% a partir da data desta sentença;
5. CONDENO a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), aplicando-se correção monetária (INPC) a partir desta sentença, e juros de mora de 1% a partir da citação;
6. CONFIRMO a decisão que antecipou os efeitos da tutela de urgência (evento 43, dec105), fixando a suspensão definitiva da cobrança referente de "seguro de obra" ou dos juros pré-amortizados (encargos básicos da cláusula décima, §1°, do contrato) a partir de 30/07/2016 até 21/12/2017, ou depois desta data, se ainda foi cobrado;
7. DECLARO quitada a dívida protestada, autorizando o levantamento dos valores depositados em subconta pela construtora ré, observados os dados bancários informados e certificados os poderes para receber e dar quitação, independentemente do trânsito em julgado.
Havendo necessidade, serve a presente sentença como ofício.
Registro que, à exceção dos honorários sucumbenciais (CPC, art. 82, §14º), na hipótese de as partes serem reciprocamente credoras e devedoras entre si, possível a compensação de valores (art. 368 do Código Civil).
Como a parte autora decaiu de parte mínima de seu pedido, CONDENO a parte ré, solidariamente, ao pagamento das despesas processuais e de honorários advocatícios ao patrono da parte autora que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, o que faço com fundamento no artigo 85, §2º, atendidos os critérios do § 2º, incisos I a III, do mesmo dispositivo, e no art. 86, todos CPC.
Os embargos de declaração opostos pela parte requerida (evento 189, EMBDECL1, 1G) foram rejeitados (evento 197, SENT1, 1G).
Irresignada, a ré JAT Engenharia e Construções Ltda interpôs apelação (evento 206, APELAÇÃO1, 1G).
Em suas razões (i) pugnou, preliminarmente, pela revogação do benefício da gratuidade da justiça concedida ao autor/apelado. No mérito, sustentou que: (ii) caracterizou-se a exceção do contrato não cumprido porquanto o atraso na entrega das chaves se deu devido ao atraso no pagamento das parcelas do contrato; (iii) havia cláusula contratual expressa no sentido de que o inadimplemento contratual impediria o recebimento da unidade habitacional; (iv) a cláusula penal não poderia ter sido aplicada sobre o valor total do contrato; (v) a condenação à restituição de juros de obra deve ser imputada exclusivamente ao banco; (vi) é incabível a condenação por dano moral; e (vii) devem ser "revistas as custas processuais e honorários sucumbenciais, readequando-os a totalidade para o Apelado sucumbente", ou, subsidiariamente, sejam arbitrados os honorários no patamar mínimo.
Nesses termos, requereu o provimento do recurso.
Apresentadas contrarrazões (evento 214, CONTRAZ1, 1G).
Petição apresentada pela recorrente no evento 18 manifestando a desistência parcial do recurso, especificamente quanto às temáticas que versam sobre a cláusula penal e mora inicial.
VOTO
1. Da admissibilidade recursal
De início, verifico que a parte apelante manifestou expressamente a desistência do recurso interposto "tão somente no que se refere ao ( ITEM C), quanto a inversão da cláusula penal e a mora inicial (ITEM A)" (evento 18, PET1).
Nos termos do art. 998 do Código de Processo Civil, “O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso”.
Nada obstante, o instrumento de mandato outorgado às patronas (evento 162, PROC1) não contém poderes específicos para desistir, não atendendo, assim, à exigência legal contida no art. 105 do CPC.
Diante disso, há óbice ao exercício do direito de desistência.
Indo adiante, a apelante pugnou pela revogação da gratuidade da justiça concedida ao autor/apelado.
Razão, contudo, não lhe assiste. A questão atinente à gratuidade já foi analisada pelo juízo a quo em três oportunidades (evento 43, DEC105, evento 180, SENT1 e evento 197, SENT1), sendo que os argumentos expostos nas razões de apelação são exatamente os já lançados nos embargos declaratórios (evento 189, EMBDECL1), dos quais, acertadamente, assentou o juízo de primeiro grau:
Na hipótese, a decisão não incorreu em vício, porquanto o único documento juntado com a defesa (evento 163, ANEXO13), uma "Consulta Serasa, Cheque, CPF, CNPJ, Crédito e Certificado Digital", não é suficiente para comprovar a existência de recursos financeiros.
Com efeito, a parte embargante mencionou no corpo da contestação sobre o crédito com o Banco Santander S.A., juntando a cópia da petição inicial da demanda envolvendo o crédito somente nos embargos de declaração. Neste ponto, aliás, verifica-se que a parte embargada deixou de pagar as parcelas do crédito bancário, o que ensejou o vencimento antecipado da dívida, no valor de R$ 615.577,83 (evento 189, ANEXO2).
Sendo assim, mantenho a fundamentação de que a parte impugnante deveria comprovar a inexistência dos requisitos essenciais à sua concessão, o que não ocorreu no caso.
Complemento ainda que, em consulta aos CNPJs indicados no apelo (evento 206, APELAÇÃO1, p. 4), o nome do recorrido não mais consta do quadro societário das pessoas jurídicas. Logo, não há nos autos nenhum elemento apto a corroborar a alegação da apelante.
Noutra senda, alegou o recorrido, em suas contrarrazões, a ausência de dialeticidade recursal, sob o argumento de que o apelo teria se limitado, em grande parte, a reproduzir os argumentos da peça inicial, não se insurgindo especificamente em relação aos fundamentos da sentença.
Adianto que razão não lhe assiste.
Entende o Superior , rel. Haidée Denise Grin, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 29-9-2022).
Feitas estas ressalvas, presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
2. Do mérito
No mérito, o recurso comporta parcial acolhimento.
2.1. Da alegada exceção do contrato não cumprido
A existência do contrato de compra e venda entabulado entre as partes é fato incontroverso. A lide cinge-se em aferir se houve descumprimento contratual por uma das partes e quais suas consequências.
O juízo sentenciante corretamente reconheceu o inadimplemento contratual por parte da apelante por ter informado ao consumidor/apelado que o imóvel seria entregue em 30-7-2016 (evento 1, INF35), o que não ocorreu.
Afinal, nos termos do art. 30 da Lei Consumerista, "toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado".
Na tentativa de elidir sua mora, a apelante defende a exceção do contrato não cumprido, ao argumento de que o consumidor/apelado estava em atraso com as parcelas contratualmente assumidas.
Nos contratos sinalagmáticos (como a compra e venda objeto da demanda) os contratantes possuem obrigações recíprocas e concomitantes e, por consectário, não poderá ser exigido o cumprimento da parcela de uma parte sem que haja a consequente contraprestação pela outra.
A respeito, preceituam os artigos 475 e 476, do Código Civil:
Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
Ainda, leciona Arnaldo Rizzardo:
Como primeiro passo, e constitui o lugar comum, é alegável a exceção do não cumprimento pela outra parte, isto é, a exceptio non adimpleti contractus. Incumbia, antes, ao credor cumprir, como está convencionado. E a falta de cumprimento foi causada pela mora do credor, que se recusou ao recebimento da prestação. São duas as defesas, sob a mesma exceção. Mas não representa este meio um caminho para afastar o direito do credor em receber o seu crédito. Daí parece normal lançar o veredicto de o réu cumprir tão logo tenha o credor satisfeito a sua obrigação. Na verdade, nem se garante o direito de o credor buscar algo se está em mora quanto à sua obrigação. Nesta parte, conveniente seguir a orientação da seguinte ementa: 'A exceptio non adimpleti contractus só pode ser alegada com propriedade quando as prestações são contemporâneas (trait pour trait). Quando as prestações são sucessivas, não é lícito invocá-la, em seu prol, a parte a quem incumbia dar o primeiro passo. (in Contratos. 13. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 263).
Disso decorre ser lícito à parte invocar a exceção do contrato não cumprido quando as prestações são contemporâneas e, de fato, o adimplemento da obrigação esteja condicionado ao cumprimento daquela assumida pela parte adversa.
Com efeito, o atraso do consumidor foi reconhecido em sentença, que assim expôs:
Sabe-se que não dependem de prova os fatos "afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária" (CPC, art. 374, II). Dito isso, não há dúvidas que o comprador igualmente não cumpriu o prometido ao deixar de pagar, em 10 e 15 de agosto de 2016, o boleto do "seguro obra" e uma parcela de entrada, deixando o primeiro título ir à protesto, acompanhado de outros dois boletos vencidos em 15 e 20 de dezembro de 2016, assim como de não adimplir, a partir de 15/03/2017 (163.12), com as parcelas mensais "Tipo II", estipuladas na letra "e", do Quadro VI, do aditivo assinado em 19/05/2015 (1.21).
Não obstante, o imóvel adquirido pelo autor, conforme supra explicitado, deveria ter sido entregue em 30-7-2016. Os alegados atrasos por parte do comprador/apelado se deram após referido prazo.
Não há na peça contestatória, tampouco nas razões de apelação, qualquer informação de ter o apelado inadimplido com parcelas anteriores a 30-7-2016. O e-mail que a apelante informa o reconhecimento do inadimplemento do comprador igualmente não demonstra sua mora anterior à data em que deveria ter sido entregue o imóvel, porquanto referida mensagem eletrônica é datada de 9-11-2017, ou seja, mais de um ano após a mora da vendedora/apelante (evento 163, CONT1, p. 24).
À luz do acervo probatório produzido na origem, a construtora não se desincumbiu de comprovar a alegada inadimplência do apelado em data anterior ao prazo derradeiro para a entrega do bem, nos termos do art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil. Demonstrou, tão somente, uma suposta dívida do comprador, como visto, muito tempo depois de configurada sua própria mora. Portanto, não pode a apelante alegar a exceção do contrato não cumprido se ela deu causa primeira ao descumprimento do pacto.
No ponto, por fim, necessário se fazer a devida distinção da presente ação com os autos de n. 03024142720188240064, trazidos pela apelante, nos quais se reconheceu o direito à exceção do contrato não cumprido da apelante daquela lide. Referida jurisprudência foi assim ementada:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DEMANDA MOVIDA EM FACE DA CONSTRUTORA E DO AGENTE FINANCIADOR DO EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. SENTENÇA QUE RECONHECEU A ILEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA E JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS CONTRA A INCORPORADORA.
[...]
MÉRITO. PLEITO DE JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. ACOLHIMENTO. PARTE AUTORA QUE CONFESSOU O INADIMPLEMENTO DE PARTE DO PREÇO. INADIMPLÊNCIA DA AUTORA QUE REMONTA A DATA ANTERIOR AO PRAZO DE CONCLUSÃO DA OBRA. CONFIGURADA A EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 476 DO CÓDIGO CIVIL. INADIMPLEMENTO DA ADQUIRENTE QUE TORNA INEXIGÍVEL A ENTREGA DO IMÓVEL. PRECEDENTES. SENTENÇA REFORMADA PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS INICIAIS. SENTENÇA REFORMADA.
ÔNUS SUCUMBENCIAIS. CONDENAÇÃO DA AUTORA AO PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DAS CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. EXIGIBILIDADE SUSPENSA, CONTUDO, PORQUE BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 0302414-27.2018.8.24.0064, do , rel. Denise Volpato, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 9-3-2021).
A distinção é clara e evidente. Naqueles autos houve a mora da parte consumidora anteriormente à data aprazada da entrega do imóvel, sendo essa mora, inclusive, incontroversa, o que não ocorreu no presente caso. Pelo contrário, nestes autos restou demonstrada a inadimplência pretérita da apelante.
Logo, a sentença é de ser mantida, no ponto.
2.2. Da inversão da cláusula penal
Defendeu a apelante que a sentença não promoveu apenas a inversão da cláusula penal, consoante admite a jurisprudência, mas constituiu nova cláusula penal com fins a lhe aplicar sanção pelo atraso nas obras, o que não é admissível, por uma questão de simetria conforme o Tema 971 do STJ.
Acrescentou que na cláusula penal, como originalmente ajustada no contrato de compra e venda, "o Apelado poderia ficar inadimplente no valor máximo de R$ 14.159,00, pois todos os demais valores, não teriam qualquer risco de inadimplência, haja vista serem oriundos de: subsídios, recurso do FGTS e financiamento bancário, todos recebimentos, inerentes a vontade do Autor e finalmente as arras, que sem elas não haveria a assinatura do referido contrato" (evento 206, APELAÇÃO1, p. 14). Portanto, defendeu que a cláusula penal prevista poderia incidir, no pior cenário, sobre o referido valor de R$ 14.159,00, em atenção aos parâmetros contratuais e ao princípio da razoabilidade.
Constou do dispositivo da sentença (evento 180, SENT1):
CONDENO a parte ré ao pagamento da cláusula penal moratória estipulada em 2% (dois por cento) sobre o valor total do contrato (R$ 125.000,00), acrescida de juros de 1% a.m., limitado ao período da mora (30/07/2016 até 21/12/2017);
Como visto, o juízo sentenciante, de forma correta, decidiu a questão à luz das disposições da cláusula quarta do contrato de compra e venda, assim redigida (evento 1, INF13):
CLÁUSULA QUARTA - DO INADIMPLEMENTO E MORA
Quando o PROMITENTE COMPRADOR efetuar o pagamento das prestações, descritas no Quadro VI, em atraso, as penalidades impostas, por mora, serão:
a) Correção Monetária, pela variação do CUB/Siduscon - Florianópolis, "Pró-rata-die" entre a data do vencimento da obrigação e o dia que efetivar o pagamento, até a data do término da obra, e as parcelas que se vencerem, após término da obra, serão corrigidas, monetariamente, pelo IGP-M.
b) Multa Moratória, de 2% (dois por cento) do valor da prestação em atraso (Art. 52, §1º do Código de Defesa do Consumidor);
c) Juros Moratórios, de 1% (um por cento) do valor do débito, por mês, ou fração (Art. 1º do Decreto 22.626/33).
A sentença está devidamente embasada no julgamento do REsp 1.631.485/DF pelo Superior , rel. Selso de Oliveira, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 19-10-2023).
Logo, o apelo não comporta acolhimento no ponto.
2.3. Da responsabilidade pela restituição dos juros de obra
Defendeu a apelante que a condenação pela restituição dos juros de mora, imposta pela sentença de forma solidária às requeridas dos autos originários, deveria se dar exclusivamente à instituição financeira.
É do STJ o entendimento de que "na disciplina do PMCMV, sob a modalidade do crédito associativo, é legal a incidência de juros de obra durante o período de construção do imóvel, cessando a sua aplicação com a entrega da unidade, quando terá início a fase de amortização do saldo devedor do financiamento contratado com o agente financeiro" (STJ, REsp 1729593/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, j. em 25-9-2019).
A cobrança de tais encargos por tempo posterior ao estipulado para a construção não é razoável, máxime por não se poder penalizar o consumidor/comprador pela demora da construtora em finalizar o empreendimento.
À vista disso, em julgamento que culminou na elaboração do Tema 996, da Corte Superior, firmou-se ser "ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância".
De pontuar que "em casos deste jaez, em que ocorre financiamento habitacional pelo Programa Minha Casa Minha Vida, é comum haver cláusula expressa determinando que o pagamento de encargos à financeira durante o período de construção do imóvel não amortiza o valor do financiamento contratado - ou seja, o autor fica obrigado ao adimplemento de encargos do próprio empréstimo, sem que, com isso, haja a redução gradual do importe devido. Portanto, por óbvio que não há falar em ausência de prova do pagamento de tais juros, já que presumida a cobrança do referido encargo, estipulado por expressa previsão contratual" (TJSC, Apelação n. 0317590-80.2017.8.24.0064, rel. Raulino Jacó Bruning, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 26-10-2023).
Não havendo dúvidas de que a mora da construtora para entregar o imóvel acarretou prejuízo ao apelado, na medida em que se viu compelido a pagar tal obrigação por período superior à previsão considerada em sentença, os prejuízos experimentados devem ser suportados pelas rés.
Nesse sentido:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO COMINATÓRIA E INDENIZATÓRIA E AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. SENTENÇAS DE PROCEDÊNCIA DA PRIMEIRA E PARCIAL PROCEDÊNCIA DA SEGUNDA. PEDIDOS RECONVENCIONAIS REJEITADOS.
RECURSO DO BANCO RÉU. PROMESSA DE COMPRA E VENDA E "INSTRUMENTO PARTICULAR, COM EFEITO DE ESCRITURA PÚBLICA, DE VENDA E COMPRA DE IMÓVEL MEDIANTE FINANCIAMENTO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA, NO ÂMBITO DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA". RESPONSABILIDADE POR ATRASO NA ENTREGA DE OBRA ENDEREÇADA TAMBÉM À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RAZÃO OU NÃO DOS FUNDAMENTOS QUE SE TRADUZ EM QUESTÃO RESPEITANTE AO MÉRITO, DESATADA DA LEGITIMIDADE AD CAUSAM. DIVERSOS PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL A ENTENDER PELA RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA, POR TER A CASA BANCÁRIA SUPERADO A CONDIÇÃO DE "MERO AGENTE FINANCEIRO". ASSUNÇÃO DE OBRIGAÇÕES QUE EXTRAPOLAM OS LIMITES DA LIBERAÇÃO DE RECURSOS. AUSÊNCIA DE PRAZO "CERTO PARA A ENTREGA DO IMÓVEL", COM ESTABELECIMENTO DE "FORMA CLARA, EXPRESSA E INTELIGÍVEL". MARCO TEMPORAL AFERIDO CONSIDERANDO DIVULGAÇÃO POR MEIO DE OUTDOOR, A PARTIR DO QUAL SE VINCULOU A CONSTRUTORA RÉ, CONSIDERADA, IN CASU, A PRORROGAÇÃO DE CENTO E OITENTA DIAS ESTABELECIDA. MORA CONTRATUAL AINDA ASSIM PRESENTE. PRECEDENTES DA CORTE. RESCISÃO CONTRATUAL CABÍVEL, COM RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. POSSIBILIDADE, ADEMAIS, DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO PELA NÃO FRUIÇÃO. "JUROS DE OBRA". QUANTIA INDEVIDA A PARTIR DO MOMENTO DO INADIMPLEMENTO. TEMA 966 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. TERMO FINAL DA VERBA QUE DEVE CORRESPONDER AO TÉRMINO DA FASE DE PRÉ-AMORTIZAÇÃO DO CONTRATO BANCÁRIO.
[...]
RECURSOS PARCIALMENTE CONHECIDOS E, NAS RESPECTIVAS EXTENSÕES, DESPROVIDOS.
(TJSC, Apelação n. 0300829-37.2018.8.24.0064, do , rel. Edir Josias Silveira Beck, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 24-10-2024).
Logo, não há que se acolher o reclamo, no ponto, sendo patente o dever solidário em relação aos encargos de juros de obra cobrados a maior.
2.4. Dos danos morais
A construtora requerida alega em seu apelo ser incabível a indenização por danos morais.
O doutrinador Yussed Said Cahali, a partir da exclusão dos danos conceituados como materiais, apresenta importante definição, destacando que os danos morais seriam "como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos" (Dano Moral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 20).
Desse modo, enquanto no dano patrimonial a diminuição econômica é passível de apuração e suscetível de ressarcimento pelo equivalente em dinheiro, no dano moral, a impossibilidade de avaliação ou mensuração do prejuízo impede o mesmo tratamento, razão pela qual a reparação da violação de ordem moral se dá através de uma compensação, isto é, a imposição ao ofensor do pagamento de certo montante em dinheiro em favor do ofendido, cujo valor deverá ser estimado, proporcionando, ao mesmo tempo, uma certa satisfação à vítima e um agravamento sobre o patrimônio do agressor (CAHALI, Yussed Said. Dano Moral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 42).
O Superior , rel. Selso de Oliveira, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 12-9-2024).
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APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA - MCMV (LEI N. 11.977/2009). ALEGADA OCORRÊNCIA DE ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. PLEITOS DECLARATÓRIO E DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DA LIDE POR ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA (ART. 485, VI, CPC), DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS (ART. 485, I, CPC) EM RELAÇÃO À CONSTRUTORA CORRÉ E DE IMPROCEDÊNCIA DA RECONVENÇÃO (ART. 485, I, CPC). INSURGÊNCIAS DE AMBOS OS LITIGANTES.
[...].
DANOS MORAIS. TESE COMUM. PRETENSÃO DA CONSTRUTORA DE AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO E DA AUTORA PARA MAJORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. CASO CONCRETO EM QUE O DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL, POR SI SÓ, NÃO CONFIGUROU PREJUÍZO EXTRAPATRIMONIAL PASSÍVEL DE INDENIZAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 29 DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE PROVA DE CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL CAPAZ DE CONFIGURAR ABALO ANÍMICO INDENIZÁVEL. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA, NO PONTO. PLEITO DA AUTORA PREJUDICADO.
[...].
RECURSO DA AUTORA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DA RÉ PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO (Apelação n. 0312414-23.2017.8.24.0064, rel. Haidée Denise Grin, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 10-8-2023).
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APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INVERSÃO DE CLÁUSULA PENAL E DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. SENTENÇA QUE RECONHECEU A ILEGITIMIDADE PASSIVA DO BANCO RÉU E JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS NA AÇÃO PRINCIPAL E NA RECONVENÇÃO.
[...].
TESE DE QUE NÃO HOUVE DANO MORAL. ACOLHIMENTO. ABALO ANÍMICO NÃO PRESUMIDO NO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE RELATO OU COMPROVAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS EXCEPCIONAIS DECORRENTES DA RESOLUÇÃO DO CONTRATO.
[...] (Apelação n. 0312461-94.2017.8.24.0064, rel. Carlos Roberto da Silva, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 13-7-2023).
Conclui-se, portanto, pela ausência de comprovação dos danos morais, razão pela qual merece reforma a sentença neste tocante.
Por consequência, nesse ponto, razão assiste à construtora apelante na tese recursal.
3. Custas e honorários de sucumbência
A sentença considerou mínima a sucumbência do autor dos autos originários e, com fundamento no parágrafo único do artigo 86 do CPC, atribuiu somente aos réus as despesas do processo e os honorários sucumbenciais.
Em seu apelo, a construtora postulou pela redistribuição sob o argumento de ter o autor decaído da maior parte de seus pleitos.
Dada a modificação de parte da sentença, no tocante aos danos morais, impõe-se redistribuir o ônus sucumbencial, sem perder de vista que "a distribuição dos ônus sucumbenciais, quando verificada a existência de sucumbência recíproca, deve ser pautada pelo exame do número de pedidos formulados e da proporcionalidade do decaimento de cada uma das partes em relação a cada um desses pleitos" (AgInt nos EDcl no AREsp 1.936.051/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 9-12-2022).
Na sua petição inicial, o autor/apelado formulou os seguintes pedidos (evento 1, PET2, 1G, p. 5):
e) a PROCEDÊNCIA dos pedidos para:
I. a confirmação da tutela de urgência;
II. seja declarada a inversão do ônus da prova, em desfavor das partes Rés;
III. seja declarada, como prazo para entrega da obra, o dia 20/01/2016, subsidiariamente, caso não for o entendimento de V. Exa., declarar o atraso na entrega da obra desde 20/07/2016;
IV. sejam constituídas penalidades contratuais no que tange ao atraso no cumprimento das obrigações às Rés, na mesma medida de penalidade previstas para o Autor; ou, subsidiariamente, sejam as Rés condenadas ao ressarcimentos dos valores suportados pelo Autor, durante o atraso da entrega da obra, com locação de imóvel residencial;
V. Modificar a Cláusula Décima, Parágrafo Primeiro, do contrato firmado entre Autor e Banco do Brasil, para incluir a informação prestada pelas Rés na fase de negociação, passando a seguinte redação: “Os encargos básicos serão calculados, debitados, capitalizados e exigidos integralmente, mensalmente, na data de aniversário, ou primeiro dia útil subsequente se este não o for, sendo que no período de carência, se houver, não deverá ultrapassar a quantia de R$ 50,00 (cinquenta reais) mensais”; subsidiariamente, caso não for o entendimento de V. Exa., requer seja modificada a Cláusula Décima Sexta, Parágrafo Primeiro, para limitar os pagamentos de juros pré-amortização em patamar não superior a 50% da parcela final do financiamento;
VI. Condenar as Rés, solidariamente, a devolver os valores pagos a título de juros pré-amortização em valor superior a casa dos R$ 50,00, no período em que ele seria devido e; entre a declaração de atraso na entrega do imóvel e a efetiva entrega das chaves, condenar as Rés, solidariamente, a devolução integral dos valores pagos, corrigidos e acrescidos de juros legais; subsidiariamente, sejam os valores abatidos do saldo a amortizar do financiamento habitacional;
VII. requer sejam anuladas as cláusulas contratuais referentes a capitalização de juros, limitando-os em 10% a.a., para que sejam capitalizados de forma simples, nos termos do art. 6º, alínea “e”, da Lei Regente do Sistema Financeiro de Habitação (Lei n.º 4.380/64).
VIII. a condenação das Rés, de forma solidária, em indenizar o Autor pelos danos morais suportados, no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais);
A sentença acolheu os pedidos no que se refere à (i) inversão do ônus probatório; (ii) nulidade da cláusula do contrato firmado, concernente ao prazo estimado de entrega das obras; (iii) fixação do prazo inicial de conclusão do empreendimento, admitido o período de tolerância de 180 dias corridos; (iv) inversão da cláusula penal, dado o inadimplemento da construtora; (v) condenação das requeridas ao pagamento dos consectários da cláusula penal, desde o término do período de tolerância até a efetiva entrega da unidade; e (vi) condenação das requeridas à restituição dos valores cobrados a título de juros de obra.
Por meio deste julgamento, afastou-se a condenação por dano moral.
Assim sendo, a redistribuição dos encargos sucumbenciais deve considerar o número de pedidos formulados e o que foi efetivamente atendido, a fim de melhor refletir o resultado da contenda.
À luz do que já se decidiu neste Tribunal em outros casos ligados ao empreendimento Quinta de Potecas, é razoável e proporcional que o autor/apelado arque com 30% das despesas processuais, enquanto que às rés incumbe a satisfação dos 70% remanescentes, de forma solidária.
Confira-se, nessa mesma linha: AC n. 5002538-61.2019.8.24.0064, rel. Selso de Oliveira, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 12-9-2024; AC n. 0302589-55.2017.8.24.0064, rel. Ricardo Fontes, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 22-8-2023; AC n. 0300005-15.2017.8.24.0064, rel. André Carvalho, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 25-4-2023.
Pertinente aos honorários, arcará o autor com o valor equivalente a 10% sobre do pedido de danos morais em que decaiu, observada a suspensão da exigibilidade em função da gratuidade da justiça, enquanto que aos réus cumpre o pagamento de 20% sobre o valor da condenação, a ser apurado por mero cálculo.
4. Dos honorários recursais
Considerando o parcial provimento do apelo, inviável o arbitramento de honorários. No caso, observo o entendimento consolidado no âmbito do Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 0312565-86.2017.8.24.0064/SC
RELATOR: Desembargador RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE
EMENTA
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.
CONTRARRAZÕES. SUSCITADA AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE NO APELO. INOCORRÊNCIA. RAZÕES RECURSAIS QUE COMBATEM A FUNDAMENTAÇÃO LANÇADA NA SENTENÇA. CONHECIMENTO DO RECLAMO QUE SE IMPÕE.
RECURSO DA REQUERIDA/APELANTE. ALEGADA EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO. INSUBSISTÊNCIA. INADIMPLÊNCIA DA CONSTRUTORA QUE REMONTA A DATA ANTERIOR AOS ATRASOS DO CONSUMIDOR. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 476 DO CÓDIGO CIVIL. INADIMPLEMENTO DA APELANTE QUE TORNA INVIÁVEL A TESE POSTULADA. INVERSÃO DA CLÁUSULA PENAL. SUSTENTADA A OFENSA À SIMETRIA MENCIONADA NO TEMA 971 DO STJ. INSUBSISTÊNCIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA QUE PREVÊ A INCIDÊNCIA DE PENALIDADES APENAS NA HIPÓTESE DE INADIMPLEMENTO DO PROMITENTE COMPRADOR, SEM NADA DISPOR, EM SIMETRIA, PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL POR PARTE DA PROMITENTE VENDEDORA. SUBSUNÇÃO DO CASO CONCRETO AO TEMA 971 DO STJ. CONTAGEM DOS CONSECTÁRIOS DA CLÁUSULA PENAL A PARTIR DO INÍCIO DA MORA DOS RÉUS ATÉ A OCUPAÇÃO DEFINITIVA DO IMÓVEL. INADIMPLÊNCIA DOS RÉUS CONSUBSTANCIADA NO ATRASO DA ENTREGA DO BEM. ADEQUADA CONTAGEM DOS CONSECTÁRIOS COM BASE NO VALOR DO CONTRATO. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE, VERIFICADA À LUZ DOS ARTIGOS 412 E 413 DO CÓDIGO CIVIL. DEVER DE RESTITUIÇÃO DOS JUROS DE MORA SOMENTE À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INSUBSISTÊNCIA. RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA, POR TER A CASA BANCÁRIA SUPERADO A CONDIÇÃO DE "MERO AGENTE FINANCEIRO". ASSUNÇÃO DE OBRIGAÇÕES QUE EXTRAPOLAM OS LIMITES DA LIBERAÇÃO DE RECURSOS. PRECEDENTES DA CORTE. DANOS MORAIS. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL, POR SI SÓ, NÃO CONFIGUROU PREJUÍZO EXTRAPATRIMONIAL PASSÍVEL DE INDENIZAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 29 DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE PROVA DE CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL CAPAZ DE CONFIGURAR ABALO ANÍMICO INDENIZÁVEL. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA, NO PONTO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS REDISTRIBUÍDOS.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SEM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I. CASO EM EXAME: Trata-se de ação declaratória e condenatória ajuizada em razão do atraso na entrega de unidade habitacional adquirida no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida. Alegou-se descumprimento contratual, com pedido de indenização por danos materiais e morais, restituição de valores pagos a título de juros de obra e revisão de cláusulas contratuais. A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: (i) Verificação da existência de mora da construtora na entrega do imóvel e sua responsabilidade pelos encargos decorrentes; (ii) possibilidade de inversão da cláusula penal contratual; (iii) responsabilidade solidária da instituição financeira pelos encargos de juros de obra; (iv) configuração ou não de dano moral indenizável; (v) redefinição da distribuição dos ônus sucumbenciais.
III. RAZÕES DE DECIDIR: (vi) Restou comprovado que a parte requerida/apelante incorreu em mora na entrega do imóvel, não sendo acolhida a alegação de exceção do contrato não cumprido, pois a inadimplência da parte autora ocorreu após o prazo contratual de entrega; (vii) a inversão da cláusula penal foi admitida com base no Tema 971 do STJ, sendo fixada multa moratória de 2% sobre o valor total do contrato, acrescida de juros de 1% ao mês, limitada ao período de mora; (viii) a responsabilidade solidária da instituição financeira foi reconhecida quanto à restituição dos juros de obra cobrados após o prazo contratual de entrega, conforme entendimento do STJ (Tema 996); (ix) a condenação por danos morais foi afastada por ausência de comprovação de abalo anímico, nos termos da jurisprudência consolidada (Súmula 29 do TJSC); (x) redefinida a distribuição dos ônus sucumbenciais, considerando a sucumbência recíproca.
IV. DISPOSITIVO: Recurso conhecido e parcialmente provido para afastar a condenação por danos morais e redistribuir os ônus sucumbenciais. Sem honorários advocatícios.
Teses de julgamento:
1. É cabível a inversão da cláusula penal em favor do consumidor, nos termos do Tema 971 do STJ, quando o contrato prevê penalidade apenas para o inadimplemento do comprador.
2. A cobrança de juros de obra após o prazo contratual de entrega do imóvel é indevida, sendo solidária, em alguns casos, a responsabilidade da instituição financeira, conforme o Tema 996 do STJ.
3. A configuração de dano moral exige prova de abalo anímico, não presumido tão somente pelo inadimplemento contratual.
Dispositivos relevantes citados: Código Civil, arts. 412, 413, 475, 476; Código de Defesa do Consumidor, arts. 6º, III e VIII, 30; CPC/2015, arts. 85, 86, 487.
Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.631.485/DF (Tema 971); STJ, REsp 1.729.593/SP (Tema 996); TJSC, Apelação n. 0500463-21.2010.8.24.0023, rel. Haidée Denise Grin, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 29-9-2022; TJSC, Apelação n. 0302414-27.2018.8.24.0064, rel. Denise Volpato, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 9-3-2021; TJSC, Apelação n. 0300039-87.2017.8.24.0064, rel. Selso de Oliveira, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 19-10-2023; TJSC, Apelação n. 0300829-37.2018.8.24.0064, rel. Edir Josias Silveira Beck, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 24-10-2024; TJSC, Apelação n. 5002538-61.2019.8.24.0064, rel. Selso de Oliveira, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 12-9-2024
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Câmara de Direito Civil do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para o fim de afastar a condenação por dano moral. Redistribuídos os ônus sucumbenciais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6346159v12 e do código CRC 9231ac0a.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE
Data e Hora: 13/11/2025, às 10:50:59
0312565-86.2017.8.24.0064 6346159 .V12
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 11/11/2025
Apelação Nº 0312565-86.2017.8.24.0064/SC
RELATOR: Desembargador RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE
PRESIDENTE: Desembargador EDUARDO GALLO JR.
PROCURADOR(A): ANTENOR CHINATO RIBEIRO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 11/11/2025, na sequência 65, disponibilizada no DJe de 27/10/2025.
Certifico que a 6ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO PARA O FIM DE AFASTAR A CONDENAÇÃO POR DANO MORAL. REDISTRIBUÍDOS OS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE
Votante: Desembargador RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE
Votante: Desembargador JOAO DE NADAL
Votante: Desembargador MARCOS FEY PROBST
IMPEDIDO: Desembargador EDUARDO GALLO JR.
NEUZELY SIMONE DA SILVA
Secretária
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Identificações de pessoas físicas foram ocultadas