APELAçãO – APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO - Cobrança de tarifa de carga poluidora (“fator K”) - Ausência de Jurisprudência - Direito Privado estudo técnico prévio para comprovar a carga polui- dora antes da cobrança da tarifa, necessária para de- monstração do fato gerador do tratamento desigual dispensado à autora - Precedentes deste Tribunal de Justiça - Negado provimento.(TJSP; Processo nº 1009208-10.2024.8.26.0047; Recurso: Apelação; Relator: HUGO CREPALDI; Data do Julgamento: 16 de junho de 2025)
, em sessão permanente e virtual da 25ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Nega-
ram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão. (Voto nº 39.461)
O julgamento teve a participação dos Desembargadores HUGO CRE-
PALDI (Presidente), MARY GRÜN e JOÃO ANTUNES.
São Paulo, 16 de junho de 2025.
HUGO CREPALDI, Relator.
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Ementa: APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA
DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO CUMULADA
COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO - Cobrança de
tarifa de carga poluidora (“fator K”) - Ausência de
Jurisprudência - Direito Privado
estudo técnico prévio para comprovar a carga polui-
dora antes da cobrança da tarifa, necessária para de-
monstração do fato gerador do tratamento desigual
dispensado à autora - Precedentes deste Tribunal de
Justiça - Negado provimento.
VOTO
Vistos.
Trata-se de Apelação interposta por COMPANHIA DE SANEAMEN-
TO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO - SABESP, nos autos da ação
declaratória de inexigibilidade de débito cumulada com repetição de indébito
que lhe move MARIANA MODESTINA DI LANNA ZANUNCIO, objeti-
vando a reforma da sentença (fls. 114/119) proferida pela MMª. Juíza de Direito
da 2ª Vara Cível da Comarca de Assis, Dra. Susane Carolina Gaida, que julgou
procedente a demanda para “DECLARAR inexigível a cobrança da Tarifa de
Carga Poluidora - Fator K lançadas nas contas de consumo do estabelecimento
autor, DETERMINAR o cancelamento da cobrança da aludida tarifa nas futu-
ras contas de consumo da parte autora, bem como DETERMINAR que a reque-
rida apresente as contas de consumo da autora, desde o início das cobranças.
No mais, CONDENO a parte ré à restituir à parte autora, de forma simples, a
taxa indevidamente cobrada, observado o prazo prescricional decenal, a ser
corrigida monetariamente de cada desembolso, conforme a tabela prática do
TJSP e com juros de mora de 1% ao mês desde a citação, a ser apurado em fase
de cumprimento de sentença”.
Em razão da sucumbência, a ré restou condenada ainda a arcar com a inte-
gralidade das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados
em 15% sobre o valor da causa.
Apela a requerida (fls. 122/140) sustentando, em apertada síntese, que o
esgoto coletado no imóvel da apelada, que exerce comércio varejista de animais
vivos e de artigos e alimentos para animais de estimação, necessita de tratamen-
to por toxicidade, ensejando a incidência do fator de carga poluidora, cobrança
esta que tem fundamento nas normas legais e regulamentares que disciplinam a
prestação do serviço público de saneamento básico.
Pugna, assim, pela reforma da sentença, a fim de que sejam julgados im-
procedentes os pedidos formulados na inicial.
Regularmente processado o feito, foram apresentadas contrarrazões (fls.
148/157).
Remetidos os autos a esta Instância Recursal, o apelo foi recebido em seu
duplo efeito.
É o relatório.
Jurisprudência - Direito Privado
Trata-se de ação visando à declaração de inexigibilidade de parte da fa-
tura de consumo de água relativa ao adicional de carga poluidora (Fator K) e
repetição dos valores pagos a tal título, sendo a pretensão autoral acolhida pela
ilustre Magistrada a quo.
E, em que pese a irresignação deduzida, reputo que a r. sentença não com-
porta reforma, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos, conforme
passa a se expor.
Observa-se que o chamado “fator K” tem uma finalidade ambiental, apli-
cando na prática o princípio do poluidor-pagador, segundo o qual aquele que
polui o meio ambiente deve pagar pelo passivo ambiental gerado, que afeta toda
a coletividade.
A realização de cobrança em valor superior para os usuários poluidores
está em consonância com o art. 4º, inciso VII da Lei nº 6.938/1981 (Lei da Po-
lítica Nacional do Meio Ambiente):
“Art 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
(...)
VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou
indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de
recursos ambientais com fins econômicos.”
O Decreto Estadual nº 41.446/1996, que dispõe sobre o regulamento do
sistema tarifário dos serviços prestados pela SABESP, também autoriza a co-
brança diferenciada em função das categorias de uso, especificando-as:
“Artigo 2º - As tarifas de serviços de água e esgoto serão calculadas, conside-
rando-se as diferenças e peculiaridades de sua prestação, as diversidades das
áreas ou regiões geográficas e obedecendo-se os seguintes critérios:
I - categorias de uso;”
“Artigo 3º - Para efeito de faturamento os usuários serão classificados nas ca-
tegorias residencial, comercial, industrial, pública e outros, de acordo com as
modalidades seguintes de utilização:
I - residencial - ligação usada exclusivamente em moradias;
II - comercial - ligação na qual a atividade exercida estiver incluída na classifi-
cação de comércio estabelecido pelo IBGE;
III - industrial - ligação na qual a atividade exercida estiver incluída na classifi-
cação de indústria estabelecida pelo IBGE;
IV - pública - ligação usada por órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo, Ju-
diciário, Autarquias e fundações vinculadas aos Poderes Públicos;
V - outros - ligação nas quais as atividades exercidas estiverem excluídas das
categorias nos incisos I a IV.”
Ainda, dispõe o art. 28 do mesmo Decreto:
“Artigo 28 - Os valores das tarifas dos serviços de água e/ou esgoto, bem como
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de outros serviços aplicados pela SABESP, serão divulgados através de comuni-
cado publicado na Imprensa Oficial.”
Nos termos do Comunicado nº 06/GESP de 1993, a fórmula de cobrança
que exige o “fator K” é cabível com relação ao serviço de coleta de esgoto da
Jurisprudência - Direito Privado
categoria industrial ou comercial com certa carga poluidora que é lançada na
rede pública.
Aos comércios varejistas de animais vivos e de artigos e alimentos para
animais de estimação este fator se aplicaria na ordem de 1,19, de acordo com
que consta na Tabela I do Comunicado nº 03/19, ou seja, a taxa do esgoto seria
19% superior à de fornecimento de água.
No entanto, no caso concreto, não se demonstrou que a cobrança do “fator
K” à apelada se justifica. Isto porque a demandada não comprovou que o esgoto
originário especificamente da autora tem uma carga poluidora tal que enseje a
cobrança.
Assim, face a ausência de estudo técnico para comprovar a carga polui-
dora antes da cobrança da tarifa, necessária para demonstração do fato gerador
do tratamento desigual dispensado à autora, a cobrança diferenciada não se jus-
tifica.
Ressalta-se que o estudo do tratamento do esgoto deveria ocorrer antes da
instituição da tarifa, e não no decorrer do processo judicial.
Neste sentido, destaca-se a jurisprudência desse Egrégio Tribunal de Jus-
tiça em casos análogos:
Apelação. Ação declaratória de ilegalidade da cobrança do fator de carga po-
luidora (“fator K”) c.c. repetição do indébito. Sentença de parcial procedência.
Apelo da ré. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. Legitimidade da
cobrança do fator de carga poluidora (“fator K”) de estabelecimentos comer-
ciais do ramo de panificação e confeitaria já analisada na jurisprudência. Con-
trovérsia que dispensa dilação probatória e possibilita o julgamento antecipado,
despicienda a produção de perícia de engenharia química, cuja conclusão peri-
cial não influenciaria na convicção judicial sobre a legitimidade do lançamento
impugnado. Precedente do C. STJ. Mérito. Ausente prova documental, a cargo
da apelante, da realização de prévio estudo técnico sobre a alegada toxicidade
do esgoto da apelada. Insuficiente a simples adoção da classificação do IBGE
para sustentar a cobrança do “fator K”. Tampouco há notícia de comunicação
antecedente à apelada acerca da alteração da classificação e início da cobrança
da tarifa a partir de novembro/2014. Prevalecimento do enquadramento da ati-
vidade econômica principal da apelada como “padaria e confeitaria com predo-
minância de revenda”. Inaplicabilidade do fator de carga poluidora à atividade
comercial - e não industrial - desempenhada. Precedentes deste E. TJSP. Não
incidência do art. 877 do CC/02. Desnecessária demonstração de erro da apela-
da no pagamento não voluntário de serviço essencial, prestado exclusivamente
pela apelante, e cujo inadimplemento ensejaria suspensão no fornecimento. Pre-
cedente desta E. 26ª Câmara de Direito Privado. Sentença mantida. Honorários
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recursais. Elevação em 2% da verba honorária advocatícia de sucumbência,
totalizando 12% sobre o valor da condenação (art. 85, §§ 1º e 11, do CPC/15).
Apelação desprovida. (Apelação Cível n° 1093280-38.2019.8.26.0100, Rel. Des.
Carlos Dias Motta, 26ª Câmara de Direito Privado, j. 27.08.2020 - destacou-se)
Jurisprudência - Direito Privado
Ação Declaratória de Inexigibilidade de Débito - Procedência Alegação de
cerceamento de defesa - Inocorrência - Prestação de serviços - Água e esgo-
to - “Fator K” - Carga de poluição - Atividade varejista Supermercado - Art.
3º, do DE 41.446/96 - Atividade não industrial - Ausência de estudo técnico
para comprovar a carga poluidora antes da cobrança da tarifa Inadmissibi-
lidade - Sentença que deve ser mantida - Recurso improvido. (Apelação Cível
n° 1093280-38.2019.8.26.0100, Rel. Des. Thiago de Siqueira, 14ª Câmara de
Direito Privado, j. 08.07.2020 - destacou-se)
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. Fornecimento de água e coleta de esgotos. Ação
de obrigação de fazer cumulada com repetição de indébito. Cobrança de tarifa
de carga poluidora (fator K). Ausência de laudo pericial prévio para constatar
o lançamento de poluentes na rede pública de esgoto e de comunicação prévia
ao usuário quanto à aludida cobrança. Cobrança indevida que deve ser restituí-
da. Ação procedente. Recurso não provido, com majoração da verba honorária.
(Apelação Cível n° 1000534-68.2017.8.26.0118, Rel. Des. Gilberto dos Santos,
11ª Câmara de Direito Privado, j. 15.08.2019 - destacou-se)
Portanto, na ausência de motivos que justifiquem a reforma da decisão
recorrida, imperiosa a manutenção do entendimento adotado em Primeiro Grau.
Por derradeiro, levando-se em consideração o trabalho adicional realiza-
do em grau recursal pelo patrono da parte vencedora, bem como os parâmetros
estabelecidos pelo art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, notadamente o
grau de zelo profissional, majoro os honorários advocatícios de sucumbência
para 20% do valor atualizado da causa, conforme preceitua o § 11 deste mesmo
dispositivo.
Pelo exposto, nego provimento ao recurso e majoro os honorários advo-
catícios para 20% do valor atualizado da causa.