RECURSO – Documento:6930938 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 5003431-75.2025.8.24.0538/SC RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA RELATÓRIO Na comarca de Joinville, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra T. F. Z. (com 30 anos de idade à época) pela suposta prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, em razão do seguinte fato criminoso: [...] No dia 11 de julho de 2025, por volta da 13h00min, na Rua Waldemiro José Borges, nº 1219, Boehmerwald, nesta cidade, o denunciado T. F. Z., plenamente ciente da ilicitude de sua conduta e agindo com vontade dirigida à prática da infração penal, mantinha em depósito, com o intuito de fornecer ou vender, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, cerca de 23,1 gramas de substância análoga à crack, dividida em 102 porções, 11,5 gramas d...
(TJSC; Processo nº 5003431-75.2025.8.24.0538; Recurso: recurso; Relator: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 11 de julho de 2025)
Texto completo da decisão
Documento:6930938 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5003431-75.2025.8.24.0538/SC
RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA
RELATÓRIO
Na comarca de Joinville, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra T. F. Z. (com 30 anos de idade à época) pela suposta prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, em razão do seguinte fato criminoso:
[...] No dia 11 de julho de 2025, por volta da 13h00min, na Rua Waldemiro José Borges, nº 1219, Boehmerwald, nesta cidade, o denunciado T. F. Z., plenamente ciente da ilicitude de sua conduta e agindo com vontade dirigida à prática da infração penal, mantinha em depósito, com o intuito de fornecer ou vender, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, cerca de 23,1 gramas de substância análoga à crack, dividida em 102 porções, 11,5 gramas de substância análoga à cocaína, dividida em 40 porções, 1,8 comprimido (com embalagem) de substância análoga ao ecstasy, sendo 3 comprimidos, 21,6 gramas de substância análoga à cocaína em uma porção, e 9,5 gramas de substância análoga à cocaína. Em sua posse foi apreendido, ainda, um aparelho celular, a quantia de R$ 1.628,00 (mil seiscentos e vinte e oito reais), e três balanças, tudo voltado à atividade de narcotraficância.
Conforme se extrai dos elementos informativos constantes nos autos, a guarnição policial realizava rondas pela Rua Waldemiro José Borges, quando percebeu dois homens em atitude suspeita, em frente ao condomínio Espazio Juventus, em que um deles entregava algo ao outro. Ao se aproximarem, os agentes reconheceram o denunciado por integrar organização criminosa PGC (Primeiro Grupo Catarinense), além de já ter sido abordado por crime de tráfico no Residencial Trentino.
Procederam então com a abordagem, sendo possível observar pela janela do apartamento do denunciado uma caixa sobre a mesa contendo diversas drogas fracionadas, um aparelho celular, R$ 1.628,00 e três balanças de precisão (Evento 1, boletim de ocorrência 2, fl. 8 [...] (evento 1, DENUNCIA2)
Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente, consignando a parte dispositiva da sentença:
[...] Julgo procedente a denúncia para condenar T. F. Z. ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 5 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de 583 dias-multa, já valorados, por infração ao art. 33, caput, da Lei 11.343/2006. [...] (evento 98, SENT1)
Inconformada com a prestação jurisdicional entregue, a defesa interpôs recurso de apelação, no qual requer, em síntese, o reconhecimento da ilicitude das provas obtidas mediante ingresso domiciliar sem mandado judicial ou situação de flagrante delito, com a consequente absolvição por insuficiência probatória. Subsidiariamente, pleiteia o reconhecimento da causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, com a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos ou, alternativamente, a fixação de regime prisional mais brando (evento 107, RAZAPELA1).
Foram apresentadas as contrarrazões (evento 114, PROMOÇÃO1).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Dr. Ernani Dutra, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto (evento 8, DOC1).
É o relatório.
assinado por ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6930938v4 e do código CRC 9eec763d.
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Documento:6946666 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5003431-75.2025.8.24.0538/SC
RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA
VOTO
Trata-se de recurso de apelação que visa obter a reforma integral da sentença condenatória proferida pelo juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Joinville, que condenou T. F. Z. à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de tráfico de drogas, previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006.
O recurso, como próprio e tempestivo, deve ser conhecido.
1 - Preliminar
No plano preliminar, a defesa sustenta a nulidade absoluta da prova obtida mediante ingresso policial no domicílio do réu sem mandado judicial e sem a configuração de flagrante delito, em violação ao disposto no art. 5º, XI, da Constituição Federal. Argumenta que a entrada dos agentes no imóvel foi realizada sem justa causa, sem autorização válida do morador e sem qualquer urgência concreta que justificasse a medida, caracterizando, segundo a tese defensiva, uma típica “fishing expedition”.
Invoca, para tanto, jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior há mais de uma década, perfeitamente cabível sua condenação ao crime de organização criminosa.III - Dado o caráter sigiloso das facções criminosas, sua organização, objetivos e formas de atuação, artifício utilizado para proteger as próprias ações ilegais do grupo, a obtenção de mensagens e áudios dando conta da participação dos apelantes em ações da facção são suficientes para demonstrar seus envolvimentos na organização, mormente quando os agentes policiais responsáveis pela investigação são firmes e coerentes ao imputar a responsabilidade penal ao acusado.APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - INSURGÊNCIA CONTRA A DOSIMETRIA APLICADA - CULPABILIDADE - PLEITO DE VALORAÇÃO EM AMBOS OS DELITOS - ACUSADO QUE APROVEITA DO REGIME ABERTO PARA PRATICAR CRIMES - ACOLHIMENTO.Transcende à normalidade do tipo penal, e por isso autoriza a exasperação da pena no vetor culpabilidade, o fato do réu aproveitar a fruição de regime de resgate penal mais flexível para voltar a delinquir ao invés de ressocializar, sendo flagrado na posse de quantidade de entorpecente e integrando facção criminosa.NEGATIVAÇÃO DA CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME - DELITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA - EXASPERAÇÃO DECORRENTE DA NATUREZA DA FACÇÃO CRIMINOSA - POSSIBILIDADE - ORGANIZAÇÃO INDICADA NA DENÚNCIA QUE É DE ALTA PERICULOSIDADE - NATUREZA DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA NÃO ELEMENTAR DO TIPO PENAL - EMPREGO DE FRAÇÃO SUPERIOR A 1/6 (UM SEXTO).I - Não se mostra exagerada uma maior reprovabilidade à conduta daquele que faz parte de uma grande organização criminosa, cujo funcionamento e influência atravessam a fronteira de diversos estados e as atividades que pratica se ramificam entre diversas espécies de delitos, chegando até mesmo a organizar grandes rebeliões em presídios e atentados contra a população e órgãos de segurança pública. É dizer, quanto maior e mais perigosa à sociedade uma facção, mais grave é a conduta daquele que a integra.II - Forte no princípio da individualização da pena, previsto no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, o qual impõe ao Estado-juiz o dever de estabelecer a pena exata e merecida para cada situação, admite-se a adoção de percentual superior a 1/6 (um sexto) para exasperar a pena-base quando adotada fundamentação concreta.RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO E RECURSO ACUSATÓRIO PROVIDO.
Portanto, afasta-se a nulidade arguida.
2 - Mérito
A defesa, em suas razões recursais, pugna pela aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, alegando que o apelante não se dedica a atividades criminosas nem integra organização criminosa, sendo, portanto, merecedor do benefício do chamado tráfico privilegiado. Sustenta, ainda, que os elementos constantes dos autos não seriam suficientes para afastar tal benesse, especialmente por se tratar de réu primário, com bons antecedentes e conduta colaborativa durante o processo.
Contudo, sorte não lhe socorre.
Infere-se dos autos que, no dia 11 de julho de 2025, por volta das 13h, na Rua Waldemiro José Borges, n. 1219, bairro Boehmerwald, na cidade de Joinville/SC, o acusado T. F. Z. foi abordado por guarnição da Polícia Militar enquanto se encontrava em frente ao Condomínio Espazio Juventus, em companhia de outro indivíduo. A abordagem decorreu de fundada suspeita, uma vez que os policiais visualizaram movimentação atípica entre os dois homens, com troca de objeto e comportamento nervoso ao avistarem a viatura. Thiago, já conhecido dos agentes por seu envolvimento com o tráfico de drogas na região, especialmente no Residencial Trentino, foi identificado como integrante da facção criminosa denominada Primeiro Grupo Catarinense (PGC).
Durante a revista pessoal, nada de ilícito foi encontrado com os abordados. Contudo, Thiago estava de posse da chave de uma motocicleta, cuja existência ele inicialmente negou. Após diligências junto a moradores do condomínio, confirmou-se que Thiago residia no local e que a motocicleta estava estacionada na vaga vinculada ao apartamento 101 do bloco 4. A entrada no condomínio foi autorizada pela portaria, e ao se aproximar da unidade habitacional, o policial Gilson Pinheiro de Oliveira Júnior visualizou, através da janela da cozinha, uma caixa sobre a mesa contendo substâncias entorpecentes fracionadas e embaladas, prontas para comercialização.
Diante da situação de flagrante delito, os policiais adentraram o imóvel, cuja porta estava destrancada e sem ocupantes no momento, e procederam à apreensão de 102 porções de substância análoga a crack (totalizando 23,1g), 40 porções de cocaína (11,5g), outras porções adicionais de cocaína (21,6g e 9,5g), três comprimidos de substância semelhante a ecstasy (1,7g), além de R$ 1.628,00 (um mil seiscentos e vinte e oito reais) em espécie, três balanças de precisão, um aparelho celular e diversos pacotes tipo ziplock.
A materialidade delitiva foi robustamente demonstrada por meio do Auto de Prisão em Flagrante, Boletim de Ocorrência, Auto de Exibição e Apreensão, Auto de Constatação Preliminar (evento 1, P_FLAGRANTE1), Laudo Pericial n. 2025.01.07720.25.002-50 (evento 18, LAUDO1) e em toda prova oral angariada durante a persecução criminal.
A autoria, por sua vez, emerge com nitidez dos depoimentos dos policiais militares Rudá Silveira Carlos Caminha e Gilson Pinheiro de Oliveira Júnior, os quais, em ambas as fases procedimentais, foram coerentes e convergentes ao descreverem a dinâmica dos fatos e a conduta do réu, inclusive mencionando que este já havia sido abordado em outras ocasiões por envolvimento com o tráfico.
Diante do conjunto probatório, o juízo de origem reconheceu a prática do delito previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, afastando, contudo, a incidência da causa especial de diminuição de pena prevista no §4º do mesmo dispositivo, ao fundamento de que o apelante se dedicaria à atividade criminosa e teria envolvimento com facção criminosa.
No que tange ao pleito de reconhecimento do tráfico privilegiado, a pretensão não encontra amparo na prova dos autos.
Como cediço, a aplicação da minorante exige o preenchimento cumulativo de quatro requisitos: primariedade, bons antecedentes, não dedicação à atividade criminosa e não integração a organização criminosa. Embora o recorrente ostente primariedade formal e não haja registro de maus antecedentes com trânsito em julgado, os elementos colhidos ao longo da instrução revelam, com clareza, a habitualidade delitiva e a dedicação à narcotraficância.
No que concerne à dedicação a atividades criminosas, tem-se a seguinte lição (GRECO FILHO, Vicente; Rassi, Daniel. Lei de Drogas Anotada. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 103):
Dedicar-se, segundos os dicionários, é 'consagrar sua afeição e/ou seus serviços a alguém; consagrar-se; dar-se', o que significa um certo grau de habitualidade, ainda que não exclusiva; integrar significa 'juntar-se; fazer parte integrante, participar de'. E essas circunstância, ainda que não exclusiva habitualidade e a participação como membro da organização criminosa, devem ser provas suficientemente para a exclusão do benefício.
Outrossim, anota Cesar Dario Mariano da Silva (Lei de Drogas Comentada. São Paulo: Atlas, 2011, p. 70):
Dedicar-se a atividades criminosas pressupõe reiteração de condutas tipificadas como crime, ou seja, habitualidade no cometimento de delitos. Tal circunstância poderá ser demonstrada por meio de folhas de antecedentes criminais, certidões cartorárias, cópias de outras processos, testemunhas, ou seja, qualquer meio hábil a provar a vida criminosa do acusado ou condenado. Como a norma não diz qual espécie de atividade criminosa, poderá ser qualquer uma, desde que, obviamente, não se trate de delitos culposos, que pressupõem ausência de vontade. A norma visa a impedir a redução da pena para aquele que de forma habitual e deliberada pratica qualquer espécie de crime. Com efeito, aquele que faz da vida criminosa seu modo de vida não é merecedor do redutor.
No caso em tela, os elementos colhidos ao longo da instrução processual afastam, de forma categórica, a possibilidade de aplicação da minorante. A abordagem policial, realizada em contexto de patrulhamento ostensivo, revelou dois indivíduos em atitude suspeita, sendo um deles — o ora apelante — prontamente reconhecido pelos agentes como pessoa já conhecida por envolvimento com o tráfico de drogas no Residencial Trentino, além de apontado como integrante da facção criminosa denominada Primeiro Grupo Catarinense (PGC). Tal reconhecimento não se deu de forma genérica ou infundada, mas decorre de abordagens anteriores e da atuação reiterada do apelante em locais sabidamente utilizados para a prática de tráfico.
A diligência policial, que culminou na apreensão de substâncias entorpecentes, balanças de precisão, dinheiro fracionado e aparelho celular, revelou não apenas a posse de drogas, mas a existência de um verdadeiro aparato voltado à mercancia ilícita. A droga estava fracionada e acondicionada em embalagens típicas de comercialização, o que, por si só, já indica finalidade mercantil. Ademais, o dinheiro apreendido — em espécie e em notas trocadas — reforça a tese de que o réu mantinha atividade contínua de venda de entorpecentes.
O conteúdo extraído do aparelho celular apreendido com o réu é especialmente revelador. As mensagens ali encontradas não se limitam a conversas esparsas ou pontuais, mas revelam uma rotina de negociações, com uso de linguagem própria do tráfico, referência a valores, tipos de substâncias, logística de entrega e, sobretudo, interação com estruturas típicas de organização criminosa. Há menção ao “Disciplina” — figura hierárquica dentro da facção — e ao “CDC” — cadastro de devedores —, elementos que não apenas indicam vínculo com o PGC, mas demonstram inserção funcional e ativa na engrenagem criminosa.
A propósito, veja-se:
A conduta do apelante, portanto, não se amolda ao perfil de traficante eventual ou amador, mas sim àquele que se insere em estrutura criminosa organizada, com atuação reiterada e profissionalizada. A quantidade e variedade das substâncias apreendidas, o modo de acondicionamento, os instrumentos utilizados para pesagem e fracionamento, o dinheiro em espécie e, sobretudo, os diálogos extraídos do celular, compõem um quadro probatório que afasta, de forma categórica, a aplicação do tráfico privilegiado.
Por tais razões, impõe-se o afastamento do pleito defensivo, mantendo-se incólume a sentença.
Em casos semelhantes, esta Corte de Justiça já decidiu:
1) Apelação Criminal n. 0005915-82.2017.8.24.0004, de Araranguá, rel. Des. Sidney Eloy Dalabrida, j. 23.08.2018:
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06). CONDENAÇÃO. RECURSO DEFENSIVO. [...]. DOSIMETRIA. APLICAÇÃO DA REDUTORA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. EXISTÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES EM TORNO DA DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. [...]. 3 Os requisitos previstos no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 são cumulativos, razão pela qual, comprovada a dedicação a atividades criminosas, resta inviável a aplicação da minorante. [...].
2) Apelação Criminal n. 0006099-62.2019.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, j. 22.08.2019:
APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06). RECURSOS DA DEFESA E MINISTÉRIO PÚBLICO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS NÃO CONTESTADAS. DOSIMETRIA. ALEGAÇÃO DEFENSIVA DE BIS IN IDEM, EM RAZÃO DA QUANTIDADE DO ENTORPECENTE TER SIDO UTILIZADA PARA EXASPERAR A PENA-BASE E COMO CRITÉRIO PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4° DO ARTIGO 33 DA LEI DE TÓXICOS. NÃO OCORRÊNCIA. EXASPERAÇÃO NA PRIMEIRA FASE PROCEDIDA CORRETAMENTE PELA MAGISTRADA A QUO. NO MAIS, QUANTIDADE EXACERBADA E VARIEDADE DE ENTORPECENTES, ALIADA A OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS, QUE TAMBÉM OBSTAM A APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA EM APREÇO. [...]. 1. "[...] "Não configura bis in idem a utilização da quantidade e da natureza da droga apreendida, concomitantemente, na primeira etapa da dosimetria, para exasperar a pena-base e, na terceira, para justificar o afastamento da causa especial de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, quando evidenciado o envolvimento habitual do agente no comércio ilícito de entorpecentes, sendo essa hipótese distinta da julgada, em repercussão geral, pela Suprema Corte no ARE 666.334/AM. Precedentes" (STJ, HC n. 420.904, Min. Ribeiro Dantas, j. 28.11.2017)" (TJSC - Apelação Criminal n. 0008135- 93.2017.8.24.0023, da Capital, Segunda Câmara Criminal, Rel. Des. Getúlio Corrêa, j. em 06/03/2018). [...].
Quanto à dosimetria da pena, tem-se que não há qualquer ilegalidade, desproporcionalidade ou omissão que justifique a reforma da sentença. Outrossim, igualmente não há razões para acolhimento dos pleitos subsidiários de abrandamento do regime inicial, substituição da pena e concessão do direito de recorrer em liberdade.
Para tanto, utilizo como razões de decidir os fundamentos aventados pelo Procurador de Justiça em seu parecer, in litteris (evento 8, DOC1):
Dessa feita, nas razões do evento 107, a defesa requer:
(a) o reconhecimento dos bons antecedentes na fixação da pena-base; (b) a consideração da confissão como atenuante; (c) a aplicação da causa de diminuição do tráfico privilegiado, com a substituição da pena por restritivas de direitos, a teor do art. 44 do Código Penal; e (d) a concessão da liberdade, mediante fixação do regime semiaberto.
Melhor sorte não socorre ao sentenciado quanto aos pedidos supracitados.
3.1 Primeira fase (pena-base)
Quanto ao pleito de valoração positiva dos antecedentes, pois a presença de bons antecedentes não são obrigatoriamente excludentes ou atenuantes, mas condição neutra quando não há elementos relevantes que os qualifiquem como efetivamente positivos. Ou seja, dito de outro modo, o fato de o réu não possuir condenações penais transitadas em julgado nem ser tecnicamente reincidente não implica, por si só, na obrigatoriedade de valoração positiva dessa circunstância judicial (art. 59 do Código Penal).
A ausência de maus antecedentes representa uma condição normal esperada de qualquer cidadão e, portanto, não configura mérito apto a justificar redução da pena-base, mas sim uma condição neutra, já considerada na fixação da pena dentro do mínimo legal.
No mais, foi correto exasperar a pena-base do crime de tráfico em razão da qualidade/natureza da droga capturada (cocaína possui potencial lesivo relevante) apreendida em poder do réu.
Conforme destacou o sentenciante: "[...] vê-se que as circunstâncias do crime são graves, porque a qualidade da droga apreendida, contendo cocaína, é daquelas que possuem potencial lesivo relevante, causando a fácil dependência dos usuários e deixam eles sem o necessário discernimento, em grave prejuízo à saúde pública, e, por isso majoro a reprimenda em 1/6. [...]" (evento 98).
Sabe-se que a nocividade do tóxico capturado, por si só, também é suficiente para exasperação da pena inaugural, e no caso, além da cocaína, foi capturado crack, os quais possuem grande potencial de conduzir o usuário ao vício, causarem rápida dependência dentre outros efeitos extremamente gravosos ao organismo humano, e por isso, agravar o quadro de saúde pública, o que justifica maior rigor na reprimenda.
Esse é o entendimento firmado na jurisprudência pátria.
Cite-se, por exemplo, que assim já decidiu a 1ª Câmara Criminal do TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5003431-75.2025.8.24.0538/SC
RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL. RÉU PRESO. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO.
PRELIMINAR. aventada nulidade DA PROVA DECORRENTE DE INGRESSO POLICIAL EM DOMICÍLIO SEM MANDADO JUDICIAL. INVIABILIDADE. SITUAÇÃO DE FLAGRANTE DELITO CONFIGURADA. VISUALIZAÇÃO DIRETA DE DROGAS E INSTRUMENTOS DE NARCOTRAFICÂNCIA EM LOCAL VISÍVEL. AUTORIZAÇÃO DE ENTRADA NO CONDOMÍNIO PELA PORTARIA. ATUAÇÃO POLICIAL PAUTADA NA LEGALIDADE, PROPORCIONALIDADE E BOA-FÉ. PRECEDENTES DO STF E STJ. NULIDADE AFASTADA.
MÉRITO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA (ART. 33, § 4º, DA LEI DE DROGAS). INVIABILIDADE. ELEMENTOS CONCRETOS QUE DEMONSTRAM DEDICAÇÃO HABITUAL À ATIVIDADE CRIMINOSA E VÍNCULO COM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. MENSAGENS EXTRAÍDAS DO CELULAR QUE REVELAM ROTINA DE COMERCIALIZAÇÃO DE ENTORPECENTES E INTERAÇÃO COM ESTRUTURA FACCIOSA. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA CORRETAMENTE AFASTADA.
DOSIMETRIA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL EM RAZÃO DA NATUREZA E QUALIDADE DA DROGA (COCAÍNA E CRACK). FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA INAPLICÁVEL. VERSÃO DEFENSIVA CONTRADITÓRIA E NÃO UTILIZADA PARA FORMAÇÃO DO CONVENCIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. REGIME INICIAL FECHADO ADEQUADO ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO. DOSIMETRIA MANTIDA.
RECORRER EM LIBERDADE. INDEFERIMENTO JUSTIFICADO. MANUTENÇÃO DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR FUNDADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. ENVOLVIMENTO COM FACÇÃO CRIMINOSA. PERICULOSIDADE SOCIAL E RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. DECISÃO FUNDAMENTADA. MANUTENÇÃO.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6946669v4 e do código CRC 57e22f62.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 11/11/2025
Apelação Criminal Nº 5003431-75.2025.8.24.0538/SC
RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA
REVISOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
PRESIDENTE: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
PROCURADOR(A): EDUARDO PALADINO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 11/11/2025, na sequência 67, disponibilizada no DJe de 27/10/2025.
Certifico que a 3ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA
Votante: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA
Votante: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
Votante: Desembargador Substituto LEANDRO PASSIG MENDES
POLLIANA CORREA MORAIS
Secretária
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