APELAçãO – APELAÇÃO – AÇÃO ORDINÁRIA – LI- CENÇA-SAÚDE – ACIDENTE DE TRABALHO – Autora que pleiteia o reenquadramento de suas licenças-saúde como decorrentes de acidente de tra- balho – Parcial procedência reconhecida em primei- ra instância – Irresignação da autora para que seja reconhecido todo o período indicado na inicial – Ad- missibilidade – Laudo do IMESC que atestou que os afastamentos resultaram de acidente de trabalho – Reenquadramento que deve abranger todo o período de licença concedido à autora após a data da agres- são – Sentença parcialmente reformada – RECURSO 434 PROVIDO.(TJSP; Processo nº 1008559-27.2024.8.26.0053; Recurso: Apelação; Relator: RUBENS RIHL; Data do Julgamento: 21 de maio de 2025)
, em sessão permanente e virtual da 1ª Câmara de Direito
Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “De-
ram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão. (Voto nº 36.954)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MAGA-
LHÃES COELHO (Presidente sem voto), ALIENDE RIBEIRO e VICENTE
DE ABREU AMADEI.
São Paulo, 21 de maio de 2025.
RUBENS RIHL, Relator
Ementa: APELAÇÃO – AÇÃO ORDINÁRIA – LI-
CENÇA-SAÚDE – ACIDENTE DE TRABALHO
– Autora que pleiteia o reenquadramento de suas
licenças-saúde como decorrentes de acidente de tra-
balho – Parcial procedência reconhecida em primei-
ra instância – Irresignação da autora para que seja
reconhecido todo o período indicado na inicial – Ad-
missibilidade – Laudo do IMESC que atestou que os
afastamentos resultaram de acidente de trabalho –
Reenquadramento que deve abranger todo o período
de licença concedido à autora após a data da agres-
são – Sentença parcialmente reformada – RECURSO
434
PROVIDO.
VOTO
Trata-se de ação ordinária movida por REGINA SOUZA SILVA SAN-
Jurisprudência - Direito Público
TOS, em face do ESTADO DE SÃO PAULO, objetivando o reenquadramento
de suas licenças-saúde, de 21/08/2023 até o seu retorno ao trabalho, para aci-
dente de trabalho, ocorrido em 17/08/2023, com a recontagem do seu tempo de
serviço e o pagamento das diferenças correspondentes.
A r. sentença de fls. 221/226, cujo relatório ora se adota, julgou par-
cialmente o pedido, para “A) retificar o afastamento da autora no período de
21/08/2023 até 04/10/2023, para constar licença por acidente do trabalho, anu-
lando-se a decisão administrativa que classificou o afastamento como licença
saúde, apostilando-se; B) regularizar o registro de frequência da autora, no
período retro referido, para constar o afastamento decorrente de licença decor-
rente de acidente do trabalho; C) realizar a recontagem do tempo de serviço
para considerar o período retro referido como licença por acidente de trabalho,
considerando-o para todos os efeitos legais, em especial para a contagem de
tempo de serviço, sexta-parte e aposentadoria; D) regularizar o pagamento dos
vencimentos da autora no período retro mencionado.”
Pela sucumbência mínima, a requerida foi condenada a arcar com hono-
rários arbitrados no percentual mínimo previsto no § 3º do art. 85 do CPC.
Irresignada, a parte autora interpõe recurso de apelação, sustentando,
em síntese, que a totalidade dos períodos de afastamento (de 21/08/2023 a
01/04/2024) deveria ser reconhecida como licença por acidente de trabalho, e
não como licença para tratamento de saúde, dado que decorreram diretamente
da agressão sofrida pela autora em sala de aula em 17/08/2023. Aduz que o cor-
reto enquadramento das licenças possui consequências relevantes em sua vida
funcional, pois a licença por acidente de trabalho é computada para todos os
efeitos legais, como sexta-parte, adicionais por tempo de serviço, entre outros,
conforme dispõe o artigo 78, inciso VI, da Lei 10.261/68. Por outro lado, a
licença para tratamento de saúde só é considerada para fins de aposentadoria e
disponibilidade, na forma do artigo 81, inciso II, da referida lei. Diante disso, re-
quer o provimento do recurso, para que sejam julgados totalmente procedentes
os pedidos iniciais, com o reconhecimento de que os afastamentos decorreram
de acidente de trabalho, com a devida retificação dos assentamentos funcionais
(fls. 245/254).
Recurso tempestivo, isento de preparo por ser a autora beneficiária da
gratuidade judiciária e contrarrazoado às fls.260/263.
Não houve oposição ao julgamento virtual.
É, em síntese, o relatório.
Bem examinada a questão posta em Juízo, vê-se que a irresignação com-
porta parcial provimento.
A controvérsia recursal restringe-se à necessidade de estender o reen-
quadramento do afastamento da autora como decorrente de acidente de traba-
lho a todo o período em que permaneceu afastada, ou seja, de 21/08/2023 a
Jurisprudência - Direito Público
01/04/2024.
O laudo pericial elaborado pelo IMESC reconheceu expressamente que
as licenças para tratamento de saúde concedidas à autora a partir de 21/08/2023
tiveram como causa a agressão sofrida em sala de aula, em 17/08/2023, a qual
originou quadro pós-traumático de ansiedade e depressão.
Dessa forma, não há fundamento lógico para limitar o reenquadramento
das licenças por acidente de trabalho apenas até 04/10/2023, devendo tal enqua-
dramento abranger integralmente todas as licenças concedidas até 01/04/2024,
conforme comprova o documento de fl. 16.
Registre-se que, a despeito do art. 191 do Estatuto dos Funcionários Pú-
blicos do Estado de São Paulo (Lei nº 10.261/68) determinar a inspeção do
servidor em órgão oficial, tal fato não exclui a análise pelo Poder Judiciário da
legalidade no enquadramento do pedido administrativo de concessão de licença-
saúde.
In casu, a perícia realizada pelo IMESC, por profissional habilitado e
equidistante do interesse das partes, bem constatou o equívoco do indeferimento
do pedido de licença-saúde da autora em relação ao primeiro período mencio-
nado, visto que o afastamento recomendado era compatível com o tratamento
realizado.
Nesse sentido, outra solução não restava senão o reconhecimento do di-
reito de licença saúde decorrente de acidente de trabalho para todo o período
reclamado.
Com efeito, a lei nº 10.261/68 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis
do Estado), assim preceitua acerca do acidente de trabalho:
Artigo 194 - O funcionário acidentado no exercício de suas atribuições
ou que tenha adquirido doença profissional terá direito à licença com
vencimento ou remuneração. (NR) Parágrafo único - Considera-se
também acidente: (NR)
1 - a agressão sofrida e não provocada pelo funcionário, no exercício
de suas funções; (NR) 2 - a lesão sofrida pelo funcionário, quando em
trânsito, no percurso usual para o trabalho. (NR)
(...)
Artigo 196 - A comprovação do acidente, indispensável para a conces-
são da licença, será feita em procedimento próprio, que deverá iniciar-
se no prazo de 10 (dez) dias, contados da data do acidente. (NR)
§ 1º - O funcionário deverá requerer a concessão da licença de que trata
o “caput” deste artigo junto ao órgão de origem. (NR)
436
§ 2º - Concluído o procedimento de que trata o “caput” deste artigo
caberá ao órgão médico oficial a decisão. (NR)
§ 3º - O procedimento para a comprovação do acidente de que trata este
artigo deverá ser cumprido pelo órgão de origem do funcionário, ainda
Jurisprudência - Direito Público
que não venha a ser objeto de licença. (NR)
Artigo 197 - Para a conceituação do acidente da doença profissional,
serão adotados os critérios da legislação federal de acidentes do traba-
lho. (grifei)
Como se percebe, para fins de conceituação do acidente de trabalho, há
expressa remissão à lei federal, qual seja, a lei nº 8.213/1991, a qual assim dis-
põe:
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho
a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício
do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei,
provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte
ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para
o trabalho.
(...)
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo ante-
rior, as seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada
pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante
da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Pre-
vidência Social;
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada
em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com
ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no in-
ciso I.
§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:
a) a doença degenerativa;
b) a inerente a grupo etário;
c) a que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em
que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de expo-
sição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída
na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições
especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona dire-
tamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos
desta Lei:
I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa
única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para re-
dução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão
que exija atenção médica para a sua recuperação;
II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho,
em conseqüência de:
a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou
companheiro de trabalho;
Jurisprudência - Direito Público
b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa
relacionada ao trabalho;
c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de
companheiro de trabalho;
d) ato de pessoa privada do uso da razão;
e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decor-
rentes de força maior;
(...)
§ 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da
satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou
durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.
§ 2º Não é considerada agravação ou complicação de acidente do
trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe
ou se superponha às conseqüências do anterior. (grifei)
Nesse contexto, o laudo do IMESC confirmou o acidente de trabalho, eis
que a autora desenvolveu durante o período em discussão sequelas emocionais
decorrentes da lamentável agressão sofrida por aluno durante a aula que minis-
trava dentro da sala.
Conclui-se, portanto, que a r. sentença de primeiro grau deve ser parcial-
mente reformada, para determinar a retificação do afastamento da autora, no
período de 21/08/2023 a 01/04/2024, com o enquadramento como licença por
acidente de trabalho. Impõe-se, ainda, a regularização do registro de frequência,
a recontagem do tempo de serviço para todos os efeitos legais e a adequação do
pagamento de seus vencimentos, conforme previsto em lei.
Em razão do provimento do recurso, majoro os honorários advocatícios
fixados em primeiro grau para o montante de 12%, nos termos do art. 85, § 11,
do Código de Processo Civil.
Ressalto, em remate, que o presente acórdão enfocou as matérias neces-
sárias à motivação do julgamento, tornando claras as razões pelas quais chegou
ao resultado. A leitura do acórdão permite ver cristalinamente o porquê do deci-
sum. É o que basta para o respeito às normas de garantia do Estado de Direito,
entre elas a do dever de motivação (CF, art. 93, IX), não sendo mister divagar
sobre todos os pontos e dispositivos legais citados pela recorrente.
De qualquer modo, para viabilizar eventual acesso às vias extraordinária
e especial, considero prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitu-
cional, observando o pacífico entendimento do Superior Tribunal de Justiça no
sentido de que, tratando-se de prequestionamento, a abordagem pelo Tribunal
recorrido da matéria federal suscitada, ainda que não mencionados os específi-
cos dispositivos legais violados, abre a via do recurso especial (AgInt no AREsp
n. 2.292.733/RJ, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em
19/8/2024, DJe de 22/8/2024).
Deixo consignado, por derradeiro, que eventuais recursos que sejam apre-
sentados em decorrência deste julgado estarão sujeitos a julgamento virtual. No
Jurisprudência - Direito Público
caso de discordância, deverá ela ser manifestada no momento de apresentação
do novo recurso.
Daí porque, em tais termos, dá-se provimento ao recurso.