AGRAVO – Documento:7065678 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento Nº 5093288-97.2025.8.24.0000/SC DESPACHO/DECISÃO 1) Do recurso Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por C. L. V. D. S. em face de CREDITAS SOCIEDADE DE CREDITO DIRETO S.A., com pedido de antecipação da tutela recursal contra a decisão interlocutória proferida na ação revisional n.º 5075145-83.2025.8.24.0930 que indeferiu a tutela de urgência. Alega a parte agravante, em síntese, a abusividade da capitalização diária de juros. Sustentou a ausência de série temporal para a modalidade de crédito contratado, havendo abusividade dos juros remuneratórios.
(TJSC; Processo nº 5093288-97.2025.8.24.0000; Recurso: Agravo; Relator: ; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:7065678 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Agravo de Instrumento Nº 5093288-97.2025.8.24.0000/SC
DESPACHO/DECISÃO
1) Do recurso
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por C. L. V. D. S. em face de CREDITAS SOCIEDADE DE CREDITO DIRETO S.A., com pedido de antecipação da tutela recursal contra a decisão interlocutória proferida na ação revisional n.º 5075145-83.2025.8.24.0930 que indeferiu a tutela de urgência.
Alega a parte agravante, em síntese, a abusividade da capitalização diária de juros.
Sustentou a ausência de série temporal para a modalidade de crédito contratado, havendo abusividade dos juros remuneratórios.
Por fim, discorreu sobre a descaracterização da mora.
Ao final, requereu a antecipação de tutela recursal, no mérito, o provimento do recurso.
É o relatório.
2) Da admissibilidade recursal
Deixo de analisar o pedido referente à concessão da justiça gratuita, eis que deferido nos autos n. 50568342120258240000.
Conheço do recurso porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, eis que ofertado a tempo e modo, dispensado o devido preparo e evidenciado o objeto e a legitimação.
2.1) Do pedido de antecipação da tutela recursal
O Código de Processo Civil prevê, em seu artigo 1.019, inciso I, que o Relator "poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão."
A Luz do mesmo Diploma Legal tem-se que "A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência" (art. 294), sendo aquela dividida em cautelar e antecipada, podendo ser concedida em caráter antecedente ou incidental.
O caso em apreço traz discussão acerca da tutela provisória de urgência antecipada, que é prevista no art. 300 do CPC, in verbis:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Assim, para a concessão da tutela almejada é necessária a demonstração: i) da probabilidade do direito; ii) do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo; iii) da ausência de perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Ainda, faculta-se a exigência de caução e/ou a designação de audiência de justificação.
Sobre tais pressupostos, é da doutrina:
Probabilidade do direito. No direito anterior a antecipação da tutela estava condicionada à existência de "prova inequívoca' capaz de convencer o juiz a respeito da "verossimilhança da alegação", expressões que sempre foram alvo de acirrado debate na doutrina. O legislador resolveu, contudo, abandoná-las, dando preferência ao conceito de probabilidade do direito. Com isso, o legislador procurou autorizar o juiz a conceder tutelas provisórias com base em cognição sumária, isto é, ouvindo apenas uma das partes ou então fundado em quadros probatórios incompletos (vale dizer, sem que tenham sido colhidas todas as provas disponíveis para o esclarecimento das alegações de fato).
A probabilidade que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a probabilidade lógica- que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder tutela provisória.
[...]
Perigo na demora. Afim de caracterizara urgência capaz de justificar a concessão de tutela provisória, o legislador falou em "perigo de dano" (provavelmente querendo se referir à tutela antecipada) e "risco ao resultado útil do processo" (provavelmente querendo se referir à tutela cautelar). Andou mal nas duas tentativas. Em primeiro lugar, porque o direito não merece tutela tão somente diante do dano. O próprio Código admite a existência de uma tutela apenas contra o ilícito ao ter disciplinado o direito à tutela inibitória e o direito à tutela de remoção do ilícito ( art.497, parágrafo único, CPC). Daí que falar apenas em perigo de dano é recair na proibição de retrocesso na proteção do direito fundamental à tutela adequada, já que o Código Buzaid, depois das Reformas, utilizava-se de uma expressão capaz de dar vazão à tutela contra o ilícito ("receio de ineficácia do provimento final"). Em segundo lugar, porque a tutela cautelar não tem por finalidade proteger o processo, tendo por finalidade tutelar o direito material diante de um dano irreparável ou de difícil reparação. O legislador tinha à disposição, porém, um conceito mais apropriado, porque suficientemente versátil, para caracterizar a urgência: o conceito de perigo na demora (periculum in mora). A tutela provisória é necessária simplesmente porque não é possível esperar, sob pena de o ilícito ocorrer, continuar ocorrendo, ocorrer novamente, não ser removido ou de dano não ser reparado ou reparável no futuro. Assim, é preciso ler as expressões perigo de dano e risco ao resultado útil do processo como alusões ao perigo na demora. Vale dizer: há urgência quando a demora pode comprometer a realização imediata ou futura do direito. (MARINONI, Luiz Guilherme. Novo código de processo civil comentado I Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. --São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. Páginas 312-313).
No caso em apreço, exsurge a probabilidade do direito.
Aliado aos requisitos retro mencionados, por tratar o presente feito de demanda revisional, torna necessária a observância do contido no Recurso Especial Representativo de Controvérsia n.º 1.061.530 que promulgou a seguinte orientação:
ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA
a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descarateriza a mora;
b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual.
[...]
ORIENTAÇÃO 4 - INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES
a) A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz;
b) A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção.
Portanto, consoante a orientação no Recurso Especial Representativo de Controvérsia n.º 1.061.530 do STJ, supra citada, convém destacar que, para fins de tutela de urgência antecipada com base no pedido de revisional de contrato bancário, faz-se necessário analisar, tão somente, os encargos do período da normalidade.
Pois bem.
No caso em apreço, a probabilidade do direito é verificada neste momento.
Isto porque, no que tange os juros remuneratórios, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a taxa média de mercado serve apenas como um referencial para averiguar a abusividade do encargo, de modo que devem ser analisadas as peculiaridades do caso concreto, conforme delimitado no julgamento do REsp n. 2.009.614/SC, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi:
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. REVISÃO. CARÁTER ABUSIVO. REQUISITOS. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. 1- Recurso especial interposto em 19/4/2022 e concluso ao gabinete em 4/7/2022.
2- O propósito recursal consiste em dizer se: a) a menção genérica às "circunstâncias da causa" não descritas na decisão, acompanhada ou não do simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média praticada no mercado, é suficiente para a revisão das taxas de juros remuneratórios pactuadas em contratos de mútuo bancário; e b) qual o incide a ser aplicado, na espécie, aos juros de mora.
3- A Segunda Seção, no julgamento REsp n. 1.061.530/RS, submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos, fixou o entendimento de que "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto."
4- Deve-se observar os seguintes requisitos para a revisão das taxas de juros remuneratórios: a) a caracterização de relação de consumo; b) a presença de abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada; e c) a demonstração cabal, com menção expressa às peculiaridades da hipótese concreta, da abusividade verificada, levando-se em consideração, entre outros fatores, a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos, o risco envolvido na operação, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas.
5- São insuficientes para fundamentar o caráter abusivo dos juros remuneratórios: a) a menção genérica às "circunstâncias da causa" - ou outra expressão equivalente; b) o simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média de mercado divulgada pelo BACEN e c) a aplicação de algum limite adotado, aprioristicamente, pelo próprio Tribunal estadual.
6- Na espécie, não se extrai do acórdão impugnado qualquer consideração acerca das peculiaridades da hipótese concreta, limitando-se a cotejar as taxas de juros pactuadas com as correspondentes taxas médias de mercado divulgadas pelo BACEN e a aplicar parâmetro abstrato para aferição do caráter abusivo dos juros, impondo-se, desse modo, o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que aplique o direito à espécie a partir dos parâmetros delineados pela jurisprudência desta Corte Superior
Portanto, no caso em comento as partes firmaram a cédula de crédito bancário - CCB - para aquisição do veículo FIAT MOBI EASY 2016/2017, no valor de R$20.375,93, a ser pago em 60 parcelas mensais de R$1.398,24 (evento 1, CONTR2, origem).
A taxa de juros anual contratada é 107,93% ao ano. Em consulta à tabela das taxas médias de mercado do Banco Central do Brasil, verifica-se que, no momento da celebração da avença entre as partes (novembro de 2024), a taxa anual média estipulada foi de 26,39% ao ano (série temporal n. 20749).
Nesse sentido, a partir dos requisitos estabelecidos no REsp n. 2.009.614/SC, constata-se do caso em comento que:
a) a relação contratual entre as partes é de consumo (Súmula 297 STJ);
b) os juros remuneratórios contratados estão demasiadamente acima da taxa média de mercado, o que coloca o consumidor em desvantagem absurdamente exagerada;
c) possui garantia contratual (veículo Fia tMobi), constata-se pela tabela Fipe que o valor do veículo é R$37.242,00, quantia esta que supre o valor empréstimo. Além disso, não há informações nos autos da origem sobre o custo da captação dos recursos, do risco envolvido na operação em comento e do relacionamento do consumidor com a instituição financeira.
Diante disso, transparece, neste momento, a presença de abusividade dos juros remuneratórios.
Do mesmo modo acontece com a capitalização diária de juros, pois em que pese seja permitida a sua incidência de forma mensal (Súmulas 539 e 541, STJ), porém, o contrato contempla pactuação em periodicidade diária, mas indica tão somente as taxas de juros mensais e anuais, isto é, não informa a taxa de juros diários, tampouco explicita sua forma de cálculo (evento 1, CONTR2 da origem), o que implica em restringir a compreensão do consumidor, colocando, assim, em xeque a pertinência de tal encargo.
Deste Julgador:
[...] CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. CONTRATO FIRMADO APÓS A EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA 1.963/2000. SÚMULA 539 DO STJ. CONTRATAÇÃO EXPRESSA DA CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DE JUROS SEM INDICAÇÃO DAS TAXAS PARA TAL PERIODICIDADE. FALTA DE INFORMAÇÃO ADEQUADA E CLARA AO CONSUMIDOR (ART. 6º, III, CDC). ABUSIVIDADE EVIDENCIADA. [...] (AC n. 5031938-26.2021.8.24.0008, j. 15-12-2022)
Assim, defere-se o pleito liminar para (1) manter a parte agravante na posse do veículo, (2) vedar a inscrição do nome da agravante em serviços de restrição ao crédito ou determinar que o exclua, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária de R$200,00 (duzentos reais), limitada ao teto de R$20.000,00 (vinte mil reais), com base nas regras dos arts. 497 e 537 do CPC e art. 84 do CDC.
Entretanto, a higidez da presente liminar está diretamente ligada à consignação do montante incontroverso, importância esta que poderá ser revista conforme aferida legalidade ou ilegalidade dos encargos, sob pena de revogação desta decisão. Destaco que a revogada súmula 66 do TJSC estava em descompasso com o TEMA 28 do STJ, mas que diz respeito a descaracterização da mora quando do julgamento do mérito. Em sede de tutela de urgência, faz-se incidir a orientação 4 do STJ.
O depósito do valor incontroverso das parcelas vencida deve se dar no prazo de 5 dias, e as vincendas em observância a data de vencimento disposta no contrato.
O perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo foi demonstrado a partir da continuidade do contrato com base em encargos, em tese, indevidos.
Também, não é evidente o perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, a qual poderá ser revogada se não verificada a consignação regular das prestações no importe incontroverso.
3) Conclusão
Pelo exposto, DEFIRO o pedido de tutela antecipada de urgência para (1) manter a parte agravante na posse do veículo, (2) vedar a inscrição do nome da agravante em serviços de restrição ao crédito ou determinar que o exclua, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária de R$200,00 (duzentos reais), limitada ao teto de R$20.000,00 (vinte mil reais), tudo condicionado ao depósito dos valores incontroversos, sob pena de revogação, pois preenchidos os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil.
Proceda-se na forma do inciso II do art. 1.019, do CPC, sem a incidência do art. 2º, § 1º, incisos IV e V da Lei Estadual n.º 17.654/2018 e do art. 3º da Resolução n.º 03/2019 do Conselho da Magistratura, haja vista que a parte agravante é beneficiária da Justiça Gratuita e porque a instituição financeira agravada já apresentou procuração no processo de origem.
Comunique-se o juízo de origem.
assinado por JOSÉ MAURÍCIO LISBOA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7065678v19 e do código CRC 89c7087b.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JOSÉ MAURÍCIO LISBOA
Data e Hora: 11/11/2025, às 19:15:50
5093288-97.2025.8.24.0000 7065678 .V19
Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 02:12:18.
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