Relator: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
Órgão julgador:
Data do julgamento: 22 de maio de 2024
Ementa
RECURSO – Documento:7012382 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 5000966-82.2024.8.24.0068/SC RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO RELATÓRIO No Juízo da Vara Única da Comarca de Seara, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Y. J. P. Q., pela prática, em tese, do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, em razão dos fatos assim delineados na inicial acusatória (evento 1, DOC1): No dia 22 de maio de 2024, por volta das 18h30min, na "Praça do Bairro", endereço a ser precisado durante a instrução processual, neste Município e Comarca de Seara/SC, o denunciado Y. J. P. Q., com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, vendeu e entregou a consumo de Carlos Luis Castro Acevedo, uma porção de 5.5g (cinco gramas e cinco decigramas) da substância vulgarmente conhecida como ...
(TJSC; Processo nº 5000966-82.2024.8.24.0068; Recurso: recurso; Relator: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 22 de maio de 2024)
Texto completo da decisão
Documento:7012382 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5000966-82.2024.8.24.0068/SC
RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
RELATÓRIO
No Juízo da Vara Única da Comarca de Seara, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Y. J. P. Q., pela prática, em tese, do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, em razão dos fatos assim delineados na inicial acusatória (evento 1, DOC1):
No dia 22 de maio de 2024, por volta das 18h30min, na "Praça do Bairro", endereço a ser precisado durante a instrução processual, neste Município e Comarca de Seara/SC, o denunciado Y. J. P. Q., com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, vendeu e entregou a consumo de Carlos Luis Castro Acevedo, uma porção de 5.5g (cinco gramas e cinco decigramas) da substância vulgarmente conhecida como maconha, de uso e comercialização proscritos (Portaria n. 344/1998 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Paralelamente, em sua residência, apartamento 202, situado na Rua Catarinense, Bairro São João, Município de Seara/SC, o denunciado Y. J. P. Q., com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, com a finalidade de mercancia, manteve em depósito e guardou 2 (duas) porções compactas, totalizando 390,3g (trezentos e noventa gramas e três decigramas) da substância vulgarmente conhecida como maconha, além de outra pequena porção da mesma substância, de uso e comercialização proscritos (Portaria n. 344/1998 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, conforme conclusões do Auto de Constatação da Natureza da Substância Apreendida n. 27/2024.
Segundo consta, a Polícia Militar abordou um masculino na posse de uma porção de maconha. Indagado, informou que havia comprado do denunciado (TC n. 5000904-42.2024.8.24.0068).
Ato contínuo, considerando as fundadas suspeitas que existiam de que seriam efetivamente encontradas drogas no local e a justa-causa do crime permanente de tráfico de drogas, decorrente da indicação do usuário de drogas de que havia recém comprado maconha do denunciado, os Policiais Militares então se deslocaram até a residência do denunciado. Questionado, YERBIS retirou dos bolsos uma pequena quantidade de maconha. Além disso, ante sua autorização, foi realizada de busca em seu domicílio, local em que os policiais encontraram mais 2 (duas) porções compactas de maconha, embaixo de um colchão no quarto
Encerrada a instrução processual e apresentadas alegações finais pelas partes, sobreveio sentença de procedência da pretensão acusatória, com o seguinte dispositivo (evento 79, DOC1):
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal formulada pelo Ministério Público da denúncia para CONDENAR Y. J. P. Q. ao cumprimento de pena privativa de liberdade fixada em 3 anos e 9 meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime aberto, além do pagamento de 375 dias-multa, nos termos da fundamentação, por infração ao art. 33, caput da Lei 11.343/2006.
SUBSTITUO a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em:
a) prestação de serviços à comunidade (art. 43, IV, CP), na proporção de 1 (uma) hora para cada dia de condenação, em instituição a ser indicada na posterior fase de execução, preferencialmente, em instituições que se dediquem à prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas;
b) limitação de fim de semana (art. 43, VI, CP), devendo permanecer, aos sábados e domingos, por 5 horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado, pelo período da pena privativa de liberdade aplicada (art. 48, CP).
Condeno, ainda, o acusado ao pagamento das custas processuais.
Concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade, pois assim permaneceu durante toda a instrução criminal (CPP, art. 387, §1º). Além disso, a pena privativa de liberdade foi substituída por restritiva de direitos e fixado, ainda, o regime aberto.
Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação, em cujas razões pontuou, preliminarmente, a nulidade das provas produzidas nos autos por invasão ilegal do domicílio do acusado. No mérito, clamou pela absolvição do réu por fragilidade probatória ou, quando menos, pela desclassificação do crime de tráfico de drogas para a conduta prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/06. Subsidiariamente, pugnou pela aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, em seu patamar máximo (de 2/3). Por fim, postulou a concessão do benefício da justiça gratuita (evento 100, DOC1).
Igualmente irresignado, o Ministério Público também interpôs apelo, através do qual pugnou pelo afastamento da causa especial de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 (evento 93, DOC1).
Contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento dos respectivos recursos (evento 102, DOC1 e evento 104, DOC1).
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Dr. Procurador Abel Antunes de Mello, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso defensivo e pelo conhecimento e provimento do reclamo acusatório (evento 9, DOC1).
Este é o relatório.
assinado por ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7012382v4 e do código CRC d2833b54.
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Documento:7012383 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5000966-82.2024.8.24.0068/SC
RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
VOTO
Trata-se de recursos de apelação interpostos por Y. J. P. Q.e pelo Ministério Público, em face de sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Seara que, julgando procedente a pretensão acusatória, condenou o acusado às penas de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão, em regime inicial aberto, mais pagamento de 375 (trezentos e setenta e cinco) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, por infração ao art. 33, caput, c/c §4º, da Lei n. 11.343/2006.
1. Dos fatos
A empreitada delitiva imputada ao apelante, bem como as circunstâncias que antecederam a sua prisão, restaram bem resumidas em denúncia (evento 1, DOC1):
No dia 22 de maio de 2024, por volta das 18h30min, na "Praça do Bairro", endereço a ser precisado durante a instrução processual, neste Município e Comarca de Seara/SC, o denunciado Y. J. P. Q., com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, vendeu e entregou a consumo de Carlos Luis Castro Acevedo, uma porção de 5.5g (cinco gramas e cinco decigramas) da substância vulgarmente conhecida como maconha, de uso e comercialização proscritos (Portaria n. 344/1998 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Paralelamente, em sua residência, apartamento 202, situado na Rua Catarinense, Bairro São João, Município de Seara/SC, o denunciado Y. J. P. Q., com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, com a finalidade de mercancia, manteve em depósito e guardou 2 (duas) porções compactas, totalizando 390,3g (trezentos e noventa gramas e três decigramas) da substância vulgarmente conhecida como maconha, além de outra pequena porção da mesma substância, de uso e comercialização proscritos (Portaria n. 344/1998 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, conforme conclusões do Auto de Constatação da Natureza da Substância Apreendida n. 27/2024.
Segundo consta, a Polícia Militar abordou um masculino na posse de uma porção de maconha. Indagado, informou que havia comprado do denunciado (TC n. 5000904-42.2024.8.24.0068).
Ato contínuo, considerando as fundadas suspeitas que existiam de que seriam efetivamente encontradas drogas no local e a justa-causa do crime permanente de tráfico de drogas, decorrente da indicação do usuário de drogas de que havia recém comprado maconha do denunciado, os Policiais Militares então se deslocaram até a residência do denunciado. Questionado, YERBIS retirou dos bolsos uma pequena quantidade de maconha. Além disso, ante sua autorização, foi realizada de busca em seu domicílio, local em que os policiais encontraram mais 2 (duas) porções compactas de maconha, embaixo de um colchão no quarto.
Acrescenta-se que Yerbis foi preso em flagrante delito e encaminhado à Central de Plantão Policial de Fronteira de Concórdia, onde restou lavrado o APF de n. 584.24.00126 em seu desfavor.
Posteriormente, Yerbis restou denunciado, processado e condenado nos presentes autos, nos termos acima dispostos.
Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação, em cujas razões pontuou, preliminarmente, a nulidade das provas produzidas nos autos por invasão ilegal do domicílio do acusado. No mérito, clamou pela absolvição do réu por fragilidade probatória ou, quando menos, pela desclassificação do crime de tráfico de drogas para a conduta prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/06. Subsidiariamente, pugnou pela aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, em seu patamar máximo (de 2/3). Por fim, postulou a concessão do benefício da justiça gratuita.
Igualmente irresignado, o Ministério Público também interpôs apelo, através do qual pugnou pelo afastamento da causa especial de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06.
Passa-se à análise dos reclamos.
2. Da admissibilidade
O recurso interposto pelo Ministério Público preenche os pressupostos de admissibilidade, motivo pelo qual é conhecido na íntegra.
O reclamo interposto por Yerbis, por sua vez, não preenche integralmente os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual é conhecido apenas em parte.
Isso porque, as pretensões relacionadas à concessão do benefício da justiça gratuita e ao reconhecimento da nulidade das provas produzidas nos autos por invasão ilegal do domicílio do acusado não foram levantadas pela defesaem primeiro grau, de forma que eventual enfrentamento das matérias diretamente nesta Corte implicaria em indevida supressão de instância.
Nessa linha, já decidiu esta Câmara Criminal, mutatis mutandis:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. (ART. 14 DA LEI 10.826/2003). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. (1) JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. DEFERIMENTO DA JUSTIÇA GRATUITA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. NÃO CONHECIMENTO. [...] RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0004588-15.2016.8.24.0012, do , rel. Carlos Alberto Civinski, j. 11-10-2023).
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE FURTO SIMPLES (ART. 155, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. ADMISSIBILIDADE. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. CONTUDO, MATÉRIA NÃO ANALISADA PELO JUÍZO DE ORIGEM. ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO NESTE GRAU DE JURISDIÇÃO QUE RESULTARIA EM INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO. [...] (TJSC, Apelação Criminal n. 5012026-34.2021.8.24.0011, do , desta Relatora, j. 14-09-2023).
De todo modo, registra-se que a aferição da capacidade financeira do apelante pode ser analisada pelo Juízo de origem, o qual, após a apuração do valor das custas finais, poderá averiguar a situação de hipossuficiência.
Nesse viés: "[...] cito que não comporta conhecimento o pedido de concessão do benefício da justiça gratuita e, consequentemente, de isenção de despesas processuais, por se tratar de matéria cujo exame incumbe ao Juízo do primeiro grau, o qual, após a apuração do valor das custas finais, poderá averiguar a situação de hipossuficiência do apenado" (TJSC, Apelação Criminal n. 0000259-04.2019.8.24.0125, rel. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva, Primeira Câmara Criminal, j. 05-11-2020).
Quanto ao pretenso reconhecimento da nulidade das provas obtidas nos autos, o pleito, mesmo que conhecido fosse, não comportaria provimento.
Explica-se:
De acordo com o art. 5º, XI, da Constituição, "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
Embora o crime de tráfico de drogas possua caráter permanente, a jurisprudência pátria, em especial dos Tribunais Superiores, tem preconizado, de forma reiterada, que o ingresso de agentes da segurança pública em residência particular, sem mandado judicial ou autorização, exige a efetiva detecção de elementos objetivos acerca da suspeita de cometimento de delito no recinto.
Como forma de exigir maior acuidade na atividade estatal repressiva, e impor limites legais e constitucionais, o Tribunal da Cidadania, em diversos julgados recentes, vem exigindo um standart probatório mínimo a autorizar o ingresso policial, orientando a necessidade de elementos objetivos acerca da prática do tráfico de drogas (HC 598.051, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 2.3.21).
Por mais que não sejam desconhecidos, os posicionamentos da Corte Cidadã invalidando ações policiais, recentemente, têm sido cassados pelo Supremo Tribunal Federal, pelos seguintes fundamentos:
Trata-se de Recurso Extraordinário interposto em face de acórdão proferido pelo Superior , rel. Leopoldo Augusto Brüggemann, rel. designado (a) Ernani Guetten de Almeida, Terceira Câmara Criminal, j. 12-12-2023).
E da jurisprudência desta Câmara Criminal, também mudando o que tem que ser mudado, confira-se:
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS PRIVILEGIADO (ART. 33, § 4°, DA LEI N. 11.343/06). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA ACUSADA. ALEGAÇÃO DE ILICITUDE DAS PROVAS DECORRENTE DA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. INSUBSISTÊNCIA. ESTADO DE FLAGRÂNCIA CONFIGURADO POR MÚLTIPLAS CIRCUNSTÂNCIAS, INCLUINDO A APREENSÃO DE ENTORPECENTES COM USUÁRIO. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 302 E 303 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E DO ARTIGO 5º, INCISO XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NULIDADE AFASTADA. PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. NÃO ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DEPOIMENTOS POLICIAIS, CONJUGADOS COM AS CIRCUNSTÂNCIAS DO FLAGRANTE E MENSAGENS EXTRAÍDAS DO CELULAR DA ACUSADA, QUE LEGITIMAM A CONDENAÇÃO. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO A INDICAR A PROPRIEDADE DO ENTORPECENTE E SUA DESTINAÇÃO COMERCIAL. DOSIMETRIA. TERCEIRA FASE. PLEITO DE APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º DO ARTIGO 33 DA LEI DE DROGAS EM GRAU MÁXIMO. INVIABILIDADE. PARTICULARIDADES DO CASO QUE REVELAM MAIOR REPROVABILIDADE DA CONDUTA. QUANTIDADE E NATUREZA DA SUBSTÂNCIA APREENDIDA QUE JUSTIFICAM A REDUÇÃO NO PATAMAR MÍNIMO DE 1/6 (UM SEXTO). PEDIDO DE FIXAÇÃO DE REGIME ABERTO E SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. QUANTUM DE PENA APLICADO QUE IMPEDE TAIS PROVIDÊNCIAS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJSC, Apelação Criminal n. 5000669-23.2024.8.24.0538, do , rel. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 13-03-2025).
Logo, diante das fundadas razões (justa causa) para a medida, a incursão dos policiais na residência do acusado não pode ser tida como arbitrária, mas como no exercício do estrito cumprimento do dever legal.
De todo modo, conforme acima exposto, o não conhecimento da preliminar de mérito, devido à supressão de instância, é medida de rigor.
3. Do mérito
3.1 Dos pleitos absolutório e desclassificatório formulados pela defesa
A defesa clama pela absolvição de Yerbis por fragilidade probatória. Sustenta, a tanto e em resumo, que "a quantidade de droga é um fator importante, mas não é exclusivo", que "deve-se levar em conta inúmeros outros fatores para avaliar se a droga se destinava ou não a mercancia" e que , "no caso, a quantidade é pequena, além de não ter se confirmado sob o crivo do contraditório os indícios da mercancia".
A título subsidiário, pugna pela desclassificação do crime de tráfico de drogas para a conduta prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/06.
Sem razão, adianta-se, em ambos os pleitos.
Afinal, a materialidade e a autoria delitivas emergem do auto de prisão em flagrante de n. 584.24.00126, em especial do boletim de ocorrência e do auto de exibição e apreensão (ambos acostados ao evento 1, DOC4), além do laudo pericial de n. 2024.18.01083.24.001-50 (evento 16, DOC3) e da prova colhida em juízo.
No que toca aos depoimentos produzidos, foram devidamente apontados pela Togada sentenciante e guardam fidedignidade à mídia produzida, de modo que, a fim de conferir celeridade processual e evitar qualquer tipo de exercício de tautologia, aproveito os resumos das declarações (evento 79, DOC1), confira-se:
Daniel Figueiró, policial militar, narrou que a guarnição já tinha informação de que Yerbis era traficante. Na data da prisão em flagrante, foi abordado um usuário que afirmou que ele fazia a venda no local onde ele morava. A guarnição monitorou o local e foram até a residência dele. Pediram acesso e ele permitiu. Fizeram uma busca, mas, antes mesmo da busca, ele falou que tinha um tijolo de maconha embaixo da cama dele. Ele relatou que tinha comprado a droga de Ananda de Prá e pago para ela. Não recorda a quantidade, acredita que era meio quilo. Ele falou que estava com dificuldades financeiras e, por isso, estava vendendo drogas. Havia informações da inteligência da Polícia Civil. O fato também originou um termo circunstanciado para o usuário que foi abordado, o que aconteceu dentro da cidade, perto de uma farmácia. A informação era de que Yerbis possuía drogas no prédio onde residia, não lembrando o apartamento. Não lembra a distância da abordagem do usuário até o apartamento de Yerbis. Não lembra se ele permitiu acesso ao celular. Havia outras famílias que moravam no local, mas a droga foi apreendida no quarto dele. Não sabe se houve nova diligência na residência dele depois desse fato. Não lembra de já ter abordado ele antes.
Rodrigo Paulo Dall Agnol, policial militar, relatou que estavam monitorando a residência de Yerbis porque havia informação de tráfico. Chegaram ao local e pediram acesso, o que foi permitido. Pediram para fazer as buscas no local e, de pronto, Yerbis tirou um torrãozinho de maconha do bolso e indicou o seu quarto, onde havia mais uma quantidade. Informalmente, ele mencionou que havia comprado de Ananda de Prá, não recordando se foi pago em pix ou dinheiro. Esse comprovante foi mostrado voluntariamente pelo próprio acusado em seu telefone. Não lembra se a abordagem de um usuário foi no mesmo dia; pelo que lembra foi alguns dias anteriores, resultando na lavratura de um termo circunstanciado. As informações de traficância que tinham não eram documentadas. Normalmente elas chegam pelo setor de inteligência da Polícia Militar. Por populares também tinham conhecimento de que ele praticava o tráfico. O monitoramento que empreenderam na frente da residência dele foi feito pela guarnição do depoente. Teve acesso à conversa que Yerbis teve com Ananda, mas não lembra o teor. Ele mostrou os comprovantes de movimentação financeira para a guarnição. Não sabe se após a prisão foi emitida uma mensagem para o celular de alguém. Na residência morava Yerbis, uma criança e um outro rapaz. Quem permitiu a entrada foi Yerbis. Não recorda se as câmeras policiais estavam funcionando. Não sabe se os populares que denunciaram teriam visto Yerbis traficando. O motivo de entrarem na residência foi pelas informações que tinham.
Austhin Gilberto Tochon Rodriguez, informante, afirmou que morava junto com Yerbis no momento da prisão dele e estava presente na ocasião. A polícia chegou e Yerbis estava na sala. Ele abriu a porta e os policiais entraram, sem informarem que eram policiais. Eles não chegaram a pedir autorização para o depoente ou Yerbis; só entraram. Os policiais falaram que era para Yerbis entregar tudo o que tinha, e que poderia ser deportado caso não entregasse. Yerbis não autorizou o acesso ao celular dele; foi pego por um policial sem autorização, que começou a mexer. Eles estavam mandando mensagem pelo telefone de Yerbis, não sabendo para quem. O telefone estava sem senha. Moravam entre quatro pessoas. Não era comum que pessoas estranhas entrassem e saíssem de casa. Dias depois que Yerbis foi solto, houve uma nova visita da polícia. Dessa vez foi o depoente quem abriu a porta. Eles colocaram o depoente ao lado da porta, questionando se vendia ou mexia com drogas. Respondeu negativamente. Também fizeram perguntas sobre Yerbis. Eram os mesmos policiais. Não foi apresentado papel de autorização. Na primeira vez, os policiais pegaram uma quantidade de maconha que Yerbis tinha. Não sabe o que mais os policiais acessaram no celular; acha que o WhatsApp; também pediram a senha para acesso ao aplicativo do banco. Não conhece Ananda de Prá e não sabe se Yerbis fez alguma transação com ela. Não sabe se Yerbis, na delegacia, autorizou o acesso ao celular dele; na casa não houve.
O réu, Y. J. P. Q., por ocasião de seu interrogatório, declarou que, no dia de sua prisão em flagrante, os policiais entraram na sua casa, perguntando se o depoente tinha alguma coisa errada em casa. Depois, mostrou o que tinha. Os policiais pediram a senha do telefone, sob pena de ser deportado. Eles então acessaram o celular do depoente. Não sabe que aplicativo eles entraram, mas eles mandaram mensagens, sem saber dizer para quem. Abriu o aplicativo do seu banco após a ameaça de ser deportado. Na delegacia, não compreendeu tudo o que foi falado pelo delegado. Dois dias após ser solto, a polícia esteve novamente na sua casa, perguntando onde estava o depoente. Eram os mesmos policiais. Eles não apresentaram nenhum mandado para o depoente e entraram na sua casa novamente. Estava trabalhando informalmente. A droga que tinha era para consumo próprio. Consumia em torno de 8 a 10 cigarros de maconha por dia. Moravam outras pessoas no local.
Pois bem.
Extrai-se dos autos que, no fatídico dia de 22/05/2024, por volta das 18h30min, o apelante realizou a comercialização de uma porção de maconha a um usuário de drogas (identificado como Carlos Luis Castro Acevedo). Após a abordagem policial realizada pela guarnição da Polícia Militar atuante no Município de Seara, o referido usuário indicou o recorrente como sendo o responsável pela venda da substância ilícita, inclusive apresentando comprovante de transferência do numerário para a aquisição do entorpecente, o que motivou o deslocamento dos agentes até a residência do acusado.
Ato contínuo, diante das fundadas suspeitas acerca do cometimento do crime permanente no local - conforme disposto no tópico anterior -, os policiais ingressaram no imóvel, oportunidade em que lograram êxito em localizar e apreender duas porções de maconha, com peso bruto de 384,9g (trezentos e oitenta e quatro gramas e nove decigramas), conforme disposto no laudo pericial acostado ao evento 16, DOC3.
Ambos os policiais militares ouvidos sob o crivo do contraditório (Daniel Figueiró e Rodrigo Paulo Dall Agnol), ademais, informaram que já detinham informações pretéritas acerca do envolvimento de Yerbis na prática da mercancia espúria. Relataram, ainda, que o usuário anteriormente abordado confirmara a aquisição de maconha diretamente do acusado, fator que ensejou o posterior deslocamento até o imóvel pertencente ao apelante, onde foi localizado o material ilícito.
E, não bastassem referidos elementos de prova, cumpre destacar que, da análise técnica realizada no aparelho telefônico utilizado pelo apelante, foram identificadas anotações que evidenciam a prática do comércio ilegal de drogas, contendo registros de nomes de supostos usuários e respectivos valores atribuídos às substâncias comercializadas, reforçando, assim, o conjunto probatório que sustenta a condenação.
Destaca-se, no ponto, o teor do relatório policial acostado ao evento 16, DOC1:
[...]
Informamos que o aparelho celular apresentava poucas informações, incluindo a maioria das conversas do WhatsApp apagadas. Diversos contatos armazenados na agenda de Yesbis foram identificados pela investigação como usuários de entorpecentes, além de outros suspeitos de envolvimento no tráfico, atualmente sob monitoramento por nossa equipe. No entanto, foram encontradas anotações em mensagens de texto (SMS) contendo nomes de usuários e valores, características típicas de registros relacionados ao tráfico de drogas. É relevante destacar que o valor da "bucha" de maconha é R$ 50,00, sendo comum que a maioria dos usuários de baixa renda compre entre uma e três buchas.
No que se refere à versão sustentada pelo acusado em juízo, no sentido de que a totalidade da substância ilícita consigo apreendida era destinada unicamente ao seu consumo, esta não convence.
Afinal, de acordo com a Circular CGJ n. 92/2024, elaborada pela Diretoria de Análises Laboratoriais Forenses da Polícia Científica de Santa Catarina, a quantidade apreendida junto ao apelante (quase 390g de maconha) seria suficiente para confeccionar de 390 (trezentos e noventa) a 780 (setecentos e oitenta) cigarros artesanais do entorpecente, sendo, portanto, suficiente para atender dezenas de usuários. Veja-se:
O montante apreendido junto ao réu, ademais, equivale a quase 10 (dez) vezes a quantidade estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal para diferenciação, a priori, entre a figura do usuário de drogas e a do traficante, por meio do Tema n. 506 da Repercussão Geral (Leading Case - RE 635.659), cuja tese foi assim fixada:
1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); 2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; 4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; 5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes; 6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários; 7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio; 8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário” (grifou-se).
De mais a mais, cumpre acentuar que sendo o delito em questão de ação múltipla, cujo tipo penal prevê a prática de dezoito verbos nucleares, em havendo a comprovação da prática de qualquer um deles, isolada ou concomitante, configurado resta o ilícito, não se revelando necessário, portanto, que atos de comércio propriamente dito sejam flagrados, uma vez que a lei penal não visa punir tão somente o agente que realiza a venda do tóxico, mas todo aquele que incorre em alguma das condutas previstas pela legislação.
A propósito:
para que se considere o exercício da traficância, não é imprescindível que seja apreendido uma diversidade de drogas, nem tampouco que o agente seja flagrado em conduta de efetiva mercancia e auferimento de lucros. Isso porque a lei tipifica várias espécies de condutas, não apenas o comércio, mas também "ter em depósito", "trazer consigo", "guardar", dentre outras, elementos estes próprios que evidenciam a destinação comercial da droga, razão pela qual, pela forma em que encontrada a substância tóxica, aliados aos harmônicos depoimentos dos policiais, pode-se concluir, seguramente, o tráfico ilícito de entorpecentes (TJSC, Apelação Criminal n. 0002917-88.2015.8.24.0012, de Caçador, rel. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 29-08-2019, grifou-se).
Assim, no caso em apreço, a partir dos elementos de convicção dos autos, entendo que existem provas idôneas e suficientes à comprovação de que o apelante praticou a infração penal disposta no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, de modo que impossível a aplicação do in dubio pro reo.
Ao arremate, oportuno salientar que a condição de usuário de drogas, relatada em juízo pelo réu, não impede que o indivíduo venha a praticar o crime de tráfico de drogas. Ao revés, é bastante comum que usuários, até para manter o vício em entorpecentes, plantem, comprem ou revendam parte das substâncias, a fim de angariar lucro e retomar o seu ciclo vicioso.
Nesse sentido, assim decidiu este Sodalício:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06). SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA DEFESA.
PRETENSA DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS PARA O DELITO DE POSSE DE ENTORPECENTES PARA USO PESSOAL ANTE A INSUFICIÊNCIA DE PROVAS ACERCA DA NARCOTRAFICÂNCIA. INVIABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO QUE PERMITEM CONCLUIR A REAL DESTINAÇÃO DOS ENTORPECENTES. RELATOS FIRMES E COERENTES DOS AGENTES PÚBLICOS QUE NÃO PERMITEM DÚVIDAS QUANTO A PRÁTICA DELITIVA. ADEMAIS, CONDIÇÃO DE USUÁRIO QUE POR SI SÓ, NÃO É SUFICIENTE PARA DESCLASSIFICAR A CONDUTA PARA O CRIME TIPIFICADO NO ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO. CONDENAÇÃO MANTIDA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJSC, Apelação Criminal n. 0006954-75.2018.8.24.0038, do , rel. Luiz Neri Oliveira de Souza, Quinta Câmara Criminal, j. 28-04-2022, grifou-se).
APELAÇÃO CRIMINAL (RÉU PRESO). CRIME COMETIDO CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11343/06). SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA. RECURSO MANEJADO EXCLUSIVAMENTE PELA DEFESA. PLEITOS DE ABSOLVIÇÃO DA PRÁTICA DO DELITO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA DELITIVA E DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA PREVISTA NO ART. 28 DA LEI N. 11343/06. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
- PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. QUANDO OS ELEMENTOS CONTIDOS NOS AUTOS DE PRISÃO EM FLAGRANTE SÃO CORROBORADOS EM JUÍZO POR DECLARAÇÕES FIRMES E COERENTES DOS POLICIAIS MILITARES QUE PARTICIPARAM DA PRISÃO DO RÉU, FORMA-SE, EM REGRA, UM CONJUNTO PROBATÓRIO SÓLIDO E SUFICIENTE PARA A FORMAÇÃO DO JUÍZO DE CONDENAÇÃO (NOTADAMENTE QUANDO A VERSÃO DEFENSIVA RESTA ISOLADA NO CADERNO PROCESSUAL). UMA VEZ CONFIRMADA A PRÁTICA DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES, RESTA AFASTADA A TESE DE QUE AS DROGAS APREENDIDAS SERIAM DESTINADAS EXCLUSIVAMENTE PARA CONSUMO PESSOAL.
(TJSC, Apelação Criminal n. 5029101-50.2021.8.24.0023, do , rel. Júlio César Machado Ferreira de Melo, Terceira Câmara Criminal, j. 26-04-2022, grifou-se).
APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 593 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO DE DROGAS. ARTIGO 33, CAPUT DA LEI Nº 11.343/2006. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO.
[...]
MÉRITO. ABSOLVIÇÃO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADAS EM RELAÇÃO AO TRÁFICO DE DROGAS. PALAVRAS DOS AGENTES PÚBLICOS E CIRCUNSTÂNCIAS DA APREENSÃO QUE CONFIRMAM O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE CRIMINOSA. MANUTENÇÃO DO EDITO CONDENATÓRIO QUE SE IMPÕE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA PRESCRITA NO ARTIGO 28 DA LEI DE TÓXICOS. IMPOSSIBILIDADE. EVIDENCIADA A DESTINAÇÃO AO COMÉRCIO ESPÚRIO DO MATERIAL ENTORPECENTE APREENDIDO.
[...]
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO.
(TJSC, Apelação Criminal n. 0010637-79.2019.8.24.0008, do , rel. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva, Primeira Câmara Criminal, j. 10-03-2022).
Nesses termos, diante da confluência das provas colacionadas em ambas as fases processuais - boletim de ocorrência, auto de exibição e apreensão, laudo pericial de identificação de substância entorpecente, declarações firmes e coerentes dos policiais, análise técnica realizada no aparelho telefônico utilizado pelo apelante, além da frágil versão defensiva sustentada pelo réu -, verifica-se que a manutenção da condenação de Yerbis é medida que se impõe, não havendo espaço para se cogitar em absolvição ou em desclassificação para a conduta delitiva prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/06.
O pontual desprovimento do recurso defensivo, nestes termos, é medida de rigor.
3.2 Do pretenso afastamento do tráfico privilegiado - recurso do Ministério Público
O Ministério Público pugna pelo afastamento da causa especial de diminuição de pena prevista no §4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/2006.
Alega, a tanto e em resumo, que "as provas constantes dos autos não deixam dúvidas quanto à habitualidade e à dedicação do apelado à mercancia ilícita de entorpecentes, circunstâncias que, por si sós, inviabilizam o reconhecimento do tráfico privilegiado", sendo que "ambos os policiais afirmaram que Yerbis já era conhecido no meio policial pela sua atuação reiterada no tráfico de drogas - afirmação esta que é robustamente corroborada pelo conteúdo do Relatório de Diligência Policial n. 28/2024, realizado pela Polícia Civil".
Acrescenta, ainda, que junto aos autos de n. 5000920- 93.2024.8.24.0068 - onde Yerbis responde pela suposta prática do crime previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/06, juntamente com Mary Carmen Roraima Brito Prada -, foram produzidas provas que apontam à dedicação do acusado à traficância ilícita.
E com razão.
A respeito do tema, assim deliberou a Togada sentenciante (evento 79, DOC1):
[...]
Na terceira fase, por sua vez, não se apresentam causas de especiais de aumento. Por outro lado, o réu faz jus à minorante prevista no § 4º, do art. 33, da Lei 11.343/06.
Nesse sentido, dispõe a referida norma:
"Art. 33 [...] §4º Nos delitos definidos no caput e no §1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa".
Da leitura do dispositivo, extrai-se que a aplicação do redutor deve ser afastada sempre que não preenchido pelo menos um dos requisitos acima referidos. Logo, está-se diante de requisitos cumulativos: a) primariedade do agente; b) bons antecedentes; c) não dedicação às atividades criminosas; d) não integrar organização criminosa.
No caso dos autos, o acusado não ostenta antecedentes criminais passíveis de valoração (Súmula 444 STJ), também não há provas irrefutáveis de que se dedique exclusivamente à atividade criminosa ou de que pertença à organização para este fim. Logo, há de se reconhecer a incidência do benefício previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06.
Sobre o quantum a ser reduzido, destaca-se julgado da Corte catarinense sobre o tema:
APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (LEI N. 11.343/2006, ART. 33, CAPUT E § 4º) - SENTENÇA CONDENATÓRIA - RECURSO DA DEFESA. [...] CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI DE DROGAS - PRETENDIDO AUMENTO DA FRAÇÃO REDUTORA (1/6) - IMPOSSIBILIDADE - ESPECIFICIDADES DO CASO CONCRETO QUE IMPEDEM A REDUÇÃO NO PATAMAR MÁXIMO - VARIEDADE E EXPRESSIVA QUANTIDADE DE DROGAS APREENDIDAS - CRACK E COCAÍNA, ADEMAIS, CONSIDERADOS DE ALTA NOCIVIDADE. Para fins de determinar o quantum de diminuição da pena, o magistrado deve se pautar nos critérios constantes do art. 42 da Lei n. 11.343/06, quais sejam, natureza e quantidade da droga, personalidade e conduta social do agente. Assim, diante da apreensão de elevada quantidade de entorpecente, sendo eventualmente caso de reconhecer a causa especial, a redução deve ser mínima. PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS DE SUBSTITUIÇÃO DA REPRIMENDA CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS PREJUDICADOS. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0000523-10.2019.8.24.0064, de São José, rel. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Quarta Câmara Criminal, j. 14-05-2020) (sem grifos no original).
Assim sendo, tenho que, diante da natureza e da quantidade de droga apreendida, a fração a ser diminuída deva ser no patamar de 1/4 (um quarto).
[...]
Com vênia ao entendimento da eminente Magistrada, o contexto fático-probatório não autoriza a concessão do benefício do tráfico privilegiado.
Sobre o assunto, a figura prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 autoriza a redução da pena de um sexto a dois terços "desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa", tratando-se de causa de diminuição de pena, a ser sopesada na terceira fase da dosimetria.
Sobre o tráfico privilegiado, a doutrina leciona:
[...] O § 4º do artigo 33 prevê a redução da pena dos crimes previstos no seu caput e § 1º quando o agente for primário, possuir bons antecedentes, não se dedicar às atividades criminosas e nem integrar organização criminosa. Faltando qualquer um destes requisitos, a diminuição da pena, que pode ser de um sexto a dois terços, não deverá ser aplicada. Cuida-se de dispositivo que visa beneficiar o pequeno e eventual traficante. O profissional do tráfico e o que teima em delinquir não merece atenuação da pena. [...] Para o Supremo Tribunal Federal a conduta social do agente, o concurso eventual de pessoas, a receptação, os apetrechos relacionados ao tráfico, a quantidade de droga e as situações de maus antecedentes exemplificam situações caracterizadoras de atividades criminosas, que obstam a aplicação do redutor da pena (RHC nº 94.806/PR, 1ª T., rel. Min. Carmen Lúcia, v.u., j. 03/03/2010). (SILVA, César Dário Mariano. Lei de Drogas Comentada. 2ª ed. São Paulo: APMP Associação Paulista do Ministério Público, 2016, p. 103, grifo nosso).
Nesse aspecto, cabe salientar que que a incidência do redutor de pena previsto no § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, usualmente aplicado aos traficantes de primeira viagem ou de baixa periculosidade, encontra-se atrelada ao cumprimento de quatro requisitos cumulativos descritos no texto legal, quais sejam: a) primariedade; b) bons antecedentes; c) não dedicação às atividades criminosas; d) não integração à organização criminosa.
Em outros termos, para fazer jus à benesse, é imprescindível que o acusado satisfaça todos os requisitos de forma cumulativa, de modo que a ausência de qualquer das condições enseja na negativa do benefício.
Na hipótese, conquanto ausente comprovação de que o acusado integre organização criminosa, as circunstâncias fáticas e probatórias demonstram a dedicação do apelante às atividades delituosas, o que obsta a concessão da causa especial de diminuição de pena.
Importa destacar, de antemão e novamente, que ambos os policiais militares ouvidos em juízo expressamente afirmaram que Yerbis já era conhecido pela prática reiterada do crime de tráfico de drogas no pacato Município de Seara, informação que encontra guarida no Relatório de Diligência Policial anexado ao evento 16, DOC1, onde constam diversas anotações, encontradas no celular do réu, "contendo nomes de usuários e valores, características típicas de registros relacionados ao tráfico de drogas".
As imagens das referidas anotações encontram-se dispostas no tópico antecedente, nas quais é possível, de fato, verificar diversos registros de diferentes nomes, com distintas quantidades ao lado (exemplo: "Maikel 100", "Mulaco 150", "Jesus 150", "Camila 50", "Eda 100", etc.), os quais remontam, pelo menos, ao mês de abril de 2024 - portanto, um mês antes da prisão em flagrante do réu.
De mais a mais, conforme bem exposto pelo diligente representante ministerial, nos autos de n. 5000920-93.2024.8.24.0068 - nos quais o acusado é defendido pelas mesmas advogadas que as patrocinam nos presentes autos -, constam diversas conversas entabuladas entre Yerbis e Mary Carmen Roraima Brito Prada, tratando sobre a comercialização de maconha, destacando-se o presente diálogo, realizado no mês de outubro de 2023, portanto, sete meses antes dos fatos sub judice (o qual fora anexado aos presentes autos pelo órgão acusatório em alegações finais - evento 72, DOC1):
A propósito, cumpre destacar que, nos supraditos autos, Yerbis foi condenado pela prática do crime previsto no art. 35 da Lei n. 11.346/06 - condenação ainda pendente de trânsito em julgado -, o que também não pode passar despercebido por esta Relatora, tratando-se de mais um indício da dedicação do acusado ao comércio proscrito.
Neste norte, a realidade retratada dá conta de que o acusado já teria se imiscuído nas engrenagens do tráfico, e as circunstâncias revelam que não se cuida de fato isolado em sua vida; ao revés, confluem para a conclusão da sua dedicação a atividades criminosas, o que impede a incidência da benesse à hipótese em apreço, nos exatos termos postulados pelo órgão acusatório recorrente.
O entendimento desta Corte de Justiça não destoa, mutatis mutandis:
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS (LEI 11.343/06, ART. 33, CAPUT). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO.
1. ILICITUDE DA PROVA. BUSCA VEICULAR. FUNDADA SUSPEITA. DENÚNCIA ANÔNIMA DO USO DO VEÍCULO PARA A VENDA DE DROGAS. 2. ADEQUAÇÃO TÍPICA. POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO (LEI 11.343/06, ART. 28). CIRCUNSTÂNCIAS DA AÇÃO. PALAVRAS DOS POLICIAIS. CONVERSAS PELO APLICATIVO WHATSAPP. 3. DOSIMETRIA. TRÁFICO DE DROGAS. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA (LEI 11.343/06, ART. 42). 4. CONFISSÃO ESPONTÂNEA (CP, ART. 65, III, "D"). ADMISSÃO DE USO DE DROGAS (STJ, SÚMULA 630). 5. TRÁFICO PRIVILEGIADO. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. 6. REGIME. QUANTIDADE DE PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. PRIMARIEDADE. 7. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. QUALIFICAÇÃO. REPRESENTAÇÃO POR DEFENSOR CONSTITUÍDO.
[...]
5. Se a prova dos autos permite certificar que o acusado estava completamente inserido no narcotráfico, desempenhando, de maneira contínua e ininterrupta, atividades delituosas, especialmente por denúncias feitas a policiais sobre a atuação dele no comércio espúrio, e pelas conversas, pelo aplicativo Whatsapp, oferecendo o estupefaciente à venda e cobrando dívidas de drogas há mais de um mês; não faz jus à concessão da norma excepcional prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06.
[...]
(TJSC, Apelação Criminal n. 5034402-25.2024.8.24.0038, do , rel. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 01-07-2025 - grifou-se).
E também:
APELAÇÕES CRIMINAIS. TRÁFICO DE DROGAS (LEI 11.343/06, ART. 33, CAPUT). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DO ACUSADO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. MONITORAMENTO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS. IMPRESCINDIBILIDADE DA PROVA. TRÁFICO DE DROGAS. ENTREGA A DOMICÍLIO POR TELEFONE. 2. PROVA. DEPOIMENTOS DE POLICIAIS E DE USUÁRIOS. CONFISSÃO. APREENSÃO DE DROGAS E BALANÇA DE PRECISÃO. MONITORAMENTO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS. 3. QUANTIDADE E NATUREZA DE DROGA. VARIEDADE DAS SUBSTÂNCIAS. 4. CONDUTA SOCIAL. INFORMAÇÃO DA PRÁTICA DE NARCOTRÁFICO. 5. PENA DE MULTA. PROPORCIONALIDADE. 6. TRÁFICO PRIVILEGIADO (LEI 11.343/06, ART. 33, § 4º). DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. NARCOTRÁFICO COMO PRINCIPAL FONTE DE RENDA. [...] (TJSC, Apelação Criminal n. 0006105-92.2015.8.24.0011, de Brusque, rel. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 21-05-2019 - grifou-se).
E assim já decidiu, também, esta Câmara Criminal:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06). SENTENÇA PROCEDENTE. RECURSO DA DEFESA.
ADMISSIBILIDADE. CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. PEDIDO NÃO CONHECIDO.
PRELIMINAR. NULIDADE DECORRENTE DA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. INOCORRÊNCIA. INFORMAÇÕES PRÉVIAS DE QUE O TRÁFICO OCORRIA NA RESIDÊNCIA. MONITORAMENTO NO DIA DOS FATOS. POLICIAIS QUE, APÓS ABORDAREM USUÁRIO SAINDO DA CASA DO ACUSADO COM ENTORPECENTE, SUSPEITARAM SOBRE A EXISTÊNCIA DE MAIS ENTORPECENTES NO IMÓVEL DO DETIDO, O QUE SE CONFIRMOU. FUNDADAS RAZÕES VERIFICADAS. PREFACIAL AFASTADA.
ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. MATERIALIDADE E AUTORIA SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADAS. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. CONDENAÇÃO MANTIDA.
RECONHECIMENTO DA FIGURA DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. NÃO CABIMENTO. CONTEXTO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA A DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES ILÍCITAS E IRREGULARES.
CONCESSÃO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. INVIABILIDADE. ACUSADO PRESO DURANTE TODA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. FATOS CONFIRMADOS NA SENTENÇA. REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA MANTIDOS.
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
(TJSC, Apelação Criminal n. 5013267-69.2024.8.24.0033, do , rel. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva, Primeira Câmara Criminal, j. 14-11-2024 - grifou-se).
O caso dos autos, à vista do contexto fático-probatório, não está a retratar, pois, a típica figura do "traficante eventual", "principiante" ou "de primeira viagem", conclusão esta que obsta o reconhecimento da privilegiadora. Por tais razões, inviável a aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, razão pela qual o provimento do recurso acusatório é medida de rigor.
Por consequência, resta prejudicada a análise do recurso defensivo, no que toca ao pleito de aplicação da privilegiadora no máximo patamar previsto no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 (de 2/3).
4. Da readequação da pena
Ante o acolhimento do recurso ministerial, tratado no tópico antecedente, faz-se necessário readequar a dosimetria imposta ao réu.
E, considerando que a reprimenda imposta ao acusado não se distanciou do mínimo previsto para o tipo penal nas duas primeiras etapas da dosimetria - providência contra a qual o órgão acusatório não se insurgiu em apelo -, com o afastamento do redutor previsto no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, a pena imposta ao acusado passa a ser estabelecida, agora, em 5 (cinco) anos de reclusão, mais pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal.
Com a alteração no quantum de pena, à luz da primariedade do réu, o regime para o resgate inicial passa a ser o semiaberto, a teor do art. 33, §2º, "b", do Código Penal.
Inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, porquanto não preenchidos os requisitos previstos no art. 44 do Estatuto Repressivo.
5. Do dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de: a) conhecer parcialmente do recurso defensivo e, na extensão, negar-lhe provimento; b) conhecer e dar provimento ao recurso acusatório, readequando-se a pena de Y. J. P. Q. e o regime para o resgate inicial, nos termos da fundamentação.
assinado por ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7012383v18 e do código CRC edfa905c.
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Signatário (a): ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
Data e Hora: 13/11/2025, às 18:09:14
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Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 01:55:23.
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Documento:7012384 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5000966-82.2024.8.24.0068/SC
RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
EMENTA
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DA DEFESA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
I. CASO EM EXAME
1. Recursos de apelação interpostos pela defesa e pelo Ministério Público em face de sentença que, julgando procedente a pretensão acusatória, condenou o acusado às penas de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão, em regime inicial aberto, mais pagamento de 375 (trezentos e setenta e cinco) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, por infração ao art. 33, caput, c/c §4º, da Lei n. 11.343/2006.
II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO
2. As questões em discussão consistem em aferir se (I) há ilegalidade na incursão domiciliar encetada pelos policiais militares, devendo ser reconhecida a ilicitude das provas obtidas nos autos, conforme requerido em preliminar de mérito pela defesa; (II) o acusado deve ser absolvido por fragilidade probatória; (III) deve ser operada a desclassificação do crime de tráfico de drogas para a conduta prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/06; (IV) o acusado faz jus ao reconhecimento do benefício do tráfico privilegiado; (V) deve ser aplicada a redutora do tráfico privilegiado em seu patamar máximo de 2/3 (dois terços); (VI) o acusado faz jus à concessão do benefício da justiça gratuita.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. As pretensões defensivas relacionadas à concessão do benefício da justiça gratuita e ao reconhecimento da nulidade das provas produzidas nos autos por invasão ilegal do domicílio do acusado não foram levantadas pela defesa em primeiro grau, de forma que eventual enfrentamento das matérias diretamente nesta Corte implicaria em indevida supressão de instância. De todo modo, registra-se que a aferição da capacidade financeira do apelante pode ser analisada pelo Juízo de origem, o qual, após a apuração do valor das custas finais, poderá averiguar a situação de hipossuficiência. Quanto ao pretenso reconhecimento da nulidade das provas obtidas nos autos, o pleito, mesmo que conhecido fosse, não comportaria provimento, porquanto devidamente configuradas as fundadas razões (justa causa) para o ingresso dos policiais militares no imóvel pertencente ao réu.
4. Diante da confluência das provas colacionadas em ambas as fases processuais - boletim de ocorrência, auto de exibição e apreensão, laudo pericial de identificação de substância entorpecente, declarações firmes e coerentes dos policiais, análise técnica realizada no aparelho telefônico utilizado pelo apelante, além da frágil versão defensiva sustentada pelo réu -, verifica-se que a manutenção da condenação de Yerbis é medida que se impõe, não havendo espaço para se cogitar em absolvição ou em desclassificação para a conduta delitiva prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/06.
5. A incidência do redutor de pena previsto no § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, usualmente aplicado aos traficantes de primeira viagem ou de baixa periculosidade, encontra-se atrelada ao cumprimento de quatro requisitos cumulativos descritos no texto legal, quais sejam: a) primariedade; b) bons antecedentes; c) não dedicação às atividades criminosas; d) não integração à organização criminosa.
6. Na hipótese, conquanto ausente comprovação de que o acusado integre organização criminosa, as circunstâncias fáticas e probatórias demonstram a dedicação do apelante às atividades delituosas, o que obsta a concessão da causa especial de diminuição de pena. Reprimenda readequada, bem como o regime para o resgate inicial.
IV. DISPOSITIVO
7. Recurso defensivo parcialmente conhecido e, na extensão, desprovido; Reclamo acusatório conhecido e provido, com a respectiva readequação da reprimenda e do regime para resgate inicial impostos ao réu.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, a) conhecer parcialmente do recurso defensivo e, na extensão, negar-lhe provimento; b) conhecer e dar provimento ao recurso acusatório, readequando-se a pena de Y. J. P. Q. e o regime para o resgate inicial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 06/11/2025 A 12/11/2025
Apelação Criminal Nº 5000966-82.2024.8.24.0068/SC
RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
PRESIDENTE: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
PROCURADOR(A): PEDRO SERGIO STEIL
Certifico que este processo foi incluído como item 220 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 21/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 06/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 19:00.
Certifico que a 1ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 1ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, A) CONHECER PARCIALMENTE DO RECURSO DEFENSIVO E, NA EXTENSÃO, NEGAR-LHE PROVIMENTO; B) CONHECER E DAR PROVIMENTO AO RECURSO ACUSATÓRIO, READEQUANDO-SE A PENA DE Y. J. P. Q. E O REGIME PARA O RESGATE INICIAL.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
Votante: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
Votante: Desembargador PAULO ROBERTO SARTORATO
Votante: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI
ALEXANDRE AUGUSTO DE OLIVEIRA HANSEL
Secretário
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