Relator: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER
Órgão julgador:
Data do julgamento: 31 de maio de 2024
Ementa
RECURSO – Documento:6890972 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Rua Álvaro Millen da Silveira, 208 - Bairro: Centro - CEP: 88020-901 - Fone: (48)3287-4843 - Email: wgabcbsb@tjsc.jus.br Apelação Criminal Nº 5000974-07.2024.8.24.0053/SC RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER RELATÓRIO O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofertou denúncia em face de R. F. B., imputando-lhe a prática dos crimes previstos no arts. 32, § 1º-A, por duas vezes (fatos 1 e 2), e 32, § 1º-A, combinado com o § 2º, ambos da Lei 9.605/1998 (fato 3), conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (evento 1.1 da ação penal):
(TJSC; Processo nº 5000974-07.2024.8.24.0053; Recurso: recurso; Relator: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 31 de maio de 2024)
Texto completo da decisão
Documento:6890972 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Rua Álvaro Millen da Silveira, 208 - Bairro: Centro - CEP: 88020-901 - Fone: (48)3287-4843 - Email: wgabcbsb@tjsc.jus.br
Apelação Criminal Nº 5000974-07.2024.8.24.0053/SC
RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER
RELATÓRIO
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofertou denúncia em face de R. F. B., imputando-lhe a prática dos crimes previstos no arts. 32, § 1º-A, por duas vezes (fatos 1 e 2), e 32, § 1º-A, combinado com o § 2º, ambos da Lei 9.605/1998 (fato 3), conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (evento 1.1 da ação penal):
FATO I - art. 32, § 1º-A, Lei Nacional n. 9.605/98
Em datas não especificadas, mas até o dia 31 de maio de 2024, na Travessa Pedro Wobetto, Centro de Quilombo/SC, o denunciado R. F. B., dolosamente, consciente da ilicitude e da reprovabilidade da sua conduta, praticou maus-tratos contra uma cadela, da raça poodle, cujas ações consistiram em desferir golpes contra o animal, causando hematomas em toda região toráxica e cervical, as quais indicam terem sido lesões produzidas em diferentes dias anteriores, conforme Laudo Pericial 2024.29.00721.24.001-94, apresentado no Evento 1, LAUDO5, fls. 6-7, IP 5000788-81.2024.8.24.0053 e relato da médica veterinária que atendeu o animal. Assim agindo, o denunciado praticou maus-tratos ferindo animal doméstico, cadela.
FATO II - art. 32, § 1º-A, Lei Nacional n. 9.605/98
Em datas não especificadas, mas até o dia 31 de maio de 2024, na Travessa Pedro Wobetto, Centro de Quilombo/SC, o denunciado R. F. B., dolosamente, consciente da ilicitude e da reprovabilidade da sua conduta, praticou maus-tratos contra uma cadela, da raça poodle, cujas ações consistiram em atear fogo contra o animal, causando queimaduras antigas em formato redondo, na face da cadela, indicando que foi causado há algum tempo, conforme Laudo Pericial 2024.29.00721.24.001-94, apresentado no Evento 1, LAUDO5, fls. 6-7, IP 5000788-81.2024.8.24.0053 e relato da médica veterinária que atendeu o animal. Assim agindo, o denunciado praticou maus-tratos ferindo animal doméstico, cadela.
FATO III - art. 32, § 1º-A, c/c art. 2º, da Lei Nacional n. 9.605/98
No dia 31 de maio de 2024, na Travessa Pedro Wobetto, Centro de Quilombo/SC, o denunciado R. F. B., dolosamente, consciente da ilicitude e da reprovabilidade da sua conduta, praticou maus-tratos contra uma cadela, da raça poodle, cujas ações consistiram em atear fogo no animal, gerando novas queimaduras térmicas profundas que a levaram a óbito, bem como introduziu objeto no ânus da cachorra, resultando na deformidade anatômica
Assim agindo, o denunciado praticou maus-tratos ferindo mediante fogo e objetos animal doméstico, cadela, gerando a morte do animal.
A denúncia foi recebida (evento 3 da ação penal), o acusado foi citado (evento 9 da ação penal) e apresentou resposta à acusação (evento 30 da ação penal).
Recebida a defesa e, não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (evento 41 da ação penal).
Na instrução foram inquiridas as testemunhas, bem como interrogado o acusado (evento 81 da ação penal).
Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais pelas partes (eventos 86 e 91 da ação penal), sobreveio a sentença (evento 93 da ação penal) com o seguinte dispositivo:
Ante o exposto, com fundamento no art. 387 do CPP, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina para:
a) ABSOLVER R. F. B. da prática dos delitos art. 32, § 1º-A, Lei Nacional n. 9.605/98 expostos nos fatos 1 e 2 da denúncia.
b) CONDENAR R. F. B. à pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime fechado, além de 22 (vinte e dois) dias-multa, pela prática do crime previsto no artigo 32, § 1º-A, Lei Nacional n. 9.605/98.
Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação (evento 103 da ação penal). Em suas razões, a defesa pleiteia a absolvição, sob a alegação de que não existem provas suficientes para a manutenção da condenação. Subsidiariamente, requer a aplicação da pena-base no mínimo legal, afastando-se o sopesamento negativo dos motivos, circunstâncias e consequências do crime, bem como a redução da fração aplicada na etapa derradeira. Por fim, sucessivamente, almeja a alteração do regime inicial de cumprimento da pena (evento 11 destes autos).
O Ministério Público apresentou as contrarrazões no evento 14 destes autos.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Paulo de Tarso Brandão, manifestando-se “pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, para afastar os aumentos aplicados à pena do réu na primeira fase da dosimetria com fundamento na valoração negativa dos motivos e das circunstâncias do crime, diminuir a fração do aumento operado à pena do acusado em razão da causa especial prevista no artigo 33, § 2º, da Lei n. 9.605/98, e modificar o regime inicial de cumprimento da pena para o aberto ou, subsidiariamente, para o semiaberto, devendo ser mantida a condenação e os demais termos da sentença” (sic, evento 20 destes autos).
É o relatório.
VOTO
1. O recurso deve ser conhecido porquanto presentes os pressupostos processuais.
2. Nas suas razões, o irresignado pleiteia a absolvição, por entender que inexistem provas suficientes a autorizar a prolação do decreto condenatório.
Adianta-se, razão não lhe assiste.
A materialidade restou comprovada por meio dos documentos que instruem o inquérito policial (autos n. 5000788-81.2024.8.24.0053), quais sejam, boletim de ocorrência (fls. 5-15 do evento 1.1 e evento 1.4), laudo pericial n. 2024.29.00721.24.001-94 (fls. 32-39 do evento 1.1 e evento 1.5), laudo ultrassonográfico (fls. 21 do evento 1.1), atestado de atendimento médico-veterinário (fls. 23 do evento 1.1), relatório de investigação policial (evento 1.6), vídeos extraídos das câmeras de monitoramento (mídias digitais 7 e 8 do evento 1), bem como pelos depoimentos colhidos em ambas as etapas procedimentais.
A autoria, por sua vez, é demonstrada pela prova produzida.
Com efeito, Malena Lazarin, médica veterinária, registrou na etapa administrativa (fls. 19 do evento 1.1 do IP) que:
[...] é veterinária e trabalha em uma clinica própria na cidade de Quilombo/SC e que no dia 31 de maio de 2024, por volta das 16h20min, recebeu uma cachorrinha da raça poodle (mestiça), de 6 a 8 anos de idade a qual estava com aparente e claro sinais de queimadura na pele; Que quem levou o animal para a declarante foi a pessoa de Marta Furlanetto, a qual relatou que não estava em casa no momento que a cachorrinha tinha sido queimada; Que Marta relatou que quando chegou em casa, o marido dela relatou que a cadela tinha aparecido queimada e que ele tinha apagado com água; Que, no entanto, a declarante afirma que quando a cachorrinha chegou no consultório estava seca; Que o primeiro atendimento foi em realizar uma tosa, a fim de avaliar melhor as queimaduras; Que perguntada se sentiu algum cheiro diferente na cachorrinha, a declarante disse que tinha cheiro de combustível, mas não soube precisar qual, apenas relata que álcool de cozinha não se tratava; Que depois de lavar e tosar o animal, passou a analisar as lesões, momento em que percebeu que quase em sua totalidade o animal encontrava queimaduras profundas, principalmente na parte debaixo, onde já estava até torrado; Que além disso, percebeu queimaduras nos olhos, língua e no focinho do animal; Que não bastassem as queimaduras, a declarante percebeu outros pontos bem estranhos; Que notou inicialmente que a cadelinha tinha hematomas em toda região toráxica, bem como na cervical; Que esses hematomas não tem relação com as queimaduras, e sim provenientes de pancadas, as quais indicam lesões ocorridas em diferentes dias; Que além disso, haviam queimaduras antigas em formato redondo, na face do animal, o qual indicavam algo acontecido já há algum tempo; Que perguntada se tal lesão poderia ser proveniente de alguém apagando algum cigarro ou algo assim, a declarante informou que não pode dar certeza disso, mas que sim, poderiam ser condizentes; Que por fim, encontrou o ânus do animal com deformidade anatômica, o qual sugeria algum tipo de introdução anal, sem saber especificar qual objeto; Que essa lesão anal, continha sangue aparente e a região estava bem aumentada, diferente do que deveria estar caso tivesse sido lesionada pelo fogo, o qual tem a tendência de diminuir e não aumentar como estava; Que inclusive não conseguiu aferir a temperatura corporal da cahorrinha, pois o termômetro estava solto dentro do anus; Que essa deformidade no ânus ocorreu de forma recente, e que possivelmente foi algo introduzido e tirado, fazendo com que o peritônio restasse lesionado; Que diante de todo esse cenários, a declarante realizou diversos exames e iniciou o tratamento para as queimaduras; Que inicialmente, o animal até reagiu ao tratamento, mas não conseguiu evoluir e acabou vindo a óbito no domingo a tarde; Que apresentou durante este relato o atestado de atendimento, ultrassom e um exame de citologia e parasitológico; Que hoje de manhã, Marta Furlanetto entrou em contato com a declarante e pediu para ela acionar a polícia, mas que fizesse de forma anônima; Que então a declarante questionou o motivo e Marta disse que estava com receio que o autor tivesse sido seu filho (Ronaldo); Que ainda assim, acionou a policia militar e registrou o boletim de ocorrência [...]
Em juízo (vídeo 2 do evento 81 da ação penal), reiterou seus dizeres anteriores, relatando que:
[...] que quando recebeu a cadela não conseguia ver nitidamente o que tinha acontecido; que o relato foi que a cadela tinha sido incendiada; que a depoente solicitou a tosa dessa cachorrinha, porque precisava avaliar melhor as lesões; que viu que a parte da vulva dela já estava toda edemaciada, cheia de bolhas; que as “tetinhas” da cadela já estavam cozidas; que solicitou a tosa e constatou queimaduras; que essas queimaduras não eram lesões de agora; que uma queimadura que é recente, é possível observar pela vermelhidão; que o fuço dela não tinha nada de pelo; que inclusive em algumas partes do corpo não tinha; que em algumas partes do corpo, ela tinha lesões arredondadas com o tecido de cicatrização; que é um tecido que já é meio “escurinho” [...]; que as lesões eram próximas à cabeça e atrás, no pescoço; que a cadela estava com bastante hematomas pelo corpo; que o hematoma geralmente é causado quando bate; que não sabe como o fogo foi apagado; que tinha lesões recentes e antigas; que algumas lesões estavam em processo de cicatrização; que acredita que as queimaduras foram ocasionadas no dia, porque não tinha nada em cima da pele, estava no vivo mesmo; que os hematomas começam a aparecer a partir de 48 horas; que tinham partes vermelhas que estavam começando a aparecer e tinha partes pretas já; que no ânus da cadela, a depoente não sabe se foi introduzido algo; que quando levou a cadela para defecar, ela estava com o intestino cheio, mas as fezes não passavam na anatomia do ânus; que as fezes ficavam vindo “de lá para cá”; que fez um exame de ultrassom, onde viu que o abdômen estava com ar; que isso não vem de uma queimadura, por isso não sabe se foi feito alguma coisa no ânus dela; que o ânus dela não estava normal, em animais, ele precisa ficar bem fechado, porque vai soltar fezes; que o ânus dela estava com uma anatomia anormal; que uma parte estava lacerada; que para lacerar o ânus com fogo, é preciso que o fogo venha de dentro para fora, não de fora para dentro; que se for de fora para dentro, o ânus que está dilacerado vai apertar e ali não apertou; que a Marta levou a cachorrinha até a depoente; que não lembra se Marta falou se desconfiava de alguém, mas ela disse que foi com fogo; que reconhece as mensagens, é o telefone da depoente; que acha que as conversas eram com a Marta [...]; que em hipótese alguma poderia ser o relaxamento do esfíncter anal, pois ele só se dá após o óbito; que acredita que relaxamento do esfíncter anal não pode acontecer por anestesia, e também não foi dado anestésico nela; que já fez diversas cirurgias e isso nunca aconteceu; que a dilatação anal pode acontecer de um trauma ou um abuso; que não consegue precisar em dias exatos o tempo das lesões antigas; que levando em conta que um hematoma demora um tempo para cicatrizar, acredita que fazia semanas [...]; que o fato de introduzir um corpo estranho no ânus do animal pode causar o ar no intestino; que se isso aconteceu, precisa levar em consideração que a depoente não sabe o formato desse corpo estranho; que quando afere a temperatura, é um desconforto que tem no ânus, então ele vai ficar indo “para lá e para cá”, é desconfortável; que se introduzir um corpo estranho é normal que ele vá se movimentar e, dependendo do corpo estranho, ele vai ocasionar isso [...]; que em uma lateral do ânus estava um pouco melhor e na outra estava bem invertido [...] (sic, transcrição extraída do evento 93 da ação penal).
A informante M. L. F. B. detalhou no passo embrionário (fls. 18 do evento 1.1 do IP):
Que é tutora de um cachorro da raça poodle; Que no dia 31.05.2024, por volta das 11n50 min seu marido, Rildo José Beber, chegou em sua residência e encontrou o animal com o corpo todo em chamas; Que Rildo lhe relatou que estava chegando em casa para almoçar e encontrou o cachorro em chamas e que apagou o fogo e recolheu o animal; Que a depoente estava em seu trabalho e que Rildo foi lhe buscar e contou sobre o ocorrido; Que ao chegarem em casa, viram melhor a situação em que se encontrava o cachorro, e acharam por bem levar até a Clinica Veterinária Clinivet; Que na Clínica foram informados que as queimaduras se deram por ocasião de algum material inflamável que foi jogado no animal; Que o animal, no domingo a tarde, dia 02.05.2024 acabou falecendo em decorrência das queimaduras; Que em conversa com algumas pessoas que residem próximos obtiveram a informação de que seu filho Ronaldo Furlaneto Beber foi quem teria ateado fogo no animal: Que não sabe informar o nome das pessoas que viram mas sabe que trabalham em um Lavacar e no Sindicato próximo ao Colégio Jure na: Que procurou por câmeras de seguranças próximas a sua residência que pudesse ter capturado imagens do fato, porém não encontrou; Que seu filho é usuário de drogas dento inclusive tido sido internado por três vezes; Que questionou seu filho sobre autoria dos fatos, porém, Ronaldo sempre nega: Que questionada, disse que o cachorro era da depoente, e não detém qualquer pessoa como "Inimiga", que possa ter feito tal maldade; Que lhe foi informado sobre o direito de requerer Medidas Protetivas de Urgência, mas que a princípio a depoente não as deseja [...]
Judicialmente (vídeo 2 do evento 81 da ação penal), aduziu:
Que é mãe do Ronaldo; que no dia estava trabalhando; que quando o marido da depoente foi buscá-la, ele informou que alguém teria colocado fogo na Mel; que quando chegou em casa, a cadela estava queimada; que almoçou e levou a cadela na veterinária; que quando voltou para casa, saiu e foi perguntar para os vizinhos se alguém tinha visto alguma coisa; que ali no Sindicato, o homem que estava lá, falou que tinha sido o filho da depoente; que uma criança tinha visto e disse que foi o filho da depoente; que na época ficou em desespero, porque seu filho estava sendo tratado por ser dependente químico, ele estava realmente transtornado; que achava que seu filho não era capaz de fazer isso, se ele estivesse “normal”; que ele sempre foi com animais, nunca manifestou comportamento que a depoente suspeitasse dele fazer alguma coisa com os bichinhos; que acha que os crimes de estupro e outras coisas que a veterinária falou não existem, de maus-tratos, porque a cachorra não era maltratada; que tinha dado banho dois dias antes na cachorra e ela estava super bem; que ela tinha marca de maus-tratos, porque ela foi adotada; que a depoente pegou essa cachorra em Pato Branco, ela era uma cachorrinha de rua; que quando pegou ela, a cachorra tinha várias marcas de feridas; que tinha lugares que ela não tinha pelos e no lugar eram marcas de ferimento; que se ela foi estuprada antes de pegar a cachorrinha, não sabe, mas já fazia um ano que estava com ela; que por ter botado fogo, tipo por uma brincadeira; que pensou que ele fez tipo uma brincadeira ou uma outra coisa na cachorra; que na verdade queria investigar, queria saber quem foi; que foi a depoente que denunciou, mas seu filho não sabe; que não denunciou ele, só queria saber quem foi que fez isso, porque o bichinho não merecia; que o acusado na época, realmente estava transtornado, porque ele tinha voltado a tempo, mas tinha deixado ele dopado de medicamentos; que estava cuidando do acusado 24h, a depoente e seu marido; que tinham que cuidar do acusado, porque ele fugia; que estavam com medo dele; que a depoente não pode dizer que não foi ele, porque a depoente não estava em casa; que as pessoas falaram que foi ele [...]; que pegaram a cadelinha em 2023, antes do inverno [...]; que a cachorra já era velhinha; que não percebeu hematomas de espancamento; que tinha escovado ela, estava tomada banho; que a sogra da depoente disse que de manhã a cadela estava na cozinha; que se espancaram, foi quando pegaram ela; que quando saem de casa, o portão ergue e os cachorros dão uma fugidinha, mas logo voltam; que seu marido disse que no dia dos fatos, quando ele saiu de casa, a cadela fez isso; que ela tinha uma orelha diferente uma da outra, parecia que tinha sido cortada, mas não sabe dizer se foi de queimadura ou maus-tratos das cicatrizes e feridas que ela tinha; que se aconteceu os maus-tratos, foi nesse intervalo, tipo uma hora; que na sua casa, ela não sofreu maus-tratos; que não viu nenhum comportamento agressivo do Ronaldo; que seu marido só disse que tinham colocado fogo e que ela estava queimada; que pediu se ela estava muito queimada e o marido da depoente disse que era um pouco; que quando chegou em casa, ela estava toda queimada; que ela estava sofrendo e com bastante dor [...]; que confirma que o numeral 49 9 9980- 932 e alguma coisa é seu; que teve uma conversa com a Malena por WhatsApp [...]; que as pessoas disseram que viram o Ronaldo queimando o cachorro; que olharam as câmeras de segurança; que até agora, acha que seu filho não sabe que foi a depoente que denunciou; que o seu marido disse que era para deixar quieto, nem se envolver com polícia; que a depoente estava inconformada; que se fosse seu filho, preferia denunciar mesmo [...]; que não observou nada de estranho no ânus da cachorra, não estava mais alargado; que o ânus sempre esteve normal; que na sua casa, morava a depoente, o Ronaldo e o Rildo; que acredita que ele não teria feito isso; que por botar fogo, parece para a depoente que pode ter sido por alguma brincadeira ou uma bobeira, ele poderia ter feito, agora de estuprar, não; que na frente da casa da depoente, mora a avó; que são duas casas, de frente uma para a outra; que a cachorrinha ficava na casa da depoente e na casa da avó; que a avó disse que ela estava embaixo da mesa de manhã cedo; que a avó sabe que a cachorrinha nunca foi espancada; que o Ronaldo não ficava sozinho com a cachorra; que ali ela não foi espancada; que sabe, porque deu banho nela, o pelo dela estava lindo; que não notou nada de anormal nela nos dias anteriores [...]; que quando o seu neto vai brincar com os cachorros, o Ronaldo sempre fala que não é para “judiar” dos bichinhos (sic, transcrição extraída do evento 93 da ação penal).
Do mesmo modo, o informante Rildo José Beber historiou na etapa judicial (vídeo 2 do evento 81 da ação penal):
[...] que é pai do acusado; que nesse dia, o depoente estava na residência; que inclusive forneceu imagens para a Polícia Civil, mostrando que tinha um veículo em frente a um portão; que por volta das 11h da manhã, o depoente levou o Ronaldo até a elétrica Gubert para ajudar a buscar um carro que estava lá; que quando voltou, entrou na casa e fechou o portão, mas a cadela não estava mais lá dentro; que era de costume a cadela fugir; que de regra o portão ficava fechado, mas direto ela escapava, não dava para dar brecha; que quando fechou o portão percebeu que a cachorra não estava mais lá na casa; que seu filho chegou e encostou o veículo onde aparece no vídeo em frente ao portão; que pediu para seu filho ver onde ela estava; que em questão de minutos depois, a cadela apareceu debaixo do carro pegando fogo e seu filho tentava pegar ela; que o depoente rapidamente acionou a mangueira e apagou o fogo, até porque tinha o veículo que poderia causar danos maiores; que isso era quase 11h30min; que recolheu ela, trouxe para dentro, fizeram os primeiros socorros; que a Marta chegou do serviço e rapidamente levaram até a veterinária; que pediu para seu filho o que tinha acontecido; que o que o acusado contou e o depoente até olhou na câmera, porque tem o muro alto e com o carro estacionado, não conseguia ver; que o que ele contou, é que foi até o encontro da cadela e um rapaz passou correndo e logo em seguida veio a cachorrinha pegando fogo e indo embaixo do carro; que o depoente não viu, porque estava na parte interna [...]; que foi buscar informações com os vizinhos, mas eles desconversaram, ninguém disse nada [...]; que não lembra de ter conversado com a mulher que conversava do lava-rápido; que confirma que conversou com a mulher do lava-rápido e ela disse que era o rapaz que estava usando uma jaqueta preta; que no dia o Ronaldo tinha uma jaqueta preta; que no dia o Ronaldo permaneceu na casa, ele ajudou até tirar um pouco dos pelos que estavam queimados; que logo em seguida a sua esposa chegou e já levaram no veterinário; que a veterinária disse que a cadela tinha cheiro de óleo diesel; que o depoente diz, que se for de óleo diesel, ou tenha ocorrido no conserto lá das motosserras, porque é do lado do posto de combustível; que se fosse o acusado, o depoente não consegue visualizar como ele fez tudo isso em poucos minutos; que o depoente tirou a cadela da rua, lá de Pato Branco [...]; que a cadela já tinha um histórico de maus-tratos, antes do depoente adotar; que estão com a cadela há um ano, mais ou menos; que o trabalho do depoente é só final de semana, durante a semana está sempre em casa; que a mãe do depoente mora em anexo à casa dele, convivendo diariamente; que ela nunca reportou nada [...]; que os cachorros eram banhados uma vez por semana e não notaram nada de diferente; que pela pelagem dela, daria para notar facilmente uma batida; que para o depoente estava tudo certo, tudo normal; que mesmo com as pulgas, mesmo com o atropelamento de um tempo atrás, ela estava normal; que o atropelamento aconteceu uns 15 dias antes do ocorrido; que não chegaram a levar ela no veterinário [...]; que o Ronaldo era dependente químico e estava em fase de reabilitação; que ele tinha sido internado em uma clínica de reabilitação por duas vezes antes dos fatos; que posterior aos fatos não teve mais internamentos; que ele era usuário de maconha e esporadicamente ele usava cocaína; que não tem laudo dele com algum tipo de transtorno; que para o depoente ninguém falou diretamente que foi o Ronaldo que fez isso; que os comentários em volta, pela situação que ele estava na época, sobre o caso, recaíram nele; que inclusive a sua esposa [...]; que mora há bastante tempo neste local; que se dá bem com os vizinhos [...]; que não tem inimigos (sic, transcrição extraída do evento 93 da ação penal).
A testemunha Gecieli Ribeiro do Prado, confirmando seu depoimento da fase policial (fls. 24 do evento 1.1 do inquérito policial), esclareceu à autoridade judicial (vídeo 2 do evento 81 da ação penal):
[...] que naquele dia, era perto do meio-dia e estava entregando o último carro, do presidente do sindicato, quando sua filha falou que estava pegando fogo; que olharam, mas não tinha nada, só escutaram os gritos do cachorro e foram correndo; que viu o Ronaldo correndo e a cachorra atrás, pegando fogo; que depois entregou o carro, foi lá e viu o cachorrinho queimado embaixo do carro; que viu que Ronaldo chegou na casa, mas na verdade não conhecia ele; que viu o Ronaldo saindo correndo e a cachorrinha pegando fogo atrás e ele entrou; que depois viu Ronaldo dentro da casa, com a jaqueta preta; que não viu o rosto, mas pela fisionomia, tem certeza que era Ronaldo; que Ronaldo estava com uma calça preta e uma jaqueta preta de capuz; que até então não sabia quem era; que hoje tem certeza que era o Ronaldo, mas no dia não sabia quem era; que não tinha mais ninguém no local, só o Ronaldo; que sua filha falou que viu fogo [...]; que sua filha foi até a depoente e falou que viu fogo, foi quando a depoente escutou os gritos do cachorro e aquela bola de fogo; que correram e reagiram, vendo o acusado correndo e a cachorrinha atrás; que no local tinha cheiro de óleo diesel; que nunca viu o acusado batendo no animal, nem sabia quem ele era; que só viu após o cachorro estar pegando fogo [...]; que só viu o indivíduo de capuz; que depois que foi ver o cachorrinho embaixo do carro, a depoente viu que o acusado passou dentro da casa; que não viu o indivíduo usando boné [...] (sic, transcrição extraída do evento 93 da ação penal).
Por seu turno, o demandado R. F. B., sob o crivo do contraditório (vídeo 2 do evento 81 da ação penal), alegou:
[...] que as acusações não são verdadeiras; que tinham ido na mecânica, o interrogado e seu pai; que foram na elétrica pegar o carro vermelho; que deixou o carro fora de casa e permaneceu lá; que seu pai notou que a cachorra tinha fugido, e como o interrogado já estava lá fora, seu pai pediu para ele ir procurar; que foi até o final da rua, perto do sindicato; que viu um homem correndo em direção à casa do interrogado, ele passou o carro; que viu a cadela a uns 6 metros para trás pegando fogo; que correu atrás da cadela e ela foi para baixo do carro; que esse homem estava de jaqueta preta, calção, chinelo e boné; que não reconheceu o homem; que a cadela estava no mesmo sentido que o homem; que chamou a cadela e ela foi para baixo do carro; que gritou para seu pai e ele pegou a mangueira [...]; que levaram a cadela para dentro de casa e depois foi levada para o veterinário; que acha que as acusações foram em virtude de que o interrogado usava drogas, então suspeitaram que foi ele; que foi só o interrogado que viu esse homem correndo (sic, transcrição extraída do evento 93 da ação penal).
Para a autoridade policial (fls. 40 do evento 1.1 do IP), à época, asseverou:
[...] Que nega que tenha ateado fogo no cachorro; Que lhe foi mostrado as imagens das câmeras de segurança onde o interrogado reconhece que a pessoa que aparece nas imagens vestindo blusa preta é o próprio interrogado; Que questionado disse que estava ao lado de fora de sua residência no momento dos fatos; Que alega que viu uma outra pessoa de blusa preta com capuz; Que não viu esta pessoa ateando fogo no cachorro, porém viu ela correndo em direção a sua casa passando em frente ao portão da residência; Que não reconhece a pessoa em questão não sabendo descrever sua aparência [...]
Diante disso, o pleito de absolvição não encontra respaldo nos autos, especialmente porque o conjunto probatório colhido é forte e robusto ao apontar que o imputado perpetrou a conduta narrada na exordial acusatória.
No ponto, bem consignou o douto sentenciante:
[...]
No caso dos autos, a materialidade do crime está demonstrada pelas provas reunidas no Inquérito Policial 5000788-81.2024.8.24.0053, bem como nos depoimentos prestados em ambas as fases procedimentais.
Pontos centrais da materialidade são o relato da médica veterinária Malena Lazarin, bem como pelo Laudo Pericial n. 2024.29.00721.24.001-94.
A veterinária Malena Lazzarin, ao atender a cadela da família, da raça poodle, constatou um quadro de extrema gravidade. Em seu depoimento, relatou que o animal apresentava "queimaduras profundas em quase todo o corpo, principalmente na parte de baixo" , além de "hematomas na região toráxica e cervical, que indicavam lesões provocadas por pancadas em diferentes dias". O estado do animal era tão severo que, apesar dos esforços e do tratamento iniciado, ele não resistiu e veio a óbito em 2 de junho de 2024.
O atestado de atendimento elaborado pela médica veterinária Malena Lazarin assim narrou a condição da cachorra:
O Laudo Pericial corrobora de forma técnica e detalhada a brutalidade infligida ao animal. O exame constatou "queimaduras térmicas profundas" e determinou que a causa mortis se deu como consequência direta das queimaduras. Portanto, a existência do crime, em sua configuração mais gravosa, está devidamente demonstrada.
Conforme se depreende das imagens juntadas ao laudo, o sofrimento infligido à cachorra foi intenso e manifestamente cruel, resultando, como se viu, em seu óbito (ev. 1.5):
Nesse sentido, a materialidade do delito é indubitável.
II. 2 - Da autoria
A autoria é certa e recai em desfavor do réu.
O pai do réu, Rildo José Beber, relatou que no dia dos fatos, por volta das 11h40min, estava no pátio de casa quando percebeu "um rastro de algo pegando fogo" vindo da rua em direção à sua residência. Ao verificar, constatou que se tratava da cadela da família, que buscou refúgio, em chamas, embaixo de um veículo. Rildo conseguiu apagar o fogo utilizando uma mangueira.
Rildo foi categórico ao afirmar que a única pessoa que viu nas proximidades no momento do ocorrido foi seu filho, Ronaldo, que estava "‘na volta’, entrando e saindo do portão que dá acesso à rua". As suspeitas de Rildo se agravaram pelo fato de o réu possuir um "histórico de uso de drogas" e apresentar comportamento incomum.
A testemunha ocular Gecieli Ribeiro do Prado, que possui um lava-car nas proximidades, foi fundamental para a elucidação da autoria. Alertada por sua filha de quatro anos que gritou "vão colocar fogo no cachorro", Gecieli viu "um rapaz de jaqueta preta" atear fogo no animal e sair correndo. Ela descreveu que, após o ato, o mesmo rapaz se posicionou "acocado em frente ao portão da casa com as duas mãos na cabeça". Questionada, Gecieli afirmou com "plena certeza" que o rapaz que colocou fogo no cão era o mesmo que Rildo, momentos depois, conduziu para os fundos da casa.
A descrição da vestimenta do autor do crime é um ponto crucial que conecta o réu à cena. Rildo confirmou que seu filho Ronaldo, naquele dia e horário, estava usando uma jaqueta preta, mesma vestimenta descrita pela testemunha Gecieli.
Ademais, as imagens da câmera de vigilância da residência da família, embora não tenham captado o ato de atear fogo em si por conta da altura do muro, registraram momentos cruciais: "animal chegando em chamas no local" e, logo em seguida, a aproximação de Ronaldo "junto ao carro, onde o animal inicialmente se escondeu embaixo" , vindo do mesmo local de onde a cachorra surgiu.
A defesa, em suas alegações finais, pugnou pela absolvição por insuficiência de provas, argumentando que nenhuma testemunha viu o rosto do autor do crime no momento exato da ação.
Contudo, tal tese não se sustenta. O direito processual penal pátrio não exige a prova visual direta como única forma de comprovação da autoria, sendo a análise conjunta do acervo probatório suficiente para formar a convicção do julgador.
No presente caso, embora a testemunha Gecieli não tenha visto o rosto do indivíduo no exato instante em que ateava fogo, ela o viu de costas, descreveu suas vestes (jaqueta preta) e, ato contínuo, o viu correr e se acocar em frente ao portão da casa da vítima, local em que, instantes depois, o informante Rildo, interpelou Ronaldo - conforme se depreende das imagens juntadas aos autos. Gecieli ainda continua dizendo, sem hesitação, que este indivíduo era o mesmo que o pai do réu, Rildo, conduziu para o interior do terreno segundos depois.
A narrativa de Gecieli é integralmente corroborada pelos depoimentos de Rildo, que confirma a presença solitária do filho no local, o uso da jaqueta preta por ele, e pelas imagens das câmeras que mostram a sucessão de eventos: o cão em chamas seguido pela chegada de Ronaldo ao local onde o animal se escondeu.
A convergência de todos esses elementos – o testemunho ocular que identifica o autor pela sequência dos fatos e vestimentas, a confirmação das vestimentas pelo pai, a presença exclusiva do réu na cena do crime e o registro em vídeo de sua movimentação suspeita logo após o fato – cria um plexo probatório robusto e suficiente para afastar qualquer dúvida razoável sobre a autoria.
O réu negou, porém, sua negativa resta isolada e dissociada do conjunto probatório, pelo que não é elemento de prova hábil a descaracterizar a convicção pela necessidade de sua condenação. Nestes termos: TJSC, Apelação Criminal n. 5000817-35.2024.8.24.0085, do , rel. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, Quinta Câmara Criminal, j. 05-06-2025.
Diante do exposto, a condenação do réu R. F. B. pelo crime previsto no artigo 32, § 1º-A, c/c o § 2º, da Lei n. 9.605/98, é medida que se impõe (sic, evento 93 da ação penal).
Para corroborar tudo o que foi exposto, do caderno investigativo extraem-se as consequências dos maus-tratos sofridos pelo animal doméstico, conforme se pode vislumbrar do laudo pericial n. 2024.29.00721.24.001-94 (evento 1.5 do IP):
Nas imagens recebidas, verificaram-se no corpo do animal lesões cutâneas generalizadas, superficiais, de forma indefinida, planas, avermelhadas, compatíveis com queimaduras de primeiro grau. Em algumas áreas havia regiões enegrecidas, compatíveis com carbonização do tecido e causadas por queimaduras térmicas.
Segundo o “Atestado de Atendimento” elaborado pela médica veterinária, foi constatado no animal dor por todo o corpo, hematomas em cervical e tórax (trata-se, na verdade, de prováveis equimoses), desprendimento da pele em membros posteriores e anteriores, lesões sugestivas de queimadura em região facial, incluindo olhos, cavidade oral, vulva, região torácica e abdominal, como também secreção sanguinolenta em região anal. Não são descritas patologias de causa natural; o exame ultrassonográfico também não apontou patologias.
[...]
8 CONCLUSÃO
Tomando-se como referência as imagens e o “Atestado de Atendimento” recebidos, conclui-se que verificaram-se no animal vestígios compatíveis com queimaduras térmicas por ação de fogo e equimoses, que são causadas por energia de ordem física. [...]
E do atestado de atendimento médico-veterinário (fls. 23 do evento 1.1 do IP):
No atendimento clinico foi constatado: dor intensa em todo o corpo, hematomas na parte cervical, costal e torácica, espeçamento de pele em tórax e abdômen, desprendimento da pele em membros posteriores e anteriores, lesões sugestivas de queimadura na região facial, incluindo olhos, cavidade oral, orelha, vulva, região torácica, e abdominal, também apresentou deformidade anatômica em região anal, com secreção sanguinolenta.
Em razão de tal situação foi comunicado a polícia e realizado exame citológico e parasitológico direto que teve como resultado presença de bactérias bacilóides e discreta de bactérias cocoides e eritrócitos íntegros, também feito ultrassonografia anexada ao atestado de atendimento.
A paciente ficou em internação devido ao quadro delicado e prognóstico desfavorável até o dia 02/06/2024, sendo que, no referido dia, veio a óbito, por volta das 14:10.
A prova é categórica ao demonstrar a materialidade do delito de maus-tratos, porquanto as lesões ocasionadas no animal foram de extrema gravidade, consistindo em queimaduras extensas, hematomas e desprendimento de pele em diversas regiões do corpo, inclusive em áreas sensíveis, como olhos, cavidade oral, região anal e genital.
O atendimento médico-veterinário descreve dor intensa e quadro clínico delicado, de prognóstico reservado desde o primeiro momento. A permanência do animal em internação até o dia do óbito, aliada à evolução das lesões, evidencia que a morte foi consequência direta dos ferimentos infligidos, sendo este um desfecho previsível diante da extensão dos danos corporais.
Trata-se, pois, de um caso de maus-tratos marcado por intenso sofrimento, prolongado no tempo, já que o animal resistiu por dias em um quadro de dor aguda e progressiva. Essa circunstância confere à conduta analisada maior gravidade, não apenas pelo resultado da morte, mas também pela forma extremamente dolorosa com que este se produziu.
A autoria, igualmente, está comprovada por meio da prova coligida aos autos, a qual é uníssona no sentido de que o réu é o autor do delito.
A narrativa apresentada por Gecieli Ribeiro do Prado é integralmente corroborada pelo depoimento de Rildo José Beber, pai do acusado, que confirma a presença solitária de R. F. B. no local, bem como o fato de que este trajava uma jaqueta preta, a mesma veste da pessoa vista ateando fogo no cão. Além disso, as imagens provenientes das câmeras de segurança conferem robustez à prova (vídeos 7 e 8 do evento 1 do IP), ao registrarem a sucessão dos eventos, evidenciando, primeiramente, o cão em chamas e, logo após, a chegada de Ronaldo ao ponto em que o animal buscou refúgio.
Além do mais, mesmo que a defesa refute a existência de dolo direto de infligir maus-tratos com o fim de causar sofrimento ao animal, os elementos de convencimento constantes do caderno processual demonstram o contrário. Isso ocorre porque não foi apresentado qualquer indicativo robusto para desconstituí-los, apesar de esse ônus lhe ser imposto pelo art. 156, caput, do Código de Processo Penal.
Outro não é o entendimento deste TRIBUNAL DE JUSTIÇA Rua Álvaro Millen da Silveira, 208 - Bairro: Centro - CEP: 88020-901 - Fone: (48)3287-4843 - Email: wgabcbsb@tjsc.jus.br
Apelação Criminal Nº 5000974-07.2024.8.24.0053/SC
RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER
EMENTA
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. MAUS-TRATOS CONTRA ANIMAL DOMÉSTICO (LEI 9.605/1998, ART. 32, § 1º-A). MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS MANTIDAS. MAJORANTE DA MORTE DO ANIMAL. FRAÇÃO MÁXIMA JUSTIFICADA. REGIME INICIAL FECHADO. SÚMULA 719 DO STF. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Recurso de apelação interposto pela defesa contra sentença condenatória pela prática do crime de maus-tratos contra animal doméstico, previsto no art. 32, § 1º-A, da Lei 9.605/1998, com incidência da causa de aumento do § 2º em razão da morte do animal. A defesa pleiteia absolvição por insuficiência de provas e, subsidiariamente, (i) fixação da pena-base no mínimo legal, com afastamento da valoração negativa dos motivos, circunstâncias e consequências do crime, (ii) redução da fração da causa de aumento e (iii) alteração do regime inicial de cumprimento da pena para aberto.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há três questões em discussão:
(i) definir se as provas são suficientes para manter a condenação;
(ii) estabelecer se a dosimetria da pena comporta revisão quanto à pena-base e à fração de aumento;
(iii) determinar se o regime inicial de cumprimento da pena deve ser abrandado.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A materialidade do delito está comprovada pelo laudo pericial e atendimento veterinários, que atestam queimaduras extensas, hematomas, desprendimento de pele e sofrimento intenso do animal, culminando em óbito após dias de agonia.
4. A autoria está demonstrada pelos depoimentos testemunhais, inclusive do pai do acusado, e pelas imagens das câmeras de segurança, que confirmam a presença e conduta do réu no momento do crime.
5. A negativa de dolo não prospera, pois não houve apresentação de provas capazes de desconstituir os elementos de convencimento, cabendo à defesa esse ônus probatório (CPP, art. 156).
6. A valoração negativa dos motivos do crime é idônea, pois o réu agiu por mero sadismo, infligindo sofrimento gratuito a animal doméstico da própria família, circunstância de elevada reprovabilidade.
7. A exasperação da pena pela análise das circunstâncias do crime é legítima, pois a conduta foi premeditada, demonstrando frieza e planejamento do iter criminis, em consonância com a jurisprudência do STJ (Tema 1.318, REsp 2.174.008 e REsp 2.174.028).
8. A negativação das consequências do crime é adequada, pois o animal doméstico não teve morte imediata, permanecendo por dias em sofrimento extremo, quadro que transcende o resultado típico esperado do delito.
9. A aplicação da fração máxima da causa de aumento do art. 32, § 2º, da Lei 9.605/1998, mostra-se justificada diante do sofrimento prolongado e da crueldade da execução, em linha com a jurisprudência deste Tribunal.
10. O regime inicial fechado está fundamentado na presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, ainda que a pena seja inferior a 8 anos, em conformidade com o art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal e a Súmula 719 do STF.
IV. DISPOSITIVO E TESE
11. Recurso desprovido.
Tese de julgamento:
(a) A prova pericial, testemunhal e audiovisual robusta afasta a alegação de insuficiência probatória para absolvição em crime de maus-tratos contra animal.
(b) Os motivos fúteis e sádicos, a premeditação e as consequências cruéis do crime autorizam a exasperação da pena-base nos termos do art. 59 do Código Penal.
(c) O sofrimento prolongado do animal justifica a aplicação da fração máxima da causa de aumento do art. 32, § 2º, da Lei 9.605/1998.
(d) A fixação do regime inicial fechado é legítima quando fundamentada em circunstâncias judiciais negativas, mesmo com pena inferior a oito anos, conforme Súmula 719 do STF.
Dispositivos relevantes citados: Código Penal, arts. 33, §§ 2º e 3º, e 59; CPP, art. 156; Lei 9.605/1998, art. 32, §§ 1º-A e 2º.
Jurisprudência relevante citada: STF, Súmula 719; STJ, Tema 1.318 (REsp 2.174.008 e REsp 2.174.028); STJ, HC 541.177/AC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 4-2-2020; TJSC, Apelação Criminal n. 0000202-90.2018.8.24.0037, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, j. 7-2-2019; TJSC, Apelação Criminal n. 5001096-32.2024.8.24.0049, rel. Des. Sérgio Rizelo, j. 14-1-2025; TJSC, Revisão Criminal n. 5022262-44.2022.8.24.0000, j. 29-6-2022; TJSC, Apelação Criminal n. 5002446-58.2024.8.24.0533, rel. Des. Claudio Eduardo Regis de Figueiredo e Silva, j. 8-7-2025.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6890973v10 e do código CRC 66d83f85.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER
Data e Hora: 10/11/2025, às 16:02:26
5000974-07.2024.8.24.0053 6890973 .V10
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 06/11/2025 A 11/11/2025
Apelação Criminal Nº 5000974-07.2024.8.24.0053/SC
RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER
REVISOR: Desembargador LUIZ CESAR SCHWEITZER
PRESIDENTE: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER
PROCURADOR(A): DAVI DO ESPIRITO SANTO
Certifico que este processo foi incluído como item 22 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 21/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 06/11/2025 às 00:00 e encerrada em 10/11/2025 às 15:17.
Certifico que a 5ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER
Votante: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER
Votante: Desembargador LUIZ CESAR SCHWEITZER
Votante: Desembargador Substituto LEANDRO PASSIG MENDES
JOSÉ YVAN DA COSTA JÚNIOR
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 02:07:41.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas