Decisão TJSC

Processo: 0900039-40.2016.8.24.0010

Recurso: Agravo

Relator: Desembargador RICARDO ROESLER

Órgão julgador: Turma, j. em 17.11.2020).

Data do julgamento: 15 de agosto de 2012

Ementa

AGRAVO – Documento:6878817 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 0900039-40.2016.8.24.0010/SC PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0900039-40.2016.8.24.0010/SC RELATOR: Desembargador RICARDO ROESLER RELATÓRIO Constou do relatório da sentença (302.1): Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa aforada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra V. M., I. K. e Comercio de Pecas para Tratores Sao Martinho Ltda. Conforme se extrai da narrativa da peça inaugural e da documentação com ela apresentada, em 15 de agosto de 2012, a Prefeitura Municipal de Braço do Norte publicou o Edital de Pregão Presencial n. 32/PMBN/2012, visando à "contratação de pessoa jurídica para fornecimento de peças para reforma da pá carregadeira "Caterpillar" Modelo 930R Patrimônio nº 0042A da Prefeitura Municipal de Braço do Norte/SC" (evento 1, INF27 e seguintes). 

(TJSC; Processo nº 0900039-40.2016.8.24.0010; Recurso: Agravo; Relator: Desembargador RICARDO ROESLER; Órgão julgador: Turma, j. em 17.11.2020).; Data do Julgamento: 15 de agosto de 2012)

Texto completo da decisão

Documento:6878817 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 0900039-40.2016.8.24.0010/SC PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0900039-40.2016.8.24.0010/SC RELATOR: Desembargador RICARDO ROESLER RELATÓRIO Constou do relatório da sentença (302.1): Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa aforada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra V. M., I. K. e Comercio de Pecas para Tratores Sao Martinho Ltda. Conforme se extrai da narrativa da peça inaugural e da documentação com ela apresentada, em 15 de agosto de 2012, a Prefeitura Municipal de Braço do Norte publicou o Edital de Pregão Presencial n. 32/PMBN/2012, visando à "contratação de pessoa jurídica para fornecimento de peças para reforma da pá carregadeira "Caterpillar" Modelo 930R Patrimônio nº 0042A da Prefeitura Municipal de Braço do Norte/SC" (evento 1, INF27 e seguintes).  A empresa ora requerida, Comércio de Pecas para Tratores Sao Martinho Ltda, foi a única interessada no certame e sagrou-se vencedora, consoante evento 1, INF67, evento 1, INF77 e evento 1, INF99/evento 1, INF100/evento 1, INF101. Assim, baseado no substrato documental extraído do Inquérito Civil n. 06.2013.00012456-1, narra o Parquet que, no mês de setembro de 2012, o requerido V. M., Secretário de Obras e Edificações Viárias do Município de Braço do Norte, confirmou o recebimento das peças que foram adquiridas através do Procedimento Licitatório supracitado, mediante assinatura da Nota Fiscal n. 000.000.809, emitida pela empresa vencedora (evento 1, INF121 e  evento 1, INF122).  Ocorre que as peças adquiridas nunca foram entregues ao Poder Público municipal, de modo que o ato perpetrado pelo requerido V. M. beneficiou a empresa supracitada, assim como seu sócio-administrador I. K., tudo em detrimento dos cofres do Município de Braço do Norte, em violação aos princípios da legalidade, impessoalidade e da moralidade administrativa. Determinou-se a notificação dos réus (evento 3, DESP423), diligências que restaram devidamente cumpridas (evento 7, CERT427, evento 10, CERT430 e evento 16, CERT436). Não houve apresentação de defesa prévia pelos demandados, consoante pontuado no evento 25, DEC445, que, destarte, recebeu a inicial e determinou a citação dos requeridos.  A citação dos réus resta demonstrada nos autos, consoante evento 29, CERT449, evento 31, MAND451, evento 32, CERT452, evento 34, MAND454, evento 35, CERT455 e evento 37, MAND457. Diante do êxito no ato citatório, aportou aos autos contestação apresentada pelos requeridos (evento 38, PET458). Segundo a peça defensiva, não há que se falar em prática de ato de improbidade administrativa por qualquer dos réus, na medida em que as peças objeto do contrato firmado entre a empresa e a municipalidade foram entregues pessoalmente na garagem da Secretaria de Obras e Edificações Viárias do Município de Braço do Norte, mais especificante em uma "bancada dentro da secretaria", sendo que, em outras licitações de que participou, a empresa entregava as mercadorias de mesmo modo.  A contestação ressalta, ainda, que a licitação teve como objeto tão somente a compra das peças, não havendo contratação de empresa para a realização do serviço.  Por conseguinte, não demonstrada qualquer irregularidade cometida pelos réus, a defesa postula seja a ação julgada totalmente improcedente. Após a apresentação da peça defensiva, certificou-se a sua intempestividade (evento 39, CERT461) e os autos foram encaminhados para manifestação do Ministério Público. Em sede de manistestação à contestação, o Parquet impugnou as alegações dos requeridos, além de requerer a apreciação do pedido de indisponibilidade de bens formulado na inicial, a fim de tornar indisponíveis bens dos requeridos na monta de R$ 18.054,55 (dezoito mil e cinquenta e quatro reais e cinquenta e cinco centavos), a fim de que o resultado prático pretendido com a presente demanda possa ser alcançado (evento 43, PET465). Em vista disso, passou-se à análise do pedido de indisponibilidade de bens dos requeridos, que restou acolhido, pelas razões expostas no evento 45, DEC466, que determinou a indisponibilidade dos bens dos requeridos, limitada ao montante suficiente à garantia da reparação dos danos estimados na exordial, R$18.054,55 (dezoito mil e cinquenta e quatro reais e cinquenta e cinco centavos), de forma solidária. Determinou-se, para cumprimento da medida, a utilização do BACENJUD, a comunicação de indisponibilidade dos bens em nome dos réus ao Ofício de Registro de Imóveis da Comarca e a inserção de restrição de transferência por meio do sistema Renajud, nos veículos localizados em nome dos requeridos. Houve a expedição de ofício ao Cartório de Registro de Imóveis da Comarca (evento 46, OFIC467). O bloqueio de ativos financeiros através do BACENJUD logrou êxito, de modo que fora transferida à subconta vinculada aos autos a importância de R$ 18.054,55 bloqueada em conta bancária de I. K. (evento 50, BACENJUD472 e evento 51, BACENJUD475), assim como a mesma quantia, bloqueada na conta da empresa requerida, Comercio de Pecas para Tratores Sao Martinho Ltda (evento 50, BACENJUD474 e evento 51, BACENJUD476). Em decorrência do sucesso da medida acima, não foi realizada consulta, assim como não foram inseridas restrições por meio do RENAJUD (evento 58, CERT481). O Ofício de Registro de Imóveis de Braço do Norte comunicou a averbação da indisponibilidade de bens em imóveis de propriedade do réu V. M., consoante se extrai do Ofício n. 128/2018 (evento 59, OFIC483). Ato contínuo, este Juízo reconheceu a inexistência de motivos para a penhora dos imóveis do requerido, em vista da garantia suficiente obtida pelo BACENJUD (evento 83, DESP508). As partes especificaram as provas que pretendem produzir, conforme evento 88, PET513 e evento 89, PET514. O feito foi saneado e, uma vez deferida a produção da prova testemunhal, designou-se audiência de instrução e julgamento (evento 94, DEC516). Aportou aos autos decisão proferida em Agravo de Instrumento interposto pelos réus em face da decisão que determinou a indisponibilidade de seus bens, na qual o Juízo ad quem indeferiu a benesse da justiça gratuita aos requeridos (evento 168, DESPADEC1). Após necessárias redesignações, fora realizada a audiência (evento 240, TERMOAUD1), solenidade na qual foram ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes. As partes apresentaram suas alegações finais no evento 254, ALEGAÇÕES1 e evento 258, MEMORIAIS1. Em síntese, o Ministério Público postula pelo julgamento procedente da demanda, a fim de condenar os réus às sanções previstas no artigo 12, inciso II, especialmente a de ressarcimento do dano causado ao erário do Município de Braço do Norte, na monta de R$ 18.054,55 (dezoito mil, cinquenta e quatro reais e cinquenta e cinco centavos), e, alternativa e subsidiariamente às do inciso III, do artigo 12 da referida lei, cujos valores, posteriormente, deverão ser liquidados em procedimento próprio. Além disso, requer a condenação dos requeridos ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios. E, quanto à defesa, alega que as testemunhas ouvidas pouco colaboraram para comprovar as alegações do Ministério Público, na medida em que ou não se lembravam dos fatos ou não sabiam do “ocorrido”. Aduz que a prova testemunhal corroborou o exposto na contestação: que as peças eram recebidas por qualquer funcionário na garagem, inclusive, pela própria secretária que lá trabalhava. Por essa razão, refere não haver provas suficientes para derruir os documentos que comprovaram a entrega das peças, postulando pela improcedência dos pedidos da inicial. Outrossim, aponta a inexistência de dolo por parte dos requeridos. Após, em razão das significativas alterações sofridas pela Lei n. 8.429/1992 com o advento da Lei n. 14.230/2021, determinou-se a intimação do Parquet para manifestação a respeito das mudanças ocorridas (evento 263, DESPADEC1). O Ministério Público, então, manifestou-se nos autos, defendendo que as alterações promovidas pela Lei n. 14.230/2021 na esfera da improbidade administrativa, especialmente quanto à novel redação dada ao art. 11 da Lei n. 8.429/1992, não implicam prejuízo à presente demanda (evento 269, PROMOÇÃO1). Os réus mantiveram-se silentes (evento 277, CERT1). Por fim, antes de proceder ao julgamento do feito, foram equacionadas algumas premissas, notadamente para esclarecer que a conduta imputada aos réus encontra subsunção abstrata no inciso VIII, do artigo 10, da Lei de Improbidade Administrativa e que não há que se cogitar em extinção do feito pela prescrição, uma vez que irretroativo o novo regime prescricional, tudo conforme decisão de evento 280, DESPADEC1. Ao final, o magistrado, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgou procedentes em parte os pedidos contidos na ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina e, como consequência, condenou os réus V. M., I. K. e Comércio de Peças para Tratores São Martinho Ltda ao pagamento solidário do valor de R$ 18.054,55, a título de ressarcimento do dano ao erário decorrente dos atos de improbidade administrativa, nos termos do art. 10, XII c/c art. 12, II, da Lei n. 8.429/1992. Ainda, impôs a cada um dos réus o "pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano (acrescida de correção monetária e juros conforme exposto na fundamentação) e à proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 6 (seis) anos". Os réus foram condenados, ainda, ao pagamento das custas processuais, sendo vedada a fixação de honorários advocatícios, inaplicáveis à espécie. Em suas razões recursais, os apelantes V. M., I. K. e Comércio de Peças para Tratores São Martinho Ltda. alegaram, em sede preliminar, a nulidade da sentença, sob o argumento de que foram condenados por tipo diverso daquele definido na petição inicial, em afronta ao disposto no art. 17, § 10-F, inciso I, da Lei n. 8.429/1992. No mérito, os apelantes sustentaram a ausência de provas quanto à materialidade do ato ímprobo e do elemento subjetivo do tipo. Em caráter subsidiário, aduziram a inadequação da sentença no ponto em que condenou cada um dos réus ao pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano, sob a alegação de que o art. 12, inciso II, da Lei 8.429/92, restringe a aplicação da multa civil ao valor do suposto prejuízo apurado. O Ministério Público apresentou contrarrazões (319.1). Intimada, lavrou parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Thais Cristina Scheffer, que opinou pelo desprovimento do recurso (9.1). VOTO Preliminarmente, os recorrentes sustentam a nulidade da sentença, ao argumento de que foram condenados por tipo diverso daquele imputado na petição inicial, em violação à previsão do art. 17, § 10-F, inciso I, da Lei n. 8.429/1992. Alegam que o Ministério Público postulou a condenação com base no art. 10, XVI, e no art. 11 da referida lei, ao passo que a sentença fundamentou a condenação no art. 10, XII, da Lei de Improbidade Administrativa. Sem razão, contudo. Da análise da petição inicial, é possível concluir que o Parquet tipificou a conduta dos réus  com fulcro no art. 10, XII, da Lei n. 8.429/1992 que trata da hipótese de permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente. A subsunção das condutas dos demandados ao tipo ímprobo do art. 10, XII, da LIA, está claramente identificada a partir do contexto narrativo apresentado e da fundamentação jurídica exposta pelo demandante. A propósito, colhe-se da peça preambular (1.1): Analisando-se as condutas dos demandados verifica-se que eles praticaram ato de improbidade administrativa, uma vez que, agindo com má-fé, violaram a probidade administrativa causando lesão ao erário municipal. O ato perpetrado pelo requerido V. M., na condição de Secretário de Obras de Braço do Norte, com a participação do particular I. K., e em benefício deste e da empresa Comércio de Peças para Tratores São Martinho Ltda. EPP, subsume-se perfeitamente àquele descrito no artigo 10, caput e inciso XII, da Lei n. 8.429/92, o qual assim preceitua: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: [...] XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; [...] Diz-se isso porque, conforme restou consignado na descrição fática acima, o requerido V. M., na condição de Secretário de Obras do Município de Braço do Norte, assinou a Nota Fiscal n. 000.000.809, emitida pela empresa Comércio de Peças para Tratores São Martinho Ltda. EPP, dando por recebidas as peças adquiridas pelo Município de Braço do Norte, pelo valor de R$ 18.054,55 (dezoito mil e cinquenta e quatro reais e cinquenta e cinco centavos), para o conserto da máquina pá carregadeira Cartepillar 930R, sem que elas tivessem sido efetivamente entregues por referida empresa e por seu sócio administrador I. K.. O enquadramento jurídico do ato de improbidade administrativa foi reiterado ao final da exordial, em que se consignou "por todas a razões expostas, é imperativo que os requeridos V. M., I. K. e a empresa Comércio de Peças para Tratores São Martinho Ltda. EPP sejam condenados pela prática do ato de improbidade administrativa previsto no artigo 10, caput e inciso XII, e 11, caput, da Lei 8.429/92, sendo-lhes aplicadas as sanções previstas no artigo 12, inciso II, especialmente a de ressarcimento do dano causado ao erário do Município de Braço do Norte, na monta de R$ 18.054,55 (dezoito mil, cinquenta e quatro reais e cinquenta e cinco centavos), e, alternativa e subsidiariamente as do inciso III, da referida lei". É cediço que o art. 17, § 10-F, inciso I, da Lei n. 8.429/1992 determina que será nula a decisão que condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial. Entretanto, no caso, embora conste, nos requerimentos finais, o pedido de condenação pelo art. 10, XVI, da LIA, trata-se, na hipótese, de mero erro material, o qual não possui o condão de prejudicar a compreensão da tipificação dada pelo órgão ministerial, sobretudo porque sequer houve insurgência oportuna da defesa quanto ao ponto. Destaco, ainda, que "cabe ao julgador, ademais, a interpretação lógico-sistemática do pedido formulado na petição inicial a partir da análise dos fatos e da causa de pedir, o que atende à necessidade conceder à parte o que foi efetivamente requerido por ela, interpretando o pedido a partir de um exame completo da petição inicial, e não apenas da parte da petição destinada aos requerimentos finais, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita" (REsp n. 1.793.637/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 17.11.2020). Por tais motivos, afasto a preliminar de nulidade. No que toca ao mérito, alegam os recorrentes a insuficiência probatória para embasar a condenação por ato de improbidade administrativa, sustentando, em síntese, que "as provas angariadas nos autos se resumem a palavra da pessoa que diz ter entregue as peças no balcão da secretaria contra a palavra de pessoas que dizem não ter visto, não saber, não se lembrar". Afirmam, ademais, inexistir provas quanto ao elemento subjetivo do ato de improbidade imputado. Na espécie, os réus V. M., I. K. e a empresa Comércio de Peças para Tratores São Martinho Ltda. foram demandados em ação de improbidade administrativa pelo ato ímprobo consubstanciado em prejuízo ao erário. Conforme nota fiscal n. 000.000.809, emitida em 03.09.2012, a empresa ré, cujo sócio administrador é o corréu I. K., foi contratada para o fornecimento de peças destinadas ao conserto da pá carregadeira Caterpillar, modelo 930R, de titularidade do Município de Braço do Norte, com o valor total de R$ 18.054,55 (evento 1, DOC121). Em análise aos autos, verifico que não foi juntado o comprovante de entrega das mercadorias objeto do contrato. Sobre o ponto, o requerido V. M., que ocupava, na ocasião, o cargo de Secretário de Obras e Edificações Viárias do Município de Braço do Norte, declarou que a servidora Eledite Mariele Moeski teria lhe comunicado que as peças haviam chegado, que "assinou a nota fiscal referente a compra das peças, porém não conferiu a entrega das mesmas" e  que os objetos licitados foram recebidos por “servidores municipais, não sabendo identificar quem recebeu estes”. Alegou, ainda, que "o único mecânico responsável para reforma das máquinas da secretaria era o Sr. José Uliano" (evento 1, DOC144). Por sua vez, a servidora Eledite Mariele Moreski, que à época do ocorrido, exercia a função de Diretora de Departamento na Secretaria de Obras, declarou que “em razão do tempo e da quantidade de serviços e peças executados e comprados a declarante não se recorda especificamente; que geralmente as peças grandes para reparo eram entregues diretamente na oficina mecânica para o Sr. José Antônio Uliano; que é ele quem poderá esclarecer melhor a respeito do recebimento ou não das peças” (evento 1, DOC186). Com efeito, constou do termo de declaração do servidor do Município de Braço do Norte, José Antônio Uliano, que "desde agosto de 2012 a máquina estava parada e nada havia sido feito; que não sabe nada a respeito de compra de peças para arrumar a máquina; que durante a gestão de Vânio era I. K. quem fornecia as peças para reparos em maquinários do município; que o Sr. Ivo entregava as peças para o declarante; que quanto às notas ficais não era com o declarante, era direto com o pessoal do administrativo da Secretaria; que o declarante nunca viu nota fiscal; que a peça já ia direito para a garagem; que nunca foi entregue na garagem nenhuma peça para máquina pá carregadeira 930R; que é a máquina única no local; que é a única Carterpillar; que as peças Carterpillar somente servem para a máquina Carterpillar; que cada máquina é um tipo de peça" (1.191). Nesse mesmo sentido, são os depoimentos prestados pelos também servidores públicos municipais Edson Uliano e Lourivaldo da Silva Marcílio, ambos ocupantes da função de operador de máquina no Município de Braço do Norte à época dos fatos. Os declarantes afirmaram reconhecer a máquina pá carregadeira Caterpillar, modelo 930R, como pertencente ao Município e relataram que o equipamento apresentou sucessivos defeitos, permaneceu inoperante e não foi consertada, tendo sido posteriormente alienada em leilão (evento 1, DOC418 e evento 1, DOC419). As declarações reforçam a inexistência de qualquer reparo na máquina. Já o requerido I. K. afirma "ter entregado na Garagem (Secretaria de Obras) numa bancada dentro da Secretaria" e que, no caso, a entrega não foi conferida por nenhum funcionário (evento 1, DOC146). Instado a apresentar comprovante de enterga das peças, o réu se limitou a declarar que não foi localizado o canhoto referente à nota fiscal n. 000.000.809 (evento 1, DOC180). Conforme bem destacado pelo magistrado de origem "ainda que se cogitasse que houve a entrega das peças, como afirma o réu Ivo, não se mostra plausível que o sócio-administrador da empresa tenha entregue pessoalmente uma quantidade volumosa de peças, como a licitada para tal conserto, e sequer saiba dizer quem estava na garagem quando da entrega dos produtos".    No caso, as provas colhidas em audiência, notadamente os depoimentos dos servidores, José Antônio Uliano e Edson Uliano, corroboram a versão do Ministério Público de que não houve o recebimento das peças licitadas, acarretando prejuízo ao erário municipal.  Cumpre destacar, ademais, a conclusão da comissão instaurada pelo Município de Braço do Norte para a Tomadas de Contas Especial que decidiu pela responsabilidade do demandado V. M. acerca dos fatos discutidos na presente ação. A esse respeito, para evitar tautologia, transcrevo os fundamentos da sentença, adotando-os como razões de decidir (evento 302, SENT1): Para mais, importa ressaltar também que o relatório final da tomada de contas especial instaurada perante a Prefeitura Municipal (evento 1, INF369 a evento 1, INF381) concluiu pela responsabilização do servidor, ora réu, V. M., pelo prejuízo causado, o que foi homologado pelo então prefeito à época (evento 1, INF386). Desta forma, incontestável que o ato perpetrado pelo requerido V. M. beneficiou a empresa ré, assim como seu sócio-administrador I. K., em detrimento dos cofres do Município de Braço do Norte, uma vez que houve, por conseguinte, a expedição da ordem de pagamento (evento 1, INF120), em razão da confirmação de recebimento das peças, que não foram efetivamente entregues. Pertinente à alegação de ausência de prova de conduta dolosa, com efeito, com o advento da Lei n. 14.230/2021 e à luz das diretrizes fixadas pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1.199, tem-se que o dolo é elemento indispensável para a configuração da prática do ato de improbidade consubstanciado no art. 10. Na presente hipótese, contudo, restou evidente o conluio da empresa ré e seu sócio-administrador, I. K., com o então Secretário de Obras do Município Braço do Norte, V. M., com a intenção deliberada de simular o fornecimento de peças destinadas ao conserto da pá carregadeira Caterpillar 930R, o que resultou efetivo desvio de verbas públicas. Outrossim, a alegação dos réus de que todas as peças teriam sido entregues não se sustenta diante da ausência de qualquer comprovante de entrega das mercadorias e do teor das declarações dos servidores que utilizavam a máquina pá carregadeira Caterpillar no exercício das suas funções, que indicaram não ter conhecimento acerca do recebimento das peças, tampouco do conserto do equipamento, que permaneceu em desuso até sua ulterior alienação em leilão. Desse modo, o conjunto probatório retirado dos autos demonstra o enquadramento da conduta dos réus ao ato de improbidade administrativa tipificado no art. 10, XII, da Lei n. 8.429/1992. Por fim, asseveram os recorrentes que a sentença merece reforma no ponto em que aplicou multa civil individualizada a cada réu no valor equivalente ao dano causado sob o fundamento de ofensa ao disposto no art. 12, II, da Lei n. 8.429/1992. Argumentam que "o art. 12, inciso II, da Lei 8.429/92, limita a aplicação da multa civil no valor do suposto dano, não sendo lícito cobrar várias vezes o valor do dano de cada requerido da ação, sob pena de interpretação extensiva do texto legal em prejuízo das partes de modo que o judiciário crie (legisle) normas novas". Para melhor compreensão da controvérsia, colaciono o teor do dispositivo citado: Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) [...] II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos; Sobre o tema, é assente na jurisprudência do Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 0900039-40.2016.8.24.0010/SC PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0900039-40.2016.8.24.0010/SC RELATOR: Desembargador RICARDO ROESLER EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. pRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. alegada CONDENAÇÃO com base EM tipo diverso daquele definido na petição inicial. não ocorrência. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO PEDIDO permite aferir A subsunção das condutas dos demandados ao tipo ímprobo do art. 10, xii, da lei  n. 8.429/1992. licitação para CONTRATAÇÃO DE EMPRESA PARA FORNECIMENTO DE PEÇAS para conserto DE MÁQUINA. conjunto probatório dos autos indica que as mercadorias não foram entregues, acarretando PREJUÍZO AO ERÁRIO municipal. CONDUTA SUBSUMIDA AO ART. 10, XII, DA LEI N. 8.429/1992. CONDENAÇÃO DOS RÉUS AO RESSARCIMENTO DO DANO E À MULTA CIVIL. APLICAÇÃO INDIVIDUALIZADA DA pena de multa. POSSIBILIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO DE BIS IN IDEM. SENTENÇA MANTIDA. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara de Direito Público do decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Florianópolis, 11 de novembro de 2025. assinado por RICARDO ROESLER, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6878818v8 e do código CRC e48a179c. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): RICARDO ROESLER Data e Hora: 14/11/2025, às 15:00:33     0900039-40.2016.8.24.0010 6878818 .V8 Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 02:19:24. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 11/11/2025 Apelação Nº 0900039-40.2016.8.24.0010/SC RELATOR: Desembargador RICARDO ROESLER PRESIDENTE: Desembargador JOAO HENRIQUE BLASI PROCURADOR(A): NARCISIO GERALDINO RODRIGUES Certifico que este processo foi incluído como item 174 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 16:47. Certifico que a 2ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão: A 2ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador RICARDO ROESLER Votante: Desembargador RICARDO ROESLER Votante: Desembargadora MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA Votante: Desembargador JOAO HENRIQUE BLASI NATIELE HEIL BARNI Secretário Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 02:19:24. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas