Decisão TJSC

Processo: 5004147-66.2019.8.24.0036

Recurso: recurso

Relator: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES

Órgão julgador:

Data do julgamento: 11 de novembro de 2025

Ementa

RECURSO – Documento:6887313 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5004147-66.2019.8.24.0036/SC RELATOR: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES RELATÓRIO Para retratar o desenvolvimento processual, adota-se o relatório da sentença: E. H. M. V. ajuizou 'ação de obrigação de fazer c/c abatimento proporcional do preço c/c indenização por danos materiais e danos morais em decorrência de vício oculto' contra AUTO ELITE LTDA, ambos qualificados, aduzindo, em suma, que, no dia 08/11/2018, adquiriu da ré o veículo Suzuki Vitara, ano 2015/2016, placa QIX-0311, pelo preço de R$ 74.940,00, tendo sido dado na troca, como parte do pagamento, um automóvel Pajero TR4, equivalente a R$ 25.000,00, além de R$ 5.000,00 em dinheiro, no ato da compra, e um cheque caução no valor de R$ 8.130,00; o saldo remanescente foi financiado junto à Volkswagen Financial Service, e está sendo pago. Na of...

(TJSC; Processo nº 5004147-66.2019.8.24.0036; Recurso: recurso; Relator: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 11 de novembro de 2025)

Texto completo da decisão

Documento:6887313 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5004147-66.2019.8.24.0036/SC RELATOR: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES RELATÓRIO Para retratar o desenvolvimento processual, adota-se o relatório da sentença: E. H. M. V. ajuizou 'ação de obrigação de fazer c/c abatimento proporcional do preço c/c indenização por danos materiais e danos morais em decorrência de vício oculto' contra AUTO ELITE LTDA, ambos qualificados, aduzindo, em suma, que, no dia 08/11/2018, adquiriu da ré o veículo Suzuki Vitara, ano 2015/2016, placa QIX-0311, pelo preço de R$ 74.940,00, tendo sido dado na troca, como parte do pagamento, um automóvel Pajero TR4, equivalente a R$ 25.000,00, além de R$ 5.000,00 em dinheiro, no ato da compra, e um cheque caução no valor de R$ 8.130,00; o saldo remanescente foi financiado junto à Volkswagen Financial Service, e está sendo pago. Na oferta do produto estavam embutidos no preço do veículo os serviços e despesa de transferência, que até o momento não foi efetivada pela ré; tampouco foi fornecido o recibo de compra e venda. O veículo adquirido tinha pouco tempo de uso - cerca de dois anos - e baixa quilometragem rodada; contudo, apresentou problemas mecânicos desde o início da aquisição e, em 18/12/2018, embora dentro do prazo de garantia, a ré não providenciou os reparos necessários, sob alegação de que não havia cobertura da garantia em deficiência de alinhamento, troca de amortecedores, vibrações na direção e barulho no motor. Em razão dos vícios que apareceram, sustou o cheque de R$ 8.130,00, dado como caução, quando faltava a quantia de R$ 4.730,00 para quitá-lo. Durante uma viagem a São Paulo, em 10/03/2019, o motor do veículo fundiu na estrada, havendo necessidade de contratação de um guincho e a aquisição de passagens de ônibus para retornar a Jaraguá do Sul. Em contato com a ré, foi demonstrado o interesse na composição amigável; no entanto, com o passar do tempo, a demandada não promoveu a troca do bem e deixou de responder aos chamados. Após a negativa, encaminhou o veículo para uma oficina e vem tentando consertá-lo. Em abril de 2019, ao folhear o manual do proprietário, encontrou a informação de que o bem era sinistrado. Assim, requereu a tutela de urgência para compelir a ré a promover a transferência do veículo ou fornecer o recibo de compra e venda para que possa fazê-lo. Ao final, pleiteou a confirmação da tutela de urgência; o abatimento do preço em razão do sinistro não informado; o ressarcimento dos valores pagos pelo conserto do bem e a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. A tutela de urgência anelada foi deferida ao Evento 6.  [...] Em seguida, a ré apresentou contestação e documentos, ao Evento 32. Em tal peça, impugnou a Justiça gratuita deferida ao autor e aduziu que o direito pleiteado já decaiu, porque ultrapassado o prazo de garantia. Defendeu que, no caso, não se aplica a lei consumerista e a responsabilidade objetiva. Rechaçou os pedidos indenizatórios e pugnou pela improcedência da demanda. Ao fim, formulou reconvenção objetivando cobrar o saldo devedor remanescente, no importe de R$ 4.910,00. Réplica ao Evento 39. [...] Na sessão instrutória (Evento 66), foram inquiridas duas testemunhas arroladas pelo autor e dois informantes arrolados pela ré. As alegações finais foram acostadas ao autos, por memoriais, pelo autor, ao Evento 67. (evento 81, SENT1) O Juízo de origem acolheu parcialmente o pedido, nos seguintes termos: Ante o exposto, julgo procedente em parte o pedido, para: a) confirmando a tutela de urgência deferida ao Evento 6, declarar que constitui obrigação da ré a transferência da propriedade registral do veículo Suzuki Vitara, ano 2015/2016, placa QIX-0311, junto ao órgão de trânsito, para o nome do autor - já cumprida por ocasião da intimação do deferimento da tutela; b) condenar a ré a reembolsar o autor na quantia de  R$ 1.300,00 (mil e trezentos), decorrente da troca de amortecedores, e de R$ 9.844,00 (nove mil, oitocentos e quarenta e quatro reais), em virtude do conserto do motor, ambas corrigidas monetariamente pelo INPC/IBGE, a partir do desembolso, e acrescido de juros de mora à razão de 1% ao mês, a partir da citação; c) declarar a depreciação do bem em razão do sinistro anterior omitida pela ré, culminando no abatimento do preço do veículo em 30%, devendo, pois, a ré restituir ao autor os valores por ele pagos a maior, com atualização monetária pelo INPC e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, ambos a contar desta decisão. Fica autorizada a compensação do débito pendente de pagamento pelo autor (R$ 4.910,00) com o abatimento do preço do bem (R$ 22.482,00). Como corolário, deve a ré promover a devolução ao autor do cheque dado como caução ('anexo 6', Evento 32), no prazo de 15 (quinze) dias, porquanto, diante da resolução desta lide, a cártula perdeu sua exigibilidade. d) julgo improcedente o pedido de indenização por danos morais (evento 81, SENT1). Inconformada, a ré interpôs apelação, alegando, dentre outras teses, que houve decadência do direito buscado na inicial. Com base nesses argumentos, requereu o provimento do recurso para reformar a sentença e julgar extinto o processo com resolução do mérito, por força da decadência (evento 88, APELAÇÃO1). Foram apresentadas contrarrazões, por meio das quais o autor, além de rebater o mérito, suscitou a violação ao princípio da dialeticidade recursal (evento 93, CONTRAZAP1). É o relatório. VOTO 1. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE Inexiste violação ao princípio da dialeticidade recursal, pois a apelante reaviva em suas razões argumentos que o próprio apelado trouxe na inicial e na réplica (decadência, vício oculto, notificação e contranotificação extrajudiciais). Esses argumentos, especialmente os últimos, não foram considerados na decisão recorrida, embora fosse necessário, por influenciarem na conclusão. Ademais, estão presentes os demais pressupostos de admissibilidade: cabimento, legitimidade, interesse recursal, tempestividade e regularidade formal. O preparo foi recolhido. 2. JUÍZO DE MÉRITO O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece que "o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: [...] noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis" (art. 26, II). Em regra, a contagem do prazo decadencial inicia-se "[...] a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços" (art. 26, § 1º). Tratando-se de vício oculto, porém, o prazo decadencial inicia-se quando o defeito for evidenciado (art. 26, § 3º), sendo que "a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca" (art. 26, § 2º, I), obsta a decadência. No caso concreto, não há discussão quanto à caracterização da fundição do motor do automóvel como vício oculto, pois é impossível verificá-la no momento da compra sem conhecimentos técnicos e equipamento apropriado. Diante dessa natureza de vício oculto, mostra-se inaplicável o início da contagem a partir da entrega do produto, que se inicia apenas quando o defeito é flagrado. É incontroverso que o motor do veículo estragou no dia 10-3-2019 e, na mesma data, foi levado à oficina da apelante, como confirmaram seus funcionários ouvidos em juízo. Ocorre que, de acordo com o apelado, a apelante não solucionou o problema nos 30 dias conferidos pelo CDC (art. 18, § 1º), o que o obrigou a notificá-la em 3-6-2019 (evento 1, NOT18), impedindo, assim, a decadência até que lhe fosse dada uma resposta negativa inequívoca. A resposta da apelante veio no dia 6-6-2019 (evento 1, DOC19), reabrindo-se o prazo decadencial. No entanto, a ação foi ajuizada somente em 12-9-2019 (evento 1, INIC1), portanto alguns dias após o fim do prazo nonagesimal de decadência. Destaca-se que não há evidências de que as partes tenham acertado algum tipo de garantia complementar à legal. Nesse cenário, a prejudicial de mérito deve ser acolhida. Consequentemente, o apelado deverá arcar com as despesas processuais e dos honorários advocatícios da parte contrária (art. 82, § 2º, e art. 85, caput, do Código de Processo Civil - CPC). Considerando o trabalho dispensado pelo profissional, denotando zelo desde o início do processo, seus honorários deverão ser fixados no patamar de 20% sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º, do CPC e Súmula 14 do Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5004147-66.2019.8.24.0036/SC RELATOR: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES EMENTA DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. VÍCIO OCULTO EM VEÍCULO. PRAZO DECADENCIAL. NOTIFICAÇÃO DO FORNECEDOR. AJUIZAMENTO DA AÇÃO. DECADÊNCIA RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta pela ré contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido do autor em ação de obrigação de fazer cumulada com abatimento proporcional do preço e indenização por danos materiais e morais. O autor adquiriu um veículo usado da ré que apresentou problemas mecânicos, incluindo a fundição do motor. A sentença de primeiro grau reconheceu a obrigação de transferência do veículo, condenou a ré ao reembolso de valores de conserto e abatimento do preço, mas negou danos morais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em saber se o direito do autor de reclamar pelos vícios ocultos do veículo decaiu, considerando o prazo legal do Código de Defesa do Consumidor e a cronologia dos eventos de manifestação do defeito, reclamação e ajuizamento da ação. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Não há violação ao princípio da dialeticidade recursal, pois a apelante reavivou argumentos pertinentes à decadência e ao vício oculto. 4. O Código de Defesa do Consumidor estabelece que, em caso de vício oculto em produto durável, o prazo decadencial de noventa dias inicia-se no momento em que o defeito se evidencia. 5. A reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor obsta a decadência até a resposta negativa inequívoca. 6. No caso, o motor do veículo fundiu em 10-03-2019, sendo este o momento de evidência do defeito. 7. A notificação do autor em 3-6-2019 obstou o prazo, mas a resposta negativa da ré em 6-6-2019 reabriu a contagem. 8. A ação foi ajuizada em 12-9-2019, após o transcurso do prazo nonagesimal de decadência, que se encerrou em 4-9-2019. 9. Inexistindo garantia complementar, impõe-se o reconhecimento da decadência do direito do autor. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Recurso conhecido e provido. Tese de julgamento: "O prazo decadencial para vício oculto em produto durável, reaberto após resposta negativa do fornecedor, não se suspende por notificação posterior ao término do prazo legal." _______________ Dispositivos relevantes citados: CDC, art. 18, § 1º; CDC, art. 26, II; CDC, art. 26, § 1º; CDC, art. 26, § 2º, I; CDC, art. 26, § 3º; CPC, art. 487, II; CPC, art. 82, § 2º; CPC, art. 85, caput; CPC, art. 85, § 2º; CPC, art. 98, § 3º. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 14; STJ, Tema 1.059. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos do decidiu, por unanimidade, conhecer da apelação e dar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Florianópolis, 11 de novembro de 2025. assinado por GIANCARLO BREMER NONES, Desembargador Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6887314v3 e do código CRC 1870c1cc. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): GIANCARLO BREMER NONES Data e Hora: 04/11/2025, às 19:21:05     5004147-66.2019.8.24.0036 6887314 .V3 Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:27:06. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 04/11/2025 A 11/11/2025 Apelação Nº 5004147-66.2019.8.24.0036/SC RELATOR: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES PRESIDENTE: Desembargador MARCOS FEY PROBST PROCURADOR(A): CARLOS HENRIQUE FERNANDES Certifico que este processo foi incluído como item 18 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 15/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 04/11/2025 às 00:00 e encerrada em 04/11/2025 às 19:26. Certifico que a 3ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão: A 3ª CÂMARA ESPECIAL DE ENFRENTAMENTO DE ACERVOS DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DA APELAÇÃO E DAR-LHE PROVIMENTO. RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES Votante: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES Votante: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR Votante: Desembargador MARCOS FEY PROBST CLEIDE BRANDT NUNES Secretária Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:27:06. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas