APELAçãO – Direito à saúde. Apelação cível. Fornecimen- to de medicamento. Recurso desprovido. I. Caso em Exame 1. Ação ordinária proposta visando ao fornecimento do medicamento Canabidiol Solução oral 200mg/ml para tratamento de crises do lobo temporal de difícil controle decorrentes de quadro de autismo. Sentença de primeira instância que julgou procedente o pedi- do, determinando o fornecimento contínuo do medi- camento. I. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em determinar se o Estado de São Paulo deve fornecer o medicamento Canabidiol, não incorporado em atos normativos do SUS, para tratamento de crises epilépticas de difícil controle em paciente com autismo. I. Razões de Decidir 2. Laudo médico fundamentado e circunstanciado comprova a imprescindibilidade do medicamento e a ineficácia dos fármacos fornecidos pelo SUS. 2. Documentação comprova incapacidade financeira do autor para arcar com o custo do medicamento, que possui autorização da ANVISA para importação e fa- bricação. I. Dispositivo e Tese 2. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O direito à saúde é dever do Estado, que deve fornecer medicamentos necessários 404 ao tratamento de enfermidades graves, mesmo que não estejam incorporados em atos normativos do 405 SUS. 2. A obrigatoriedade de fornecer o medicamento submete-se à garantia do acesso à saúde como direito fundamental. Legislação Citada: Jurisprudência - Direito Público CF/1988, arts. 5º, 6º, 196, 198; Lei nº 8.080/90, art. 6º; Lei nº 9.782/99. Jurisprudência Citada: STF, RE nº 855.178 RG/SE, Rel. Min. Luiz Fux; STJ, REsp nº 1.657.156, Rel. Min. Gurgel de Faria; TJSP, Apelação Cível nº 1037911-13.2024.8.26.0576, Rel. Des. Magalhães Coelho.(TJSP; Processo nº 1037911-13.2024.8.26.0576; Recurso: Apelação; Relator: ALIENDE RIBEIRO; Data do Julgamento: 12 de maio de 2025)
, em sessão permanente e virtual da 1ª Câmara de Direito
Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Nega-
ram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão. (Voto nº 26.216)
O julgamento teve a participação dos Desembargadores MAGALHÃES
COELHO (Presidente sem voto), VICENTE DE ABREU AMADEI e LUÍS
FRANCISCO AGUILAR CORTEZ.
São Paulo, 12 de maio de 2025.
ALIENDE RIBEIRO, Relator
Ementa: Direito à saúde. Apelação cível. Fornecimen-
to de medicamento. Recurso desprovido.
I. Caso em Exame
1. Ação ordinária proposta visando ao fornecimento
do medicamento Canabidiol Solução oral 200mg/ml
para tratamento de crises do lobo temporal de difícil
controle decorrentes de quadro de autismo. Sentença
de primeira instância que julgou procedente o pedi-
do, determinando o fornecimento contínuo do medi-
camento.
I. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se
o Estado de São Paulo deve fornecer o medicamento
Canabidiol, não incorporado em atos normativos do
SUS, para tratamento de crises epilépticas de difícil
controle em paciente com autismo.
I. Razões de Decidir
2. Laudo médico fundamentado e circunstanciado
comprova a imprescindibilidade do medicamento e a
ineficácia dos fármacos fornecidos pelo SUS.
2. Documentação comprova incapacidade financeira
do autor para arcar com o custo do medicamento, que
possui autorização da ANVISA para importação e fa-
bricação.
I. Dispositivo e Tese
2. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: 1. O direito à saúde é dever do
Estado, que deve fornecer medicamentos necessários
404
ao tratamento de enfermidades graves, mesmo que
não estejam incorporados em atos normativos do
405
SUS. 2. A obrigatoriedade de fornecer o medicamento
submete-se à garantia do acesso à saúde como direito
fundamental.
Legislação Citada:
Jurisprudência - Direito Público
CF/1988, arts. 5º, 6º, 196, 198; Lei nº 8.080/90, art. 6º;
Lei nº 9.782/99.
Jurisprudência Citada:
STF, RE nº 855.178 RG/SE, Rel. Min. Luiz Fux; STJ,
REsp nº 1.657.156, Rel. Min. Gurgel de Faria; TJSP,
Apelação Cível nº 1037911-13.2024.8.26.0576, Rel.
Des. Magalhães Coelho.
VOTO
Vistos.
Trata-se de ação ordinária proposta por Leonardo Pereira Fabri, repre-
sentado e assistido por sua genitora Vanderli Inácio Pereira Fabri, em face do
Estado de São Paulo a fim de obter provimento jurisdicional que reconheça
o direito do autor ao fornecimento do medicamento Canabidiol Solução oral
200mg/ml, a ser aplicado duas vezes ao dia (10 gotas manhã e 10 gotas noite),
por tempo indeterminado, para tratamento de crises do lobo temporal de difícil
controle decorrentes de quadro de autismo.
Deferida a liminar (f. 48/49), a r. sentença de f. 398/407 julgou proce-
dente o pedido, tornando definitiva a liminar, para entregar o medicamento Ca-
nabidiol ou medicamento genérico semelhante, de forma contínua, pelo prazo
que se fizer necessário para o tratamento da enfermidade do autor, mediante
apresentação semestral de prescrição médica.
Inconformado, recorre o Estado de São Paulo. Afirma que a medicação
buscada é de alto custo e, nos termos do Tema nº 6 do C. STF, só poderia ser
concedida caso houvesse comprovação de sua imprescindibilidade - o que não
se dá no caso concreto. Ainda nesse sentido, salienta que tampouco estão com-
provados os requisitos do Tema nº 106 do C. STJ, já que não há demonstração
circunstanciada e fundamentada quanto à ineficácia dos fármacos fornecidos
pelo SUS. Sustenta que o Ministério da Saúde aprovou o Protocolo Clínico
e Diretrizes Terapêuticas do Transtorno do Espectro Autista através da Porta-
ria Conjunta nº 07, de 12/04/2022 que, em seu Tópico 6, orienta que, para os
sintomas nucleares do TEA, são preconizadas intervenções comportamentais e
educacionais e para controle de outros sintomas como o comportamento agres-
sivo, as intervenções com medicamentos podem ser uma opção. Sustenta ainda
que não existe tratamento medicamentoso eficaz para os sintomas nucleares do
TEA. Afirma que o Protocolo do SUS prevê o fornecimento do fármaco Ris-
peridona tem a mesma função do Canabidiol ora pleiteado, para o tratamento
406
dos sintomas associados à comorbidade, como o comportamento agressivo. Ao
final, sustenta que não foram atendidos os requisitos de aplicação imediata exi-
gidos pelos Temas 6 e 1234 do C. STF (f. 413/424).
As contrarrazões foram apresentadas às f. 428/439.
Jurisprudência - Direito Público
É o relatório.
Presentes os requisitos do artigo 1.010 do Código de Processo Civil, re-
cebo o recurso em seus regulares efeitos.
De início verifico que consta nos autos Laudo da Perícia realizada por
médico do IMESC que atesta o quadro de autismo do autor: “...foi realizada
anamnese, exame físico, análise dos documentos médico legais de interesse ao
caso e revisão da literatura médica sendo constatado que o autor é portador
de TEA-Transtorno do Espectro Autista e deficiência intelectual, crises convul-
sivas. Apresentando nesta perícia alienado mental, agitado, não entende, não
colabora, diversos estereotipes, fala desconexa, sob cuidados de terceiros” (f.
374/375).
A ação foi proposta em 11/08/2021 e são aplicáveis ao caso concreto as
teses fixadas no julgamento do REsp 1.657.156 (Tema nº 106), DJe 04/05/2018,
representativo de controvérsia, que determinam:
“A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos
do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstan-
ciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade
ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o trata-
mento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
i) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento pres-
crito;
i) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os
usos autorizados pela agência.”
No caso concreto, o cumprimento do primeiro requisito (“Comprovação,
por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por mé-
dico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medica-
mento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos
fornecidos pelo SUS”) decorre da documentação de f. 24/26 que, elaborado por
médico que realiza o acompanhamento do quadro de saúde do autor há anos,
esclarece que o requerente apresenta a enfermidade mencionada e necessita de
referido medicamento para tratamento de crises epilépticas de difícil controle.
Somado a isso, de acordo, com o relatório do Centro de Assistência Toxicoló-
gica (CEATOX) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da U.S.P.,
juntado aos autos na contestação, o tratamento de convulsões é a única indica-
ção quase unânime da eficácia do medicamento requerido (f. 165).
O preenchimento do segundo requisito (“incapacidade financeira de ar-
car com o custo do medicamento prescrito”), por sua vez, é demonstrado pelos
documentos que a renda familiar é composta por um salário-mínimo do LOAS
e o salário do pai do autor, trabalhador rural (f. 38/45).
Por fim, quanto ao terceiro requisito, verifica-se que o medicamento soli-
citado possui autorização da ANVISA para importação (Resolução da Diretoria
Jurisprudência - Direito Público
Colegiada – RDC nº 660/2020) e para fabricação no Brasil pela farmacêutica
Prati-Donaduzzi, que detém autorização sanitária da ANVISA para este fim,
conforme Resolução 1.186/2020.
E, no caso concreto, adoto o entendimento bem fundamentado pelo E. Des.
MAGALHÃES COELHO, na Apelação Cível nº 1037911-13.2024.8.26.0576,
julgada por esta Colenda 1ª Câmara de Direito Público, em 14/02/2025, na qual
foi requerido o mesmo medicamento:
“APELAÇÃO CÍVEL – Mandado de Segurança – Fornecimento de me-
dicamento a portadora de esclerodermia e fibromialgia – Direito à vida
e à saúde, cabendo ao Estado propiciar o fornecimento de medicamen-
to prescrito – Artigos 5º e 196 da Constituição Federal – É necessário
que esse direito venha a ser respeitado e implementado pelo Estado,
destinatário do comando Constitucional – Tema 793 STF – Obrigação
solidária dos entes públicos – Tema 106 STJ e 1161 STF – Sentença re-
formada. Recurso provido.
Trata-se de mandado de segurança impetrado por Lais Helena, porta-
dora de esclerodermia e fibromialgia, contra ato do Secretário Munici-
pal de Saúde de São José do Rio Preto, objetivando o fornecimento do
medicamento canabidiol 100mg/ml, 0,4ml 2x ao dia, uso contínuo, para
tratamento de suas moléstias e manutenção de sua saúde...
...Como se sabe, o excepcional regime jurídico acerca do fornecimento
de medicamentos cuja base é a cannabis (cdb + thc) para fins medicinais
pode ser apreendido por meio dos seguintes dispositivos legais e juris-
prudenciais.
O princípio da dignidade da pessoa humana, alçado a fundamento da Re-
pública Brasileira pelo art. 1º, inciso III, da Constituição Federal - CF,
concretiza-se no rol de direitos e garantias fundamentais, entre eles os
direitos sociais, no art. 6º, segundo o qual o direito à saúde é assegurado
a todo ser humano.
Assim, em conformidade com o art. 196 e ss., da CF, compete ao Estado
garantir o direito à saúde mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação; incluindo,
entre elas, ações de vigilância sanitária. Concretizando-se o mandamen-
to constitucional, a Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/90, em seu art. 6º,
VI e §1º, I, insere o controle e a fiscalização de produtos e substâncias de
interesse para a saúde no campo de atuação do SUS.
408
Entendendo-se por vigilância sanitária o conjunto de ações capaz de eli-
minar, diminuir ou prevenir riscos à saúde, abrangendo o controle de
bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saú-
de, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo.
Jurisprudência - Direito Público
Por sua vez, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA, criada
pela Lei Federal nº 9.782/99, é a entidade federal incumbida de regula-
mentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco
à saúde pública, a exemplo de medicamentos de uso humano, suas subs-
tâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias.
Em cumprimento à legislação, a Anvisa publicou a RDC nº 327/19, que
dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sani-
tária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos
para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a
fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais. Além disso, a
RDC nº 660/20, definiu os critérios e os procedimento para importação
de produto derivado de Cannabis, por pessoa física para uso próprio,
desde que preenchidos os requisitos, o interessado se cadastrasse junto
à ANVISA e o medicamento estivesse contido em nota técnica. Verifica-
se que o fármaco requerido, encontra-se descrito na Nota Técnica nº
27/2023/SEI/COCIC/GPCON/GGMON/DIRE5.
Por sua vez, o Decreto Federal nº 8.077/13, art. 20, estabelece que a
Anvisa elaborará e publicará a relação das substâncias e medicamentos
sujeitos a controle especial, a exemplo dos medicamentos derivados ve-
getais ou fitofármacos de Cannabis.
Diante de situações como as da impetrante, deve o Estado garantir os
medicamentos mantenedores do bem-estar individual, privilegiando o
direito à vida. Não se trata, portanto, de pedido caprichoso da parte,
mas, sim, de direito público subjetivo correlato ao princípio da dignidade
humana, servindo como meio para a manutenção de sua vida de forma
digna interposta ao princípio da igualdade, em que se deve tratar igual-
mente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas
desigualdades, a fim de auxiliar na gestão das necessidades especiais de
cada indivíduo, conferindo subsídios necessários ao bem viver.
Daí o porquê dou provimento ao recurso, para que seja concedida a se-
gurança pleiteada, com o fornecimento do medicamento necessário à
manutenção da saúde da impetrante”.
Presentes, portanto, os requisitos necessários à concessão de medica-
mentos não incorporados em atos normativos do SUS, há, ainda, demonstração
suficiente de que o requerente é portador de grave enfermidade, que exige trata-
mento urgente sob pena de risco à sua saúde e, até mesmo, à sua vida – ao que
se acrescenta, por fim, a ausência de impugnação específica ao quadro de saúde
do requerente, de modo que não há ausência de comprovação dos fatos consti-
tutivos do direito invocado.
De resto, quanto aos demais argumentos, ressalte-se que ENRICO
TULLIO LIEBMAN já definia que “no tempo que flui enquanto se espera para
Jurisprudência - Direito Público
poder iniciar o processo, ou enquanto este se realiza, pode acontecer que os
meios necessários a ele (isto é, as provas e os bens) fiquem expostos ao perigo
de desaparecer ou de, por alguma outra forma, serem subtraídos à disponibi-
lidade da Justiça; ou, mais genericamente, pode acontecer que o direito cujo
reconhecimento se pede esteja ameaçado de um prejuízo iminente e irreparável.
Nesses casos, à parte interessada é permitido pedir aos órgãos jurisdicionais
que conservem e ponham a salvo as provas ou os bens, ou eliminem por outra
forma aquela ameaça, de modo a assegurar que o processo possa conduzir a
um resultado útil.” (Manual de Direito Processual Civil, vol. I, pág. 216, Ed.
Forense, 1984).
Alcança-se, destarte, não estar o Poder Público exercendo um de seus
misteres mais elevados, a preservação da saúde e da vida dos cidadãos.
Cabe ao Poder Público o dever de fornecer, gratuitamente, e de forma
contínua, os meios necessários para o tratamento médico indicado pelos profis-
sionais da saúde, o que não pode ser obstado por distribuição administrativa de
atribuições e obriga, solidariamente, cada uma das pessoas jurídicas de direito
público que integram a Federação, viabilizando que a demanda se processe, sem
distinção, em face de cada uma delas.
O artigo 196 da atual Carta Magna preceitua ser a saúde dever do Estado,
a quem incumbe o dever de garanti-la, através de políticas sociais e econômi-
cas, assegurando o acesso universal aos serviços destinados à recuperação ou
assistência daqueles que dele dependam, disposição que também existe na Carta
Paulista em vigor.
O direito à saúde foi constitucionalmente assegurado a todos, não se qua-
lificando como programáticas as normas constitucionais que o asseguram, má-
xime diante das disposições das Leis 8.090/90 e 9.313/96.
As obrigações na área da saúde são partilhadas pela União, pelos Estados
membros, pelos Municípios e pelo Distrito Federal, como se conclui do exame
do artigo 198, da Carta Magna que instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS) as-
sentando a solidariedade entre as Pessoas Políticas no custeio e gerenciamento
do sistema. Nessa trilha, ressalte-se a jurisprudência recentemente reiterada pelo
C. Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n.º 855.178 RG/SE (Tema nº
793), rel. MIN. LUIZ FUX, em que firmada tese a seguinte tese:
“O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos
deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federa-
dos, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou
isoladamente.”
410
Isso demonstra que a obrigatoriedade de fornecer o medicamento em
questão, submete-se, quanto ao cumprimento, a um dos pilares constitucionais
erigido a direito fundamental: a garantia do acesso à saúde.
Tratando-se de direito fundamental, a despesa é obrigatória, e não facul-
Jurisprudência - Direito Público
tativa, competindo igualmente à União, aos Estados Membros, e aos Municípios
disciplinar suas receitas para o cabal cumprimento da obrigação.
Nessa trilha da orientação deste julgado, já decidiu o STF no RE n.º
273.834, rel. MIN. CELSO DE MELLO, por v. aresto, com a seguinte ementa:
“O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que
assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional in-
dissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera
institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasilei-
ra, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população,
sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamen-
to inconstitucional.
O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucional-
mente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsá-
vel, o Poder Público (Federal, Estadual ou Municipal), a quem incumbe
formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a
garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da
Constituição da República.”
Outro não é o sentir do STJ, em v. aresto no Agrava Interno no REsp nº
1553112/CE, j. 16/02/2017, rel. MIN. GURGEL DE FARIA:
“1. Preliminar de desrespeito ao princípio da colegialidade afastada,
porquanto o art. 557, caput, do Código de Processo Civil de 1973 auto-
rizava o relator a julgar monocraticamente o recurso especial, nas hipó-
teses ali descritas, comando previsto agora no art. 932 do CPC/2015, c/c
o art. 255, I, II e III, do RISTJ.
2. O Estado (as três esferas de Governo) tem o dever de assegurar a to-
dos os cidadãos, indistintamente, os direitos à dignidade humana, à vida
e à saúde, conforme inteligência dos arts. 1º, 5º, caput, 6º, 196 e 198, I,
da Constituição da República.
2. A ausência de previsão do medicamento em protocolos clínicos de di-
retrizes terapêuticas do Ministério da Saúde não tem o condão de eximir
os entes federados do dever imposto pela ordem constitucional, porquan-
to não se pode admitir que regras burocráticas, previstas em portarias ou
normas de inferior hierarquia, prevaleçam sobre direitos fundamentais
do cidadão.
2. Hipótese em que o Tribunal de origem evidenciou a necessidade e
adequação do fármaco pleiteado para o tratamento da patologia da pa-
ciente, acentuando que o produto, apesar de não incorporado à lista do
SUS, já se encontra registrado na ANVISA.
2. A inversão do julgado demandaria a análise do conjunto fático-proba-
tório, o que é inviável em sede de recurso especial, nos termos da Súmula
7 do STJ.
2. A intervenção do Judiciário na implementação de políticas públicas,
notadamente para garantir a prestação de direitos sociais, como a saúde,
não viola o princípio da separação de poderes.
2. Agravo interno a que se nega provimento.”
Jurisprudência - Direito Público
Em igual sentido, vv. acórdãos deste E. Tribunal, na Apelação Cí-
vel n.º 1000220-93.2017.8.26.0160, rel. DES. COIMBRA SCHMIDT, j.
18.05.18; Apelação Cível n.º º 1027102-61.2016.8.26.0602, rel. DES. JOSÉ
LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA, j. 06.02.18; Apelação Cível nº 1054517-17.2016.8.26.0053, DES. REL. J. M. RIBEIRO DE PAULA, j. 19.12.17;
Apelação Cível nº 1002812-41.2016.8.26.0453, Rel. DES. VICENTE DE
ABREU AMADEI, j. 25.06.18, cuja ementa tem o seguinte teor:
“APELAÇÃO – Ação de obrigação de fazer – Pessoa hipossuficiente e
portadora de “Doença Psicótica” (CID 10:F20) – Medicamento pres-
crito por médico (Aripripazol 15 mg) – Obrigação do Estado e do Mu-
nicípio – Direito fundamental ao fornecimento gratuito de medicamento
– Aplicação dos arts. 1º, III, e 6º da CF – Princípios da isonomia e da
tripartição de funções estatais não violados – Falta de padronização dos
bens pretendidos, limitação orçamentária e teoria da reserva do possí-
vel – Teses afastadas – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, com
observação.
Havendo direito subjetivo fundamental violado, não há ofensa aos prin-
cípios da isonomia, da tripartição de funções estatais e da discriciona-
riedade da Administração, e, no quadro da tutela do mínimo existencial,
não se justifica inibição à efetividade do direito ofendido sob os escudos
de falta de padronização ou de inclusão dos bens em lista oficial, de limi-
tações orçamentárias e de aplicação da teoria da reserva do possível.”
Por este mesmo motivo, atos administrativos que visem inibir a eficácia
da norma constitucional que determina o fornecimento de medicamentos ou
insumos à população ou o pleno acesso aos procedimentos médicos carecem de
fundamento constitucional. Os protocolos e convenções limitando a distribuição
de remédios à população são ineficazes na medida em que tornam inviável a
efetivação da norma constitucional.
Não obstante, cuidando-se de serviço universal e indispensável não há
que se falar em limitação orçamentária.
Nesse sentido são os julgados deste Egrégio Tribunal:
“FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. MANDADO DE SEGURAN-
ÇA. Autora é portadora de demência e necessita dos medicamentos, insu-
mos e fraldas, conforme prescrição médica. Indisponibilidade do direito
à saúde. Art. 196 da Constituição Federal, norma de eficácia imediata.
Prova inequívoca da necessidade dos medicamentos. Ausência de padro-
nização que não tem o condão de restringir o direito material tutelado.
Tutela jurisdicional que não interfere na discricionariedade da Admi-
nistração Pública. Garantia do fornecimento do medicamento que não
empresta, em absoluto, caráter de imposição do Judiciário ao Executivo,
412
mas envolve, sim, o cumprimento exato dos preceitos constitucionais e o
disposto na Lei n. 8.080/90. Óbices orçamentários. Irrelevância. Política
pública que se pressupõe contemplada nas leis orçamentárias. Princípio
da Reserva do Possível que não pode se sobrepor aos direitos fundamen-
Jurisprudência - Direito Público
tais. A saúde constitui direito público subjetivo do cidadão e dever do
Estado. Precedentes.” (Apelação Cível nº 0000007-86.2015.8.26.0512,
2ª Câmara de Direito Público, j. 22.06.18, Des. Rel. Carlos Augusto Pe-
drassi)
“APELAÇÃO. REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE
FAZER. Fornecimento de medicamentos. Necessidade do fármaco atesta-
da por profissional habilitado. Prova de hipossuficiência. Imprescindibi-
lidade do provimento jurisdicional efetivamente demonstrada. Interesse
público assinalado pelo art. 196 da Constituição Federal que consiste em
se prestar, a cada uma das pessoas que necessite de amparo médico, os
particulares cuidados de que precisa. Obrigação se dá no sentido gené-
rico e de forma solidária, indistintamente e independente da distribuição
orçamentária. Honorários condizentes com as especificidades da causa.
Recursos desprovidos.” (Apelação Cível nº 3003922-48.2013.8.26.0032,
8ª Câmara de Direito Público, j. 20.05.18, Des. Rel. Bandeira Lins)
“REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – DIREI-
TO CONSTITUCIONAL – PRETENSÃO À REALIZAÇÃO DE EXAME
CARDÍACO – CINECORONARIOGRAFIA TE – HIPOSSUFICIÊNCIA
– POSSIBILIDADE. 1. Comprovação da necessidade do exame cardíaco,
pela parte impetrante, mediante a apresentação de indicação médica. 2.
Impossibilidade financeira, demonstrada. 3. Dever do Estado, nos ter-
mos dos artigos 1º, II, 23, II, 30, VII e 196 da CF. 4. Solidariedade dos
Entes Políticos da Federação, conforme as Súmulas nos 37 e 29 deste E.
Tribunal de Justiça. 5. Inocorrência de ingerência do Poder Judiciário
na atividade administrativa do Estado, que agiu em razão de provocação
da parte interessada, com o objetivo de reconhecer direitos e garantias
constitucionais. 6. Inexistência de ofensa a princípios orçamentários, na
gestão de recursos públicos. 7. É possível a incidência da multa pecuniá-
ria, para a hipótese do eventual descumprimento de decisão judicial pro-
ferida em sede de mandado de segurança. 8. Precedentes da jurisprudên-
cia do C. Superior Tribunal de Justiça e desta C. 5ª Câmara de Direito
Público. 9. Ordem impetrada em mandado de segurança, concedida. 10.
Sentença, ratificada, inclusive, com relação aos encargos da condenação
e os ônus decorrentes da sucumbência. 11. Recurso oficial, desprovido.”
(Apelação Cível nº 1032297-61.2015.8.26.0602, 5ª Câmara de Direito
Público, j. 19/05/18, Des. Rel. Francisco Bianco).
Há de se destacar, por fim, que a presente decisão não vincula a Adminis-
tração ao fornecimento de produtos de determinada marca, nome comercial, la-
boratório ou fornecedor, mas apenas ao fornecimento dos remédios elaborados
a partir dos princípios ativos prescritos.
Nestes termos, nego provimento ao recurso e mantenho a decisão de pri-
412
meiro grau, que deu correta solução à lide.
Mantido o resultado do julgado, majoro os honorários advocatícios para
12% do valor da causa, já consideradas as fases de conhecimento e recursal, nos
termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil.
Jurisprudência - Direito Público
O caso, assim, é de negar provimento ao recurso interposto pelo Estado
de São Paulo nos autos da ação de obrigação de fazer interposta por Leonardo
Pereira Fabri (ref. proc. n.º 10028-65.28.2021.8.26.0168 2ª Vara Judicial da
Comarca de Dracena, SP).
Consigne-se, para fins de eventual pré-questionamento, inexistir ofensa
aos artigos mencionados nas razões recursais.
Resultado do julgamento: negaram provimento ao recurso.