Decisão 1080272-86.2022.8.26.0100

Processo: 1080272-86.2022.8.26.0100

Recurso: Apelação

Relator: Jurisprudência - Direito Privado MARCO FÁBIO MORSELLO

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 22 de maio de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E DISPONIBILIZAÇÃO DE PLATAFORMA TEC- NOLÓGICA. VENDA DE INGRESSOS PARA EVENTO MUSICAL. CLÁUSULA DE EXCLUSI- VIDADE. ADIAMENTO DO EVENTO EM RAZÃO DA PANDEMIA. Sentença de parcial procedência - Irresignação de ambas as partes - Preliminar de nu- lidade da sentença por error in procedendo afastada - Prazo para aditamento da inicial que não é peremp- tório, mas dilatório, podendo ser fixado prazo diverso, conforme art. 139, VI, CPC - Cerceamento de defesa afastado - Indeferimento de oitiva de testemunhas im- pedidas de depor - Suficiência das provas documen- tais produzidas - MÉRITO - Evento adiado em razão da pandemia, permanecendo válidas as obrigações contratuais firmadas entre as partes, inclusive a cláu- sula de exclusividade na comercialização de ingres- sos, durante o prazo de vigência contratual - Resilição unilateral do contrato por parte da ré - Ausente cláu- sula resolutiva expressa, a resolução dependia de pré- via interpelação judicial, sendo ineficaz a notificação extrajudicial, nos termos do art. 474 do Código Ci- vil - Cláusula de exclusividade que deve se limitar ao prazo de vigência pactuado, em respeito à autonomia negocial e ao inconcusso pacta sunt servanda - HONO- RÁRIOS ADVOCATÍCIOS - Adequado arbitramen- to em percentual sobre o valor da causa, quando não se tratar de obrigação de fazer convertida em perdas e danos - Observância dos parâmetros do art. 85, §2º, CPC - Multa fixada para garantir o cumprimento da tutela que se revela adequada - Valor proporcional e razoável, diante da natureza da obrigação e circuns- tâncias do caso concreto, notadamente diante do deli- berado descumprimento da ordem judicial - Sentença mantida - Recursos desprovidos. 239(TJSP; Processo nº 1080272-86.2022.8.26.0100; Recurso: Apelação; Relator: Jurisprudência - Direito Privado MARCO FÁBIO MORSELLO; Data do Julgamento: 22 de maio de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento aos recursos. V.U .”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 18.299) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MAR- CO FÁBIO MORSELLO (Presidente), CRISTINA DI GIAIMO CABOCLO e 238 JOSÉ MARCELO TOSSI SILVA. São Paulo, 22 de maio de 2025. Jurisprudência - Direito Privado MARCO FÁBIO MORSELLO, Relator


EMENTA: AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E DISPONIBILIZAÇÃO DE PLATAFORMA TEC- NOLÓGICA. VENDA DE INGRESSOS PARA EVENTO MUSICAL. CLÁUSULA DE EXCLUSI- VIDADE. ADIAMENTO DO EVENTO EM RAZÃO DA PANDEMIA. Sentença de parcial procedência - Irresignação de ambas as partes - Preliminar de nu- lidade da sentença por error in procedendo afastada - Prazo para aditamento da inicial que não é peremp- tório, mas dilatório, podendo ser fixado prazo diverso, conforme art. 139, VI, CPC - Cerceamento de defesa afastado - Indeferimento de oitiva de testemunhas im- pedidas de depor - Suficiência das provas documen- tais produzidas - MÉRITO - Evento adiado em razão da pandemia, permanecendo válidas as obrigações contratuais firmadas entre as partes, inclusive a cláu- sula de exclusividade na comercialização de ingres- sos, durante o prazo de vigência contratual - Resilição unilateral do contrato por parte da ré - Ausente cláu- sula resolutiva expressa, a resolução dependia de pré- via interpelação judicial, sendo ineficaz a notificação extrajudicial, nos termos do art. 474 do Código Ci- vil - Cláusula de exclusividade que deve se limitar ao prazo de vigência pactuado, em respeito à autonomia negocial e ao inconcusso pacta sunt servanda - HONO- RÁRIOS ADVOCATÍCIOS - Adequado arbitramen- to em percentual sobre o valor da causa, quando não se tratar de obrigação de fazer convertida em perdas e danos - Observância dos parâmetros do art. 85, §2º, CPC - Multa fixada para garantir o cumprimento da tutela que se revela adequada - Valor proporcional e razoável, diante da natureza da obrigação e circuns- tâncias do caso concreto, notadamente diante do deli- berado descumprimento da ordem judicial - Sentença mantida - Recursos desprovidos. 239





VOTO

Trata-se de sentença (fls. 542/545), cujo relatório se adota, que, em sede de demanda ajuizada por Ingresse - Ingressos para Eventos S/A em face de As- Jurisprudência - Direito Privado sociação e Grêmio Recreativo Bloco Carnavalesco Spanta Neném, julgou pro- cedentes os pedidos para “confirmar a decisão concessiva da tutela de urgência e condenar a ré a abster-se de comercializar ingressos para o evento em discus- são por meio de terceiros, enquanto perdurar a exclusividade ajustada com a autora, pena de multa diária de R$ 10.000,00, limitada a R$ 600.000,00”. Em virtude da sucumbência, a ré foi condenada ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa. Irresignada, a ré Spanta interpôs recurso de apelação (fls. 561/596), ale- gando, preliminarmente que a r. sentença incorreu em vício de nulidade por er- ror in procedendo, pois a Ingresse teria perdido o prazo para aditamento da peti- ção inicial (art. 303, §2º, CPC). Alega que, uma vez deferida a tutela de urgência em favor da parte autora, esta deveria ter promovido o aditamento da inicial para complementação argumentativa, juntada de novos documentos e confirmação do pedido de tutela. Aponta que a requerente, entretanto, apresentou pedido de execução de título extrajudicial, ação cujo rito é manifestamente incompatível com aquele inicialmente intentado. Defende, nesse sentido, que deveria o juízo ter julgado o processo extinto, sem resolução de mérito, em virtude da inadequa- ção da via eleita, e não ter concedido prazo para novo aditamento, já que havia sido operada preclusão consumativa. Ainda de forma preliminar, assevera que houve cerceamento de defesa. Argumenta, para tanto, que o juízo de origem proferiu entendimento contradi- tório àquele produzido anteriormente nos autos, uma vez que indeferiu a oitiva de testemunhas essenciais para o deslinde do feito. Afirma que, após intimadas as testemunhas para comparecimento em audiência, na data designada, houve o indeferimento da inquirição de Otávio Augusto e Allan de Sant’anna, sob a jus- tificativa de suspeição. Aponta a necessidade de oitiva de referidas testemunhas, uma vez que a discussão contratual poderia ter sido elucidada com a contribui- ção daqueles que estiveram à frente da negociação. No mérito, alega que houve violação ao princípio da boa-fé contratual pela parte autora, o que teria ocorrido ainda na fase de negociação. Narra que as partes passaram meses na elaboração da minuta contratual, realizando diversas trocas de e-mails e ligações, destacando que a execução do contrato se iniciou antes mesmo da assinatura do instrumento, dependendo a requerida dos repasses realizados pela autora. Afirma que, aproveitando-se de tal condição, a autora vinculou a assinatura da minuta contratual, que ainda se encontrava em etapa de discussão, ao repasse do fluxo financeiro dos ingressos já comercializados. De- clara que o contrato que foi assinado descartou diversas mudanças anteriormen- 240 te acordadas pelas partes, o que foi reconhecido pelo sócio da autora. Defende, nesse sentido, que a real intenção das partes era de que o objeto do contrato fosse limitado à edição do evento Universo Spanta, de janeiro de 2022. Argumenta que foi equivocado o entendimento do douto magistrado sen- Jurisprudência - Direito Privado tenciante, acerca de que o evento foi prorrogado para o ano de 2023, uma vez que houve expressa ordem de cancelamento por parte das autoridades sanitárias, bem como efetivo reembolso de parte dos ingressos. Aponta, por derradeiro, que houve perda superveniente do objeto, uma vez que a concessão da tutela de urgência antecipada pleiteada na exordial teria o condão único e exclusivo de impedir a venda de ingressos para o evento Uni- verso Spanta de 2023. Alega, nesse sentido, que antes mesmo do saneamento do feito, tanto a urgência quanto a vigência do contrato que deram origem à lide, já se encontravam encerrados, o que deveria culminar na extinção de processo, sem resolução do mérito, por perda superveniente do objeto da ação. Forte nessas premissas, propugna pelo provimento do recurso, para “que a r. sentença apelada seja anulada, por inequívoco error in procedendo (i) após o protocolo de ação com rito incompatível à demanda (relembra-se: execu- ção de título executivo extrajudicial), houve a concessão de dois prazos para a emenda da inicial, em violação ao art. 303, §2º, do CPC e em detrimento dos efeitos da preclusão consumativa; e, (ii) violou os princípios do contraditório e da ampla defesa no arrolamento de testemunhas já concedidas anteriormente no feito”. No mérito, pleiteia a reforma da r. sentença, para que seja reconhecida “(i) a limitação da vigência do contrato firmado ao período de janeiro de 2022, como expressamente intentado pelas partes; (ii) a perda superveniente do inte- resse de agir, visto que tanto o objeto do contrato, a edição de 2022 do Festival, quanto o período de urgência da tutela, suposto período de exclusividade da Ingresse, já se encontram encerrados”. Subsidiariamente, requereu “a redução do valor arbitrado a título de mul- ta, posto a grave desproporcionalidade de seu valor, assim como sua dissonân- cia com o entendimento do C. STJ”. Por fim, pleiteou a condenação da apelada ao pagamento de multa por litigância de má-fé, nos termos do art. 80, incisos I, II e III, e 81 do CPC, “dado sua constante ocultação e alteração da verdade real dos fatos através de ampla e farta ocultação e omissão documental”. O recurso da requerida é tempestivo e preparado (fls. 597/599). Intimada, a autora apresentou contrarrazões (fls. 688/717), aduzindo que o aditamento da inicial foi tempestivo e atendeu aos requisitos legais. Afirma que não houve cerceamento de defesa, porquanto as testemunhas arroladas es- tavam impedidas de depor. Alega que o contrato foi interpretado corretamente e descumprido pela requerida, destacando que a multa foi fixada adequadamente, considerando o descumprimento reiterado da liminar. Requereu, ao final, o des- provimento do recurso. A autora igualmente interpôs recurso de apelação (fls. 725/738), aduzin- do, em síntese, que a r. sentença, de maneira equivocada, limitou a abstenção Jurisprudência - Direito Privado imposta à requerida, ao prazo contratual de exclusividade, e não ao evento por ele abarcado. Alega, para tanto, que as edições de 2022 e 2023 do Universo Spanta são, na realidade, uma festa só, inicialmente prevista para ocorrer no ano de 2022, mas adiada para 2023, em virtude das restrições impostas pela pandemia da Covid-19. Defende, nesse sentido, que malgrado o contrato de exclusividade tivesse vigência prevista até 22/10/2022, como consignado na r. sentença, referida exclusividade se estendeu para a festa de 2023. Argumenta, portanto, que a parte autora detém direito sobre as vendas dos ingressos do Uni- verso Spanta de 2023, como um todo. No que concerne aos honorários, alega que, nos termos do art. 85, §2º, do CPC, deveriam ter sido arbitrados sobre o proveito econômico obtido pela auto- ra, a ser apurado em liquidação de sentença. Fundamenta que a ré não cumpriu a ordem liminar e, com o encerramento do contrato, o cumprimento da obrigação de fazer se tornou impossível, de modo que deve ser convertida em perdas e da- nos, cujo valor deverá ser oportunamente apurado. Subsidiariamente, argumen- ta que os honorários advocatícios devem ser fixados por apreciação equitativa, diante do reduzido valor atribuído à causa. Nesse sentido, requereu a reforma parcial da r. sentença, a fim de: “(i) constar que a exclusividade do CONTRATO se prolongou até o término das vendas dos ingressos da edição de 2023 do festival UNIVERSO SPANTA; e (ii) que os honorários sucumbenciais fixados na r. SENTENÇA sejam calculados sobre o proveito econômico obtido pela ora APELANTE, a ser apurado em liquidação de sentença”. Subsidiariamente, requereu o arbitramento de honorá- rios por apreciação equitativa. O recurso da autora é tempestivo e preparado (fls. 740/741). Intimada, a requerida Spanta apresentou contrarrazões (fls. 810/829), sus- citando, preliminarmente, (i) ilegitimidade da Ingresse para pleitear honorários advocatícios, direito que seria exclusivo dos advogados, (ii) inovação recursal, em razão da formulação de pedidos diversos daqueles deduzidos até a esta- bilização da demanda e (iii) falta de interesse recursal, já que a sentença foi integralmente favorável à autora. No mérito, alegou incompatibilidade do pe- dido de arbitramento de honorários com base no proveito econômico em razão da natureza da ação de obrigação de não fazer. Afirma que houve distorção da interpretação contratual, com interpretação literal quando favorável e subjetiva quando conveniente. Verbera que não é cabível a apreciação equitativa para fi- xação de honorários, pois o valor da causa não é baixo. Pleiteou, ao final, o não conhecimento ou o desprovimento do recurso. A requerida manifestou-se às fls. 838/848, requerendo a concessão de 242 efeito suspensivo à apelação até o julgamento definitivo do C. Órgão Colegiado. Às fls. 858/862, foi proferida decisão indeferindo o pedido de efeito suspensivo. Houve oposição expressa ao julgamento em sessão virtual (fls. 834 e 836). Jurisprudência - Direito Privado É o relatório. Trata-se de ação de obrigação de fazer ajuizada por Ingresse - Ingressos para Eventos S/A em face de Associação e Grêmio Recreativo Bloco Carnava- lesco Spanta Neném. Para escorreita compreensão dos relatos apresentados na primeira instân- cia, cumpre reproduzir o minudente relatório constante da r. sentença, que ora se adota (fls. 542/544): “Segundo a autora, em 22 de outubro de 2021 as partes celebraram contrato de prestação de serviços digitais com prazo de doze meses para oferta e venda, com exclusividade, de ingressos a evento da ré em 2022. Por causa da pandemia viral, o evento foi em parte cancelado (primeira semana) e em parte adiado (demais semanas) para 2023. A autora considera violada sua exclusividade por causa da oferta e venda de ingressos por outra empresa durante o prazo de vigência contra- tual e pediu, em caráter antecedente, tutela de urgência para que a ré se abstenha de comercializar ingressos do evento (edição de 2023) por meio de serviços de terceiro. Concedeu-se a tutela de urgência nestes termos (fls. 57): “Dois os requisitos legais da tutela de urgência, antecipada ou cautelar: (i) exis- tência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e (ii) o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300 do CPC). No caso, o primeiro requisito está atendido ante contrato a fls. 35/48. Há probabilidade nas alegações da autora, pois aparentemente respaldadas pelos documentos que instruem a petição inicial. O contrato celebrado em 22/10/2021 tem vigência de um ano (cláusula 7.1 - fls. 39) e restou demonstrada, de forma sumária, a exclusividade da autora na comercialização de ingressos de eventos organiza- dos pela ré (cláusula 6ª - fls. 38). O segundo requisito também está satisfeito, considerando que a urgência foi devidamente demonstrada ante início da venda dos ingressos em 4/8/2022 sem a utilização, aparentemente, dos meios disponi- bilizados pela autora (fls. 55), havendo risco de dano irreparável ou de difícil ou incerta reparação principalmente pela violação da exclusividade. A medida, por sua vez, é plenamente reversível. Concedo, portanto, a tutela de urgência antecipada para determinar que a ré se abstenha de comercializar ingressos do seu evento (Festival Universo Spanta) em 2023 por meio de terceiros, enquanto perdurar a exclusividade ajustada com a autora, pena de multa diária de R$ 10.000,00, limitada a R$ 300.000,00, inicialmente. Esta decisão servirá como ofício para cumprimento mediante protocolo com data e hora. Ao aditamento da petição inicial em quinze dias, pena de extinção do processo (art. 303 do CPC).” Analisou-se pedido de reconsideração desta forma (fls. 144/5): “(...): pedido de reconsideração da decisão a fls. 57 com os seguintes fundamen- tos: (i) o contrato tinha por objeto venda de ingressos somente para o evento de 2022, malgrado o teor do respectivo instrumento; (ii) essa circunstância é confirmada pela troca de minutas e mensagens, uma delas do sócio da autora Allan Sant’Anna (fls. 62, 88, 118 ou 138); (iii) o evento de 2023, portanto, foge do escopo contratual; (iv) notificação da ré de 9/6/2022 deu o contrato por re- Jurisprudência - Direito Privado solvido ante perda de objeto, tendo em vista cancelamento do evento de 2022 por causa da pandemia viral e erros de gestão da autora, em especial cance- lamento de ingressos e reembolsos para quase 8.000 clientes que não haviam solicitado reembolso (fls. 120/4); (v) verifica-se risco inverso ante suspensão da venda de ingressos para o evento de 2023 e (vi) a autora litiga com má-fé. Discordou a autora, a pedir a manutenção da liminar. Sobreveio nova petição da ré, a insistir na reconsideração da liminar. Pois bem, não parece que troca de mensagens durante entendimentos para celebração do contrato prevaleça sobre o teor do instrumento contratual ao final livremente firmado. Os elementos até o momento disponíveis não sugerem orientação diversa, ao menos enquanto a cognição não for exauriente (fls. 91/6, 97/100 e 112/6). A referida mensagem de sócio da autora terá de ser interpretada, oportunamente, ante a mensagem apa- rentemente da ré a fls. 116 sobre não ter o instrumento assinado correspondido ao quanto combinado na fase pré-contratual. A questão é de alta indagação e deverá ser resolvida após instrução, em cognição exauriente. Por ora, preva- lece o instrumento contratual assinado (fls. 35/48), a dispor nas cláusulas 1.1 e 2.9 sobre eventos organizados pela ré, não apenas sobre o evento de 2022, e nas cláusulas 6.1 e 6.3 sobre exclusividade. A notificação da ré a fls. 120/4 não contou com a concordância da autora, como se verifica na contranotificação a fls. 49/53, de forma que o contrato está em vigor até seu termo final em outubro de 2022. Não se cogita de organização habitual de outros eventos pela ré, além daquele de janeiro de cada ano (Universo Spanta). Mas, por outro lado, não se sabe ainda, seguramente, se o evento de janeiro de 2022 foi cancelado por impe- rativo sanitário ou prorrogado para 2023. Essa é outra questão relevante a ser resolvida, oportunamente. Todavia, neste momento de cognição provisória, lê-se na mensagem aparentemente da ré a fls. 56, em respostas a consumidoras que não pediram reembolso, que o ingresso comprado para o evento de 2022 será válido para o evento de 2023, circunstância, aparentemente, incompatível com cancelamento. Portanto, a decisão liminar é mantida, por ora sem a pretendida majoração da multa (R$ 10.000,00 por dia), a qual não é pequena (vide, para comparação, a cláusula 6.2 multa de R$ 10.000,00 por evento fls. 38). Sublinha- se, contudo, que a eficácia da concedida tutela de urgência está limitada ao termo final do vigente contrato, como resulta da leitura da decisão a fls. 57 (abs- tenção de comercialização de ingressos do evento Festival Universo Spanta em 2023 enquanto perdurar a exclusividade ajustada com a autora). Então, depois do termo final, a ré poderá promover a venda por meio de terceiros. Não pare- ce razoável entender que as partes devam continuar vinculadas após o termo final, tendo em vista as cláusulas 7.3 e 4.6, esta última a abranger hipótese de não-realização de evento, sem nenhuma previsão de prorrogação do vínculo ou do prazo contratual ou da exclusividade para momento posterior, como parece imaginar a autora a fls. 128, item 19. Nesse contexto, o risco inverso alegado 244 pela ré não se revela com intensidade significativa’. A decisão a fls. 162 dispôs sobre violação da ordem de abstenção pela terceira Sympla Internet Soluções S/A, cominando-lhe multa de até 20% do valor da causa por ato atentatório à dignidade da Justiça, e aumentou para R$ 600.000,00 Jurisprudência - Direito Privado o limite da multa cominada à ré ante notícia de violação. Por meio do aditamento a fls. 255/262, recebido a fl. 272, a autora pede a con- denação da ré a abster-se de comercializar ingressos para o evento em questão, prorrogado para 2023. Em contestação (fls. 275/298), preliminar processual e requerimento de improce- dência porque a ré sempre obedeceu ao contrato e, por conseguinte, não quebrou a cláusula de exclusividade. O contrato tinha por objeto a comercialização de ingressos, apenas e tão somente, para a edição de janeiro de 2022, embora o instrumento contratual mencione todos os eventos no período de 22/10/2021 a 21/10/2022, tendo em vista troca de minutas entre advogados (fls. 87/9 e 90/110). Da troca de minutas resulta que as partes ajustaram que o objeto diria respeito somente à edição de 2022 e que o prazo de vigência terminaria logo após essa edição. A autora, contudo, utilizou para assinatura eletrônica versão em que a maior parte dos ajustes combinados com a ré foi omitida e condicionou repasses financeiros à assinatura daquela versão do instrumento contratual. A ré, então, viu-se forçada a aceitar minuta que desconsiderava os ajustes negociados, mas condicionou a assinatura à confirmação pela autora de que o contrato tinha por objeto apenas a edição de 2022 com vigência até março daquele ano. Tanto sócio quanto advogado da autora enviaram mensagens com tal confirmação (fls. 112/6 e 118). Há observar princípios da boa-fé contratual, lealdade, consensualismo e autonomia da vontade. Nenhuma multa é devida, ao contrário do que se pretende no primeiro e errado aditamento, e a autora é litigante de má-fé. Réplica anotada (fls. 303/6). A ré não demonstrou que o evento de 2022 foi rea- lizado. Saneado o processo (fls. 315), produziu-se prova em audiência (fls. 493) e, encer- rada a instrução, sobrevieram memoriais”. Em seguida, foi proferida a r. sentença de procedência, nos termos deta- lhados no relatório. Tecidas as referidas considerações, passo à análise dos recursos. Por proêmio, afasto a preliminar de nulidade da sentença por suposto error in procedendo, deduzida pela requerida Spanta Neném. Com efeito, o prazo para aditamento previsto no art. 303 do Código de Processo Civil não é peremptório, mas sim dilatório, podendo o magistrado fixar prazo diverso, com fundamento no art. 139, VI, do mesmo diploma legal. Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. CONCOR- RÊNCIA DESLEAL. TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. Decisão que recebeu o pedido como emenda à inicial, suspendendo o feito por 30 dias. Irre- signação da ré. Não acolhimento. Prazo para emenda à inicial que é dilatório e não peremptório. Aplicação por analogia do Tema Repetitivo 321, do C. STJ. Magistrado que pode admitir ou não a prática extemporânea da emenda à inicial, a partir de justificativa apresentada. Decisão mantida. Recurso desprovido, com observação. (TJSP; Agravo de Instrumento 2189580-78.2024.8.26.0000; Rela- tor (a): Grava Brazil; 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Cen- Jurisprudência - Direito Privado tral Cível - 1ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem; Data do Julgamento: 05/02/2025; destaques nossos) APELAÇÃO CÍVEL - PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA ANTECEDEN- TE - Sentença que julgou o processo extinto sem resolução do mérito, reconhe- cendo a intempestividade da emenda da petição inicial. Preliminar lançada em contrarrazões, de desatenção ao princípio da dialeticidade recursal - Rejeição - Leitura das razões recursais que evidencia a impugnação aos fundamentos da decisão - Preliminar afastada. Inconformismo da parte demandante - Cabimen- to - Prazo de natureza dilatória - Precedentes - Observância dos princípios da instrumentalidade das formas, da efetividade do processo e da econo- mia processual - Emenda realizada antes da prolação da sentença atacada - Sentença anulada, com determinação de retorno dos autos à origem - Recurso provido com determinação (TJSP; Apelação Cível 1001024-27.2023.8.26.0362; Relator (a): Jorge Tosta; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Em- presarial; Foro de Mogi Guaçu - 2ª vara Cível; Data do Julgamento: 03/05/2024, destaques nossos) PLANO DE SAÚDE. TUTELA DE URGÊNCIA DE CARÁTER ANTECE- DENTE. RECEBIMENTO DA EMENDA DA INICIAL. EXAME DO MÉRI- TO. COBERTURA DE TRATAMENTO MÉDICO. Sentença que extinguiu o processo, sem exame do mérito, nos termos dos artigos 303, §2º, e 485, inciso X, do CPC. Sucumbência do autor, fixados os honorários em 10% do valor atua- lizado da causa. Irresignação do autor. 1. EXTINÇÃO DO PROCESSO. Des- cabimento. Recebimento da emenda da inicial, por decisão anterior. Defesa regular das rés. Observância do contraditório e da ampla defesa. Primazia do julgamento do mérito. Economia processual que afasta a sentença me- ramente terminativa. 2. JULGAMENTO DO MÉRITO. Aplicação do artigo 1.013, §3º, I, do CPC. Cobertura dos tratamentos indicados. Não comprovação de capacitação de hospital e profissionais da rede credenciada, para o procedi- mento cirúrgico indicado. Tratamento fora da rede credenciada que não decorre de livre escolha do paciente. Cobertura integral do tratamento. 3. REFORMA DA SENTENÇA. Provimento do apelo, para afastar a extinção do processo sem exame do mérito, julgando-se o mérito para acolher os pedidos do autor, a fim de que as rés arquem com o custeio da cirurgia a que submetida a filha do autor, antes do nascimento e em período neonatal. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1035534-13.2022.8.26.0100; Relator (a): Carlos Alberto de Salles; 3ª Câ- mara de Direito Privado; Foro Central Cível - 39ª Vara Cível; Data do Julgamen- to: 05/12/2023; destaques nossos) TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE - O julgamento de indeferimento da inicial e de extinção do processo, por intem- pestividade da emenda da inicial apresentada, não pode subsistir, porque: (a) da simples leitura da inicial, verifica-se que os pedidos de exibição de docu- 246 mentos, dentre vários outros, foram deduzidos como pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente e não como pedido de tutela final, que, no caso dos autos, foi indicado como de natureza de pedido de revisional de contrato bancário ajustado entre as partes; (b) o indeferimento do pedido de tutela an- Jurisprudência - Direito Privado tecipada requerida em caráter antecedente não autoriza o imediato julgamento de indeferimento da inicial e de extinção do processo, sem resolução do mérito, relativamente ao pedido principal, ante a necessidade de intimação específica - inexistente no caso dos autos - para oportunizar à parte autora o aditamento da inicial, como prevê expressamente o art. 303, § 6º, do CPC, quando a parte autora manifesta, expressamente, sua opção pelo procedimento da tutela ante- cipada requerida em caráter antecedente, disciplinado pelos arts. 303 e 304, do CPC, como acontece na espécie; e (c) o prazo para apresentação de emenda da inicial é dilatório, não peremptório, de sorte é válida a emenda da inicial apresentada antes da sentença terminativa - Anulação da r. sentença, no que concerne ao indeferimento da inicial, com determinação de retorno dos autos à Vara de origem, para o regular prosseguimento do feito, relativamente ao pedido principal, constante da emenda da inicial. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cí- vel 1000091-11.2021.8.26.0011; Relator (a): Rebello Pinho; 20ª Câmara de Di- reito Privado; Foro Regional XI – Pinheiros - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/02/2022; destaques nossos) No caso dos autos, o douto magistrado sentenciante, atento ao princípio da primazia do julgamento de mérito (art. 4º do CPC), determinou a emenda da petição inicial, oportunizando à autora a adequação procedimental. Referida providência, além de encontrar pleno amparo legal, privilegia a instrumentali- dade das formas, evitando a extinção prematura do feito. Eventual extinção poderia ser cogitada em caso de ausência pura e sim- ples de emenda no prazo fixado. Contudo, buscando a parte atender ao comando de aditamento, contudo, e fazendo-o imperfeitamente, tudo se passa como se se tratasse de ajuizamento originário da demanda de fundo. Superado esse ponto, a preliminar de cerceamento de defesa suscitada pela requerida Spanta, também não merece prosperar. Deveras, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, o julgamento antecipado é plenamente admissível quando inexistir controvérsia fática que possa ser solucionada pela produção de outras provas, além das cons- tantes no processo. Com efeito, os elementos carreados aos autos, notadamente as provas documentais, já davam subsídios suficientes para a formação do livre convenci- mento motivado da magistrada. Neste sentido, José Roberto dos Santos Beda- que leciona: “Ninguém melhor do que o juiz, a quem está afeto o julgamento para decidir so- bre a necessidade de produzir determinada prova. Como ele é o destinatário dela, pode avaliar quais os meios de que necessita para formação de seu convencimen- to. Nessa medida, e considerando o escopo da atividade jurisdicional, a colheita de elementos probatórios interessa tanto ao juiz quanto às partes” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 17). Desta feita, a produção da prova testemunhal caracterizaria diligência Jurisprudência - Direito Privado meramente protelatória, uma vez que o feito já se encontrava suficientemente instruído e maduro para o julgamento. Superadas as preliminares, passo à análise do mérito recursal. Conforme exposto alhures, versam os autos sobre contrato de prestação de serviços e disponibilização de plataforma tecnológica firmado entre as par- tes em 22.10.2021, por meio do qual a autora Ingresse se comprometeu a co- mercializar em sua plataforma digital os ingressos do Festival Universo Spanta Neném, que ocorreria em janeiro de 2022. Em contrapartida, a requerida Spanta se comprometeu com a exclusividade da plataforma Ingresse para venda dos ingressos. O cerne da controvérsia reside na interpretação do contrato, espe- cialmente quanto ao seu objeto, prazo de vigência e cláusula de exclusividade. Compulsando os autos, verifica-se que o instrumento (fls. 35/48) prevê expressamente em sua cláusula 7.1 que “Este CONTRATO terá vigência de 12 meses a contar da sua assinatura”, ou seja, até 22/10/2022. Já a cláusula 6.1 estabelece a exclusividade da Ingresse para comercialização dos ingressos dos eventos organizados pela Spanta, durante a vigência do contrato. A requerida alega que o contrato teria por objeto apenas a edição de 2022 do Festival Universo Spanta e que teria havido alteração unilateral do instru- mento pela Ingresse. Ocorre que, como bem pontuado pelo douto magistrado, “a ré não descreveu quais repasses financeiros seriam suspensos se não assinasse o instrumento contratual da forma como está a fls. 35/48” e “também não explicou a razão pela qual, simplesmente, não assinou o instrumento, se seu conteúdo não coincidia, tão significativamente, com o ajuste fundado em troca de minutas ou mensagens e, mais ainda, se contava com assistência de advogado” (fl. 544). Desta feita, é possível concluir que o instrumento contratual de fls. 35/48 foi livre e conscientemente assinado pelas partes e que, da minuta, consta cláu- sula expressa no sentido de que “o presente contrato consolida e supera os en- tendimentos anteriores entre as partes que tenham por objeto o quanto tratado neste contrato” (cláusula 9.2, fl. 39). Anoto, ainda, que o contrato não previu cláusula resolutiva expressa, o que, nos termos do art. 474 do Código Civil, torna ineficaz a tentativa de resilição unilateral por parte da Spanta, que deveria ter recorrido à via judicial para resolução do contrato, o que não ocorreu no caso em tela. Nesse contexto, considerando que a exclusividade contratual vigorava até 22/10/2022 e que o evento de 2022 foi adiado para 2023, configurou-se o des- cumprimento contratual quando a Spanta, em agosto de 2022 (dentro do período de vigência do contrato), anunciou a venda de ingressos para o evento de 2023 248 por meio de plataforma concorrente (Sympla). Sobreleva mencionar, por oportuno, que o evento originalmente previsto para 2022 foi adiado para 2023 em razão da pandemia de Covid-19, não tendo sido integralmente cancelado, tanto que a própria Spanta admitiu (fls. 56) que Jurisprudência - Direito Privado os ingressos adquiridos para 2022 seriam válidos para o evento de 2023. Além disso, emitiu comunicado oficial informando que “os ingressos comprados são válidos para janeiro de 2023”, conforme transcrição de fl. 732 dos autos. A respeito do tema, insta colacionar a lição de Judith Martins-Costa e Paula Costa e Silva: “Não basta que se verifique o incremento do esforço necessário para o cumpri- mento, nem sequer que daí advenha desproporção ou desequilíbrio das presta- ções - a mera impossibilidade relativa de cumprimento não tem, portanto, eficácia exoneratória, nem permite, por si só, a resolução ou modificação do contrato fundada na alteração das circunstâncias. A verificação dos requisi- tos de aplicação do art. 437 isso mesmo indica: a sua concretização não se esgota, como se viu, a exigibilidade de manutenção do vínculo contratual. [...] O reconhecimento, no instituto da alteração das circunstâncias, de uma irradia- ção do princípio da boa-fé na sua dimensão objetiva - ou nele se adivinhando, nas palavras de Oliveira Ascensão, o intuito de alcançar a justiça concreta da relação, através do equilíbrio das posições em presença -, resulta já da obser- vação de que a análise atomística da relação obrigacional não permite a efeti- va compreensão daquela realidade. Esta é, afinal, porosa ao circunstancialismo envolvente não apenas no momento da celebração do contrato, mas também no período da sua execução. Haverá ainda que considerar que, quando as partes da relação contratual sejam reciprocamente credoras e devedoras, as perturbações contratuais fazem perigar não apenas o direito de crédito de uma das partes, mas a posição de ambas no projeto obrigacional. O respeito pela autodeterminação das partes, expressa através da conformação do conteúdo contratual, exige que estes juízos de justiça ou de equilíbrio sejam feitos tendo por referência o valor que as partes atribuíram a cada uma das pres- tações. O instituto da alteração das circunstâncias não visa, assim, possibilitar a extinção de contratos que possam ser considerados como desequilibrados à luz de critérios alheios às partes (mesmo quando tendo caráter “objetivo”, como sejam aqueles que se baseiem no “valor de mercado”, ou em valorações trans- versalmente aceites pela generalidade da comunidade), nem a de conformar a re- lação entre as partes de forma “objetivamente” justa. O juízo de equilíbrio nesta sede postulado terá necessariamente de ter como ponto de referência a relação de equivalência fixada pelas partes. Está, pois, em causa a reconstrução da equivalência subjetiva, aquela que as partes estabeleceram, das prestações, perante eventos supervenientes, imprevistos e inimputáveis, que a pertur- bam”. (MARTINS-COSTA, Judith; SILVA, Paula Costa e. Crise e perturbações no cumprimento da prestação: estudo de direito comparado luso-brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2020, p. 275-276, destaques nossos). No que concerne à alegada perda de objeto, como já analisado, o evento não foi cancelado, mas adiado para 2023, e a tutela antecipada foi concedida durante a vigência do contrato, quando a Spanta anunciou a venda de ingressos por meio de plataforma concorrente. Jurisprudência - Direito Privado É certo que, com o encerramento do prazo contratual em 22/10/2022, a obrigação de não fazer imposta judicialmente perdeu sua eficácia para o futuro. No entanto, isso não implica perda superveniente do objeto da ação, mas apenas a limitação temporal dos efeitos da tutela concedida. Ademais, persistem os efeitos da multa pelo período em que houve des- cumprimento da ordem judicial, não havendo que se falar em extinção do pro- cesso sem resolução do mérito. Prosseguindo, no que concerne ao pedido formulado pela Ingresse, refe- rente à extensão da exclusividade até o término das vendas da edição de 2023 do Festival, a sentença igualmente não merece reforma. Com efeito, a sentença limitou a exclusividade de vendas ao prazo contra- tual estipulado entre as partes, que se encerrava em 22/10/2022. Nesse sentido, o instrumento contratual celebrado entre as partes é claro ao estabelecer o prazo de vigência de 12 meses (cláusula 7.1), não havendo previsão de prorrogação automática em caso de adiamento de evento. A interpretação pretendida pela Ingresse contraria os termos expressos no contrato e o princípio da pacta sunt servanda. Portanto, a exclusividade contratual vigorou até 22/10/2022, como corre- tamente fixado na r. sentença. No que tange ao critério de fixação dos honorários advocatícios, o recurso da autora também não comporta provimento. De início, cumpre afastar a preliminar deduzida pela ré em contrarrazões no sentido de que a autora não teria legitimidade para pleitear alteração dos ho- norários advocatícios, por ser direito exclusivo dos advogados. Isso porque, conforme entendimento consolidado do C. Superior Tribunal de Justiça, a parte possui legitimidade para discutir honorários sucumbenciais em seu recurso, sem prejuízo da legitimidade autônoma conferida ao advogado pelo art. 23 da Lei nº 8.906/94. De todo modo, a pretensão da autora não comporta acolhimento. Com efeito, o artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil estabelece que os honorários serão fixados entre 10% e 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. No caso em testilha, a ação tem por objeto obrigação de não fazer, não havendo condenação pecuniária. O suposto proveito econômico decorreria da conversão da obrigação em perdas e danos, hipótese que não se concretizou e sequer foi pleiteada na inicial. Ademais, conforme já decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça, a 250 multa cominatória, por configurar meio de coerção indireta ao cumprimento da obrigação, não ostenta caráter condenatório, tampouco transita em julgado, o que impede sua inclusão na base de cálculo dos honorários advocatícios (AgInt nos EREsp n. 1.854.475/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Jurisprudência - Direito Privado Seção, DJe de 4/12/2023; AgInt nos EDcl no REsp n. 1.864.379/SP, relator Mi- nistro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 1/10/2024, DJe de 10/10/2024). Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLA- RAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS. MULTA COMI- NATÓRIA. BASE DE CÁLCULO. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE CON- TEÚDO CONDENATÓRIO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. SÚMULA 568/STJ. 1. Ação de nunciação de obra nova em fase de cumprimento de senten- ça. 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que por serem um meio de coerção indireta ao cumprimento do julgado, as astreintes não ostentam caráter condenatório, tampouco transitam em julgado, o que as afasta da base de cálculo dos honorários, impedindo o arbitramento de ho- norários advocatícios em razão do acolhimento da impugnação ao cumpri- mento de sentença objetivando anular a multa diária. Precedentes. 3. Tendo os executados descumprido a determinação judicial que ensejou a incidência das astreintes e a propositura da execução, à luz do princípio da causalidade, tam- bém, não há que falar em utilização do valor das astreintes afastadas como base de cálculo dos honorários pelo êxito da impugnação ao cumprimento delas. Pre- cedentes. 4. Agravo interno não provido. (AgInt nos EDcl no REsp n. 2.115.828/ RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 26/8/2024, DJe de 28/8/2024, destaques nossos) No mesmo sentido é o entendimento firmado por esse E. Sodalício: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - APELAÇÃO - Ausência de omissão, con- tradição ou obscuridade - Pretensão de que seja esclarecido se a verba honoraria incidirá ou não sobre o valor das astreintes fixadas na sentença - Jurisprudência copiosa do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que astreintes não compõem base de cálculo de verba honorária - Teor da decisão embargada que em nenhum momento dispôs de modo a dar ensejo a entendimento diverso - Embargos que se tem por meramente protelatórios, com fixação de multa - In- cidência da regra do §2º, do art. 1.036, do CPC. Embargos rejeitados. (TJSP; Embargos de Declaração Cível 1085836-22.2017.8.26.0100; Relator (a): João Batista Vilhena; 5ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 15ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/10/2024, destaques nossos) AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de Obrigação de Fazer. Cumprimento de sentença. Decisão que acolheu em parte a Impugnação apresentada pela Parte Executada. Astreintes. Impossibilidade de cobrança de juros de mora sobre o valor relativo à multa pelo descumprimento de determinação judicial. Pretensão de inclusão das astreintes na base de cálculo dos honorários sucumbenciais. Descabimento. A multa não é uma condenação, mas sim um meio de coerção indireta para garantir o cumprimento da ordem judicial, como bem salien- tou o Decisum. Redução do valor da multa cominatória. Possibilidade. Valor que se mostra excessivo. Aplicação do § 1º, inciso I, do artigo 537 do Código de Processo Civil. Decisão mantida. Recurso não provido. (TJSP; Agravo de Instru- mento 2243453-90.2024.8.26.0000; Relator (a): Penna Machado; 14ª Câmara de Jurisprudência - Direito Privado Direito Privado; Foro de Pindamonhangaba - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/10/2024; destaques nossos) Quanto ao pedido subsidiário de fixação dos honorários por apreciação equitativa, o artigo 85, §8º, do CPC dispõe que nas causas em que for inesti- mável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa. No entanto, o valor da causa foi fixado em R$ 160.000,00 (fl. 07), quantia que não pode ser considerada “muito baixa” para fins de aplicação do dispo- sitivo. Ademais, o STJ, no julgamento do Tema Repetitivo nº 1.076, firmou entendimento no sentido de que “a fixação dos honorários por apreciação equi- tativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados”. Portanto, correta a fixação dos honorários em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. Por derradeiro, a multa cominatória fixada na decisão não comporta revi- são, tendo em vista que o valor diário de R$ 10.000,00, limitado a R$ 600.000,00, mostra-se proporcional e razoável, considerando o deliberado descumprimento da ordem judicial pelo Spanta, que persistiu na venda dos ingressos por meio da plataforma Sympla, mesmo após a concessão da tutela de urgência. De fato, o limite máximo inicialmente fixado (R$ 300.000,00) precisou ser majorado pelo douto magistrado, por não ter sido hábil a coibir a conduta da requerida, em consonância com o disposto no artigo 537, §1º, do CPC. Sendo assim, diante da necessidade de majoração do limite em razão do descumprimento de decisão judicial, não há motivo para reconhecer a abusivi- dade do valor arbitrado. Malgrado se admita em hipóteses excepcionais a limitação do valor da multa para que guarde proporcionalidade com o montante da obrigação princi- pal, já decidiu o Col. Superior Tribunal de Justiça que: “O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que eventual desobediência lhe trará consequências mais gravosas que o próprio cumprimento da ordem, e não a expectativa de redução ou de limitação da multa a ele imposta, sob pena de tornar inócuo o instituto processual e de violar o direito fundamen- tal à efetividade da tutela jurisdicional” (STJ, REsp 1819069/SC, Rel. Minis- tro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 26/05/2020, DJe 29/05/2020). Trata-se precisamente da hipótese em tela. Sobreleva mencionar, por oportuno, que o valor da reprimenda não con- figura enriquecimento sem causa à autora, na medida em que o acréscimo pa- trimonial experimentado decorrerá unicamente do reiterado descumprimento da ordem judicial pela empresa ré, fato que restou incontroverso. De fato, não há razão para se considerar que foi impossível à recorrente atender à decisão judicial de abster-se de comercializar ingressos do evento. Jurisprudência - Direito Privado Como mencionado, é evidente que a requerida tomou ciência da decisão que concedeu a tutela de urgência no dia em que seus procuradores se manifes- taram nos autos, 04/08/2022 (fls. 59 e seguintes). Assim, a partir desse momen- to, a recorrente deveria ter paralisado as vendas dos ingressos diretamente ou por terceiros. Ocorre que, pelo que se depreende, em vez de não ser possível, era, na realidade, financeiramente desinteressante à empresa ré o cumprimento da deci- são, o que acarretou a necessidade de majoração do limite da multa. Nesse sentido, nos termos da notificação encaminhada pela ré à autora, o evento “[...] estimava arrecadar aproximadamente R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais) somente com a comercialização de ingressos” (fl. 121). Tal informação revela o patamar dos valores envolvidos no negócio e o possível fundamento pelo qual a recorrente optou pelo descumprimento da determinação judicial. Em suma, ambos os recursos não comportam provimento, devendo ser mantida integralmente a r. sentença recorrida por seus próprios e jurídicos fun- damentos. Ante o exposto, nego provimento aos recursos de apelação. Em razão da sucumbência recursal, majoro os honorários devidos pela ré em favor dos patronos da autora para 12% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º e 11, do Código de Processo Civil. Por fim, esclareço que deixo de arbitrar verba honorária recursal em des- favor da autora, uma vez que, à luz da jurisprudência do Colendo Superior Tri- bunal de Justiça (AgInt no AREsp nº 1.349.182/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, j. 10-06-2019, DJE 12-06-2019), exige-se que tenha havido fixação desde a origem, o que não ocorreu in casu.