Relator: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
Órgão julgador:
Data do julgamento: 11 de março de 2019
Ementa
EMBARGOS – Direito penal. Recurso em Habeas Corpus. Não recolhimento do valor de ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço. Tipicidade. 1. O contribuinte que deixa de recolher o valor do ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço apropria-se de valor de tributo, realizando o tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990. 2. Em primeiro lugar, uma interpretação semântica e sistemática da regra penal indica a adequação típica da conduta, pois a lei não faz diferenciação entre as espécies de sujeitos passivos tributários, exigindo apenas a cobrança do valor do tributo seguida da falta de seu recolhimento aos cofres públicos. 3. Em segundo lugar, uma interpretação histórica, a partir dos trabalhos legislativos, demonstra a intenção do Congresso Nacional de tipificar a conduta. De igual modo, do ponto de vista do direito comparado, constata-se não se tratar de excentricidade brasile...
(TJSC; Processo nº 5002037-23.2022.8.24.0058; Recurso: embargos; Relator: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 11 de março de 2019)
Texto completo da decisão
Documento:6967187 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5002037-23.2022.8.24.0058/SC
RELATOR: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
RELATÓRIO
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, por seu promotor de justiça Assis Marciel Kretzer, com fundamento no artigo 129, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil, e com base nas informações constantes no Inquérito Policial, promoveu ação penal pública em desfavor de M. E. R., imputando-lhe, em tese, a prática das normas incriminadoras, descritas nos seguintes termos (evento 1, DENUNCIA1):
[...]O denunciado, na condição de titular de 'VERVE MÓVEIS EIRELI', CNPJ n. 11.894.123/0001-30 e Inscrição Estadual n. 25.608.680-0, na época dos fatos estabelecida na Avenida dos Imigrantes, n. 1.700, Fundos, Bairro Progresso, em São Bento do Sul, atualmente cancelada2 , deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 41.171,40 (quarenta e um mil cento e setenta e um reais e quarenta centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante esse tipo de apropriação de valores em prejuízo ao estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação por meio do PGDAS-D (Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional – Declaratório) quanto aos meses de apuração de novembro e dezembro de 2018 e janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho e agosto de 2019, documentos geradores da Dívida Ativa n. 200001315253, inscrita em 16/03/2020. É de se registrar que o débito relacionado ao mês de novembro de 2018 foi objeto do Parcelamento n. 006, o qual foi cancelado, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional no período de 30/01/2019 a 19/05/2019, conforme preceitua o § 2º do art. 83 da Lei n. 9.430/96, com nova redação dada pelo art. 6º da Lei n. 12.382/11 (extratos anexos).
A denúncia foi recebida em 19-08-2022 (evento 3, DESPADEC1).
Após a regular instrução do processo criminal, a Juíza de Direito Leticia Bodanese Rodegheri Marafon proferiu sentença de procedência da denúncia, constando na parte dispositiva (evento 110, SENT1):
[...] Ante o exposto, nos termos do art. 387 do Código de Processo Penal, JULGO PROCEDENTE a denúncia de evento 1, DENUNCIA1 para CONDENAR o réu M. E. R., qualificado nos autos, ao cumprimento de 10 (dez) meses de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, por 10 (dez) vezes, em continuidade delitiva, na forma do art. 71 do Código Penal.
SUBSTITUO a pena privativa de liberdade aplicada por uma pena restritiva de direito, a saber, pena de prestação de serviços à comunidade, por tempo igual ao da pena corpórea substituída, à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, a ser cumprida na forma do art. 46 e seus §§ 1º a 4º, do Código Penal.
Condeno o réu ao pagamento das despesas processuais, já que assistido por advogado constituído nos autos e ausente a prova da hipossuficiência financeira. Defiro, desde logo e caso haja requerimento, o parcelamento em até três vezes mensais e consecutivas, nos termos do art. 5º Resolução CM n. 3 de 11 de março de 2019, observado o valor mínimo de cada parcela.
Concedo ao sentenciado o direito de recorrer em liberdade, se por outro motivo não estiver preso, uma vez que permaneceu nessa situação plena durante toda a instrução do processo, não existindo qualquer motivo que justifique a necessidade de aplicação de medida cautelar diversa de prisão, nem mesmo de prisão preventiva, por estarem ausentes os seus requisitos.
Deixo de fixar valor mínimo para a reparação de danos, nos termos do art. 387, inciso IV do CPP, ante a ausência de requerimento.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. [...]
A sentença foi publicada e registrada em 29-08-2025. Interposto embargos de declaração, foram rejeitados (evento 119, DESPADEC1). O acusado foi intimado quanto ao seu teor em 17-09-2025, por seu procurador constituído nos autos (evento 120 da origem).
Não resignado com a prestação jurisdicional entregue, a tempo e modo M. E. R. interpôs recurso. Nas razões recursais alega, em síntese, que o processo deveria ser anulado desde o recebimento da denúncia por ofensa aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, uma vez que a ação penal foi instaurada sem prévio inquérito policial, baseando-se exclusivamente em procedimento administrativo fiscal, o que violaria as garantias fundamentais previstas no art. 5º, incisos XXXV, LIV, LV e LVII da Constituição Federal; que o art. 2º, II, da Lei 8.137/90 seria inconstitucional por violar o art. 5º, LXVII da CF, que veda a prisão civil por dívida, transformando o inadimplemento tributário em crime e utilizando o Direito Penal como instrumento de cobrança de tributos; que o dispositivo também contrariaria o art. 7º do Pacto de São José da Costa Rica, que proíbe a detenção por dívidas, devendo prevalecer a norma internacional mais favorável ao réu; que a conduta seria atípica porque o tipo penal exige que o tributo seja "descontado ou cobrado" de terceiros, o que não ocorre no ICMS próprio regularmente declarado, configurando mero inadimplemento e não apropriação indébita; que, à luz do entendimento firmado pelo STF no RHC 163.334/SC (Tema 992), seria necessária a demonstração de dolo específico de apropriação e de contumácia delitiva, requisitos não comprovados no caso concreto, devendo tal entendimento retroagir por ser mais benéfico; que haveria ausência de justa causa para a ação penal, pois o valor do débito (R$ 41.171,40) seria inferior aos parâmetros legais de contumácia estabelecidos pela legislação estadual (Lei 17.878/2019 e Decreto 434/2020) e não atingiria o limite mínimo de R$ 1.000.000,00, além de estar abaixo do patamar de R$ 50.000,00 fixado pela Portaria GAB/PGE/SC nº 58/2021 para ajuizamento de execuções fiscais, devendo incidir o princípio da insignificância; que teria havido erro de proibição inevitável, pois à época dos fatos (2018/2019) não havia entendimento jurisprudencial pacificado sobre a criminalização da omissão no recolhimento de ICMS próprio, sendo que a definição clara dos requisitos só veio com o julgamento do STF em dezembro de 2019; que o tipo penal exigiria dolo específico nos moldes do art. 18, parágrafo único do Código Penal, sendo necessária a prova do animus rem sibi habendi (intenção de apropriação), conforme interpretação do HC 55.191/STF, elemento não demonstrado nos autos; que a sentença teria desconsiderado erroneamente a excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que as graves dificuldades financeiras da empresa foram amplamente comprovadas por documentos e testemunhas, tendo o apelante priorizado o pagamento de salários e encargos trabalhistas em cumprimento à função social da empresa e em observância ao art. 186 do CTN, que confere preferência aos créditos trabalhistas sobre os tributários, configurando estado de necessidade exculpante que afastaria a culpabilidade; e que a sentença teria violado os arts. 155, 156 e 197 do CPP ao não valorar adequadamente as provas documentais e testemunhais que demonstravam a situação de crise econômico-financeira, bem como os arts. 23 e 24 do Código Penal relativos às excludentes de culpabilidade e os arts. 5º, XXXV, LIV, LV e 170 da Constituição Federal (evento 133, RAZAPELA1).
O Ministério Público impugnou as razões recursais defensivas, requerendo o conhecimento e improvimento do recurso (evento 136, PROMOÇÃO1).
Lavrou parecer pela douta Procuradoria de Justiça Criminal o exmo. sr. dr. procurador de justiça Rogério A. Da Luz Bertoncini que opinou pelo conhecimento e pelo desprovimento do apelo manejado pela defesa (evento 15, PARECER1).
É, no essencial, o relatório.
assinado por CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA, Juiz de Direito de Segundo Grau, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6967187v9 e do código CRC f26cffc8.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
Data e Hora: 03/11/2025, às 18:01:00
5002037-23.2022.8.24.0058 6967187 .V9
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:36:44.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas
Documento:6967189 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5002037-23.2022.8.24.0058/SC
RELATOR: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
VOTO
A defesa insurge-se contra o decisum a quo que condenou o acusado pela prática do crime previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, por 10 (dez) vezes, em continuidade delitiva, na forma do art. 71 do Código Penal, fixando-lhe a pena de 10 (dez) meses de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos.
O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
1. DAS PRELIMINARES
1.1. Nulidade do processo por ausência de Inquérito Policial
A defesa sustenta que o procedimento fiscal não poderia ser automaticamente convertido em prova penal, sob pena de subversão das garantias constitucionais e transformação do processo em mero simulacro de contraditório.
A tese não merece acolhimento.
O inquérito policial é dispensável quando existem outros elementos capazes de reunir os indícios de autoria e materialidade do fato para deflagrar a respectiva ação penal, conforme previsto nos arts. 12 e 39, §5º, do Código de Processo Penal.
No caso concreto, o Ministério Público instaurou a Notícia de Fato n. 01.2021.00016469-2 com base em representação fiscal encaminhada pela Secretaria de Estado da Fazenda, procedimento este expressamente previsto no art. 83, §2º, da Lei n. 9.430/96, que estabelece a representação fiscal como elemento idôneo para embasar o oferecimento da denúncia nos crimes contra a ordem tributária.
A denúncia descreveu de forma pormenorizada a conduta delituosa do acusado, indicando os períodos de apuração (novembro e dezembro de 2018 e janeiro a agosto de 2019), os valores não recolhidos (R$ 41.171,40), a qualificação completa do réu como titular e administrador da empresa VERVE MÓVEIS EIRELI EPP, e anexou documentação fiscal suficiente para demonstrar a materialidade e os indícios de autoria.
A jurisprudência é pacífica no sentido de que os elementos produzidos no procedimento administrativo fiscal podem subsidiar a condenação, em razão do contraditório diferido para a ação penal, sem que isso viole a disposição do art. 155 do Código de Processo Penal:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (LEI 8.137/90, ART. 1º, INC. II). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PEÇA DE ADITAMENTO ÀS CONTRARRAZÕES. IMPOSSIBILIDADE EM DECORRÊNCIA DO PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE E DA PRECLUSÃO CONSUMATIVA. PEDIDOS APRESENTADAS EM CONTRARRAZÕES. AVENTADA NULIDADE POR AUSÊNCIA DE PRÉVIO INQUÉRITO POLICIAL. OFERECIMENTO DA DENÚNCIA QUE PRESCINDE DE ANTERIOR INVESTIGAÇÃO FORMAL. AUTUAÇÃO FISCAL DA QUAL O CONTRIBUINTE FOI CIENTIFICADO PARA EVENTUAL RECLAMAÇÃO ADMINISTRATIVA. CONSTITUIÇÃO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO QUE DEVE SER COMUNICADA AO MINISTÉRIO PÚBLICO E AUTORIZA A DEFLAGRAÇÃO DE ACUSAÇÃO POR CRIME FISCAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. CONDUTA DELITUOSA DESCRITA COM CLAREZA NA INCOATIVA E LASTREADA NA APURAÇÃO INTENTADA PELA AUTORIDADE FISCAL. CONDIÇÃO CONTRATUAL DE SÓCIO ADMINISTRADOR QUE PERMITE A INCLUSÃO NO POLO PASSIVO. POSSIBILIDADE DE ACEITAÇÃO DE NARRATIVA GENÉRICA ANTE AS PARTICULARIDADES DO DELITO E DIFICULDADE DE IMEDIATA INDIVIDUAÇÃO DA CONDUTA. MÉRITO. MATERIALIDADE COMPROVADA. FRAUDE CONSTATADA PELA AUTORIDADE FISCAL QUE CONSISTIU NA ESCRITURAÇÃO DE CRÉDITO DE ICMS DECORRENTE DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA SEM COMPROVAÇÃO DE ORIGEM. INSERÇÃO DE ELEMENTO SEM LASTRO EM LIVRO EXIGIDO PELA LEI FISCAL, COM INTUITO DE FRAUDAR A FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA E REDUZIR OU SUPRIMIR TRIBUTO DEVIDO AO ERÁRIO. FRAUDE CARACTERIZADA. ABSOLVIÇÃO NA ORIGEM CALCADA NA AUSÊNCIA DE PROVA DA AUTORIA. ACUSADOS CONTRATUALMENTE SÓCIOS ADMINISTRADORES DA PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIDADE PELO CORRETO PAGAMENTO DOS TRIBUTOS. ALEGAÇÃO DE QUE A FUNÇÃO ERA EXERCIDA POR CORRÉU FALECIDO NÃO COMPROVADA. ÔNUS DA DEFESA. AUTORIA PATENTEADA NOS AUTOS. AÇÃO PENAL QUE NÃO SE CONFUNDE COM EXECUÇÃO FISCAL, TRATANDO-SE DE APURAÇÃO DE CONDUTA CRIMINOSA E NÃO DE MERA INADIMPLÊNCIA TRIBUTÁRIA. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS DE RESTRIÇÃO AO PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE, LEI COMPLEMENTAR 87/96 E LEI ESTADUAL 10.927/06. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES DESTA CORTE. ABSOLVIÇÃO POR ESTADO DE NECESSIDADE OU INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA, POIS O NÃO RECOLHIMENTO DO IMPOSTO DECORREU DAS DIFICULDADES FINANCEIRAS ENFRENTADAS PELA EMPRESA. INVIABILIDADE NA HIPÓTESE DE CRIME TRIBUTÁRIO PRATICADO MEDIANTE FRAUDE. ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA, ADEMAIS, QUE EFETIVAMENTE DEVE SER PROTEGIDA, POIS A SONEGAÇÃO DE IMPOSTOS AFETA, DIRETA E INDIRETAMENTE, OS OBJETIVOS CONSTITUCIONAIS DO ESTADO BRASILEIRO, À MEDIDA QUE DESESTRUTURA ECONOMICAMENTE O APARELHO GOVERNAMENTAL VOLTADO À CONCRETIZAÇÃO DAQUELES DIREITOS E GARANTIAS. CONDUTAS CRIMINOSAS QUE, ALÉM DE CAUSAREM IMEDIATO PREJUÍZO A INTEGRIDADE PATRIMONIAL DO ERÁRIO (LESANDO A FUNÇÃO PÚBLICA DA ARRECADAÇÃO), ACABAM POR INVIABILIZAR A MANUTENÇÃO OU IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DESTINADAS A BENEFICIAR TODA A POPULAÇÃO. BEM JURÍDICO PROTEGIDO PELA NORMA INCRIMINADORA QUE, EM VERDADE, É A COLETIVIDADE DIFUSA DE CIDADÃOS SUBMETIDOS AO SISTEMA TRIBUTÁRIO VIOLADO, QUE SÃO DE FATO LESADOS PELO ILÍCITO. CONDENAÇÕES DOS ACUSADOS QUE SE IMPÕE. [...] RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO; EX OFFICIO DECLARADA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. (TJSC, Apelação Criminal n. 2013.064641-1, de Joinville, rel. Des. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 16/12/2014)
Ademais, o contraditório e a ampla defesa foram plenamente assegurados ao longo de toda a instrução processual, com apresentação de resposta à acusação, oitiva de testemunhas arroladas pela defesa, interrogatório do réu e alegações finais, não havendo qualquer prejuízo à defesa.
Rejeito a preliminar.
1.2. Inconstitucionalidade do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90 e Violação ao Pacto de San José da Costa Rica
A defesa alega que o tipo penal seria inconstitucional por violar o art. 5º, LXVII, da Constituição Federal e o art. 7º, item 7, do Pacto de San José da Costa Rica, ao criminalizar o mero inadimplemento tributário, configurando prisão civil por dívida.
As teses não procedem.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 999.425/SC, com repercussão geral (Tema 937), decidiu expressamente que os crimes previstos na Lei 8.137/1990 não violam o disposto no art. 5º, LXVII, da Constituição Federal, declarando a constitucionalidade do tipo penal:
PENAL E CONSTITUCIONAL. CRIMES PREVISTOS NA LEI 8.137/1990. PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA. OFENSA AO ART. 5º, LXVII, DA CONSTITUIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. I - O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da matéria debatida nos presentes autos, para reafirmar a jurisprudência desta Corte, no sentido de que a os crimes previstos na Lei 8.137/1990 não violam o disposto no art. 5º, LXVII, da Constituição. II - Julgamento de mérito conforme precedentes. III - Recurso extraordinário desprovido.
(ARE 999425 RG, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 02-03-2017, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 15-03-2017 PUBLIC 16-03-2017)
A finalidade da legislação não é instituir prisão civil por dívida, vedada pela Constituição Federal. O legislador quis criminalizar a conduta daquele que não recolhe tributos devidos ao Estado, apropriando-se indevidamente desses valores, cominando pena privativa de liberdade como sanção pelo ilícito penal praticado, e não como meio de forçar o pagamento do débito fiscal.
No julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 163.334/SC, cujo acórdão foi publicado em novembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a constitucionalidade do tipo penal e decidiu que:
Ementa: Direito penal. Recurso em Habeas Corpus. Não recolhimento do valor de ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço. Tipicidade. 1. O contribuinte que deixa de recolher o valor do ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço apropria-se de valor de tributo, realizando o tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990. 2. Em primeiro lugar, uma interpretação semântica e sistemática da regra penal indica a adequação típica da conduta, pois a lei não faz diferenciação entre as espécies de sujeitos passivos tributários, exigindo apenas a cobrança do valor do tributo seguida da falta de seu recolhimento aos cofres públicos. 3. Em segundo lugar, uma interpretação histórica, a partir dos trabalhos legislativos, demonstra a intenção do Congresso Nacional de tipificar a conduta. De igual modo, do ponto de vista do direito comparado, constata-se não se tratar de excentricidade brasileira, pois se encontram tipos penais assemelhados em países como Itália, Portugal e EUA. 4. Em terceiro lugar, uma interpretação teleológica voltada à proteção da ordem tributária e uma interpretação atenta às consequências da decisão conduzem ao reconhecimento da tipicidade da conduta. Por um lado, a apropriação indébita do ICMS, o tributo mais sonegado do País, gera graves danos ao erário e à livre concorrência. Por outro lado, é virtualmente impossível que alguém seja preso por esse delito. 5. Impõe-se, porém, uma interpretação restritiva do tipo, de modo que somente se considera criminosa a inadimplência sistemática, contumaz, verdadeiro modus operandi do empresário, seja para enriquecimento ilícito, para lesar a concorrência ou para financiar as próprias atividades. 6. A caracterização do crime depende da demonstração do dolo de apropriação, a ser apurado a partir de circunstâncias objetivas factuais, tais como o inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos, a venda de produtos abaixo do preço de custo, a criação de obstáculos à fiscalização, a utilização de “laranjas” no quadro societário, a falta de tentativa de regularização dos débitos, o encerramento irregular das suas atividades, a existência de débitos inscritos em dívida ativa em valor superior ao capital social integralizado etc. 7. Recurso desprovido. 8. Fixação da seguinte tese: O contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.
(RHC 163334, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 18-12-2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-271 DIVULG 12-11-2020 PUBLIC 13-11-2020)
Quanto à alegada violação ao Pacto de San José da Costa Rica, o tratado tem status supralegal no direito brasileiro e prevê a ilegalidade da prisão por dívida civil, exceto a relacionada a alimentos. Todavia, no caso dos autos, a conduta denunciada não está protegida pelo referido diploma, uma vez que se trata de sanção decorrente de ação penal, e não de cobrança de dívida civil.
O possui entendimento consolidado nesse sentido:
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 2º, II, DA LEI 8.137/90, POR TRÊS VEZES, NA FORMA DOS ARTIGOS 69 E 71 DO CÓDIGO PENAL. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS. SENTENÇA CONDENATÓRIA, COM A EXCLUSÃO DO CONCURSO MATERIAL. RECURSO DA DEFESA. PREJUDICIAL DE MÉRITO. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, II, DA LEI 8.137/90 E OFENSA AO PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA, ANTE A PROIBIÇÃO DE PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA. DESCABIMENTO. FALTA DE RECOLHIMENTO DE IMPOSTO ELEVADO À CATEGORIA DE CRIME. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE QUE NÃO SE CONFUNDE COM PRISÃO CIVIL. CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E POR ESTA CORTE. [...]. (Apelação n. 0910766-42.2014.8.24.0038, de Joinville, Terceira Câmara Criminal, Rel. Des. Ernani Guetten de Almeida, j. em 09/08/2016).
Logo, rejeito as preliminares.
2. DO MÉRITO.
2.1. Atipicidade da conduta - mero inadimplemento fiscal
A defesa sustenta que a conduta do apelante configuraria mero inadimplemento tributário, sem tipicidade penal, uma vez que os valores foram regularmente declarados nas DIMEs.
Sem razão.
A conduta tipificada no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90 não se confunde com simples inadimplemento fiscal. O tipo penal criminaliza especificamente a conduta de deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação tributária.
O ICMS é tributo de natureza indireta, no qual o ônus financeiro recai sobre o consumidor final (contribuinte de fato), cabendo ao comerciante ou prestador de serviço (contribuinte de direito) apenas a função de arrecadar e repassar os valores ao Fisco.
No caso concreto, o apelante, na qualidade de titular e administrador da empresa VERVE MÓVEIS EIRELI EPP, recebeu dos consumidores finais os valores relativos ao ICMS embutidos no preço das mercadorias, declarou regularmente esses valores nas DIMEs (Declaração de Informações do ICMS e Movimento Econômico), mas deixou de repassá-los aos cofres públicos no prazo legal, apropriando-se indevidamente de valores que não lhe pertenciam.
O fato de ter declarado os tributos devidos não afasta a tipicidade da conduta. Como decidiu o Superior , rel. Carlos Alberto Civinski, Primeira Câmara Criminal, j. 11-05-2023).
Cumpre destacar que o art. 408, do Anexo 06, Título II, do Regulamento do ICMS do Estado de Santa Catarina, não se aplica ao caso.
Tal dispositivo prevê como contribuinte contumaz aquele que deixa de recolher imposto declarado por, no mínimo, oito períodos de apuração, ou que possui créditos tributários em dívida ativa em valores muito superiores aos constantes nos autos.
É importante ressaltar a autonomia e independência entre as esferas cível, administrativa e penal, de modo que a responsabilização em cada uma delas pode ocorrer sem configurar bis in idem.
Nesta sentido:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO FISCAL [ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/90]. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. PRELIMINAR. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DO NOM BIS IN IDEM. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO QUE NÃO INTERFERE NA AÇÃO PENAL, SENDO INDEPENDENTE. ALIÁS, AÇÃO PENAL QUE PRESCINDE DO EXAURIMENTO DA ESFERA ADMINISTRATIVA. [...] (ACr n. 0900561-43.2016.8.24.0018, rel. Desa. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, j. 5-3-2020).
A jurisprudência reforça que o art. 408 do RICMS/SC não exclui a tipicidade penal da conduta:
APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/90, NA FORMA DO ART. 71, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. MÉRITO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. AVENTADA ATIPICIDADE DAS CONDUTAS. RECORRENTE QUE, NA CONDIÇÃO DE SÓCIA E ADMINISTRADORA DA EMPRESA, DEIXA DE RECOLHER AOS COFRES PÚBLICOS, NO PRAZO LEGAL, O VALOR DO ICMS DECLARADO. MERO INADIMPLEMENTO. IMPROPRIEDADE. TRIBUTO INDIRETO, COBRADO OU DESCONTADO DE TERCEIRO, PORQUANTO EMBUTIDO NO PREÇO FINAL DA MERCADORIA. CONTUMÁCIA E DOLO ESPECÍFICO DE APROPRIAÇÃO EXTRAÍDOS DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. DECRETO N. 434/2020 DO GOVERNO DO ESTADO APLICÁVEL SOMENTE À ESFERA ADMINISTRATIVA. SEARA CRIMINAL INDEPENDENTE. EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE POR INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA 11ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITAJAÍ - REGIONAL DA ORDEM TRIBUTÁRIA Rua Uruguai, 222, Centro, Itajaí/SC – CEP 88.302-901 - Fone: (47) 3158-3511 itajai11pj@mpsc.mp.br – www.mpsc.mp.br 14-17 INVIÁVEL. 1 O delito previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90 consiste na conduta de não repassar ao Estado aquilo que lhe é de direito por força de lei - máxime nos casos em que trata de tributos indiretos -, em que o consumidor final é quem, de fato, efetua o seu pagamento, de modo que o sujeito passivo da obrigação figura somente como mero intermediário.2 O Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, assentou que "o contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990" (RHC n. 163.334/SC, rel. Min. Roberto Barroso, j. em 18/12/2019).3 Se demonstrado que o não recolhimento dos tributos ocorria de forma reiterada e contumaz, tem-se como configurado o dolo específico de apropriação. 4 "O conceito de deixar de recolher tributos 'de forma contumaz' não se confunde com o de 'devedor contumaz' definido pelo Poder Executivo nos termos do art. 408 do Anexo 6 do RICMS/SC-01" (TJSC, Apelação Criminal n. 5053889-49.2022.8.24.0038, rel. Des. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. em 22/8/2023).[...] (ACr n. 5011610-03.2020.8.24.0011, j. 21-3-2024- grifo nosso).
Assim, não se aplica à esfera penal o regulamento estadual de caráter administrativo, tendo em vista a competência exclusiva da União para legislar sobre matéria penal.
Ademais, a Lei n. 8.866/94, de natureza civil, não implicou abolitio criminis da conduta prevista no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, que permanece apta à persecução penal.
Portanto, devidamente configurados o dolo de apropriação e a contumácia da inadimplência, patente a configuração do crime previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90.
Logo, rejeito a tese.
2.3. Ausência de justa causa - falta de materialidade
A defesa sustenta ausência de justa causa para o exercício da ação penal em razão de insuficiência probatória da materialidade delitiva.
A tese confunde-se com alegação de mérito e não merece acolhimento.
A materialidade encontra-se plenamente comprovada pelos seguintes elementos:
a) Notícia-crime n. 2160000000710 encaminhada pela Secretaria de Estado da Fazenda ao Ministério Público;
b) Termo de inscrição em dívida ativa indicando débito de R$ 41.171,40;
c) Demonstrativo detalhado dos débitos relativos aos meses de novembro e dezembro de 2018 e janeiro a agosto de 2019;
d) Extratos do PGDAS-D (Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional – Declaratório), comprovando que os valores foram declarados pelo sujeito passivo mas não recolhidos;
e) Contrato social da empresa VERVE MÓVEIS EIRELI EPP, demonstrando que o apelante figurava como titular e administrador;
f) Prova oral produzida em juízo, com oitiva de testemunhas que confirmaram a atuação do apelante como responsável pela empresa;
g) Confissão do próprio apelante em interrogatório judicial, admitindo que deixou de recolher os tributos.
A autoria também está plenamente demonstrada. O apelante figura como titular e administrador da empresa na cláusula sexta do contrato social, confessou os fatos em juízo e foi apontado pelas testemunhas como o responsável pela gestão empresarial.
Logo, rejeito a tese.
2.4. Aplicação do princípio da insignificância
A defesa pugna pelo reconhecimento do princípio da insignificância, alegando que o valor do tributo (R$ 41.171,40) seria inferior ao limite de R$ 50.000,00 estabelecido pela Portaria PGE/SC nº 58/2021 para ajuizamento de execuções fiscais.
Sem razão.
Precisamente no que tange ao princípio da insignificância, a Lei Estadual nº 12.646/03 fixou o valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) como parâmetro para o ajuizamento da Dívida Ativa. Veja-se:
"Art. 5º Independentemente do transcurso do prazo prescricional, não será encaminhada à Procuradoria Geral do Estado para ajuizamento a Dívida Ativa:
I - de valor inscrito até R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), relativa ao ICMS, exceto quando decorrente de multas não proporcionais ao valor do imposto ou da mercadoria; e
[...]
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica quando, em face do mesmo devedor, sobrevierem outras dívidas cujo somatório ultrapasse o referido valor, quando então serão emitidas e encaminhadas as respectivas Certidões de Dívida Ativa."
Já a Lei Estadual n. 15.856/2012 - que visa promover a regularização de débitos tributários inadimplidos, tais como ICM, ICMS, IPVA e ITCMD, vigente de 03.08.2012 até 28.12.2017, previa, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) como parâmetro para o ajuizamento de Execução Fiscal. Extrai-se: "Art. 16. A Procuradoria-Geral do Estado fica dispensada de ajuizar execução cujo montante, em nome do devedor, não exceda a R$ 5.000,00 (cinco mil reais)".
Por sua vez, com o advento da Lei n. 17.427/2017, em seu art. 35, alterou o art. 16 da Lei n. 15.856/2012, ao estipular o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), como parâmetro facultativo inicial para o ajuizamento de Execução Fiscal pelo Procurador do Estado. Veja-se: "Art. 35. O art. 16 da Lei nº 15.856, de 2012, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 16. A Procuradoria-Geral do Estado fica dispensada de ajuizar execução cujo montante, em nome do devedor, não exceda a R$ 20.000,00 (vinte mil reais)."
Aqui, importante mencionar que "a diferença central entre os dois dispositivos está na discricionariedade conferida ao Procurador do Estado, uma vez que a Lei n. 15.856/2012 (alterada pela Lei n. 17.427/2017) confere a ele o poder de escolha, dispensando a propositura da ação nos casos previstos em lei. Por sua vez, a Lei n. 12.646/2003 é taxativa, pois estabelece que as dívidas inferiores ao valor previsto não serão executadas". (TJSC, Apelação Criminal n. 0900004-75.2019.8.24.0010, do , rel. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 01-06-2023).
Neste sentido, nos crimes contra a ordem tributária na esfera estadual, este , rel. Antônio Zoldan da Veiga, Quinta Câmara Criminal, j. 06-06-2024) - grifou-se.
Logo, os valores apresentados na denúncia a título de não recolhimento do ICMS pelo acusado ultrapassam os R$ 2.500,00 previstos na Lei Estadual n. 12.643/2003.
Aliás, a Portaria GAB/PGE n. 58/2021 representa mero ato normativo interno, destinado a ordenar os serviços executados por servidores vinculados à Procuradoria-Geral do Estado. Ou seja, os parâmetros ali estabelecidos são uma referência administrativa, visando à otimização das judicializações no âmbito cível, com fins que não se voltam à definição na esfera penal.
A propósito: "a) de fato, o atual parâmetro para aferição do princípio da insignificância em delitos tributários é aquele disposto na Lei Estadual n. 12.643/ 2003, ou seja, R$ 2.500,00 (vide TJSC: ACrim n. 0000493-17.2014.8.24.0139, Des. Ricardo Roesler; ACrim n. 5016450-40.2021.8.24.0005, Des. Ana Lia Moura Lisboa Carneiro; e ACrim n. 0900032-11.2017.8.24.0011, Des. Sidney Eloy Dalabrida); b) a tal Portaria n. 58/2021, do Gabinete do Procurador-Geral do Estado, ao que mais me parece, tão somente estabeleceu "em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) o valor mínimo para ajuizamento de ação de cobrança da dívida ativa do Estado e de suas autarquias e fundações de direito público", e nada mais. VALE DIZER: consoante clássica lição de Direito, simples portaria não tem o condão de fazer lei, tampouco revogá-la. Aliás, boa hora para recordar a também clássica pirâmide hierárquica das normas." (TJSC, Apelação Criminal n. 5007636-39.2021.8.24.0005, do , rel. Júlio César Machado Ferreira de Melo, Terceira Câmara Criminal, j. 25-04-2023).
Logo, rejeito a tese.
2.5. Erro de proibição
A defesa sustenta a ocorrência de erro de proibição, alegando que nos anos de 2018/2019 não havia entendimento jurisprudencial pacificado sobre a criminalização da omissão no recolhimento do ICMS, gerando incerteza sobre a ilicitude da conduta.
A tese não procede.
O tipo penal previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90 está em vigor desde 10 de abril de 2000, descrevendo de forma clara e objetiva a conduta criminosa de "deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos".
A eventual existência de divergência jurisprudencial sobre aspectos específicos da aplicação do tipo penal não retira a abrangência e eficácia da norma penal vigente, não podendo o réu se servir de tal argumento para se esquivar da responsabilidade tributária e criminal imposta.
O apelante, na condição de empresário e administrador de pessoa jurídica, tinha plena ciência de suas obrigações tributárias, incluindo o dever legal de recolher e repassar ao Fisco os valores de ICMS cobrados dos consumidores.
O erro de proibição, previsto no art. 21 do Código Penal, pressupõe situação excepcional em que o agente, por erro plenamente justificável, desconhece a ilicitude de sua conduta. Não se configura quando há mera divergência doutrinária ou jurisprudencial sobre aspectos técnicos da aplicação do tipo penal.
A jurisprudência é pacífica nesse sentido:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO FISCAL EM CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/90 C/C ART. 71, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE. OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PREJUDICIAL REJEITADA. MÉRITO. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA, ATIPICIDADE DA CONDUTA, AUSÊNCIA DE DOLO E DE LESIVIDADE DA CONDUTA. ALEGADAS MERA INADIMPLÊNCIA DE DÉBITO FISCAL E ERRO DE TIPO. TESES REFUTADAS. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS) DECLARADO MAS NÃO RECOLHIDO. PROVA DOCUMENTAL SUFICIENTE NESSE SENTIDO. CONFIGURAÇÃO DELITIVA A PARTIR DO MOMENTO QUE DEIXA DE RECOLHER O IMPOSTO NO PRAZO LEGAL. DOLO DE APROPRIAÇÃO CONFIGURADO PELA OMISSÃO DO ACUSADO EM REPASSAR OS VALORES DEVIDAMENTE COBRADOS DOS CONSUMIDORES AO FISCO. CONTUMÁCIA DA PRÁTICA DENOTADA A PARTIR DAS CONDUTAS REALIZADAS DE FORMA REITERADA, SEM BUSCAR OUTROS MEIOS PARA CONTENÇÃO DE EVENTUAL CRISE FINANCEIRA. IMPOSTO INDIRETO. PAGAMENTO SOFRIDO PELO CONSUMIDOR FINAL (CONTRIBUINTE DE FATO) E NÃO PELA EMPRESA (CONTRIBUINTE DE DIREITO), QUE TEM APENAS O DEVER DE ARRECADAR E REPASSAR O RESPECTIVO VALOR AO FISCO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA DO ACUSADO. MANUTENÇÃO DO ÉDITO CONDENATÓRIO QUE SE IMPÕE. PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA. PLEITO A SER EFETUADO E APRECIADO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. PEDIDO NÃO CONHECIDO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, DESPROVIDO. (TJSC, ApCrim 5016618-75.2023.8.24.0036, 4ª Câmara Criminal, Relator para Acórdão JOSÉ EVERALDO SILVA, julgado em 28/08/2025)
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO FISCAL EM CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 1.º, INCS. I E V, DA LEI N. 8.137/90, C/C O ART. 71, CAPUT, DO CP). PRELIMINARES. ARGUIDA A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2.º, INC. II, DA LEI N. 8.137/90. DISPOSITIVO PELO QUAL O RÉU NÃO FOI DENUNCIADO, TAMPOUCO CONDENADO E EM NADA ALTERA O RUMO DO FEITO. CRIME QUESTIONADO, ADEMAIS, QUE É CONSIDERADO CONSTITUCIONAL. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. PREFACIAL REPELIDA. ALEGADA INVALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS CÍVEL E PENAL. DISCUSSÕES REFERENTES AO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO QUE NÃO INTERFEREM NO CRIME EM ESTUDO. PRELIMINAR AFASTADA. NULIDADE DA SENTENÇA. ALEGADA AUSÊNCIA DE APRECIAÇÃO DE TESES DEFENSIVAS E CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. DECISUM QUE TROUXE DEVIDAMENTE OS MOTIVOS QUE LEVARAM AO NÃO ACOLHIMENTO DOS PLEITOS LEVANTADOS EM ALEGAÇÕES FINAIS. PRESCINDIBILIDADE DE REBATER EXPRESSAMENTE, PONTO A PONTO, AS QUESTÕES TRAZIDAS PELA DEFESA. EIVA REJEITADA. MÉRITO. SUSTENTADA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. MATERIALIDADE COMPROVADA PELA CONSULTA DA CONTA CORRENTE DO CONTRIBUINTE, INFORMANDO A INSCRIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO EM DÍVIDA ATIVA. AUTORIA E DOLO EVIDENCIADOS PELA CÓPIA DO CONTRATO SOCIAL DA EMPRESA E PELA PROVA ORAL AMEALHADA AOS AUTOS. TESE DEFENSIVA DE QUE O RESPONSÁVEL PELAS DECLARAÇÕES DO ICMS E DO MOVIMENTO ECONÔMICO ERA O CONTADOR QUE SE ENCONTRA ISOLADA NOS AUTOS E DESPROVIDA DE QUALQUER PROVA. PLEITO INACOLHIDO. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. DIFICULDADES FINANCEIRAS DA PESSOA JURÍDICA. TESE QUE NEM SEQUER FOI COMPROVADA. EXEGESE DO ART. 156, CAPUT, DO CPP. REQUERIMENTO AFASTADO. EXCLUDENTES DO ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO. INOCORRÊNCIA. DOLO DO ACUSADO PERFEITAMENTE CONFIGURADO AO SE APROPRIAR DO TRIBUTO PAGO PELO CONSUMIDOR, NÃO INFORMANDO AO FISCO O SEU RECOLHIMENTO. PRETENSÕES REPELIDAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA INAPLICÁVEL. QUANTUM SONEGADO ELEVADO. VALOR DEVIDO QUE DEVE ABRANGER NÃO SÓ O IMPOSTO, MAS AS MULTAS E JUROS DELE DECORRENTES. PRECEDENTES DESTA CORTE. PLEITO NEGADO. HONORÁRIOS. ALMEJADA A MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA DE ACORDO COM A TABELA ESTIPULADA PELA OAB/SC. IMPOSSIBILIDADE. QUANTUM FIXADO PELO MAGISTRADO QUE ENGLOBA A DEFESA EM PRIMEIRO GRAU E A EVENTUAL INTERPOSIÇÃO OU ACOMPANHAMENTO DE RECURSO. VALOR ALMEJADO, ADEMAIS, QUE É SUGERIDO AOS DEFENSORES CONSTITUÍDOS. RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO. (TJSC, ApCrim 0000.20.12.088373-1, 3ª Câmara Criminal, Relator ALEXANDRE D'IVANENKO, D.E. 18/06/2013)
No caso concreto, o apelante tinha pleno conhecimento da ilicitude de sua conduta, tanto que declarou regularmente os valores devidos nas DIMEs, mas conscientemente optou por não repassá-los ao Fisco, utilizando-os para outras finalidades.
Rejeito a tese.
2.6. Ausência de demonstração do animus rem sibi habendi
A defesa sustenta que o crime de apropriação indébita tributária exigiria a demonstração do animus rem sibi habendi (dolo específico de apropriação definitiva), o qual não teria sido comprovado nos autos.
A tese não merece acolhida.
O tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90 não exige dolo específico, contentando-se com o dolo genérico, consubstanciado na vontade livre e consciente de deixar de recolher aos cofres públicos o tributo descontado ou cobrado do contribuinte.
Como bem pontuado pelo Ministério Público em suas contrarrazões: "Como se vê, o tópico ora em apreço se confunde com os itens "3.2" e "3.3" quando foram rebatidas as tese da defesa acerca da inconstitucionalidade e atipicidade do artigo 2º, II, da Lei 8.137/90".
No caso concreto, o dolo genérico restou sobejamente demonstrado pela confissão judicial do réu, que admitiu ter deixado conscientemente de recolher os tributos descontados durante dez meses consecutivos (novembro-dezembro/2018 e janeiro-agosto/2019), utilizando os valores para outras finalidades empresariais.
A conduta dolosa está caracterizada pela consciência e vontade de não repassar aos cofres públicos valores que jamais pertenceram ao contribuinte-empresa, mas ao Estado, tendo sido apenas recolhidos/descontados em razão da sistemática da substituição tributária.
Logo, rejeito a tese.
2.7. Excludente de culpabilidade - inexigibilidade de conduta diversa
Por fim, alega a defesa que as dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa configurariam causa supralegal de exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa.
A tese não prospera.
A excludente da inexigibilidade de conduta diversa aplica-se a situações excepcionalíssimas em que, diante das circunstâncias concretas, não se poderia exigir do agente comportamento conforme o direito. Trata-se de hipótese residual e de aplicação restritíssima.
Dificuldades financeiras empresariais não configuram causa de exclusão da culpabilidade no crime de apropriação indébita tributária. E a razão é singela: o ICMS é tributo indireto, cujo ônus econômico é suportado integralmente pelo consumidor final. A empresa atua como mera depositária e repassadora de valores que nunca integraram seu patrimônio.
Conforme assinalado na sentença e reiterado pelo Ministério Público, o réu confessou que optou deliberadamente por utilizar os valores dos tributos para custear despesas operacionais da empresa, em detrimento do recolhimento aos cofres públicos. Trata-se de escolha consciente e reprovável, não de situação que escape ao controle do agente.
A jurisprudência é pacífica no sentido de que dificuldades financeiras não elidem a culpabilidade em crimes tributários:
[...] IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS) DECLARADO MAS NÃO RECOLHIDO. PROVA DOCUMENTAL SUFICIENTE NESSE SENTIDO. CONFIGURAÇÃO DELITIVA A PARTIR DO MOMENTO QUE DEIXA DE RECOLHER O IMPOSTO NO PRAZO LEGAL. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA E ESTADO DE NECESSIDADE, EM RAZÃO DE DIFICULDADES FINANCEIRAS DA EMPRESA NÃO ACOLHIDOS. IMPOSTO INDIRETO (ICMS). PAGAMENTO SOFRIDO PELO CONSUMIDOR FINAL (CONTRIBUINTE DE FATO) E NÃO PELA EMPRESA (CONTRIBUINTE DE DIREITO), QUE TEM APENAS O DEVER DE ARRECADAR E REPASSAR O RESPECTIVO VALOR AO FISCO. EMPRESA QUE SE ENCONTRAVA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DEVEDOR OU SEUS ADMINISTRADORES QUE SERÃO MANTIDOS NA CONDUÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL, SOB FISCALIZAÇÃO DO COMITÊ, SE HOUVER, E DO ADMINISTRADOR JUDICIAL. EXEGESE DO ART. 64, CAPUT, DA LEI N. 11.101/05. MANUTENÇÃO DO ÉDITO CONDENATÓRIO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJSC, Apelação Criminal n. 0900604-03.2018.8.24.0020, do , rel. José Everaldo Silva, Quarta Câmara Criminal, j. 08-07-2021).
Ademais, a contumácia delitiva (dez meses consecutivos de não recolhimento) e a existência de outro processo criminal pelo mesmo crime demonstram que não se trata de situação excepcional, mas de prática reiterada e consciente.
Logo, rejeito a tese.
2.8. Prequestionamento
Acerca do prequestionamento suscitado, "[...] é dispensável que a decisão se refira expressamente a todos os dispositivos legais citados, bastando, para tal propósito, o exame da matéria pertinente, o que supre a necessidade de prequestionamento e viabiliza o acesso às instâncias superiores". (STJ - REsp n. 1.276.369/RS, Corte Especial, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 15/08/2013)". (TJSC, Embargos de Declaração n. 0001504-36.2017.8.24.0023, da Capital, rel. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 19-11-2020).
3. DISPOSITIVO
Isto posto, voto no sentido de conhecer e desprover o recurso, nos termos da fundamentação.
assinado por CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA, Desembargador Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6967189v43 e do código CRC 328c7071.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
Data e Hora: 11/11/2025, às 15:39:33
5002037-23.2022.8.24.0058 6967189 .V43
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:36:44.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas
Documento:6967188 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5002037-23.2022.8.24.0058/SC
RELATOR: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 2º, II, DA LEI Nº 8.137/90, POR 10 VEZES, EM CONTINUIDADE DELITIVA - ART. 71 DO CP). SENTENÇA CONDENATÓRIA.
RECURSO DA DEFESA.
PRELIMINARES.
(1) NULIDADE DO PROCESSO POR AUSÊNCIA DE INQUÉRITO POLICIAL. INQUÉRITO DISPENSÁVEL QUANDO PRESENTES ELEMENTOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE. REPRESENTAÇÃO FISCAL APTA A EMBASAR A DENÚNCIA. ARTS. 12 E 39, §5º, DO CPP. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA ASSEGURADOS NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR REJEITADA.
(2) INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, II, DA LEI Nº 8.137/90 E VIOLAÇÃO AO PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA. CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF EM REPERCUSSÃO GERAL (ARE 999.425/SC - TEMA 937). SANÇÃO PENAL QUE NÃO SE CONFUNDE COM PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA. PRELIMINARES REJEITADAS.
MÉRITO.
(1) alegação de ATIPICIDADE DA CONDUTA pelo MERO INADIMPLEMENTO FISCAL. NÃO ACOLHIMENTO. CONDUTA QUE SE DIFERENCIA DO SIMPLES INADIMPLEMENTO. ICMS DECLARADO, porém NÃO RECOLHIDO. TRIBUTO INDIRETO SUPORTADO PELO CONSUMIDOR FINAL. EMPRESA COMO MERA REPASSADORA DOS VALORES AO FISCO. APROPRIAÇÃO INDEVIDA CARACTERIZADA. MATERIALIDADE COMPROVADA. TESE REJEITADA.
(2) pleito de reconhecimento da ATIPICIDADE POR AUSÊNCIA DE DOLO E CONTUMÁCIA DELITIVA. DOLO CONFIGURADO. OMISSÃO DELIBERADA NO RECOLHIMENTO DOS TRIBUTOS. CONTUMÁCIA EVIDENCIADA PELA REITERAÇÃO DA CONDUTA POR 10 MESES CONSECUTIVOS. CONFISSÃO DO RÉU. DÉBITO DE R$ 41.171,40. DOLO DE APROPRIAÇÃO DEMONSTRADO. PRECEDENTES DO STF (RHC 163.334/SC) E DESTA CORTE. ART. 408 DO RICMS/SC INAPLICÁVEL À ESFERA PENAL. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA E CRIMINAL. TESE AFASTADA.
(3) arguição de AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA pela FALTA DE MATERIALIDADE. CONFUSÃO COM O MÉRITO. MATERIALIDADE AMPLAMENTE COMPROVADA pelos DOCUMENTOS FISCAIS, TERMOS DE INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA, EXTRATOS DO PGDAS-D E CONFISSÃO JUDICIAL. AUTORIA INCONTROVERSA. TESE REJEITADA.
(4) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. VALOR SONEGADO (R$ 41.171,40) QUE SUPERA O PATAMAR DE R$ 2.500,00 ESTABELECIDO PELA LEI ESTADUAL Nº 12.646/03. PORTARIA PGE/SC Nº 58/2021 (R$ 50.000,00) CONSTITUI MERO ATO ADMINISTRATIVO INTERNO SEM REFLEXOS NA ESFERA PENAL. PRECEDENTES. TESE RECHAÇADA.
(5) ERRO DE PROIBIÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. TIPO PENAL VIGENTE DESDE 1990. DESCRIÇÃO CLARA E OBJETIVA DA CONDUTA CRIMINOSA. RÉU, NA QUALIDADE DE EMPRESÁRIO, que POSSUÍA PLENA CIÊNCIA DE SUAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZA ERRO PLENAMENTE JUSTIFICÁVEL. TESE REJEITADA.
(6) AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO ANIMUS REM SIBI HABENDI. DESACOLHIMENTO. TIPO PENAL QUE EXIGE o DOLO como VONTADE LIVRE E CONSCIENTE DE NÃO RECOLHER O TRIBUTO. DOLO COMPROVADO PELA CONFISSÃO JUDICIAL E REITERAÇÃO DA CONDUTA POR 10 MESES CONSECUTIVOS. TESE AFASTADA.
(7) EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE - INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. IMPOSSIBILIDADE. DIFICULDADES FINANCEIRAS QUE NÃO ELIDEM A CULPABILIDADE EM CRIMES TRIBUTÁRIOS. ICMS COMO TRIBUTO INDIRETO SUPORTADO PELO CONSUMIDOR FINAL. EMPRESA COMO MERA DEPOSITÁRIA E REPASSADORA. OPÇÃO DELIBERADA DO RÉU EM UTILIZAR OS VALORES PARA OUTRAS FINALIDADES. CONTUMÁCIA DELITIVA E EXISTÊNCIA DE OUTRO PROCESSO PELO MESMO CRIME. PRÁTICA REITERADA E CONSCIENTE. PRECEDENTES. TESE REJEITADA.
(8) PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE DE REFERÊNCIA EXPRESSA A TODOS OS DISPOSITIVOS LEGAIS SUSCITADOS. SUFICIENTE O EXAME DA MATÉRIA PERTINENTE. ACESSO ÀS INSTÂNCIAS SUPERIORES VIABILIZADO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, conhecer e desprover o recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA, Desembargador Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6967188v9 e do código CRC fa1e08c8.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
Data e Hora: 11/11/2025, às 15:39:33
5002037-23.2022.8.24.0058 6967188 .V9
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:36:44.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas
Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 11/11/2025
Apelação Criminal Nº 5002037-23.2022.8.24.0058/SC
RELATOR: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
REVISOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA
PRESIDENTE: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
PROCURADOR(A): EDUARDO PALADINO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 11/11/2025, na sequência 193, disponibilizada no DJe de 27/10/2025.
Certifico que a 3ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER E DESPROVER O RECURSO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
Votante: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
Votante: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA
Votante: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
POLLIANA CORREA MORAIS
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:36:44.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas