Órgão julgador: Turma, unânime, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. em 21.2.2022).
Data do julgamento: 19 de dezembro de 2006
Ementa
AGRAVO – Documento:6814505 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5122840-67.2024.8.24.0930/SC DESPACHO/DECISÃO J. A. D. S. S. interpôs APELAÇÃO contra a sentença proferida nos autos da ação revisional, que tramitou no Juízo de Direito da Unidade Estadual de Direito Bancário, na qual foi julgado improcedente o intento deflagrado pela autora, que buscava a revisão de contrato de financiamento de veículo. A apelante sustentou que são abusivos os juros remuneratórios pactuados no contrato sacramentado com a instituição financeira e pediu a mitigação dos encargos para equivalerem à taxa média de mercado, bem como a condenação da instituição financeira na restituição do que cobrou indevidamente. Pleiteou, inclusive, a descaracterização dos efeitos da mora e o afastamento da cobrança da tarifa de cadastro e da tarifa de registro. Por fim, a antecipação da tutela recursal.
(TJSC; Processo nº 5122840-67.2024.8.24.0930; Recurso: Agravo; Relator: ; Órgão julgador: Turma, unânime, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. em 21.2.2022).; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:6814505 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5122840-67.2024.8.24.0930/SC
DESPACHO/DECISÃO
J. A. D. S. S. interpôs APELAÇÃO contra a sentença proferida nos autos da ação revisional, que tramitou no Juízo de Direito da Unidade Estadual de Direito Bancário, na qual foi julgado improcedente o intento deflagrado pela autora, que buscava a revisão de contrato de financiamento de veículo.
A apelante sustentou que são abusivos os juros remuneratórios pactuados no contrato sacramentado com a instituição financeira e pediu a mitigação dos encargos para equivalerem à taxa média de mercado, bem como a condenação da instituição financeira na restituição do que cobrou indevidamente. Pleiteou, inclusive, a descaracterização dos efeitos da mora e o afastamento da cobrança da tarifa de cadastro e da tarifa de registro. Por fim, a antecipação da tutela recursal.
Apresentadas as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.
1. Pelo princípio da autonomia da vontade, os capazes podem contratar sem amarras. Entretanto, tal princípio não é aplicável indistintamente, de modo que deve-se atentar para os limites da ordem pública e da função social do contrato (CC, art. 421). De igual modo, o pacta sunt servanda, mandamento jurídico que preconiza que o acordo de vontades faz lei entre as partes, também deve ser flexibilizado a fim de inibir-se a estipulação de cláusulas que porventura desequilibrem a relação contratual, pondo o consumidor em desvantagem exagerada (CDC, art. 51, inc. IV) ou, ainda, que tornem a obrigação excessivamente onerosa para o contratante (CDC, art. 51, § 1º, inc. III) (nesse sentido: TJSP – Apelação Cível nº 1002044-39.2022.8.26.0572, de São Joaquim da Barras, Trigésima Sétima Câmara de Direito Privado, unânime, rel. Des. Sérgio Gomes, j. em 9.1.2023).
Essa linha de raciocínio ganha força na medida em que se notam disposições contratuais que vão de encontro a normas de ordem pública e de interesse social, como as previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC, art. 1º), as quais são inderrogáveis ainda que essa fosse a vontade dos interessados (José Geraldo Brito Filomeno, "Direitos do Consumidor", 15ª ed., São Paulo: Atlas, 2018, pág. 13).
Indo direto ao ponto, é possível, de forma excepcional, a revisão da taxa de juros remuneratórios posta em contratos de mútuo – sobre os quais incidirão as regras emanadas da legislação consumerista – desde que a abusividade fique cabalmente demonstrada, ou seja, quando o consumidor for posto em desvantagem exagerada (STJ – Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.920.112/PR, Terceira Turma, unânime, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. em 21.2.2022).
J. A. D. S. S. entabulou contrato de financiamento de veículo com Banco Daycoval S/A e, acoimando de abusivos alguns dos encargos estipulados, busca a revisão do pacto e a mitigação dos excessos.
Sabe-se que "a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade" (STJ – Súmula nº 382) e que a taxa média divulgada pelo Banco Central do Brasil representa mero referencial para a constatação de excessividades. É somente perante as particularidades iridescentes do caso concreto que a onerosidade do percentual compensatório poderá ser apurada. Para isso, levar-se-á em consideração circunstâncias, tais qual "o custo da captação dos recursos no local e época do contrato; o valor e o prazo do financiamento; as fontes de renda do cliente; as garantias ofertadas; a existência de prévio relacionamento do cliente com a instituição financeira; análise do perfil de risco de crédito do tomador; a forma de pagamento da operação, entre outros aspectos" (STJ – Recurso Especial nº 1.821.182/RS, Quarta Turma, unânime, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, j. em 29.6.2022).
Desvela-se dos instrumentos contratuais sacramentados entre Julia e Daycoval que os juros remuneratórios pactuados destoam significativamente da contemporânea média de mercado e, ainda que tenha tido oportunidade para fazê-lo, a instituição financeira não comprovou que a anabolização dos compensatórios foi pautada em concretas condições desfavoráveis para a concessão do crédito. Na verdade, a narrativa ventilada pelo réu é genérica, abstrata, e, por isso, não tem o condão de justificar a incidência de taxas elevadas.
Eis a discrepância identificada:
ContratoDataJuros pactuadosMédia de mercadoSérie Bacen14-2306923/24 (Evento 1, CONTR10)3.7.20243,12% a.m e 44,58% a.a1,91% a.m e 25,45% a.a20749 e 25471 - Crédito pessoal não consignado
Ao contrário do que concluiu o magistrado sentenciante, a consumidora foi exposta à onerosidade excessiva no referido contrato e, por isso, as taxas de juros remuneratórios devem ser minoradas para equivalerem à média de mercado (STJ –Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.823.166/RS, Quarta Turma, unânime, relator Ministro Marco Buzzi, j. em 21.2.2022).
2. "Nos contratos bancários posteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008, pode ser cobrada a tarifa de cadastro no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira" (STJ – Súmula nº 566).
Na hipótese, o contrato de mútuo bancário foi firmado em 2024, ou seja, após o início da vigência da Resolução CMN nº 3.518/2007, estando expressamente prevista a Tarifa de Cadastro (Evento 1, CONTR10), razão pela qual deve ser considerada válida a sua cobrança.
Por outro lado, os R$ 1.800,00 cobrados pelo Banco Daycoval S/A a título de tarifa de cadastro excedem a média de R$ 1.194,66 praticada pelas instituições financeiras do mesmo segmento na época da contratação. Logo, a quantia exigida revela-se excessiva, até porque representa 18,94% do valor do crédito concedido à autora.
Nesse cenário, a tarifa de cadastro deve ser mitigada para equivaler ao valor médio aplicado no mercado na época da contratação (R$ 1.194,66, no caso) (veja-se, a propósito: TJSC, Apelação nº 5058086-19.2024.8.24.0930, da Unidade Estadual de Direito Bancário, Quinta Câmara de Direito Comercial, unânime, relatora Desembargadora Soraya Nunes Lins j. em 13.3.2025; Apelação nº 5009791-48.2023.8.24.0036, da Unidade Estadual de Direito Bancário, Quinta Câmara de Direito Comercial, unânime, rel. Des. Luiz Felipe Schuch j. em 1º.8.2024).
3. No que se refere à tarifa de registro do contrato, conforme entendimento pacificado pela Corte da Cidadania, é legítima a sua cobrança, a não ser quando o serviço não tenha sido prestado ou quando for constatada onerosidade excessiva (STJ – Recurso Especial nº 1578553/SP, Segunda Seção, unânime, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. em 28.11.2018).
Indo direto ao ponto, a validade da cobrança do encargo está condicionada à efetiva prestação do serviço pela instituição financeira. É necessária a comprovação do registro do contrato no órgão de trânsito para a averbação do gravame inerente à alienação fiduciária, o que foi feito (Evento 13, OUT11). Logo, não há abusividade a ser reconhecida.
4. Comprovada a abusividade de encargo cobrado no período da normalidade contratual, deve ser descaracterizada a mora do consumidor, conforme entendimento estabelecido no Tema 28 do Superior Tribunal de Justiça ["o reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora"].
Ademais, dada a revogação da Súmula nº 66 deste Tribunal, o afastamento da mora prescinde do depósito do valor incontroverso da dívida.
5. Cabe a repetição do indébito, na forma simples, a fim de evitar-se o enriquecimento ilícito da instituição financeira, que recebeu valores em decorrência de imposição de encargos abusivos (STJ – Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.679.635/PR, Quarta Turma, unânime, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, j. em 10.8.2020).
O montante a ser restituído à autora deverá ser atualizado pela variação do INPC/IBGE, a partir do desembolso, e acrescido de juros de mora, estes a fluir da citação, no percentual de 1% ao mês. A partir da vigência da Lei nº 14.905/2024, a atualização monetária deverá ser calculada pelo IPCA/IBGE e os juros de mora pela SELIC, deduzido o IPCA (CC, art. 406, §1º c/c art. 389, parágrafo único).
6. Diante do reconhecimento da abusividade de alguns dos encargos convencionados no contrato posto em revisão, deve-se restabelecer os efeitos da tutela de urgência concedida em primeiro grau de jurisdição, a qual foi revogada na sentença de improcedência para: a) vedar a inserção/manutenção do nome de Julia em cadastro de inadimplentes e; b) manter a autora na posse do bem.
7. Provido, em parte, o recurso, é necessária a redistribuição dos ônus sucumbenciais. O Banco Daycoval S/A deverá arcar com 70% das despesas processuais e, a autora, com 30%.
Debulha-se dos autos que o ganho econômico obtido não é mensurável de imediato, podendo vir a ser considerado desprezível para servir de base à verba honorária. Todavia, a apreciação equitativa para o arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais só tem lugar nas exaurientes hipóteses previstas no artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil, ou seja, quando for inestimável ou irrisório o proveito econômico, ou, então, se o valor da causa for diminuto (STJ – Tema 1.076), o que não é o caso.
Logo, ponderando-se os critérios irradiados do §2º do referido dispositivo da lei processual, os honorários sucumbenciais devem ser fixados em 20% do valor atualizado da causa, a serem rateados entre as partes, na proporção acima estabelecida.
À luz do exposto, conheço do apelo e, com fulcro no disposto no artigo 932, inciso VIII, do CPC c/c artigo 132, inciso XVI, do RITJSC, dou-lhe provimento, em parte, para: a) ordenar que os juros remuneratórios pactuados no contrato posto em revisão seja mitigado para equivaler à média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para operações análogas; b) descaracterizar os efeitos da mora; c) ordenar a redução da tarifa de cadastro para equivaler à média exigida no mercado; d) restabelecer a tutela de urgência outrora deferida e; e) condenar o réu na restituição simples, à autora, do que foi pago em excesso, após compensação.
assinado por ROBERTO LEPPER, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6814505v11 e do código CRC f146180c.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROBERTO LEPPER
Data e Hora: 11/11/2025, às 13:32:28
5122840-67.2024.8.24.0930 6814505 .V11
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:37:40.
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