Decisão 1037911-13.2024.8.26.0576

Processo: 1037911-13.2024.8.26.0576

Recurso: Apelação

Relator: ALIENDE RIBEIRO

Câmara julgadora:

Data do julgamento: 12 de maio de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – Direito à saúde. Apelação cível. Fornecimen- to de medicamento. Recurso desprovido. I. Caso em Exame 1. Ação ordinária proposta visando ao fornecimento do medicamento Canabidiol Solução oral 200mg/ml para tratamento de crises do lobo temporal de difícil controle decorrentes de quadro de autismo. Sentença de primeira instância que julgou procedente o pedi- do, determinando o fornecimento contínuo do medi- camento. I. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em determinar se o Estado de São Paulo deve fornecer o medicamento Canabidiol, não incorporado em atos normativos do SUS, para tratamento de crises epilépticas de difícil controle em paciente com autismo. I. Razões de Decidir 2. Laudo médico fundamentado e circunstanciado comprova a imprescindibilidade do medicamento e a ineficácia dos fármacos fornecidos pelo SUS. 2. Documentação comprova incapacidade financeira do autor para arcar com o custo do medicamento, que possui autorização da ANVISA para importação e fa- bricação. I. Dispositivo e Tese 2. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O direito à saúde é dever do Estado, que deve fornecer medicamentos necessários 404 ao tratamento de enfermidades graves, mesmo que não estejam incorporados em atos normativos do 405 SUS. 2. A obrigatoriedade de fornecer o medicamento submete-se à garantia do acesso à saúde como direito fundamental. Legislação Citada: Jurisprudência - Direito Público CF/1988, arts. 5º, 6º, 196, 198; Lei nº 8.080/90, art. 6º; Lei nº 9.782/99. Jurisprudência Citada: STF, RE nº 855.178 RG/SE, Rel. Min. Luiz Fux; STJ, REsp nº 1.657.156, Rel. Min. Gurgel de Faria; TJSP, Apelação Cível nº 1037911-13.2024.8.26.0576, Rel. Des. Magalhães Coelho.(TJSP; Processo nº 1037911-13.2024.8.26.0576; Recurso: Apelação; Relator: ALIENDE RIBEIRO; Data do Julgamento: 12 de maio de 2025)

Voto / Fundamentação

, em sessão permanente e virtual da 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Nega- ram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 26.216) O julgamento teve a participação dos Desembargadores MAGALHÃES COELHO (Presidente sem voto), VICENTE DE ABREU AMADEI e LUÍS FRANCISCO AGUILAR CORTEZ. São Paulo, 12 de maio de 2025. ALIENDE RIBEIRO, Relator


Ementa: Direito à saúde. Apelação cível. Fornecimen- to de medicamento. Recurso desprovido. I. Caso em Exame 1. Ação ordinária proposta visando ao fornecimento do medicamento Canabidiol Solução oral 200mg/ml para tratamento de crises do lobo temporal de difícil controle decorrentes de quadro de autismo. Sentença de primeira instância que julgou procedente o pedi- do, determinando o fornecimento contínuo do medi- camento. I. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em determinar se o Estado de São Paulo deve fornecer o medicamento Canabidiol, não incorporado em atos normativos do SUS, para tratamento de crises epilépticas de difícil controle em paciente com autismo. I. Razões de Decidir 2. Laudo médico fundamentado e circunstanciado comprova a imprescindibilidade do medicamento e a ineficácia dos fármacos fornecidos pelo SUS. 2. Documentação comprova incapacidade financeira do autor para arcar com o custo do medicamento, que possui autorização da ANVISA para importação e fa- bricação. I. Dispositivo e Tese 2. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O direito à saúde é dever do Estado, que deve fornecer medicamentos necessários 404 ao tratamento de enfermidades graves, mesmo que não estejam incorporados em atos normativos do 405 SUS. 2. A obrigatoriedade de fornecer o medicamento submete-se à garantia do acesso à saúde como direito fundamental. Legislação Citada: Jurisprudência - Direito Público CF/1988, arts. 5º, 6º, 196, 198; Lei nº 8.080/90, art. 6º; Lei nº 9.782/99. Jurisprudência Citada: STF, RE nº 855.178 RG/SE, Rel. Min. Luiz Fux; STJ, REsp nº 1.657.156, Rel. Min. Gurgel de Faria; TJSP, Apelação Cível nº 1037911-13.2024.8.26.0576, Rel. Des. Magalhães Coelho.





VOTO

Vistos. Trata-se de ação ordinária proposta por Leonardo Pereira Fabri, repre- sentado e assistido por sua genitora Vanderli Inácio Pereira Fabri, em face do Estado de São Paulo a fim de obter provimento jurisdicional que reconheça o direito do autor ao fornecimento do medicamento Canabidiol Solução oral 200mg/ml, a ser aplicado duas vezes ao dia (10 gotas manhã e 10 gotas noite), por tempo indeterminado, para tratamento de crises do lobo temporal de difícil controle decorrentes de quadro de autismo. Deferida a liminar (f. 48/49), a r. sentença de f. 398/407 julgou proce- dente o pedido, tornando definitiva a liminar, para entregar o medicamento Ca- nabidiol ou medicamento genérico semelhante, de forma contínua, pelo prazo que se fizer necessário para o tratamento da enfermidade do autor, mediante apresentação semestral de prescrição médica. Inconformado, recorre o Estado de São Paulo. Afirma que a medicação buscada é de alto custo e, nos termos do Tema nº 6 do C. STF, só poderia ser concedida caso houvesse comprovação de sua imprescindibilidade - o que não se dá no caso concreto. Ainda nesse sentido, salienta que tampouco estão com- provados os requisitos do Tema nº 106 do C. STJ, já que não há demonstração circunstanciada e fundamentada quanto à ineficácia dos fármacos fornecidos pelo SUS. Sustenta que o Ministério da Saúde aprovou o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Transtorno do Espectro Autista através da Porta- ria Conjunta nº 07, de 12/04/2022 que, em seu Tópico 6, orienta que, para os sintomas nucleares do TEA, são preconizadas intervenções comportamentais e educacionais e para controle de outros sintomas como o comportamento agres- sivo, as intervenções com medicamentos podem ser uma opção. Sustenta ainda que não existe tratamento medicamentoso eficaz para os sintomas nucleares do TEA. Afirma que o Protocolo do SUS prevê o fornecimento do fármaco Ris- peridona tem a mesma função do Canabidiol ora pleiteado, para o tratamento 406 dos sintomas associados à comorbidade, como o comportamento agressivo. Ao final, sustenta que não foram atendidos os requisitos de aplicação imediata exi- gidos pelos Temas 6 e 1234 do C. STF (f. 413/424). As contrarrazões foram apresentadas às f. 428/439. Jurisprudência - Direito Público É o relatório. Presentes os requisitos do artigo 1.010 do Código de Processo Civil, re- cebo o recurso em seus regulares efeitos. De início verifico que consta nos autos Laudo da Perícia realizada por médico do IMESC que atesta o quadro de autismo do autor: “...foi realizada anamnese, exame físico, análise dos documentos médico legais de interesse ao caso e revisão da literatura médica sendo constatado que o autor é portador de TEA-Transtorno do Espectro Autista e deficiência intelectual, crises convul- sivas. Apresentando nesta perícia alienado mental, agitado, não entende, não colabora, diversos estereotipes, fala desconexa, sob cuidados de terceiros” (f. 374/375). A ação foi proposta em 11/08/2021 e são aplicáveis ao caso concreto as teses fixadas no julgamento do REsp 1.657.156 (Tema nº 106), DJe 04/05/2018, representativo de controvérsia, que determinam: “A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstan- ciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o trata- mento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; i) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento pres- crito; i) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.” No caso concreto, o cumprimento do primeiro requisito (“Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por mé- dico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medica- mento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS”) decorre da documentação de f. 24/26 que, elaborado por médico que realiza o acompanhamento do quadro de saúde do autor há anos, esclarece que o requerente apresenta a enfermidade mencionada e necessita de referido medicamento para tratamento de crises epilépticas de difícil controle. Somado a isso, de acordo, com o relatório do Centro de Assistência Toxicoló- gica (CEATOX) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da U.S.P., juntado aos autos na contestação, o tratamento de convulsões é a única indica- ção quase unânime da eficácia do medicamento requerido (f. 165). O preenchimento do segundo requisito (“incapacidade financeira de ar- car com o custo do medicamento prescrito”), por sua vez, é demonstrado pelos documentos que a renda familiar é composta por um salário-mínimo do LOAS e o salário do pai do autor, trabalhador rural (f. 38/45). Por fim, quanto ao terceiro requisito, verifica-se que o medicamento soli- citado possui autorização da ANVISA para importação (Resolução da Diretoria Jurisprudência - Direito Público Colegiada – RDC nº 660/2020) e para fabricação no Brasil pela farmacêutica Prati-Donaduzzi, que detém autorização sanitária da ANVISA para este fim, conforme Resolução 1.186/2020. E, no caso concreto, adoto o entendimento bem fundamentado pelo E. Des. MAGALHÃES COELHO, na Apelação Cível nº 1037911-13.2024.8.26.0576, julgada por esta Colenda 1ª Câmara de Direito Público, em 14/02/2025, na qual foi requerido o mesmo medicamento: “APELAÇÃO CÍVEL – Mandado de Segurança – Fornecimento de me- dicamento a portadora de esclerodermia e fibromialgia – Direito à vida e à saúde, cabendo ao Estado propiciar o fornecimento de medicamen- to prescrito – Artigos 5º e 196 da Constituição Federal – É necessário que esse direito venha a ser respeitado e implementado pelo Estado, destinatário do comando Constitucional – Tema 793 STF – Obrigação solidária dos entes públicos – Tema 106 STJ e 1161 STF – Sentença re- formada. Recurso provido. Trata-se de mandado de segurança impetrado por Lais Helena, porta- dora de esclerodermia e fibromialgia, contra ato do Secretário Munici- pal de Saúde de São José do Rio Preto, objetivando o fornecimento do medicamento canabidiol 100mg/ml, 0,4ml 2x ao dia, uso contínuo, para tratamento de suas moléstias e manutenção de sua saúde... ...Como se sabe, o excepcional regime jurídico acerca do fornecimento de medicamentos cuja base é a cannabis (cdb + thc) para fins medicinais pode ser apreendido por meio dos seguintes dispositivos legais e juris- prudenciais. O princípio da dignidade da pessoa humana, alçado a fundamento da Re- pública Brasileira pelo art. 1º, inciso III, da Constituição Federal - CF, concretiza-se no rol de direitos e garantias fundamentais, entre eles os direitos sociais, no art. 6º, segundo o qual o direito à saúde é assegurado a todo ser humano. Assim, em conformidade com o art. 196 e ss., da CF, compete ao Estado garantir o direito à saúde mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação; incluindo, entre elas, ações de vigilância sanitária. Concretizando-se o mandamen- to constitucional, a Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/90, em seu art. 6º, VI e §1º, I, insere o controle e a fiscalização de produtos e substâncias de interesse para a saúde no campo de atuação do SUS. 408 Entendendo-se por vigilância sanitária o conjunto de ações capaz de eli- minar, diminuir ou prevenir riscos à saúde, abrangendo o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saú- de, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo. Jurisprudência - Direito Público Por sua vez, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA, criada pela Lei Federal nº 9.782/99, é a entidade federal incumbida de regula- mentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública, a exemplo de medicamentos de uso humano, suas subs- tâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias. Em cumprimento à legislação, a Anvisa publicou a RDC nº 327/19, que dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sani- tária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais. Além disso, a RDC nº 660/20, definiu os critérios e os procedimento para importação de produto derivado de Cannabis, por pessoa física para uso próprio, desde que preenchidos os requisitos, o interessado se cadastrasse junto à ANVISA e o medicamento estivesse contido em nota técnica. Verifica- se que o fármaco requerido, encontra-se descrito na Nota Técnica nº 27/2023/SEI/COCIC/GPCON/GGMON/DIRE5. Por sua vez, o Decreto Federal nº 8.077/13, art. 20, estabelece que a Anvisa elaborará e publicará a relação das substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial, a exemplo dos medicamentos derivados ve- getais ou fitofármacos de Cannabis. Diante de situações como as da impetrante, deve o Estado garantir os medicamentos mantenedores do bem-estar individual, privilegiando o direito à vida. Não se trata, portanto, de pedido caprichoso da parte, mas, sim, de direito público subjetivo correlato ao princípio da dignidade humana, servindo como meio para a manutenção de sua vida de forma digna interposta ao princípio da igualdade, em que se deve tratar igual- mente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades, a fim de auxiliar na gestão das necessidades especiais de cada indivíduo, conferindo subsídios necessários ao bem viver. Daí o porquê dou provimento ao recurso, para que seja concedida a se- gurança pleiteada, com o fornecimento do medicamento necessário à manutenção da saúde da impetrante”. Presentes, portanto, os requisitos necessários à concessão de medica- mentos não incorporados em atos normativos do SUS, há, ainda, demonstração suficiente de que o requerente é portador de grave enfermidade, que exige trata- mento urgente sob pena de risco à sua saúde e, até mesmo, à sua vida – ao que se acrescenta, por fim, a ausência de impugnação específica ao quadro de saúde do requerente, de modo que não há ausência de comprovação dos fatos consti- tutivos do direito invocado. De resto, quanto aos demais argumentos, ressalte-se que ENRICO TULLIO LIEBMAN já definia que “no tempo que flui enquanto se espera para Jurisprudência - Direito Público poder iniciar o processo, ou enquanto este se realiza, pode acontecer que os meios necessários a ele (isto é, as provas e os bens) fiquem expostos ao perigo de desaparecer ou de, por alguma outra forma, serem subtraídos à disponibi- lidade da Justiça; ou, mais genericamente, pode acontecer que o direito cujo reconhecimento se pede esteja ameaçado de um prejuízo iminente e irreparável. Nesses casos, à parte interessada é permitido pedir aos órgãos jurisdicionais que conservem e ponham a salvo as provas ou os bens, ou eliminem por outra forma aquela ameaça, de modo a assegurar que o processo possa conduzir a um resultado útil.” (Manual de Direito Processual Civil, vol. I, pág. 216, Ed. Forense, 1984). Alcança-se, destarte, não estar o Poder Público exercendo um de seus misteres mais elevados, a preservação da saúde e da vida dos cidadãos. Cabe ao Poder Público o dever de fornecer, gratuitamente, e de forma contínua, os meios necessários para o tratamento médico indicado pelos profis- sionais da saúde, o que não pode ser obstado por distribuição administrativa de atribuições e obriga, solidariamente, cada uma das pessoas jurídicas de direito público que integram a Federação, viabilizando que a demanda se processe, sem distinção, em face de cada uma delas. O artigo 196 da atual Carta Magna preceitua ser a saúde dever do Estado, a quem incumbe o dever de garanti-la, através de políticas sociais e econômi- cas, assegurando o acesso universal aos serviços destinados à recuperação ou assistência daqueles que dele dependam, disposição que também existe na Carta Paulista em vigor. O direito à saúde foi constitucionalmente assegurado a todos, não se qua- lificando como programáticas as normas constitucionais que o asseguram, má- xime diante das disposições das Leis 8.090/90 e 9.313/96. As obrigações na área da saúde são partilhadas pela União, pelos Estados membros, pelos Municípios e pelo Distrito Federal, como se conclui do exame do artigo 198, da Carta Magna que instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS) as- sentando a solidariedade entre as Pessoas Políticas no custeio e gerenciamento do sistema. Nessa trilha, ressalte-se a jurisprudência recentemente reiterada pelo C. Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n.º 855.178 RG/SE (Tema nº 793), rel. MIN. LUIZ FUX, em que firmada tese a seguinte tese: “O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federa- dos, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente.” 410 Isso demonstra que a obrigatoriedade de fornecer o medicamento em questão, submete-se, quanto ao cumprimento, a um dos pilares constitucionais erigido a direito fundamental: a garantia do acesso à saúde. Tratando-se de direito fundamental, a despesa é obrigatória, e não facul- Jurisprudência - Direito Público tativa, competindo igualmente à União, aos Estados Membros, e aos Municípios disciplinar suas receitas para o cabal cumprimento da obrigação. Nessa trilha da orientação deste julgado, já decidiu o STF no RE n.º 273.834, rel. MIN. CELSO DE MELLO, por v. aresto, com a seguinte ementa: “O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional in- dissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasilei- ra, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamen- to inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucional- mente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsá- vel, o Poder Público (Federal, Estadual ou Municipal), a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República.” Outro não é o sentir do STJ, em v. aresto no Agrava Interno no REsp nº 1553112/CE, j. 16/02/2017, rel. MIN. GURGEL DE FARIA: “1. Preliminar de desrespeito ao princípio da colegialidade afastada, porquanto o art. 557, caput, do Código de Processo Civil de 1973 auto- rizava o relator a julgar monocraticamente o recurso especial, nas hipó- teses ali descritas, comando previsto agora no art. 932 do CPC/2015, c/c o art. 255, I, II e III, do RISTJ. 2. O Estado (as três esferas de Governo) tem o dever de assegurar a to- dos os cidadãos, indistintamente, os direitos à dignidade humana, à vida e à saúde, conforme inteligência dos arts. 1º, 5º, caput, 6º, 196 e 198, I, da Constituição da República. 2. A ausência de previsão do medicamento em protocolos clínicos de di- retrizes terapêuticas do Ministério da Saúde não tem o condão de eximir os entes federados do dever imposto pela ordem constitucional, porquan- to não se pode admitir que regras burocráticas, previstas em portarias ou normas de inferior hierarquia, prevaleçam sobre direitos fundamentais do cidadão. 2. Hipótese em que o Tribunal de origem evidenciou a necessidade e adequação do fármaco pleiteado para o tratamento da patologia da pa- ciente, acentuando que o produto, apesar de não incorporado à lista do SUS, já se encontra registrado na ANVISA. 2. A inversão do julgado demandaria a análise do conjunto fático-proba- tório, o que é inviável em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7 do STJ. 2. A intervenção do Judiciário na implementação de políticas públicas, notadamente para garantir a prestação de direitos sociais, como a saúde, não viola o princípio da separação de poderes. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” Jurisprudência - Direito Público Em igual sentido, vv. acórdãos deste E. Tribunal, na Apelação Cí- vel n.º 1000220-93.2017.8.26.0160, rel. DES. COIMBRA SCHMIDT, j. 18.05.18; Apelação Cível n.º º 1027102-61.2016.8.26.0602, rel. DES. JOSÉ LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA, j. 06.02.18; Apelação Cível nº 1054517-17.2016.8.26.0053, DES. REL. J. M. RIBEIRO DE PAULA, j. 19.12.17; Apelação Cível nº 1002812-41.2016.8.26.0453, Rel. DES. VICENTE DE ABREU AMADEI, j. 25.06.18, cuja ementa tem o seguinte teor: “APELAÇÃO – Ação de obrigação de fazer – Pessoa hipossuficiente e portadora de “Doença Psicótica” (CID 10:F20) – Medicamento pres- crito por médico (Aripripazol 15 mg) – Obrigação do Estado e do Mu- nicípio – Direito fundamental ao fornecimento gratuito de medicamento – Aplicação dos arts. 1º, III, e 6º da CF – Princípios da isonomia e da tripartição de funções estatais não violados – Falta de padronização dos bens pretendidos, limitação orçamentária e teoria da reserva do possí- vel – Teses afastadas – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, com observação. Havendo direito subjetivo fundamental violado, não há ofensa aos prin- cípios da isonomia, da tripartição de funções estatais e da discriciona- riedade da Administração, e, no quadro da tutela do mínimo existencial, não se justifica inibição à efetividade do direito ofendido sob os escudos de falta de padronização ou de inclusão dos bens em lista oficial, de limi- tações orçamentárias e de aplicação da teoria da reserva do possível.” Por este mesmo motivo, atos administrativos que visem inibir a eficácia da norma constitucional que determina o fornecimento de medicamentos ou insumos à população ou o pleno acesso aos procedimentos médicos carecem de fundamento constitucional. Os protocolos e convenções limitando a distribuição de remédios à população são ineficazes na medida em que tornam inviável a efetivação da norma constitucional. Não obstante, cuidando-se de serviço universal e indispensável não há que se falar em limitação orçamentária. Nesse sentido são os julgados deste Egrégio Tribunal: “FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. MANDADO DE SEGURAN- ÇA. Autora é portadora de demência e necessita dos medicamentos, insu- mos e fraldas, conforme prescrição médica. Indisponibilidade do direito à saúde. Art. 196 da Constituição Federal, norma de eficácia imediata. Prova inequívoca da necessidade dos medicamentos. Ausência de padro- nização que não tem o condão de restringir o direito material tutelado. Tutela jurisdicional que não interfere na discricionariedade da Admi- nistração Pública. Garantia do fornecimento do medicamento que não empresta, em absoluto, caráter de imposição do Judiciário ao Executivo, 412 mas envolve, sim, o cumprimento exato dos preceitos constitucionais e o disposto na Lei n. 8.080/90. Óbices orçamentários. Irrelevância. Política pública que se pressupõe contemplada nas leis orçamentárias. Princípio da Reserva do Possível que não pode se sobrepor aos direitos fundamen- Jurisprudência - Direito Público tais. A saúde constitui direito público subjetivo do cidadão e dever do Estado. Precedentes.” (Apelação Cível nº 0000007-86.2015.8.26.0512, 2ª Câmara de Direito Público, j. 22.06.18, Des. Rel. Carlos Augusto Pe- drassi) “APELAÇÃO. REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. Fornecimento de medicamentos. Necessidade do fármaco atesta- da por profissional habilitado. Prova de hipossuficiência. Imprescindibi- lidade do provimento jurisdicional efetivamente demonstrada. Interesse público assinalado pelo art. 196 da Constituição Federal que consiste em se prestar, a cada uma das pessoas que necessite de amparo médico, os particulares cuidados de que precisa. Obrigação se dá no sentido gené- rico e de forma solidária, indistintamente e independente da distribuição orçamentária. Honorários condizentes com as especificidades da causa. Recursos desprovidos.” (Apelação Cível nº 3003922-48.2013.8.26.0032, 8ª Câmara de Direito Público, j. 20.05.18, Des. Rel. Bandeira Lins) “REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – DIREI- TO CONSTITUCIONAL – PRETENSÃO À REALIZAÇÃO DE EXAME CARDÍACO – CINECORONARIOGRAFIA TE – HIPOSSUFICIÊNCIA – POSSIBILIDADE. 1. Comprovação da necessidade do exame cardíaco, pela parte impetrante, mediante a apresentação de indicação médica. 2. Impossibilidade financeira, demonstrada. 3. Dever do Estado, nos ter- mos dos artigos 1º, II, 23, II, 30, VII e 196 da CF. 4. Solidariedade dos Entes Políticos da Federação, conforme as Súmulas nos 37 e 29 deste E. Tribunal de Justiça. 5. Inocorrência de ingerência do Poder Judiciário na atividade administrativa do Estado, que agiu em razão de provocação da parte interessada, com o objetivo de reconhecer direitos e garantias constitucionais. 6. Inexistência de ofensa a princípios orçamentários, na gestão de recursos públicos. 7. É possível a incidência da multa pecuniá- ria, para a hipótese do eventual descumprimento de decisão judicial pro- ferida em sede de mandado de segurança. 8. Precedentes da jurisprudên- cia do C. Superior Tribunal de Justiça e desta C. 5ª Câmara de Direito Público. 9. Ordem impetrada em mandado de segurança, concedida. 10. Sentença, ratificada, inclusive, com relação aos encargos da condenação e os ônus decorrentes da sucumbência. 11. Recurso oficial, desprovido.” (Apelação Cível nº 1032297-61.2015.8.26.0602, 5ª Câmara de Direito Público, j. 19/05/18, Des. Rel. Francisco Bianco). Há de se destacar, por fim, que a presente decisão não vincula a Adminis- tração ao fornecimento de produtos de determinada marca, nome comercial, la- boratório ou fornecedor, mas apenas ao fornecimento dos remédios elaborados a partir dos princípios ativos prescritos. Nestes termos, nego provimento ao recurso e mantenho a decisão de pri- 412 meiro grau, que deu correta solução à lide. Mantido o resultado do julgado, majoro os honorários advocatícios para 12% do valor da causa, já consideradas as fases de conhecimento e recursal, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil. Jurisprudência - Direito Público O caso, assim, é de negar provimento ao recurso interposto pelo Estado de São Paulo nos autos da ação de obrigação de fazer interposta por Leonardo Pereira Fabri (ref. proc. n.º 10028-65.28.2021.8.26.0168 2ª Vara Judicial da Comarca de Dracena, SP). Consigne-se, para fins de eventual pré-questionamento, inexistir ofensa aos artigos mencionados nas razões recursais. Resultado do julgamento: negaram provimento ao recurso.