APELAçãO – APELAÇÃO – Responsabilidade civil – Pre- tensão de indenização por danos materiais e morais em virtude de alegada prisão ilegal por erro judiciário – R. sentença de improcedência – Pretensão de refor- ma – Cabimento – Autor que foi confundido com um estuprador em série, preso cautelarmente, indiciado, processado e condenado – Cumprimento de pena pri- vativa de liberdade, por mais de três anos – Revisão 509 criminal posterior que o absolveu, nos termos do art. 386, inc. IV, do Código de Processo Penal – Erro ju- diciário constatado – Responsabilização que indepen- de de dolo ou culpa na atuação dos agentes públicos Jurisprudência - Direito Público envolvidos – Precedentes do C. STF e deste Eg. Tri- bunal de Justiça – Nexo de causalidade entre a falha na prestação do serviço público da Justiça e os danos suportados pelo autor caracterizado – Configurada a responsabilidade civil do Estado – Inteligência do art. 5º, inc. LXXV, c.c. art. 37, § 6º, da Constituição Fede- ral – Dever de indenizar – Danos materiais – Devidos na forma de lucros cessantes, a serem apurados em sede de liquidação de sentença – Danos morais – Con- figuração – Situação que ultrapassou o mero aborre- cimento cotidiano – Necessidade de atualização das bases de dados públicas, para desvincular a imagem e os dados do autor dos delitos praticados pelo verda- deiro criminoso – Reforma da r. sentença – Recurso provido.(TJSP; Processo nº 1042148-10.2024.8.26.0053; Recurso: Apelação; Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julga-; Data do Julgamento: 9 de junho de 2025)
, em 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de
São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Após sustentação oral do Dr. Alexandre
Monteiro Fortes, deram provimento ao recurso. V.U. Declara voto convergente
a 3ª Juíza”, de conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão.
(Voto nº 24.261)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores SILVIA
MEIRELLES (Presidente), SIDNEY ROMANO DOS REIS e MARIA OLÍVIA
ALVES.
São Paulo, 9 de junho de 2025.
SILVIA MEIRELLES, Relatora
Ementa: APELAÇÃO – Responsabilidade civil – Pre-
tensão de indenização por danos materiais e morais
em virtude de alegada prisão ilegal por erro judiciário
– R. sentença de improcedência – Pretensão de refor-
ma – Cabimento – Autor que foi confundido com um
estuprador em série, preso cautelarmente, indiciado,
processado e condenado – Cumprimento de pena pri-
vativa de liberdade, por mais de três anos – Revisão
509
criminal posterior que o absolveu, nos termos do art.
386, inc. IV, do Código de Processo Penal – Erro ju-
diciário constatado – Responsabilização que indepen-
de de dolo ou culpa na atuação dos agentes públicos
Jurisprudência - Direito Público
envolvidos – Precedentes do C. STF e deste Eg. Tri-
bunal de Justiça – Nexo de causalidade entre a falha
na prestação do serviço público da Justiça e os danos
suportados pelo autor caracterizado – Configurada a
responsabilidade civil do Estado – Inteligência do art.
5º, inc. LXXV, c.c. art. 37, § 6º, da Constituição Fede-
ral – Dever de indenizar – Danos materiais – Devidos
na forma de lucros cessantes, a serem apurados em
sede de liquidação de sentença – Danos morais – Con-
figuração – Situação que ultrapassou o mero aborre-
cimento cotidiano – Necessidade de atualização das
bases de dados públicas, para desvincular a imagem
e os dados do autor dos delitos praticados pelo verda-
deiro criminoso – Reforma da r. sentença – Recurso
provido.
VOTO
Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença de fls. 322/325, que
julgou improcedente a ação indenizatória por alegado erro judiciário que culmi-
nou na prisão do autor.
Apela o vencido (fls. 330/347), sustentando, em síntese, os mesmos argu-
mentos expostos em sua inicial, no sentido de que restou caracterizado o dever
de indenizar diante da comprovação de erro judiciário, consistente em falhas
no processo criminal em que foi condenado por ter sido confundido com o es-
tuprador em série conhecido como “Maníaco do Tatuapé”, o que culminou em
sua prisão indevida, sendo posteriormente absolvido, por comprovação da não
autoria, em sede de revisão criminal. Aduz que a r. sentença fundou-se em pre-
missa equivocada, pois não se exige a presença de erro grosseiro para fins de
indenização decorrente de revisão criminal e prevista no art. 630, do CPP, a
qual prescinde de ato ilícito e decorre da correção de erro judiciário por meio de
revisão criminal, hipótese de que trata a presente demanda. Desse modo, uma
vez reconhecido que a condenação foi injusta ou errônea, exsurge o dever do
Estado de indenizar.
Assim, requer a reforma da r. sentença.
Contrarrazões a fls. 354/361.
É o relatório.
O recurso comporta provimento.
510
Como sintetizou o juízo de origem:
“A. ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra FA-
ZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, alegando, em suma,
que foi vítima de erro judiciário. Afirmou que foi confundido com o estu-
Jurisprudência - Direito Público
prador em série conhecido como ‘Maníaco do Tatuapé’, sendo acusado
por 7 mulheres, tendo por base a acusação o reconhecimento pessoal
feito pelas vítimas. Asseverou que foi condenado em um dos processos
e que permaneceu preso por 3 anos, 8 meses e 2 semanas, sendo poste-
riormente colocado em regime aberto. Alegou que ajuizou revisão crimi-
nal, na qual foi absolvido e que, após realização de teste de DNA, que
apontou outro indivíduo, o Ministério Público requereu a absolvição nos
demais processos. Asseverou que houve falhas no processo criminal em
que foi condenado e que sequer foram apreciados os pedidos de produ-
ção de provas realizados pela Defesa. Afirmou que sofreu danos morais,
pois teve sua vida interrompida por quase 4 anos, perdendo oportunida-
des de carreira e tendo que adiar o sonho de ser pai. Alegou que sofreu,
ainda, danos materiais, consistentes nos salários que deixou de auferir
no período.”
Com efeito, a reparação de danos por erro judiciário está prevista no arti-
go 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal e, para que seja aplicável e conce-
dida a indenização do âmbito cível, não depende de simples alegação de prejuí-
zo, mas da efetiva prova sobre o abuso ou desvio de autoridade.
Note-se que, regra geral, conforme aponta a doutrina e a jurisprudência
majoritárias, os atos judiciais não dão origem à responsabilização do Poder Pú-
blico:
“RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ATO DO PODER JU-
DICIÁRIO. O princípio da responsabilidade objetiva do Estado não se
aplica aos atos do Poder Judiciário, salvo os casos expressamente decla-
rados em lei. Orientação assentada na Jurisprudência do STF. Recurso
conhecido e provido.” (STF – RE 219.117/PR).
Isso porque o Judiciário exerce parcela de soberania estatal, sendo que os
magistrados são agentes políticos, em sentido estrito, investidos para o exercí-
cio de atribuições constitucionais, dotados de liberdade funcional, gozando de
prerrogativas próprias e leis específicas, bem como pelo fato de que, de suas
decisões, à parte é permitido recorrer.
Se outro fosse o entendimento, comprometida ficaria a atuação indepen-
dente do magistrado.
Neste sentido, o jurista João Paulo dos Santos Melo discorre:
“O juiz não é um funcionário público, mas um agente político, não po-
dendo ser responsabilizado do mesmo modo dos demais agentes públi-
cos. A imposição é de responsabilidade por ato ou omissão jurisdicional
afetaria a independência da magistratura. Haveria restrição à soberania
do Estado, já que o ato do juiz é um ato de soberania. Ocorreria a au-
sência de previsão legal para a responsabilização; e a intangibilidade do
preceito da coisa julgada.” (in “Duração Razoável do Processo”. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2010. p. 174).
Jurisprudência - Direito Público
Como dito alhures, as exceções devem estar previstas em lei, v.g., o dis-
posto no artigo 143, incisos I e II, do CPC, e o artigo 5º, inciso LXXV, da CF,
podendo somente se cogitar de indenização por erro judiciário quando com-
provada a existência do dolo e seu reconhecimento pela autoridade judiciária
competente, bem como havendo a comprovação do nexo de causalidade entre
esse erro e o efetivo prejuízo.
À Fazenda, por sua vez, se permite a comprovação de culpa total ou
parcial do lesado no evento danoso, de forma a isentá-la, total ou parcialmente,
do dever de indenizar.
No presente caso, o autor, ora apelante, foi preso temporariamente em
29/02/2016 (fls. 27/28) por ter sido reconhecido como o autor de roubo e ten-
tativa de estupro sofrido pela vítima R., conforme o auto de reconhecimento
fotográfico acostado a fls. 25.
À época, era procurado um estuprador em série conhecido como “Ma-
níaco do Tatuapé”, que fizera inúmeras vítimas naquela região, sendo a vítima
supracitada uma delas.
Posteriormente, a sua prisão foi convertida em preventiva até a sua con-
denação na ação penal nº (...) (fls. 76/94), na qual R. e outras vítimas o reconhe-
ceram como o suposto autor dos delitos.
O ora apelante interpôs apelação naqueles autos, a qual foi desprovida
pela C. 12ª Câmara Criminal Extraordinária deste Eg. Tribunal de Justiça (fls.
124/149).
Posteriormente, o autor ajuizou revisão criminal (fls. 180/200), que foi
deferida pelo C. 6º Grupo de Direito Criminal para absolvê-lo da imputação
feita na ação penal nº (...) (fls. 231/259).
Conforme alhures exposto, embora os atos judiciais não deem origem à
responsabilização civil do Estado, no caso de erro judiciário, a responsabilidade
independe de dolo ou culpa da atuação dos agentes públicos envolvidos.
Nesse sentido, já decidiu o Eg. STF:
“EMENTA: Erro judiciário. Responsabilidade civil objetiva do Estado.
Direito à indenização por danos morais decorrentes de condenação des-
constituída em revisão criminal e de prisão preventiva. CF, art. 5º, LXXV.
C. Pr. Penal, art. 630.
1. O direito à indenização da vítima de erro judiciário e daquela presa
além do tempo devido, previsto no art. 5º, LXXV, da Constituição, já era
previsto no art. 630 do C. Pr. Penal, com a exceção do caso de ação penal
privada e só uma hipótese de exoneração, quando para a condenação
tivesse contribuído o próprio réu.
512
2. A regra constitucional não veio para aditar pressupostos subjetivos à
regra geral da responsabilidade fundada no risco administrativo, con-
forme o art. 37, § 6º, da Lei Fundamental: a partir do entendimento con-
solidado de que a regra geral é a irresponsabilidade civil do Estado por
Jurisprudência - Direito Público
atos de jurisdição, estabelece que, naqueles casos, a indenização é uma
garantia individual e, manifestamente, não a submete à exigência de dolo
ou culpa do magistrado.
3. O art. 5º, LXXV, da Constituição: é uma garantia, um mínimo, que
nem impede a lei, nem impede eventuais construções doutrinárias que
venham a reconhecer a responsabilidade do Estado em hipóteses que
não a de erro judiciário stricto sensu, mas de evidente falta objetiva do
serviço público da Justiça.” (RE 505393; Rel.: Min. Sepúlveda Pertence;
1ª Turma; Data do Julgamento: 26/06/2007).
No mesmo sentido, já decidiu este Eg. Tribunal de Justiça:
“Ação de indenização. Erro judiciário. Condenação por tráfico de dro-
gas e posterior desclassificação para posse para consumo pessoal, em
sede de revisão criminal. Particular que perdeu o emprego e permaneceu
preso por mais de quatro anos. Responsabilidade objetiva do Estado.
Indenização por erro judiciário prevista na Constituição Federal e não
limitada aos casos em que evidenciada a ocorrência de dolo ou fraude.
A existência de erro e o direito à indenização configuram-se apenas em
situações excepcionais, não se dando por mera divergência interpreta-
tiva ou por simples reversão de prisão regular anteriormente decreta.
Exemplos doutrinários de cabimento. Revisão criminal que não implica
necessariamente a existência de erro; desnecessidade de revisão para re-
conhecimento de erro em sede própria. Caso concreto em que é possível
concluir, a partir de elementos da própria revisão criminal, que ocorreu
erro na afirmação e na negação de fatos objeto do processo, hipótese
de erro judiciário e indenização do particular. Elementos da condena-
ção ‘divorciados do contexto probante produzido’. Particular que não
era alvo original da ação policial e comprovou ser usuário e ter crises
recorrentes de abstinência. Revisão que conclui não haver “nenhuma
evidência de tráfico no local dos fatos”. Revisão não limitada à insufi-
ciência de provas, porque afasta, um a um, os elementos da condenação
anterior. Conclusão, nesta sede indenizatória, pela ocorrência de erro ju-
diciário. Dever de indenizar. Quantificação de danos morais e materiais.
Recurso do particular parcialmente provido.” (Apelação Cível 1000913-58.2023.8.26.0648; Rel.: Luciana Bresciani; Órgão Julgador: 2ª Câmara
de Direito Público; Foro de Urupês - Vara Única; Data do Julgamento:
04/06/2024).
No caso em tela, não se vislumbra dolo ou culpa dos agentes envolvidos
no dano suportado pelo apelante, pois o juízo criminal decretou a prisão preven-
tiva de forma fundamentada e, do mesmo modo, a r. sentença condenatória foi
devidamente fundamentada e mantida em sede recursal.
Conforme observou a magistrada de origem, “a sentença de condenação
(aqui a fls. 76/94) igualmente se encontra fundamentada no reconhecimento
pessoal realizado pelas vítimas, inclusive no que toca à voz do acusado, sendo
certo que, no âmbito de crimes praticados na clandestinidade, sem outras teste-
munhas, a palavra da vítima apresenta especial poder de convicção.” (fls. 323).
Jurisprudência - Direito Público
Entretanto, ainda que a palavra da vítima no tipo de crime em questão
apresente especial poder de convicção, pode haver confusão quando há alguma
pessoa muito parecida com o verdadeiro criminoso, ensejando uma condenação
injusta.
E este é o caso dos autos, posto que, em sede de revisão criminal, apurou-
se a fragilidade dos fundamentos da sentença condenatória, tendo sido provado
que o ora apelante não fora o autor do crime, por meio de teste de DNA que
somente foi possível de realizar após colherem-se os materiais genéticos do ver-
dadeiro estuprador nos outros processos criminais que correram em relação às
demais vítimas do estupro, situação fundamentou a sua absolvição, nos termos
do art. 386, inc. IV, do Código de Processo Penal.
Note-se que a inocência do apelante não pôde ser comprovada no proces-
so que correu perante a vítima deste caso, já que o estupro foi tentado.
Por outro lado, há previsão legal no art. 630, do Código de Processo Pe-
nal, que admite a indenização civil em casos como tais, como se verifica:
“Art. 630. O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhe-
cer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.
§ 1º Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível,
responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça
do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela
respectiva justiça.
§ 2º A indenização não será devida:
a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta
imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de
prova em seu poder;”
Logo, havendo previsão legal para a justa indenização, faz-se ela necessá-
ria para o fim de se reparar a injustiça cometida, à qual responde objetivamente
o Estado.
E nem há que se falar, neste caso, que a responsabilidade pela condenação
foi do próprio apelante, seja porque a prova da autoria e da materialidade do
fato incumbe à acusação, seja porque a prova de DNA somente foi possível em
razão de sua realização nas outras ações criminais correlatas, nas quais houve o
estupro consumado.
Assim, fica evidente que houve falha estatal na prestação do serviço pú-
blico de Justiça, já que o apelante foi indiciado, condenado e preso, por mais de
três anos, permanecendo encarcerado sob a tutela do Estado, por um crime que
não cometeu.
Sob este prisma, restou caracterizado o nexo de causalidade entre a falha
514
na prestação do serviço público da Justiça e os danos suportados pelo ora ape-
lante, o que autoriza a reparação pretendida, nos termos do art. 5º, inc. LXXV,
c.c. o art. 37, §6º, da Constituição Federal.
Quanto ao dano material, é incontroverso que o apelante não pôde exercer
Jurisprudência - Direito Público
seu trabalho regularmente durante o período em que ficou preso, razão pela qual
é devida a indenização pelos lucros cessantes.
No tocante ao quantum, este deverá ser apurado em sede de liquidação de
sentença, correspondendo aos salários que deixou de receber durante o período
em que permaneceu preso, com base no último salário constante da sua carteira
de trabalho (fls. 268/270).
O dano moral também restou configurado.
Como se sabe, o dano moral indenizável é somente aquele que atinja pro-
fundamente a esfera individual mais íntima da pessoa humana. É o dano grave,
o dano que prejudica psicológica e moralmente a pessoa, atingindo seus bens
imateriais mais caros.
No conceito trazido por Carlos Bittar, o dano moral é qualificado como
“os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da
pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se como tais
aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da
intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa
no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social).” (in
“Reparação Civil por Danos Morais”, p. 41).
Conforme pondera o mesmo autor supracitado, para fins de responsabi-
lização civil por danos morais, há a necessidade de: “demonstração de que o
resultado lesivo (dano) proveio de atuação do lesante (ação ou omissão anti-
jurídica) e como seu efeito ou consequência (nexo causal ou etiológico)” (ob.
cit., p. 17).
A doutrina contemporânea aponta que os danos morais se configuram por
violação dos direitos da personalidade, em virtude de sua relevância, já que são
determinantes para a existência digna do ser humano.
No caso, o apelante foi apontado como um estuprador em série, foi preso
cautelarmente, processado, condenado e privado de sua liberdade por mais de
três anos, por um crime que não cometeu, sendo o dano moral in re ipsa.
À evidência que tal situação, além de lhe trazer um sentimento enorme
de injustiça, afetou a sua vida pessoal de forma irreparável, sendo impossível se
cogitar que o seu retorno à vida em sociedade tenha se dado de forma normal,
diante da “mancha” que recaiu sobre sua idoneidade moral perante os demais de
seu convívio público e particular após a sua prisão pelo crime de estupro, o que
caracteriza abalo moral significativo, que deve de ser reparado.
Portanto, devida a indenização.
No que tange ao seu quantum, apesar do dano moral ser um sentimento
de pesar íntimo da pessoa ofendida, para o qual não se encontra estimação per-
feitamente adequada, não se lhe pode recusar reparação adequada.
Esta deve ser estabelecida, como e quanto possível, por meio de uma
soma que, apesar de não importar em uma exata reparação, representará a úni-
Jurisprudência - Direito Público
ca cabível nos limites humanos. Óbvio que o dinheiro não extinguirá a dor e
o suplício moral sofrido pelo autor, mas servirá para compensá-lo, indireta e
parcialmente.
Assim, tendo em conta a situação econômico-financeira, bem como o que
foi vivenciado pelo autor e o pesar e abalo emocional pelo ocorrido, e, ainda,
diante da necessidade de que a reparação sirva como forma de inibir novos e
futuros casos idênticos, arbitra-se o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a
título de indenização por danos morais.
Sobre o valor acima incidirão juros de mora, a partir do evento danoso,
com correção monetária a partir da sentença, conforme preconizam as Súmulas
54 e 362 do C. STJ, respectivamente.
Por fim, cabível o acolhimento do pedido do autor, para que o Estado
promova a atualização de todos os bancos de dados relacionados à segurança
pública, retirando sua imagem e desvinculando-o dos delitos atribuídos ao ver-
dadeiro criminoso, conhecido como “maníaco do Tatuapé”.
Portanto, de rigor a reforma da r. sentença, para o fim de se julgar proce-
dente a ação, nos termos supra.
Pela sucumbência, arcará a requerida com o pagamento dos honorários
advocatícios em favor do autor, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor
da condenação.
Ressalto que o presente acórdão enfocou as matérias necessárias à moti-
vação do julgamento, tornando claras as razões do decisum, e rebatendo todas
as teses levantadas pelas partes capazes de infirmar a conclusão adotada pelo
julgador, em observação ao que dispõe o artigo 489, § 1º, do CPC (STJ. EDcl no
MS 21.315-DF, julgado em 8/6/2016 - Info 585).
Todavia, para viabilizar eventual acesso às vias extraordinária e especial,
considero prequestionada toda matéria suscitada, observando-se que não houve
afronta a nenhum dispositivo infraconstitucional e constitucional.
Ante o exposto, pelo meu voto, dá-se provimento ao recurso.
DECLARAÇÃO DE VOTO CONVERGENTE
(Voto nº 39.742)
APELAÇÃO – Ação de indenização – Danos mate-
riais e morais – Erro judiciário – Autor confundido
com criminoso conhecido como “maníaco do Tatua-
516
pé” – Condenação criminal definitiva pelos crimes
de roubo e estupro tentado – Cumprimento de pena
privativa de liberdade, por mais de três anos – Su-
perveniência de revisão criminal, pela qual foi reco-
Jurisprudência - Direito Público
nhecida a fragilidade dos fundamentos existentes no
édito condenatório e a absolvição do autor, por estar
provado que ele não concorreu para a infração pe-
nal – Sentença de improcedência – Pretensão de re-
forma – Possibilidade – Pessoa inocente confundida
com o verdadeiro criminoso, estuprador em série, por
semelhança física – Condenação fundada no reconhe-
cimento da vítima – Autor que respondeu a outros seis
processos crime e, em todos, foi absolvido – Coleta de
material genético do verdadeiro criminoso em outras
vítimas – Indenização assegurada pelo art. 5º LXXV,
da CF – Responsabilidade objetiva do Estado que não
se aplica aos atos judiciais, salvo nos casos de erro ju-
diciário – Hipótese que não se confunde com a respon-
sabilidade civil do magistrado, nos termos do art. 143
do CPC – Autor que não pôde exercer regularmente
seu trabalho após o encarceramento – Devido o paga-
mento dos salários do período – Dano moral indenizá-
vel – Precedente – Provimento do recurso.
Adotado o relatório de fls. 372/373, elaborado pela E. Relatora Desa. Sil-
via Meirelles, acompanho o seu entendimento para dar provimento ao recurso
de apelação interposto pelo autor A. e reconhecer a procedência do pedido inde-
nizatório formulado contra o Estado de São Paulo.
Consta dos autos que o autor foi confundido com um criminoso conhe-
cido como “maníaco do Tatuapé”, estuprador em série, em razão de semelhan-
ça física. Foi preso cautelarmente e respondeu processo crime pelos delitos de
roubo e estupro tentado, vindo a ser condenado definitivamente, com base no
reconhecimento pessoal da vítima. Cumpriu pena restritiva de liberdade, por
três anos, oito meses e duas semanas.
Posteriormente, foi absolvido em sede de revisão criminal, pela qual foi
reconhecida a fragilidade dos fundamentos existentes no édito condenatório e
a absolvição do autor, por estar provado que ele não concorreu para a infração
penal (art. 386, IV, do CPP).
Diante disso, o autor requer a responsabilização civil do Estado por erro
judiciário e a condenação do requerido no pagamento de indenização por danos
materiais, relativos aos salários que deixou de ganhar no período de encarcera-
mento, e por danos morais. Requer também que sua fotografia seja retirada de
álbum de suspeitos da Polícia Civil, bem como para que conste a indicação de
“erro judiciário” em seus prontuários.
E julgo que ele tem razão.
Jurisprudência - Direito Público
Com efeito, a Constituição Federal assegura a indenização do condenado
por erro judiciário, nos termos do art. 5º LXXV. O dispositivo constitucional
não condiciona a indenização à demonstração de dolo ou culpa dos agentes do
Estado.
Já o art. 37, §6º, da Constituição Federal estabelece que: “As pessoas
jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços pú-
blicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem
a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos
de dolo ou culpa.”.
É verdade que, como bem anotou a E. Relatora Desa. Silvia Meirelles,
em regra os atos judiciais não dão origem à responsabilização civil do Poder
Público.
Mas, no caso do erro judiciário, a responsabilidade independe de dolo ou
culpa da atuação dos agentes públicos envolvidos.
Como, aliás, já decidiu o Col. Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: Erro judiciário. Responsabilidade civil objetiva do Estado.
Direito à indenização por danos morais decorrentes de condenação
desconstituída em revisão criminal e de prisão preventiva. CF, art. 5º,
LXXV. C. Pr. Penal, art. 630. 1. O direito à indenização da vítima de
erro judiciário e daquela presa além do tempo devido, previsto no art.
5º, LXXV, da Constituição, já era previsto no art. 630 do C. Pr. Penal,
com a exceção do caso de ação penal privada e só uma hipótese de
exoneração, quando para a condenação tivesse contribuído o próprio
réu. 2. A regra constitucional não veio para aditar pressupostos subjeti-
vos à regra geral da responsabilidade fundada no risco administrativo,
conforme o art. 37, § 6º, da Lei Fundamental: a partir do entendimento
consolidado de que a regra geral é a irresponsabilidade civil do Estado
por atos de jurisdição, estabelece que, naqueles casos, a indenização é
uma garantia individual e, manifestamente, não a submete à exigência
de dolo ou culpa do magistrado. 3. O art. 5º, LXXV, da Constituição: é
uma garantia, um mínimo, que nem impede a lei, nem impede eventuais
construções doutrinárias que venham a reconhecer a responsabilidade
do Estado em hipóteses que não a de erro judiciário stricto sensu, mas
de evidente falta objetiva do serviço público da Justiça.
(RE 505393, Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julga-
do em 26-06-2007, DJe-117 DIVULG 04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007
DJ 05-10-2007 PP-00025 EMENT VOL-02292-04 PP-00717 LEXSTF v.
518
29, n. 346, 2007, p. 296-310 RT v. 97, n. 868, 2008, p. 161-168 RDDP n.
57, 2007, p. 112-119).
No mesmo sentido, ainda: “Quer isto dizer que a responsabilidade do
Poder Judiciário pela atividade jurisdicional, fundada que é no § 6º do artigo
Jurisprudência - Direito Público
37 da Constituição Federal, não se confunde com a responsabilidade civil
do magistrado, que estaria restrita às hipóteses do artigo 143 do Código de
Processo Civil, e seria sujeita à prova do elemento subjetivo (que, no caso,
identifica-se ao dolo ou à fraude). Essa responsabilidade pela atividade segue,
pois, o mecanismo normal de imputação da responsabilidade civil ao Estado,
perfazendo-se com a comprovação dos nexos de causalidade e de imputação,
da efetividade do dano e da infração jurídica objetiva por parte do aparato
judiciário.”. (TJSP; Apelação Cível 1000913-58.2023.8.26.0648; Relatora: Lu-
ciana Bresciani; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro de Urupês
- Vara Única; Data do Julgamento: 04/06/2024; Data de Registro: 05/06/2024).
No presente caso, não se vislumbra dolo ou culpa dos agentes envolvidos
no dano suportado pelo autor. Na verdade, verifica-se a regularidade da inves-
tigação policial e as decisões judiciais fundamentadas que ensejaram a prisão
cautelar do autor, seguida da condenação definitiva, fundada no reconhecimento
da vítima, e o cumprimento da pena privativa de liberdade.
De fato, como bem anotou a i. Magistrada sentenciante, nos crimes de es-
tupro praticados nas circunstâncias criadas pelo verdadeiro criminoso, em locais
isolados, sem testemunhas, a palavra da vítima assume maior importância e o
reconhecimento do criminoso é um elemento de prova relevante para a conde-
nação.
Mas isso não impede que, em casos excepcionais, pessoas muito pareci-
das com o verdadeiro criminoso sejam confundidas, reconhecidas pelas vítimas
e condenadas injustamente, como ocorreu no presente caso. É um risco da pró-
pria atividade estatal.
Assim, é evidente que o Estado falhou objetivamente na prestação do ser-
viço público da Justiça, mesmo que os agentes envolvidos tenham se utilizado
de meios legais e legítimos de atuação.
Ora, uma pessoa inocente, sem qualquer relação com o delito investiga-
do, foi formalmente indiciada, encarcerada, processada e condenada definitiva-
mente sob a tutela do Estado.
Essa situação ficou reconhecida em sede de revisão criminal, pela qual
se apurou a fragilidade dos fundamentos existentes no édito condenatório e a
absolvição do autor, por estar provado que ele não concorreu para a infração
penal (art. 386, IV, do CPP).
Não se tratou de uma prisão cautelar fundamentada que veio a ser revo-
gada posteriormente, com a absolvição do acusado, por insuficiência de provas.
O autor foi condenado definitivamente e a sua liberdade foi privada por mais de
três anos em razão de cumprimento de pena por crimes que ele sequer cometeu.
Além disso, o autor respondeu a outros seis processos crime sob acusa-
ções semelhantes, por crimes cometidos pelo verdadeiro “maníaco do Tatuapé”.
Mas nesses processos ele foi absolvido e não cumpriu pena.
Jurisprudência - Direito Público
É verdade que a inocência do autor foi demonstrada de maneira inequívoca
após a coleta de material genético do verdadeiro criminoso nas outras vítimas
de estupro, o que não foi possível no processo crime pelo qual o autor foi
condenado, pois ele respondeu por estupro tentado.
De qualquer forma, não pode ser atribuído ao autor a responsabilidade
por sua condenação criminal, ou seja, que ele não se desincumbiu de provar sua
inocência, uma vez que a prova da autoria e da materialidade do crime é uma
incumbência da acusação e não da defesa.
Portanto, está caracterizado o nexo de causalidade entre a falha na presta-
ção do serviço público da Justiça e os danos suportados pelo autor, a autorizar a
reparação pretendida, nos termos do art. 5º, LXXV, c.c. o art. 37, §6º, da Cons-
tituição Federal.
Quanto ao dano material, não há controvérsia de que o autor não pôde
exercer o seu trabalho regularmente em decorrência do encarceramento deter-
minado em sede de investigação policial e processo crime.
Desse modo, como bem anotado pela E. Relatora Desa. Silvia Meirelles,
é devida a indenização correspondente aos valores salariais que deixou de rece-
ber no período em que permaneceu preso, com base no último salário constante
da carteira de trabalho juntada aos autos.
Já o dano moral, neste caso, é perfeitamente presumível e decorre da pró-
pria situação angustiante e vexatória suportada pelo autor.
Em razão da falha estatal, o autor passou a ser confundido em seu meio
social como um estuprador em série, respondeu a processo crime e, ao final, foi
condenado injustamente, vindo a ter a sua liberdade cerceada, um dos direitos
individuais mais valiosos da pessoa humana.
E permaneceu encarcerado em estabelecimento prisional sob a alcunha de
estuprador em série, por mais de três anos.
É plenamente compreensível o sentimento de injustiça e de indignação
manifestado pelo autor, que já era casado à época e que, no momento do crime,
estava na sede da empresa em que trabalhava.
Não é possível supor que a situação vivenciada pelo autor se equipara ao
mero aborrecimento do cotidiano e nem mesmo que qualquer cidadão sujeito
ao poder estatal está suscetível de ser condenado injustamente e cumprir pena
privativa de liberdade, como ocorreu no caso dos autos.
Não reconhecer o direito à indenização na hipótese seria mais uma falha
de prestação do serviço público da Justiça.
Sendo assim, acompanho o entendimento da E. Relatora Desa. Silvia
Meirelles no sentido de que a indenização a título de danos morais fixada no
valor de R$100.000,00 (cem mil reais) se mostra proporcional à conduta ilíci-
ta estatal, sem propiciar enriquecimento indevido da parte lesada, prestando-se
adequadamente à natureza ressarcitório-punitiva da indenização.
Jurisprudência - Direito Público
Por fim, deve ser acolhido o pedido do autor para que o requerido pro-
mova a retirada de sua imagem de qualquer base de dados ou de investigação
policial envolvendo os delitos atribuídos ao verdadeiro criminoso, conhecido
como “maníaco do Tatuapé”.
Ante o exposto, pelo meu voto e para os fins acima, dou provimento ao
recurso de apelação.
MARIA OLÍVIA ALVES, 3ª Juíza