Relator: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
Órgão julgador:
Data do julgamento: 11 de novembro de 2025
Ementa
RECURSO – Documento:6941867 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 5006685-44.2023.8.24.0015/SC RELATOR: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA RELATÓRIO Trata-se de apelações criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e J. C. D. C. em face da sentença proferida pelo Juízo da Vara Criminal da comarca de Canoinhas que absolveu o acusado J. C. D. C. das imputações descritas no art. 54 da Lei n. 9.605/98 e condenou a ré CINE CAFÉ SHOWS E EVENTOS LTDA (JAIRO CESAR CARVALHO -ME), ao pagamento das custas processuais e de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a título de dano moral coletivo mínimo, valor a ser destinado ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados – FRBL (evento 150, SENT1).
(TJSC; Processo nº 5006685-44.2023.8.24.0015; Recurso: recurso; Relator: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 11 de novembro de 2025)
Texto completo da decisão
Documento:6941867 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5006685-44.2023.8.24.0015/SC
RELATOR: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
RELATÓRIO
Trata-se de apelações criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e J. C. D. C. em face da sentença proferida pelo Juízo da Vara Criminal da comarca de Canoinhas que absolveu o acusado J. C. D. C. das imputações descritas no art. 54 da Lei n. 9.605/98 e condenou a ré CINE CAFÉ SHOWS E EVENTOS LTDA (JAIRO CESAR CARVALHO -ME), ao pagamento das custas processuais e de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a título de dano moral coletivo mínimo, valor a ser destinado ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados – FRBL (evento 150, SENT1).
A denúncia consubstanciou-se nos seguintes fatos (evento 1, INIC1):
Em datas e horários a serem melhor esclarecidos no curso da instrução processual, mas seguramente ao menos desde 20 de janeiro de 20221 , no estabelecimento situado na rua Coronel Albuquerque, n. 747, centro, município de Canoinhas/SC, os denunciados Cine Café Shows e Eventos Ltda e Jairo César Carvalho, de forma consciente e voluntária, causaram poluição sonora em níveis que poderia resultar em danos à saúde humana. A empresa denunciada atua no ramo de entretenimento, mantendo casa de shows em funcionamento todas as sextas, sábados e domingos, durante à noite e madrugada, a qual é administrada por ora denunciado Jairo. Em medições sonoras feitas pela Polícia Científica em diversos dias e horários nos anos de 2022 e 2023, foi constatado que a emissão de sons das atividades do estabelecimento denunciado ultrapassava o limite de 55dB, máximo estabelecido pela NBR 10.151 para o zoneamento, chegando a registrar 63,6dB, causando às pessoas que moram na vizinhança do local constante perturbação aos finais de semanas.
Em suas razões recursais, o Ministério Público, inconformado com a absolvição do réu pessoa física, requer a reforma da sentença para que J. C. D. C. seja condenado como coautor do crime ambiental. Sustenta que a prova técnica e testemunhal demonstra que o apelado tinha pleno conhecimento da emissão de ruídos acima dos limites legais (63,6 dB, quando o máximo permitido é de 55 dB) e, ainda assim, persistiu na realização de eventos musicais sem adotar medidas eficazes para cessar a poluição sonora. Argumenta que o acusado, mesmo após reclamações e medições oficiais, limitou-se a orientações genéricas aos DJs e ao uso de decibelímetro, o que se revelou insuficiente para solucionar o problema. Defende, ainda, que o crime do art. 54 da Lei de Crimes Ambientais é de perigo abstrato, bastando a potencialidade de dano à saúde humana para sua configuração. Desatca que a reiteração das condutas, mesmo após alertas e constatações oficiais, afasta qualquer alegação de boa-fé. Por fim, sustenta que a responsabilização penal da pessoa jurídica não exclui a da pessoa física, nos termos do art. 2º da Lei n. 9.605/1998, sendo possível condenar o administrador que, sabendo da prática ilícita, deixou de impedir sua continuidade. Assim, requer o conhecimento do recurso e, no mérito, seu provimento, para reformar a sentença a fim de para condenar J. C. D. C. pela prática do crime previsto no artigo 54, caput, da Lei n. 9.605/1998, com a fixação do valor mínimo a ser pago pelo réu a título de indenização por dano moral coletivo (evento 156, APELAÇÃO1).
Lado outro, a ré defende a nulidade do laudo pericial que embasou a condenação, por supostos vícios técnicos na metodologia empregada. Argumenta que a avaliação sonora foi realizada pelo método simplificado, embora existissem diversas fontes sonoras externas (como veículos, motocicletas e transeuntes), o que exigiria, segundo a NBR 10151:2019, o método detalhado de medição. Afirma que o uso de metodologia inadequada comprometeu a higidez da prova, tornando o laudo imprestável para comprovação da materialidade delitiva, e requer, por conseguinte, a absolvição com base no princípio do in dubio pro reo. Aduz que não há certeza de que os ruídos medidos decorriam exclusivamente de seu estabelecimento, apontando a existência de outro local de entretenimento nas proximidades (“Bar do Getúlio”), distante cerca de 126 metros, que também produzia ruídos significativos, conforme depoimentos colhidos e abaixo-assinados apresentados nos autos. Assim, destaca que a prova oral é parcial e contaminada por animosidade de vizinhos, não podendo servir como base de condenação. Impugna o quantum da pena de multa e da prestação de serviços à comunidade, alegando ausência de fundamentação idônea para fixação acima do mínimo legal. Defende que, diante da inexistência de dados concretos sobre a capacidade econômica do réu, a multa deve ser reduzida ao mínimo legal. Por fim, questiona o valor da indenização por dano moral coletivo, sustentando que não foram demonstrados prejuízos concretos ou elevada gravidade dos fatos, devendo-se observar os critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Com base no art. 61 do Decreto nº 6.514/2008, requer a redução do montante para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), correspondente ao patamar mínimo da multa administrativa ambiental aplicável em casos de poluição sonora. Dessarte, requer o conhecimento e provimento do recurso na forma postulada (evento 23, RAZAPELA1).
Apresentadas contrarrazões (evento 170, CONTRAZAP1 e evento 26, CONTRAZAP1), os autos ascenderam a esta Corte, oportunidade em que a Procuradoria de Justiça Criminal manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso interposto pelo Ministério Público do Estado, a fim de condenar J. C. D. C. pela prática do crime previsto no artigo 54, caput, da Lei n. 9.605/1998, com a fixação do valor mínimo a ser pago pelo réu a título de indenização por dano moral coletivo, e pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto por CINE CAFÉ SHOWS E EVENTOS LTDA (JAIRO CESAR CARVALHO -ME) (evento 29, PROMOÇÃO1).
Este é o relatório que passo ao Excelentíssimo Senhor Desembargador Revisor.
VOTO
Trata-se de recursos de apelações criminais interpostos pelo Ministério Público e pela defesa contra a sentença proferida pelo Juízo da Vara Criminal da comarca de Canoinhas que, julgando parcialmente procedente a denúncia ofertada, condenou a ré CINE CAFÉ SHOWS E EVENTOS LTDA (JAIRO CESAR CARVALHO -ME) pela prática do crime narrado na inicial, bem como ao pagamento das custas e do valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a título de dano moral coletivo mínimo, com juros e correção monetária.
Admissibilidade recursal
Os recursos merecem ser conhecidos, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.
Considerando as insurgências detalhadas no relatório, passo ao exame da matéria devolvida ao conhecimento desta Câmara.
Da nulidade do laudo pericial (recurso da defesa)
A defesa sustenta que o laudo pericial acostado aos autos seria nulo por não observar os parâmetros técnicos da ABNT NBR 10.151/2019, alegando, em síntese: a) interferência de outras fontes sonoras — como veículos e o estabelecimento denominado Bar do Getúlio, situado nas proximidades; b) ausência do distanciamento mínimo do microfone em relação a muros e paredes; e c) indevida adoção do método simplificado, em detrimento do método detalhado, o que comprometeria a confiabilidade das medições.
A preliminar, contudo, não prospera.
Inicialmente, é importante recordar que a NBR 10.151 é norma técnica que orienta a avaliação do ruído ambiental, prevendo dois métodos distintos: o simplificado, destinado à aferição de sons contínuos ou intermitentes; e o detalhado, aplicável a situações em que se detectam sons tonais, impulsivos ou de curta duração:
O método simplificado é utilizado para medição do nível de pressão sonora global, em ambientes externos ou internos às edificações, para identificação e caracterização de sons contínuos ou intermitentes, conforme descrito em 9.2.
O método detalhado é utilizado na medição do nível de pressão sonora global e espectral em ambientes externos ou internos às edificações, para identificação e caracterização de sons contínuos, intermitentes, impulsivos e tonais, conforme descrito em 9.2, 9.3 e 9.4.
O método detalhado pode ser aplicado também com o registro da variação dos níveis de pressão sonora ao longo do tempo de medição.
O método de monitoramento de longa duração é aplicável para fins de planejamento urbano e para monitoramento por 24 h. Na ocorrência de som intrusivo, os níveis de pressão sonora decorrentes de sua contribuição devem ser excluídos. Este requisito deve ser considerado nas medições de som total, específico e residual. NOTA Nesta Norma, adotam-se as definições de som intrusivo, som total, som específico e som residual estabelecidas na ABNT NBR 16313. Estas definições estão aplicadas em 9.2. (https://www2.uesb.br/biblioteca/wp-content/uploads/2022/03/ABNT-NBR10151-AC%C3%9ASTICA-MEDI%C3%87%C3%83O-E-AVALIA%C3%87%C3%83O-DE-N%C3%8DVEL-SONORO-EM-%C3%81REA-HABITADAS.pdf)
Acerca do método simplificado, tem-se que:
8.1 Método simplificado Antes de iniciar a medição, recomenda-se identificar se as fontes sonoras objeto de medição podem apresentar características de sons tonais e impulsivos. Caso apresentem tais características, deve-se aplicar o método detalhado. Não apresentando, pode-se aplicar o método simplificado. NOTA Para esta caracterização, recomenda-se consultar a ABNT NBR 16313. O ajuste do sonômetro deve ser realizado conforme 7.2. As condições ambientais devem atender ao descrito em 7.3. O tempo de medição deve ser definido conforme descrito em 7.4. As medições de níveis de pressão sonora devem ser realizadas para o descritor LAeq,T, previsto em 7.1.1. Observadas as características do local a ser avaliado, os pontos de medição devem ser distribuídos conforme descrito em 7.5. (https://www2.uesb.br/biblioteca/wp-content/uploads/2022/03/ABNT-NBR10151-AC%C3%9ASTICA-MEDI%C3%87%C3%83O-E-AVALIA%C3%87%C3%83O-DE-N%C3%8DVEL-SONORO-EM-%C3%81REA-HABITADAS.pdf)
No caso em análise, o laudo oficial, elaborado pela Polícia Científica do Estado, descreve que, durante a medição, o estabelecimento encontrava-se em funcionamento normal, com execução de música contínua e sem características tonais ou impulsivas. Tal circunstância, registrada expressamente no corpo do laudo, autoriza o emprego do método simplificado, nos exatos termos do item 9.5.1 da referida norma. Registra-se, a propósito (evento 1, ANEXO2, p. 3)
"4.3 Medições Foram realizadas medições em via pública, a uma distância horizontal mínima de 10 m da fonte sonora, a 1,2 m do solo, com plena visão do estabelecimento (sem obstáculos mecânicos entre ele e o receptor). Iniciaram-se medições do Nível de Pressão Sonora Total (Ltot). O local encontrava-se em pleno funcionamento, emitindo ruídos oriundos da execução de música, predominantemente contínuos, sem características que indicassem a contribuição de sons impulsivos ou tonais. Para cada medição obteve-se um Nível de Pressão Sonora Contínuo Equivalente ponderada em A (LAeq), expresso em decibéis, conforme os resultados apresentados na Tabela 1."
Ainda, de se ver que para excluir sons intrusivos, a perícia utilizou o botão de pausa, conforme expressamente consignado no laudo (evento 1, ANEXO2, p. 3):
Utilizou-se a tecla de pausa do sonômetro para exclusão de sons intrusivos durante todas as medições (excetuados os sons afetos ao estabelecimento em si), portanto, o tempo de medição foi sempre igual ao tempo de integração informado. As condições ambientais de vento, temperatura e umidade relativa do ar estavam de acordo com as especificações das condições de operação do instrumento de medição estabelecidas pelo fabricante.
Ressalte-se que o documento foi subscrito por peritos oficiais, devidamente qualificados, e contém todos os elementos exigidos. Não há, pois, violação à NBR, tampouco irregularidade formal no procedimento técnico adotado.
A tese de que o ruído de outros estabelecimentos ou do tráfego de veículos teria interferido nas medições carece de respaldo empírico. O próprio laudo especifica que as medições foram realizadas em locais externos direcionados ao ponto de emissão sonora do estabelecimento autuado.
Ademais, cabe ressaltar que a defesa não produziu contraprova apta a demonstrar o alegado vício, limitando-se a especular sobre possíveis interferências.
Dessa forma, não se verifica a alegada nulidade, motivo pelo qual a preliminar deve ser rejeitada.
Da imprestabilidade da prova testemunhal/ dosimetria e multa (recurso da defesa)
A defesa ainda sustenta a fragilidade da prova testemunhal, em razão de suposta animosidade entre os vizinhos e, subsidiariamente, requer a redução da pena de multa e a diminuição do valor fixado a título de indenização por dano moral coletivo, por considerá-los desproporcionais e carentes de fundamentação idônea.
Pois bem.
A suposta animosidade entre vizinhos não implica nulidade da prova oral. As testemunhas relataram de forma coerente, convergente e harmônica a perturbação sonora causada pelo funcionamento do estabelecimento, o que reforça a idoneidade dos depoimentos.
Ainda, inexiste demonstração concreta de que tenham falseado a verdade por interesse pessoal.
No tocante à pena, esta foi fixada no mínimo legal, de modo que inviável qualquer redução.
Quanto à indenização por dano moral coletivo, o juízo a quo fundamentou o seguinte (evento 150, SENT1):
"À míngua de critérios objetivos, vale-se este Juízo do disposto no Decreto 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração das infrações e dá outras providências.
No presente caso, considerando a condição econômica da ré, o caráter pedagógico da indenização e a gravidade do fato, fixo o dano moral coletivo em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), com fundamento no art. 66, do Decreto 6.514/2008."
De se ver que o valor de R$ 50.000,00 não se mostra desproporcional, considerando-se: a) a reiteração da conduta poluidora ao longo de meses; b) o número expressivo de moradores afetados; e c) o caráter pedagógico e reparatório da medida.
O art. 61 do Decreto Lei n. 6.514/2008, estabelece que:
"Art. 61. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade:
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais)."
Desta forma, aqui tampouco a sentença comporta alteração e o recurso é desprovido.
Recurso do Ministério Público
O órgão ministerial sustenta, em síntese, que o conjunto probatório demonstra que o réu J. C. D. C., na qualidade de administrador, tinha conhecimento das irregularidades sonoras e podia agir para impedi-las, devendo ser reconhecida sua responsabilidade penal pessoal.
No caso dos autos, a materialidade restou evidenciada pelos elementos juntados na fase da investigação e pelas provas produzidas em Juízo, em especial pelos laudos policiais de avaliação sonora (eventos 1.2 e 1.3), bem como pela prova oral colhida em juízo.
A autoria do delito, em relação ao réu J. C. D. C., também se encontra suficientemente comprovada.
De início, cumpre observar que o próprio acusado, em interrogatório judicial, reconheceu ser o administrador do estabelecimento, responsável direto pela organização dos eventos musicais, pela orientação dos DJs e pela aferição dos níveis de som durante as festas, mediante o uso de decibelímetro; confira-se:
AO JUÍZO: que houve uma acusação em cima do interrogando, mas foi resolvida, sendo solucionada por isolamento acústico; que o isolamento foi providenciado em 2018 ou 2019, ou 2017, não sabendo afirmar exatamente a data; que quando percebe o som, já muda o isolamento, contratando a empresa e solucionando; que já recebeu reclamação de vizinhos, e sempre solucionou as reclamações, o mais rápido possível; que os eventos ocorrem aos sábados; que também ocorrem às sextas, eventualmente; que, quanto à passagem de som, quando há banda, ocorre na parte da tarde, entre 15h e 17h; que quando não há banda, não há passagem de som, mas há um evento pelo DJ, normal, com música gravada. O MPSC nada perguntou. À DEFESA: que o estabelecimento tem isolamento; que recebeu orientação do engenheiro sobre o volume máximo e a orientação foi repassada ao DJ; que afere constantemente com decibelímetro, em todo evento, dentro, na pista e fora; que fora afere todas as ruas onde pode haver divergência de medição; que acompanha todas as noites; que a intenção dos vizinhos é aparentemente de maldade; que contrata as pessoas para limpeza no fim do evento; que toda vida acompanhou os vizinhos e os respeita; que recentemente firmou TAC com o MPSC; que após a regularização, a aferição foi feita pelo interrogando, não sendo exigido que fosse feito por engenheiro.
Tais declarações revelam que o réu exercia efetivo poder de comando sobre a atividade geradora da poluição sonora, apto a caracterizar a coautoria direta do delito.
O tipo penal do artigo 54 da Lei nº 9.605/1998 configura-se como crime formal e de perigo abstrato, consumando-se com a mera exposição da coletividade ao risco de dano à saúde, prescindindo de resultado concreto. Assim, a repetição prolongada da emissão sonora acima dos limites legais é suficiente para caracterizar a infração penal. Confira-se:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Sobre a consumação do crime, Luiz Régis Prado afirma que:
"A conduta incriminadora consiste em causar (originar, produzir, provocar, ocasionar, dar ensejo a) poluição de qualquer natureza, em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade dos animais ou a destruição significativa da flora. Por poluição, em sentido amplo, compreende-se a alteração ou degradação de qualquer um dos elementos físicos ou biológicos que compõem o ambiente. Entretanto, não se pune toda emissão de poluentes, mas tão-somente aquela efetivamente danosa ou perigosa para a saúde humana, ou aquela que provoque a matança de animais ou destruição (desaparecimento, extermínio) significativo da flora. Isto é, exige-se a real lesão ou o risco provável de dano à saúde humana, extermínio de exemplares da fauna local ou destruição expressiva de parcela representativa do conjunto de vegetais de uma determinada região." (Crimes contra o ambiente, 2. Ed., São Paulo: RT, 2001, p. 170/1).
A jurisprudência, da mesma forma, sobretudo do Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5006685-44.2023.8.24.0015/SC
RELATOR: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
EMENTA
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. POLUIÇÃO SONORA (ART. 54, CAPUT, DA LEI N. 9.605/1998). CONDENAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA EM 1º GRAU (DANO MORAL COLETIVO MÍNIMO DE R$ 50.000,00). RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DA DEFESA. PRELIMINAR DEFENSIVA REJEITADA. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelações contra sentença que julgou parcialmente procedente a denúncia, a qual condenou a pessoa jurídica pela prática do delito do art. 54, caput, da Lei n. 9.605/1998 e fixou indenização por dano moral coletivo em R$ 50.000,00. Ministério Público que requer a condenação da pessoa jurídica. Defesa que alega nulidade do laudo, fragilidade da prova oral e pleiteia redução da indenização por dano moral coletivo.
II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO
2. Definir: (i) se o laudo pericial observou a ABNT NBR 10.151/2019 e é válido; (ii) se o conjunto probatório comprova materialidade e autoria do crime de poluição sonora, em relação ao administrador, pessoa física; (iii) se subsiste a condenação da pessoa jurídica e o dano moral coletivo; (iv) se há causas para reduzir as sanções impostas.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Laudo pericial válido. Aplicação idônea do método simplificado, diante da caracterização de sons contínuos/intermitentes e exclusão de sons intrusivos; medições realizadas por peritos oficiais com parâmetros técnicos suficientes. Nulidade afastada. 4. Prova testemunhal coesa e convergente quanto à emissão reiterada de ruído em níveis superiores aos limites, com perturbação do descanso e potenciais danos à saúde. Laudo pericial que confirma a poluição sonora. 5. Delito do art. 54, caput da Lei n. 9.605/1998 que é de perigo abstrato. Basta a exposição da coletividade a risco decorrente de níveis de poluição capazes de provocar danos à saúde humana 6. Autoria do administrador comprovada. Responsabilidade pela gestão operacional do som, controle por decibelímetro, contratação de bandas e direção dos eventos; poder de mando e possibilidade de evitar o resultado, não o fazendo. Medidas acautelatórias insuficientes. Conduta dolosa evidenciada pela reiteração após reclamações e medições. 7. Dano moral coletivo mínimo mantido (R$ 50.000,00): proporcionalidade diante da gravidade, duração, alcance comunitário e caráter pedagógico. Inteligência do art. 61, do Decreto n. 6.514/2008. 8. Dosimetria: pena definitiva de 1 ano de reclusão, regime inicial aberto, substituída por uma restritiva de direitos (art. 44 do CP).
IV. DISPOSITIVO
9. Recursos conhecidos. Preliminar defensiva rejeitada. Recurso do Ministério Público provido para condenar JAIRO CÉSAR CARVALHO como incurso no art. 54, caput, da Lei n. 9.605/1998, à pena de 1 (um) ano de reclusão, em regime aberto, substituída por restritiva de direitos. Recurso da defesa desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso do Ministério Público e dar-lhe provimento, para o fim de condenar o réu JAIRO CESAR CARVALHO à pena de 01 (um) ano de reclusão, em regime aberto, dando-o como incurso nas sanções do art. 54, caput, da Lei n. 9.605/98, substituída na forma da fundamentação e, conhecer do recurso da defesa e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6941868v7 e do código CRC 9b1d268d.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
Data e Hora: 14/11/2025, às 16:42:42
5006685-44.2023.8.24.0015 6941868 .V7
Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 02:17:25.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 06/11/2025 A 12/11/2025
Apelação Criminal Nº 5006685-44.2023.8.24.0015/SC
RELATOR: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
REVISORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
PRESIDENTE: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
PROCURADOR(A): PEDRO SERGIO STEIL
Certifico que este processo foi incluído como item 169 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 21/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 06/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 19:00.
Certifico que a 1ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 1ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DAR-LHE PROVIMENTO, PARA O FIM DE CONDENAR O RÉU JAIRO CESAR CARVALHO À PENA DE 01 (UM) ANO DE RECLUSÃO, EM REGIME ABERTO, DANDO-O COMO INCURSO NAS SANÇÕES DO ART. 54, CAPUT, DA LEI N. 9.605/98, SUBSTITUÍDA NA FORMA DA FUNDAMENTAÇÃO E, CONHECER DO RECURSO DA DEFESA E NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
Votante: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
Votante: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
Votante: Desembargador PAULO ROBERTO SARTORATO
ALEXANDRE AUGUSTO DE OLIVEIRA HANSEL
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 02:17:25.
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