Decisão TJSC

Processo: 5008180-23.2023.8.24.0113

Recurso: recurso

Relator: Desembargador VILSON FONTANA

Órgão julgador:

Data do julgamento: 11 de novembro de 2025

Ementa

RECURSO – Documento:6932239 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5008180-23.2023.8.24.0113/SC RELATOR: Desembargador VILSON FONTANA RELATÓRIO A ação civil pública movida pelo MPSC contra A. C. foi julgada procedente nos seguintes termos: DISPOSITIVO 3. Assim, quer pelo expressamente consignado nesta decisão, quer por tudo que do seu teor decorre, JULGO PROCEDENTE o pleito inicial, extinguindo o processo com resolução de mérito nos termos do art. 487, I, do CPC, para condenar o réu na obrigação de: [a] fazer consistente na especificação da reserva legal do imóvel de sua propriedade, matriculado sob n. 17462 do Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Camboriú, mediante averbação na respectiva matrícula ou inscrição no CAR, junto ao órgão estadual competente (IMA), ou órgão equivalente, nos moldes da lei em vigor, devendo, ainda, providenciar todas as exigências do órgão ambie...

(TJSC; Processo nº 5008180-23.2023.8.24.0113; Recurso: recurso; Relator: Desembargador VILSON FONTANA; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 11 de novembro de 2025)

Texto completo da decisão

Documento:6932239 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5008180-23.2023.8.24.0113/SC RELATOR: Desembargador VILSON FONTANA RELATÓRIO A ação civil pública movida pelo MPSC contra A. C. foi julgada procedente nos seguintes termos: DISPOSITIVO 3. Assim, quer pelo expressamente consignado nesta decisão, quer por tudo que do seu teor decorre, JULGO PROCEDENTE o pleito inicial, extinguindo o processo com resolução de mérito nos termos do art. 487, I, do CPC, para condenar o réu na obrigação de: [a] fazer consistente na especificação da reserva legal do imóvel de sua propriedade, matriculado sob n. 17462 do Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Camboriú, mediante averbação na respectiva matrícula ou inscrição no CAR, junto ao órgão estadual competente (IMA), ou órgão equivalente, nos moldes da lei em vigor, devendo, ainda, providenciar todas as exigências do órgão ambiental, observando os prazos estipulados, para cumprimento em prazo não superior a 180 (cento e oitenta) dias; e [b] recuperar, em 180 dias, mediante adesão ao Programa de Regularização Fundiária (PRA), se for o caso, e manter preservada área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as áreas de preservação permanente (APPs), na proporção de 20% (vinte por cento) do tamanho do imóvel, nos termos do art. 12, II, da Lei n. 12.651/2012 e do art. 125-A da Lei Estadual n. 14.675/2009. Condeno o réu ao pagamento de eventuais custas processuais. Sem honorários, consoante art. 18 da Lei n. 7.347/1985. Sentença não sujeita ao reexame necessário. O recurso é do réu. Alega estar a decisão equivocada por obrigá-lo a uma exigência (averbação da reserva legal na matrícula do imóvel) que não havia em 1982, quando a área se tornou urbana, pois a norma só foi inserida na Lei 4.771/1965 em 1989. Defende ainda que o art. 19 da Lei 12.651/2012, utilizada como parâmetro no julgamento, não pode retroagir. Sustenta, também, que a exigência prevista no art. 804 do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do TJSC, igualmente usada pelo Julgador para embasar o desfecho, foi revogada, e a atual redação apenas prevê a averbação para mera publicidade, além de que não se trata de uma lei, mas mera norma administrativa, motivo pelo qual não pode ser obrigado a observá-la. Há contrarrazões. A douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo desprovimento. É o relatório. VOTO Ficou claro nos autos que a terra em questão, em 1982, havia perdido características rurais, sendo autorizado seu parcelamento para fim de loteamento e comercialização de "sítios de recreio", enumerando-se as chácaras com os respectivos valores a serem mercantilizados. No entanto, ao contrário do que defende o apelante, não há aplicação retroativa da lei ambiental na espécie. A primeira circunstância que deve ser analisada é a (in)existência de reserva legal. O conceito de reserva legal já existia muito antes da Lei 7.803 de 18/7/1989, desde a edição do primeiro Código Florestal Brasileiro em 1934, mas ela apenas consolidou e detalhou o instituto. Basta olhar para a redação original do art. 16 do Código Florestal de 1965 (Lei 4.771), com ênfase para a alínea "a", vigente quando ainda da aprovação do loteamento no imóvel, então rural, em questão, para visualizar o acima descrito: Art. 16. As florestas de domínio privado, não sujeitas ao regime de utilização limitada e ressalvadas as de preservação permanente, previstas nos artigos 2° e 3° desta lei, são suscetíveis de exploração, obedecidas as seguintes restrições:    a) nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-Oeste, esta na parte sul, as derrubadas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas, desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada propriedade com cobertura arbórea localizada, a critério da autoridade competente; b) nas regiões citadas na letra anterior, nas áreas já desbravadas e previamente delimitadas pela autoridade competente, ficam proibidas as derrubadas de florestas primitivas, quando feitas para ocupação do solo com cultura e pastagens, permitindo-se, nesses casos, apenas a extração de árvores para produção de madeira. Nas áreas ainda incultas, sujeitas a formas de desbravamento, as derrubadas de florestas primitivas, nos trabalhos de instalação de novas propriedades agrícolas, só serão toleradas até o máximo de 30% da área da propriedade; c) na região Sul as áreas atualmente revestidas de formações florestais em que ocorre o pinheiro brasileiro, "Araucaria angustifolia" (Bert - O. Ktze), não poderão ser desflorestadas de forma a provocar a eliminação permanente das florestas, tolerando-se, somente a exploração racional destas, observadas as prescrições ditadas pela técnica, com a garantia de permanência dos maciços em boas condições de desenvolvimento e produção; d) nas regiões Nordeste e Leste Setentrional, inclusive nos Estados do Maranhão e Piauí, o corte de árvores e a exploração de florestas só será permitida com observância de normas técnicas a serem estabelecidas por ato do Poder Público, na forma do art. 15. (Grifos próprios). Referidos percentuais, a depender da localização da propriedade, sofreram modificações posteriores pela Medida Provisória n. 2.166-67/2001, mas a essência permanecia a mesma, de reserva vegetacional, e ao que importa o imóvel, na prática, permanecia sendo 20%, independente da ótica: Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001) (Regulamento) [...] III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001) IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001) Sendo assim, possível verificar que o § 2º, inserido no art. 16, antes transcrito, pela Lei 7.803/1989, apenas deu nome a essa proteção especial, além de trazer então a exigência de averbação na matrícula do imóvel, antes inexistente: "A reserva legal, assim entendida a área de, no mínimo, 20% (vinte por cento) de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada, a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área". Entrementes, foi também na Medida Provisória de 2001, citada alhures, que foi inserida de maneira expressa a definição jurídica desse instituto: Art. 1° As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem. [...] § 2o  Para os efeitos deste Código, entende-se por: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001) (Vide Decreto nº 5.975, de 2006) III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001) Contudo, como disse inicialmente, embora inexistisse o nomen juris na redação original do Código Florestal de 1965, isso não impedia seu reconhecimento e aplicação da lei, pois o direito se rege pela substância, e não pela forma. Posteriormente, sobreveio o Código Florestal de 2012 (Lei n. 12.651), que revogou a lei anterior, mas manteve o conceito de reserva legal em novo dispositivo (art. 3º, III), com capítulo específico (IV), com novos parâmetros e respectivos percentuais definidos, reiterando os 20% para qualquer imóvel rural "nas demais regiões do País" (art. 12, II, § 2º). O novo diploma também consolidou a exigência de averbação dessa área de proteção (Reserva Legal) na matrícula do Imóvel, dispensando-a apenas em caso de inscrição no CAR (art. 18, § 4º).  Não suficiente, o art. 19 do Código Florestal de 2012 dispôs que "A inserção do imóvel rural em perímetro urbano definido mediante lei municipal não desobriga o proprietário ou posseiro da manutenção da área de Reserva Legal, que só será extinta concomitantemente ao registro do parcelamento do solo para fins urbanos aprovado segundo a legislação específica e consoante as diretrizes do plano diretor de que trata o § 1º do art. 182 da Constituição Federal" (Grifos próprios). Estabelecidas essas premissas, retorno ao caso concreto. O imóvel em análise "nasceu" rural, e desde aquela época exigia-se a preservação de uma área mínima de vegetação segundo a lei vigente à época (Reserva Legal). Foi autorizada a conversão do uso do imóvel de rural para urbano em 1982, levada a efeito (registrada), apenas muitos anos depois, em 2014. Logo, para todos os fins, ao longo dessas 4 décadas, permanecia sendo "rural" (afinal, não concretizada a conversão no interregno). Por consequência, as alterações promovidas na legislação ambiental ao longo do tempo lhe são aplicáveis, especialmente as do Código Florestal de 2012 (tempus regit actum) atinentes à averbação na matrícula e inscrição no CAR. Por seu turno, o Código de Normas da Corregedoria-Geral do Foro Extrajudicial deste TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5008180-23.2023.8.24.0113/SC RELATOR: Desembargador VILSON FONTANA EMENTA APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESERVA LEGAL. INSTITUTO EXISTENTE DESDE O PRIMEIRO CÓDIGO FLORESTAL, APERFEIÇOADO E MANTIDO ATÉ O ATUAL. IMÓVEL RURAL CONVERTIDO EM URBANO MEDIANTE REGISTRO APENAS EM 2014 COM INOBSERVÂNCIA DA OBRIGAÇÃO de INSTITUIÇÃO E AVERBAÇÃO DA RESPECTIVA ÁREA DE PROTEÇÃO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL, OU SUA INSCRIÇÃO NO CAR. TEMPUS REGIT ACTUM. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara de Direito Público do decidiu, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Florianópolis, 11 de novembro de 2025. assinado por VILSON FONTANA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6932240v6 e do código CRC 03b2e146. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): VILSON FONTANA Data e Hora: 11/11/2025, às 15:57:38     5008180-23.2023.8.24.0113 6932240 .V6 Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:33:13. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 11/11/2025 Apelação Nº 5008180-23.2023.8.24.0113/SC RELATOR: Desembargador VILSON FONTANA PRESIDENTE: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA PROCURADOR(A): ONOFRE JOSE CARVALHO AGOSTINI Certifico que este processo foi incluído como item 96 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 13:48. Certifico que a 5ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão: A 5ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador VILSON FONTANA Votante: Desembargador VILSON FONTANA Votante: Desembargador Substituto ALEXANDRE MORAIS DA ROSA Votante: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA ANGELO BRASIL MARQUES DOS SANTOS Secretário Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:33:13. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas