RECURSO – DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. contrato de compra e venda não adimplido. ausência de óbice à aquisição do domínio. RECURSO PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente a ação de usucapião.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões em discussão: (i) saber se a posse dos autores é precária, ainda que prescrita a dívida decorrente do contrato de compra e venda celebrado com os donos do imóvel; (ii) saber se a aplicação da tese fixada no IRDR impede a procedência dos pedidos.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A prescrição da dívida do possuidor com o dono da coisa também consuma a transmudação da sua posse, que deixa de ser decorrente diretamente do contrato de compra e venda (precária) e passa a ser qualificada pelo animus domini. Nesta hipótese, deve-se descontar o período em que a posse ostentava o caráter precário.
4. Quando...
(TJSC; Processo nº 5006342-04.2022.8.24.0041; Recurso: recurso; Relator: Desembargadora GLADYS AFONSO; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:6929858 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5006342-04.2022.8.24.0041/SC
RELATORA: Desembargadora GLADYS AFONSO
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação cível interposto por E. A. e D. R. F. D. M. A. contra sentença proferida nos autos n. 5006342-04.2022.8.24.0041 que julgou improcedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos de E. A. e D. R. F. D. M. A. contra L. R. H., I. L., D. L. e A. A. K.; e assim o faço com resolução do mérito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil.
Condeno a parte autora a custear as despesas processuais e 10% do valor atualizado da causa a título de honorários advocatícios; ônus suspensos em virtude da gratuidade de justiça concedida previamente. (evento 163, DOC1)
A parte recorrente argumentou, em linhas gerais, que: a) a sentença incorreu em erro ao qualificar a posse exercida como precária, uma vez que restou demonstrado o exercício contínuo, incontestado e com ânimo de dono por mais de vinte e oito anos; b) a existência de dívida antiga não descaracteriza a posse qualificada, sobretudo porque a pretensão de cobrança encontra-se prescrita, o que afasta a precariedade; c) não se confunde a natureza obrigacional da dívida com a natureza possessória, vez que a prescrição consolidou a posse; d) o interesse de agir não poderia ser afastado com fundamento no IRDR Tema 28, cuja modulação de efeitos restringe sua aplicação às ações propostas após 22/05/2025, enquanto o feito foi distribuído em 17/11/2022; c) a posse cumpriu sua função social e se destinou à moradia dos recorrentes, devendo ser reconhecida à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana e da boa-fé objetiva.
Ao fim, formulou a seguinte pretensão:
Diante do acima exposto, e dos documentos acostados, é a presente apelação para requerer os seguintes pleitos:
a) A REFORMA INTEGRAL DA SENTENÇA, JULGANDO PROCEDENTE a ação de USUCAPIÃO ORDINÁRIA ou até mesmo a EXTRAORDINÁRIA, pois cumprido os requisitos da posse ad usucapione.
b) O RECONHECIMENTO DA POSSE MANSA E PACÍFICA E INTERRUPTA DOS APELANTES sobre o imóvel usucapido.
c) A DECLARAÇÃO DA PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA, afastando qualquer óbice à aquisição da propriedade por usucapião.
d) A INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA, condenando os apelados contestantes (I. L. e D. L.) ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, visto a evidente contrariedade a posse. (evento 180, DOC1)
Com contrarrazões (evento 195, DOC1).
Após, os autos ascenderam a este , rel. Haidée Denise Grin, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 20-04-2023).
Anota-se, porque oportuno, que na hipótese de prescrição da dívida originada do contrato que embasou o início da posse, deve-se descontar o período em que a posse ostentava o caráter precário. Ou seja, somente o período após a consumação da prescrição extintiva é que poderá ser contado para fins de usucapião.
No caso dos autos, há parcas informações sobre os pagamentos realizados pelos autores para adimplemento das parcelas do preço do imóvel. Contudo, o último pagamento relatado nos autos ocorreu em 08/02/2000 (evento 1, DOC9), de sorte que há como presumir que as posteriores não foram pagas. Aplicando-se a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil, bem como o prazo do art. 206, § 5º, I, tem-se que a prescrição se consumou em 10/01/2008.
Portanto, quando do ajuizamento desta ação, já transcorridos cerca de 14 anos, tempo superior ao necessário para a hipótese em comento (art. 1.238, parágrafo único, do Código Civil). Ainda que tenha havido atos incompatíveis com a prescrição (art. 191), inegável que estes ocorreram após o marco final da aquisição (em tese) do domínio do imóvel pelos autores, de sorte que não constitui óbice à procedência da ação.
Ademais, importante destacar que, ressalvado o entendimento pessoal desta magistrada, o Egrégio Grupo de Câmaras de Direito Civil do firmou tese jurídica a ser observada em processos de usucapião (IRDR n. 5061611-54.2022.8.24.0000) no seguinte sentido:
a) a hipótese de aquisição derivada da propriedade, por si só, não impede o ajuizamento da ação de usucapião, por falta de interesse de agir, se demonstrada a existência de um óbice concreto que inviabilize a transmissão da propriedade pelos meios jurídicos e/ou administrativos ordinários.
b) é possível processar a ação de usucapião mesmo em caso de imóvel não matriculado, não desmembrado ou localizado em área não regularizada.
c) à luz do princípio da boa-fé, cuidando-se de transmissão derivada da propriedade, e não havendo prova de empecilho à regularização registral do bem, é inviável processar a ação de usucapião quando evidenciado que a providência pode driblar as regras de parcelamento do solo e ilidir as custas (administrativas e tributárias) exigíveis para o recebimento do título no Ofício de Registro de Imóveis.
A aplicação da tese não é obrigatória ao caso em tela, uma vez que o colegiado referido modulou os efeitos do julgamento, os quais incidirão de forma vinculante apenas nos processos ajuizados após a respectiva publicação (23/05/2025). De qualquer forma, em atenção ao princípio da colegialidade, referido entendimento será adotado por esta relatora também aos processos em curso.
Portanto, a análise da adequação da ação de usucapião, nos casos de aquisição derivada, deverá levar em consideração a existência de um óbice concreto que inviabilize a transmissão da propriedade pelos meios jurídicos e/ou administrativos ordinários.
E, no caso, o óbice está demonstrado, já que os titulares do domínio se recusam a realizar a transferência formal, ao passo que a ação de adjudicação está obstada ante o inadimplemento da obrigação de pagar (que, repisa-se, não é extinta com a prescrição, a qual fulmina apenas a respectiva pretensão). Sobre o tema:
Ação de adjudicação compulsória. Compromisso de compra e venda. Ausência de comprovação do pagamento integral pelo promitente comprador. Artigo 15 do Decreto-lei 58/37. Prescrição da ação de cobrança que não corresponde à quitação. A prescrição reconhecida na sentença atinge apenas a pretensão e não o direito, de forma que, ainda que prescrita a pretensão de cobrança das parcelas vencidas, persiste a obrigação de seu adimplemento. Se o promitente vendedor não pode mais exigir o pagamento do restante do preço do imóvel prometido à venda, por força de uma eventual prescrição, não está, por outro lado, obrigado a outorgar a escritura definitiva pretendida se não recebeu integralmente o preço. (TJSP, AC n. 0001767.57.2012.8260615, rel. Des. Silvério da Silva, j. em 13.08.2014)
Ou seja, não há outra alternativa aos autores senão o ajuizamento da presente usucapião, sob pena de não ser possível a regularização do imóvel.
Ausentes outras questões pendentes (art. 1.013, §§ 1º e 2º, do CPC), e afastados os óbices ao reconhecimento do direito autoral, é medida imperativa a reforma da sentença.
Nesse sentido, JULGO PROCEDENTES os pedidos autorais, resolvendo o mérito (art. 487, I, do CPC), para declarar a prescrição aquisitiva e, em decorrência, o domínio da parte autora sobre o imóvel descrito nos documentos do evento 1, DOC14, evento 1, DOC15 e evento 1, DOC16.
Servirá esta decisão, juntamente com a sua certidão de trânsito em julgado, como título para os registros e averbações necessários perante o Ofício de Registro de Imóveis competente (art. 176-A da Lei de Registros Públicos), respeitadas as formalidades legais, atentando-se à existência de inscrição anterior (evento 1, DOC7).
As diligências judiciais eventualmente necessárias deverão ser conduzidas pelo juízo de primeira instância.
Inverto, por conseguinte os ônus da sucumbência, condenando (evento 61, DOC1), os réus I. L. e D. L. ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes que fixo em 10% do valor atualizado da causa (art. 85, § 2º, do CPC).
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso para, reformando a sentença, julgar procedentes os pedidos, extinguindo o feito com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC).
assinado por GLADYS AFONSO, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6929858v13 e do código CRC 72e79e35.
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Apelação Nº 5006342-04.2022.8.24.0041/SC
RELATORA: Desembargadora GLADYS AFONSO
EMENTA
Ementa: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. contrato de compra e venda não adimplido. ausência de óbice à aquisição do domínio. RECURSO PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente a ação de usucapião.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões em discussão: (i) saber se a posse dos autores é precária, ainda que prescrita a dívida decorrente do contrato de compra e venda celebrado com os donos do imóvel; (ii) saber se a aplicação da tese fixada no IRDR impede a procedência dos pedidos.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A prescrição da dívida do possuidor com o dono da coisa também consuma a transmudação da sua posse, que deixa de ser decorrente diretamente do contrato de compra e venda (precária) e passa a ser qualificada pelo animus domini. Nesta hipótese, deve-se descontar o período em que a posse ostentava o caráter precário.
4. Quando do ajuizamento desta ação, já transcorridos cerca de 14 anos, tempo superior ao necessário para a hipótese em comento (art. 1.238, parágrafo único, do Código Civil). Ainda que tenha havido atos incompatíveis com a prescrição (art. 191), inegável que estes ocorreram após o marco final da aquisição (em tese) do domínio do imóvel pelos autores, de sorte que não constitui óbice à procedência da ação.
5. O Egrégio Grupo de Câmaras de Direito Civil do firmou tese jurídica a ser observada em processos de usucapião no sentido de que "a hipótese de aquisição derivada da propriedade, por si só, não impede o ajuizamento da ação de usucapião, por falta de interesse de agir, se demonstrada a existência de um óbice concreto que inviabilize a transmissão da propriedade pelos meios jurídicos e/ou administrativos ordinários" (IRDR n. 5061611-54.2022.8.24.0000). A análise da adequação da ação de usucapião, nos casos de aquisição derivada, deverá levar em consideração a existência de um óbice concreto que inviabilize a transmissão da propriedade pelos meios jurídicos e/ou administrativos ordinários.
6. No caso, o óbice está demonstrado, já que os titulares do domínio se recusam a realizar a transferência formal, ao passo que a pretensão de adjudicação compulsória está obstada ante o inadimplemento da obrigação de pagar.
IV. DISPOSITIVO
7. Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara de Direito Civil do decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso para, reformando a sentença, julgar procedentes os pedidos, extinguindo o feito com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC), nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por GLADYS AFONSO, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6929859v3 e do código CRC bdd10766.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 11/11/2025
Apelação Nº 5006342-04.2022.8.24.0041/SC
RELATORA: Desembargadora GLADYS AFONSO
PRESIDENTE: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS
PROCURADOR(A): VANIA AUGUSTA CELLA PIAZZA
Certifico que este processo foi incluído como item 150 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 13:17.
Certifico que a 5ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO PARA, REFORMANDO A SENTENÇA, JULGAR PROCEDENTES OS PEDIDOS, EXTINGUINDO O FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO (ART. 487, I, DO CPC).
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora GLADYS AFONSO
Votante: Desembargadora GLADYS AFONSO
Votante: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS
Votante: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA
ROMILDA ROCHA MANSUR
Secretária
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