EMBARGOS – Documento:7010922 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5004161-56.2024.8.24.0042/SC DESPACHO/DECISÃO M. I. G. e Banco Daycoval S.A. interpuseram recursos de apelação contra sentença (evento 28 do processo de origem) que, nos autos de demanda nominada como "ação declaratória de nulidade de contrato bancário, repetição do indébito e indenização por danos morais", julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais. Para melhor elucidação da matéria debatida nos autos, adota-se o relatório da sentença recorrida: Trata-se de "ação declaratória de nulidade de contrato bancário, repetição do indébito e indenização por danos morais" proposta por M. I. G. contra BANCO DAYCOVAL S.A. e BANCO C6 CONSIGNADO S.A.
(TJSC; Processo nº 5004161-56.2024.8.24.0042; Recurso: embargos; Relator: ; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 15 de agosto de 2023)
Texto completo da decisão
Documento:7010922 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5004161-56.2024.8.24.0042/SC
DESPACHO/DECISÃO
M. I. G. e Banco Daycoval S.A. interpuseram recursos de apelação contra sentença (evento 28 do processo de origem) que, nos autos de demanda nominada como "ação declaratória de nulidade de contrato bancário, repetição do indébito e indenização por danos morais", julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais.
Para melhor elucidação da matéria debatida nos autos, adota-se o relatório da sentença recorrida:
Trata-se de "ação declaratória de nulidade de contrato bancário, repetição do indébito e indenização por danos morais" proposta por M. I. G. contra BANCO DAYCOVAL S.A. e BANCO C6 CONSIGNADO S.A.
Sustentou, em síntese, que (a) em consulta ao extrato previdenciário, constatou o lançamento de empréstimo(s) consignado(s) pelo(s) requerido(s); (b) não se recorda de ter realizado a(s) contratação(ões); (c) diante da ausência de informações, não é possível saber se se trata de fraude por empréstimo ou refinanciamento não solicitado (ausência de manifestação de vontade da parte autora) ou de falha da instituição financeira na prestação de informações (culminando em vício de vontade da parte autora) no momento da contratação do consignado, pois não reconhece o(s) contrato(s); (d) o pagamento do(s) empréstimo(s) ocorre por meio de descontos mensais em seu benefício previdenciário; (e) o caso demanda a análise sob à luz das normas insculpidas no Código de Defesa do Consumidor; (f) é caso de dano moral.
Em conclusão, requereu: (i) a concessão dos benefícios da gratuidade de justiça; (ii) inversão do ônus da prova; (iii) a procedência dos pedidos iniciais, com a declaração de nulidade do(s) contrato(s) bancário(s) e inexistência de relação jurídica; (iv) condenação da parte ré a devolver em dobro os valores descontados da renda previdenciária; (v) reparação por danos morais; (vi) condenação do(s) requerido(s) ao pagamentos dos ônus de sucumbência.
Atribuiu à causa o valor de R$ 30.868,22 (trinta mil oitocentos e sessenta e oito reais e vinte e dois centavos). Juntou procuração e outros documentos.
Deferidos os benefícios da gratuidade de justiça, a inversão do ônus da prova e citação dos réus (ev. 5).
Revogada a decisão que determinou a emenda e determinada a citação dos requeridos (ev. 10).
Contestação ofertada pelo requerido Banco Daycoval S.A (ev. 15), aduzindo, em suma, que (a) não há interesse de agir, já que alguns contratos foram liquidados por refinanciamento; (b) no tocante ao mérito, a parte autora é contratante habitual; (c) as contratações são legítimas, uma vez que o aceite da parte autora percorreu por todos os passos necessários, como biometria facial como forma de assinatura, a geolocalização indicada no contrato coincide com a informada na petição inicial; (d) os valores contratados foram disponibilizados à parte autora; (e) a contratação fora celebrada de forma livre e sem qualquer vício; (f) não há falar em dano material e moral, posto que a contratação é legítima, assim como os descontos mensais na renda da autora.
Ao final, requereu: (i) a extinção do feito, sem análise do mérito; (ii) rejeitas as prefaciais, o julgamento de improcedência dos pedidos iniciais; (iii) a condenação da parte autora ao pagamentos das custas e honorários advocatícios; (iv) na hipótese de acolhimento da tese autora, autorizada a compensação/devolução ao réu dos valores disponibilizados em favor da parte autora, devidamente corrigidos e reabertura do contrato de origem.
Houve réplica (ev. 18).
O requerido Banco C6 Consignado S.A., ofertou resposta em forma de contestação no ev. 21, aduzindo, em suma, que (a) as contratações ocorreram de forma digital e são renegociações e portabilidade; (b) houve a captura da biometria facial e prova de vida da consumidora, tendo sido o crédito do empréstimo efetuado na conta corrente de sua titularidade; (c) a requerente contratou, por livre e espontânea vontade, a operação de empréstimo consignado formalizada por meio das CCB’s nº 010123891401, nº 010123888503, nº 010123889155 e nº 010123890990; (d) não houve contato prévio ao ajuizamento da ação; (e) o empréstimo impugnado foi regularmente formalizado pela requerente que, aceitou todos os termos e condições do contrato, não havendo que se falar em devolução dos valores descontados; (f) o pedido de indenização por dano moral não se sustenta, uma vez que não houve qualquer falha na prestação do serviço ou ocorrência de ato ilícito praticados por esta instituição financeira, aptos a causar abalo a Requerente.
Em arremate, pugnou: (i) pela total improcedência dos pedidos iniciais, com a condenação da autora aos ônus de sucumbência; (ii) na hipótese de procedência, a compensação do valor devido ao banco, já que houve liberação do valor contratado diretamente na conta corrente de titularidade da requerente, com a eventual condenação em verbas de sucumbência, até o limite dos valores respectivos.
Réplica no ev. 25.
Vieram os autos conclusos.
Brevemente relatados.
DECIDO.
Da parte dispositiva do decisum, extrai-se a síntese do julgamento de primeiro grau:
Ante o exposto, na forma do art. 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por M. I. G. contra BANCO C6 CONSIGNADO S.A. e BANCO DAYCOVAL S.A. para o fim de
(a) DECLARAR a inexistência de relação jurídica:
(a.1) entre a parte autora e o réu BANCO DAYCOVAL S.A quanto aos contratos 50-012909228/23; 55-016512515/23 e 60-016710624-23.
(b) DECLARAR a nulidade dos contratos:
(b.1) n. 50-012909228/23; 55-016512515/23 e 60-016710624-23., firmado com o BANCO DAYCOVAL S.A;
(c) CONDENAR os réu BANCO DAYCOVAL S.A. a restituir, de forma simples, os valores descontados do benefício previdenciário da autora relativos às parcelas anteriores a 30/03/2021, e, em dobro, os valores descontados posteriormente à referida data, nos termos da fundamentação, corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a partir do evento danoso (cada desconto indevido - art. 398 do CC e Súmula 54 do STJ), indexadores que, a partir do início da vigência da Lei 14.905/2024, passarão a incidir unicamente pela taxa referencial SELIC (art. 406, §1°, CC), admitida a compensação. A apuração do quantum deverá ser feita mediante cálculos aritméticos por ocasião do cumprimento de sentença.
(d) condenar o requerido BANCO DAYCOVAL ao pagamento da quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em favor da parte autora, valores acrescidos de correção monetária pelo ICGJ - Índice da Corregedoria-Geral de Justiça deste (Circular n. 231 de 15 de agosto de 2023), a partir deste arbitramento (Sumula 362 do STJ) e de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação, observada a vigência da Lei n. 14.905/2024, a partir de quando a correção monetária e os juros de mora devem observar a nova redação dos arts. 389 e 406.
(e) DETERMINAR que a autora proceda à restituição ao BANCO DAYCOVAL S. A. dos valores depositados em sua conta bancária referentes à contratação declarada inexistente, acrescidos de juros de mora mensais pela taxa legal prevista no § 1º do art. 406 do CC, contados da data do trânsito em julgado, e correção monetária pelo IPCA, contada da data do depósito, como consequência da necessidade de retorno do status quo ante;
(f) AUTORIZO a compensação dos valores percebidos por T. D. V. B. em sua conta bancária com os valores da condenação de BANCO DAYCOVAL S.A.
(g) JULGAR IMPROCEDENTES os pedidos relacionados ao BANCO C6 CONISGNADO S.A.
(h) Em razão da sucumbência recíproca (CPC, art. 86), CONDENO as partes ao pagamento das custas processuais, nas seguintes proporções: 50% (cinquenta por cento) à parte autora e 50% (cinquenta por cento ao requerido BANCO DAYCOVAL S.A.
(i) CONDENO o réu BANCO DAYCOVAL S.A. ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência em favor do procurador da parte autora, os quais arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da respectiva condenação (arts. 85, §§2º e 8º c/c 86 do CPC).
(j) De outro lado, também CONDENO a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência em favor do procurador do requerido BANCO C6 CONSIGNADO S.A., os quais arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor do qual decaiu na demanda - diferença entre o que foi pleiteado e o que foi concedido (arts. 85, §§2º e 8º c/c 86 do CPC).
Registro que a parte autora litiga sob os benefícios da gratuidade de justiça (ev. 5).
Com o trânsito em julgado, recolhidas ou lançadas as custas processuais, arquive-se em definitivo.
Os embargos de declaração opostos pelo demandado Banco Daycoval S.A. foram rejeitados (evento 64 dos autos de origem).
Em suas razões recursais (evento 73 dos autos de origem), a parte ré Banco Daycoval S.A. asseverou, em preliminar, a ocorrência de cerceamento de defesa, visto que "Assim que apresentada a Réplica, ação foi julgada antecipadamente de forma antecipada sem, contudo, oportunizar às partes produção de provas, o que acarretou no cerceamento de defesa".
Aduziu que "as operações 55-016512515/23, 50-012909228/23 e 50- 016710624/23 firmadas com a apelada cumpriram integralmente os requisitos legais de validade do negócio jurídico (art. 104, CC), bem como a autenticidade, integridade e consentimento livre e informado".
Alegou que "todos os arquivos acima e entregues no processo foram CRIADOS em 16/02/2023 às 17:06, ou seja, mesma data, que consta do item ACEITE CET, CONTRATO e ASSINATURA do PROTOCOLO DE ASSINATURA do referido contrato".
Sustentou que "deve ser afastada a condenação à repetição do indébito, eis que os descontos realizados se deram em razão de ato negocial válido e eficaz, alicerçado em boas práticas e presença da boa-fé objetiva".
Referiu que "a apelada nem sequer teve seu nome incluso nos órgãos de proteção ao crédito, tampouco houve redução significativa em sua remuneração, ou seja, não sofreu qualquer abalo a sua honra".
Por fim, postulou a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos iniciais.
A autora, por sua vez, argumentou em suas razões de recurso (evento 43 dos autos de origem) o cerceamento de defesa, haja vista que "o magistrado de origem indeferiu os pedidos da petição inicial, com base exclusiva em sua convicção pessoal sobre a autenticidade dos documentos, malgrado a expressa impugnação dos documentos".
Defendeu que "é inadmissível que a parte apelante restitua os valores acrescidos de juros moratórios, tendo em vista que somente recebeu os valores devido a fraudes que as instituições financeiras aplicam".
Argumentou que "essa restituição deve se dar na forma dobrada, inclusive quanto aos valores anteriores a 30/03/2021, conforme dispõe o art. 42, parágrafo único, do CDC".
Quanto aos danos morais, ponderou que a situação gerou "profundo desgosto para a parte Autora, a qual presencia seus recursos sendo vilipendiados, à mercê de descontos que comprometem a sua subsistência".
Ao final, pugnou pela reforma da sentença para julgar procedentes os pedidos iniciais.
Com as contrarrazões (eventos 50, 51 e 81 do processo de primeiro grau), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
É o relato do necessário. Passa-se a decidir.
Trata-se de recursos de apelação interpostos contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais.
Porque presentes os pressupostos de admissibilidade, os recursos devem ser conhecidos.
Tem-se como fato incontroverso, porque reconhecido expressamente pelas partes, que a autora é titular de benefício previdenciário e passou a sofrer descontos mensais em sua folha de pagamento, decorrentes de contratos de empréstimo consignado supostamente celebrados com os demandados.
A controvérsia, portanto, cinge-se à deliberação a respeito da tese de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, arguida por ambas as partes apelantes (autora e Banco Daycoval S.A.), sobre a validade das referidas avenças, acerca do cabimento da repetição de indébito na forma dobrada e quanto à existência de danos morais indenizáveis.
Sobre tais pontos, então, debruçar-se-á esta decisão.
Adianta-se, desde já, que os apelos comportam acolhimento no tocante à tese de cerceamento de defesa.
I - Da possibilidade de julgamento unipessoal:
Como cediço, o art. 932, IV e V, do Código de Processo Civil autoriza o relator a decidir monocraticamente o resultado de recurso que verse acerca de questão sobre a qual já exista entendimento consolidado no âmbito dos tribunais.
Sobre referido excerto normativo, ensina Daniel Amorim Assumpção Neves:
Nos termos do art. 1.011 do CPC, a apelação será distribuída imediatamente a um relator, que decidirá se julgará o recurso de forma monocrática ou de forma colegiada. [...] Sendo hipótese de aplicação do art. 932, III, IV e V, do CPC, o relator negará conhecimento, negará provimento ou dará provimento ao recurso por decisão unipessoal, recorrível por agravo interno no prazo de 15 dias. Caso entenda não ser caso de decisão monocrática o relator elaborará seu voto para julgamento do recurso pelo órgão colegiado.
(Manual de direito processual civil, volume único. 21. ed. Salvador: JusPODIVM, 2021. p. 1.666).
O art. 132 do Regimento Interno deste Sodalício, por sua vez, estabelece dentre as atribuições do relator as seguintes:
XV – negar provimento a recurso nos casos previstos no inciso IV do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando esteja em confronto com enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça;
XVI – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento a recurso nos casos previstos no inciso V do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando a decisão recorrida for contrária a enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça;
No caso concreto, verifica-se estarem presentes os requisitos legais ao julgamento monocrático, sobretudo porque os temas discutidos nas presentes insurgências possuem posicionamento jurisprudencial dominante (art. 132, XV e XVI do RI, antes mencionado) no Superior Tribunal de Justiça e nesta Corte, como se verá a seguir.
Deste Órgão Fracionário, a reforçar a possibilidade de julgamento monocrático de recursos sobre a matéria:
AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO EM QUE SE DISCUTE A EXISTÊNCIA DE CONTRATO CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). CONSIGNADO. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE MANTEVE SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA, AMPARANDO-SE NO CONTRATO DIGITAL JUNTADO PELO BANCO, QUE CONTINHA INFORMAÇÕES ADEQUADAS SOBRE A AVENÇA E OS DADOS PESSOAIS DO CONSUMIDOR. REFORMA LIMITADA À MINORAÇÃO DA MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NOVO RECURSO DO AUTOR. TESE DE CERCEAMENTO DE DEFESA, POR AUSÊNCIA DE DESIGNAÇÃO DE PERÍCIA TÉCNICA. ACOLHIMENTO. CONTRATO DIGITAL APRESENTADO PELO BANCO QUE, AO QUE TUDO INDICA, NÃO CONTÉM EFETIVA ASSINATURA ELETRÔNICA. DOCUMENTO NÃO RECONHECIDO PELO VALIDADOR DO ITI. AUSÊNCIA DE CERTIFICAÇÃO PELO ICP-BRASIL. OUTRO MEIO DE AUTENTICAÇÃO NÃO INFORMADO PELO BANCO. MERA INSERÇÃO DE DADOS E FOTOGRAFIAS EM DOCUMENTO .PDF QUE NÃO CONSTITUI E ainda deste Tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/CANCELAMENTO DE CONTRATO BANCÁRIO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECLAMO DA PARTE AUTORA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO POR MEIO DIGITAL QUE DEVE SER MELHOR ANALISADA POR ESPECIALISTA EM TECNOLOGIA. IMPUGNAÇÃO EXPRESSA DO DOCUMENTO E DA FORMA DE CONTRATAÇÃO NA RÉPLICA. CERCEIO DE DEFESA CARACTERIZADO. IMPRESCINDIBILIDADE DA PROVA PERICIAL. SENTENÇA CASSADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA A INSTRUÇÃO DO PROCESSO.
(ApCiv 5006963-45.2025.8.24.0930, 1ª Câmara de Direito Civil , Relator Flavio Andre Paz de Brum , julgado em 30-10-2025)
Por fim:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DESCONTOS MENSAIS. IMPUGNAÇÃO DA AUTENTICIDADE DE ASSINATURA. JULGAMENTO ANTECIPADO SEM PERÍCIA ESPECIALIZADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. ÔNUS DA PROVA DA AUTENTICIDADE ATRIBUÍDO À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA (TEMA 1.061/STJ). RETIFICAÇÃO DO POLO PASSIVO. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível contra sentença que, em ação declaratória de inexistência de relação jurídica cumulada com repetição de indébito e danos morais, ajuizada por pensionista do INSS em face de instituição financeira, julgou improcedentes os pedidos, reconheceu litigância de má-fé e condenou à verba sucumbencial; a controvérsia decorre de descontos mensais, cuja contratação é negada pela autora; no recurso, a apelante suscita nulidade por cerceamento de defesa, pugnando pelo retorno dos autos à origem para realização de perícia especializada; nas contrarrazões, a instituição financeira requer, preliminarmente, retificação do polo passivo e o não conhecimento do recurso por suposta ofensa à dialeticidade, e, no mérito, o desprovimento do apelo. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há quatro questões em discussão: (i) definir se há ofensa ao princípio da dialeticidade a impedir o conhecimento do recurso; (ii) estabelecer se o julgamento antecipado, sem produção de perícia especializada diante da impugnação da assinatura, configura cerceamento de defesa; (iii) determinar a quem incumbe o ônus de provar e custear a autenticidade da assinatura questionada; (iv) verificar a necessidade de retificação do polo passivo. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Rejeita-se a preliminar de ausência de dialeticidade, porque as razões recursais atacam de modo específico os fundamentos da sentença, conforme precedente desta Corte (TJSC, Apelação nº 5004418-03.2021.8.24.0005, rel. Des. Eduardo Gallo Jr., 6ª Câmara de Direito Civil, j. 05.09.2023). 4. Impugnada pelo consumidor a autenticidade da assinatura constante do contrato bancário juntado aos autos, recai sobre a instituição financeira o ônus de provar essa autenticidade (CPC, art. 429, II), por meio de perícia especializada ou outros meios de prova legais (CPC, art. 369), nos termos do Tema 1.061 do STJ (REsp nº 1.846.649). 5. A prova pericial grafotécnica mostra-se imprescindível para aferir a veracidade da assinatura quando especificamente impugnada, sendo precipitado o julgamento antecipado do mérito (CPC, art. 355, I) sem esse exame técnico, o que caracteriza cerceamento de defesa; precedentes do TJSC cassam sentenças em hipóteses idênticas (Apelações nº 5001240-84.2023.8.24.0002, rel. Des. Denise Volpato, j. 18.06.2024; nº 5001294-51.2023.8.24.0034, rel. Des. Volnei Celso Tomazini, j. 21.03.2024; nº 5002293-58.2023.8.24.0016, rel. Des. Saul Steil, j. 19.03.2024). 6. Ausente laudo técnico, a resolução de mérito não se mostra segura, impondo-se a cassação da sentença para reabertura da instrução probatória, com retorno dos autos à origem para realização da perícia requerida. 7. Incumbe à instituição financeira, como responsável pelo documento particular cuja autenticidade é afirmada, arcar com os honorários periciais (CPC, art. 429, II), entendimento reiterado por esta Corte em agravos de instrumento (TJSC, AI nº 5045978-32.2024.8.24.0000, rel. Des. Eduardo Gallo Jr., j. 27.08.2024; EDcl no AI nº 5058406-80.2023.8.24.0000, rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves, j. 11.06.2024). 8. Presentes elementos que identificam o efetivo sujeito contratual, impõe-se a retificação do polo passivo, conforme requerido nas contrarrazões, sem prejuízo da instrução probatória. 9. A cassação da sentença prejudica o exame dos demais pedidos e matérias remanescentes, inclusive aqueles relacionados às condenações impostas na origem, reservados ao juízo após a produção da prova pericial. IV. DISPOSITIVO 10. Recurso provido
(ApCiv 5021225-59.2022.8.24.0039, 8ª Câmara de Direito Civil, Relator Alex Heleno Santore , julgado em 21-10-2025)
Portanto, cabível ao caso em estudo o julgamento monocrático.
II - Da insurgência da demandante e do réu Banco Daycoval S.A. relacionadas às teses de cerceamento de defesa:
Prima facie, destaca-se que são aplicáveis à hipótese em estudo as normas previstas no Código de Defesa do Consumidor, porque presentes as figuras de "fornecedor" e "consumidor" de serviço bancário, a teor dos arts. 2º e 3º do mencionado Código e do entendimento da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça.
Para a análise do feito, portanto, deve-se considerar a manifesta desigualdade entre as partes litigantes, reconhecendo-se que a autora representa a parte hipossuficiente, frente ao poder técnico e econômico dos réus.
Nesse sentido, o art. 6º, VIII do CDC estabelece que constitui direito básico do consumidor, dentre outros, "a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências".
No caso em tela, a demandante sustentou a inexistência de relação jurídica com a instituição financeira ré, afirmando não ter contratado o empréstimo consignado que originou descontos em seu benefício previdenciário (evento 1 de origem).
O réu Banco Daycoval S.A., por sua vez, apresentou contestação, defendendo a regularidade das operações e juntando os instrumentos contratuais celebrados por meio digital, com O réu Banco C6 Consignado S.A. também contestou, sustentou a higidez das contratações digitais e juntou os respectivos instrumentos (evento 21 de origem).
A autora, em réplica (eventos 18 e 25), impugnou especificamente a autenticidade dos documentos apresentados por ambos os demandados. Argumentou, em síntese, a ocorrência de fraude, a falsidade das assinaturas/biometrias e requereu expressamente a produção de prova pericial (evento 18 e 25, origem).
Na sequência, sobreveio a sentença (evento 28), na qual o magistrado a quo julgou antecipadamente a lide, considerando nulos os contratos relacionados ao Banco Daycoval e, por outro lado, válidos os contratos do Banco C6, fundamentando-se essencialmente na análise dos documentos (IP, geolocalização) e no recebimento dos valores pela autora.
Ocorre que o pronunciamento judicial combatido, ao julgar o mérito da causa quando ainda pairava controvérsia fática relevante (autenticidade das contratações), que demandava prova técnica, cerceou o direito de defesa de ambas as partes apelantes.
No tocante aos contratos do Banco C6 Consignado S.A., o Juízo julgou improcedente o pedido, contrariando a tese autoral de fraude, sem, contudo, oportunizar à autora a produção da prova pericial expressamente requerida (evento 25, origem).
Referente aos contratos do Banco Daycoval S.A., o Juízo julgou procedente o pedido da autora, declarando a nulidade dos pactos. Contudo, o banco réu também pretendia produzir provas para comprovar a validade das operações digitais (evento 15).
Dessa forma, o julgamento antecipado foi prematuro e cerceou o direito de defesa de ambas as partes que interpuseram recurso: da autora, que pretendia provar a fraude do Banco C6 e foi vencida; e do Banco Daycoval, que pretendia provar a validade de seus contratos e também foi vencido.
Convém ressaltar que o juiz é o destinatário final da prova e, nos termos do art. 355, I, do CPC, "julgará antecipadamente o pedido" "quando não houver necessidade de produção de outras provas". As provas necessárias à instrução do processo são determinadas pelo Juiz, rejeitando ou indeferindo as diligências inúteis ou protelatórias, conforme o art. 370 do CPC.
Prevalece no direito processual brasileiro, portanto, o sistema do livre convencimento motivado do juiz, pelo qual, nos termos do art. 371 do Código de Processo Civil, apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias dos autos, ainda que não alegados pelas partes; indicando, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.
Ademais, é sabido que nos casos em que haja dúvida acerca da celebração de contrato bancário, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de recurso repetitivo de controvérsia (Tema 1.061), firmou o entendimento no sentido de que incumbe à instituição financeira o ônus de comprovar a autenticidade de assinatura constante em avença que tenha sido impugnada pela parte demandante:
Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a sua autenticidade (CPC, arts. 6º, 368 e 429, II).
(STJ, REsp n. 1.846.649/MA, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 24-11-2021, DJe de 9-12-2021).
Deste Órgão Julgador:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA CUMULADA COM REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA AUTORA. (...) RAZÕES DO APELO. SUSCITADA A NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA. TESE ACOLHIDA. AUTENTICIDADE DA ASSINATURA IMPUGNADA PELA AUTORA. ÔNUS DA PROVA DA AUTENTICIDADE DA ASSINATURA/DOCUMENTO QUE RECAI SOBRE A INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. APLICAÇÃO DO ART. 429, II, DO CPC E DO TEMA 1.061 DO STJ. PARTICULARIDADES DO CASO QUE EVIDENCIAM A NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE LAUDO PERICIAL DIGITAL. SENTENÇA CASSADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (ApCiv 5019844-39.2023.8.24.0020, Relator Álvaro Luiz Pereira de Andrade, julgado em 7-8-2025)
E também desta Corte de Justiça:
DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. NULIDADE DE CONTRATO BANCÁRIO. CASSAÇÃO DA SENTENÇA PARA REABERTURA DA INSTRUÇÃO. I. CASO EM EXAME: 1. Trata-se de ação declaratória de nulidade de contrato bancário cumulada com pedido de indenização por danos morais e repetição de indébito, ajuizada por aposentado que alegou não ter contratado empréstimos consignados que geraram descontos em seu benefício previdenciário. A sentença de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido, reconhecendo a inexistência de um dos contratos e determinando a devolução em dobro dos valores descontados, mas manteve a validade dos demais contratos e indeferiu o pedido de danos morais. O autor interpôs recurso de apelação requerendo a reforma parcial da sentença, alegando fraude, ausência de manifestação válida de vontade e cerceamento de defesa. (...) 3.2. Verificou-se cerceamento de defesa, pois a sentença foi proferida sem a devida produção de prova pericial quanto à autenticidade dos contratos digitais impugnados. 3.3. A jurisprudência do STJ e do TJSC é pacífica no sentido de que, havendo impugnação da assinatura, é imprescindível a realização de perícia grafotécnica ou digital, sob pena de violação ao contraditório e à ampla defesa. 3.4. A ausência de prova técnica impede a formação de juízo seguro sobre a validade dos contratos, configurando error in procedendo. IV. DISPOSITIVO E TESE: 4. Sentença cassada de ofício. Determinada a reabertura da fase instrutória para realização de perícia nos contratos digitais impugnados (n. 343121286-3, n. 343430561-5 e n. 332278135-6). Sem fixação de honorários sucumbenciais nesta fase, conforme entendimento consolidado do STJ. (TJSC, ApCiv 5006102-50.2023.8.24.0018, 6ª Câmara de Direito Civil , Relator para Acórdão JOAO DE NADAL , julgado em 8-10-2025)
Assim, imperioso reconhecer que no caso em apreço o julgamento antecipado da lide cerceou o direito fundamental à ampla defesa, insculpido no art. 5º, LV, da Constituição Federal.
Conclui-se, dessa forma, ser necessária a dilação probatória tempestivamente requerida, a ser custeada pelos demandados, porque a eles incumbe o ônus da prova (art. 373, II, do CPC), conforme entendimento do STJ acima mencionado.
Dessarte, deve ser cassada a sentença proferida, ficando prejudicada a análise de mérito dos demais tópicos recursais.
Em arremate, as partes devem ser advertidas de que "a insistência injustificada no prosseguimento do feito, caracterizada pela apresentação de recursos manifestamente inadmissíveis ou protelatórios contra esta decisão, ensejará a imposição, conforme o caso, das multas previstas nos arts. 1.021, § 4º, e 1.026, § 2º, do CPC/2015" (AREsp n. 2.728.212, Ministro Marco Aurélio Belizze, DJe de 11-10-2024), penalidades não agasalhadas pelos benefícios da gratuidade de justiça (art. 98, § 4º, do CPC).
Ante o exposto, com fulcro no art. 932, V, do CPC, e no art. 132, XVI, do RITJSC, conheço dos recursos e dou-lhes provimento para cassar a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para o regular prosseguimento, conforme fundamentação.
assinado por CARLOS ROBERTO DA SILVA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7010922v20 e do código CRC a6f3f80f.
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Signatário (a): CARLOS ROBERTO DA SILVA
Data e Hora: 11/11/2025, às 21:32:16
5004161-56.2024.8.24.0042 7010922 .V20
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