Relator: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
Órgão julgador:
Data do julgamento: 30 de maio de 2023
Ementa
RECURSO – APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/2006. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO RÉU. PRELIMINARES. I) NULIDADE. PERSECUÇÃO PENAL INICIADA COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA. ALEGAÇÃO DE INIDONEIDADE DO ATO PARA ENSEJAR A INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL OU DEFLAGRAÇÃO DE AÇÃO PENAL. NÃO CONHECIMENTO. PRECLUSÃO E INOVAÇÃO RECURSAL. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DA DEFESA ACERCA DE REFERIDA MÁCULA DURANTE TODA A INSTRUÇÃO PROCESSUAL, IMPEDINDO A ANÁLISE E
(TJSC; Processo nº 5012235-50.2023.8.24.0005; Recurso: recurso; Relator: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 30 de maio de 2023)
Texto completo da decisão
Documento:7018675 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5012235-50.2023.8.24.0005/SC
RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
RELATÓRIO
Na comarca de Balneário Camboriú, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de I. K. M., pelo cometimento, em tese, do crime de tráfico de drogas, em razão dos fatos assim narrados na peça acusatória (evento 1, DENUNCIA1):
No dia 30 de maio de 2023, a Polícia Militar recebeu denúncias de pessoas não identificadas que o denunciado, vulgo "japa", realizava o tráfico na orla da praia e no pontal da barra norte, nesta cidade, e utilizava-se de um quarto no hostel situado rua Mingote Serafim, n. 275, bairro Pioneiros, para esconder os entorpecentes (fls. 03/10 – Evento 1). A fim de averiguar essa informação, agentes foram até o imóvel, quando avistaram o denunciado no pátio (área comum). Em seguida, foi solicitado apoio da Agência de Inteligência para realização de monitoramento velado, ocasião em que Igor foi flagrado saindo do seu quarto e colocando algo em sua meia. Diante disso, policiais militares adentraram no local e realizaram a abordagem, em revista pessoal, foram encontrados 24g (vinte e quatro) de maconha (escondidas no tênis). Questionado sobre a existência de mais droga em seu quarto, Igor confirmou. Realizadas buscas, foram apreendidos 466g (quatrocentos e sessenta e seis gramas) de maconha, 90g (noventa gramas) de "haxixe", 4g (quatro gramas) de cocaína, 100g (cem gramas) de ecstasy, 3 (três) balanças de precisão com resquícios de droga, R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) e 22 (vinte e duas) folhas com anotações referentes ao tráfico (fl. 20 – Evento 1). Ante o exposto, ele foi preso em flagrante delito. Em interrogatório, Igor permaneceu em silêncio (vídeo 1 – Evento 1). O denunciado agiu livre e conscientemente, trazendo consigo e guardando droga, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Encerrada a instrução processual e apresentadas alegações finais pelas partes, sobreveio sentença oral que contou com o seguinte dispositivo (evento 106, SENT1):
Isto posto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a denúncia para, em consequência, CONDENAR o acusado I. K. M. à pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial aberto e substituída por duas penas restritivas de direitos, bem como ao pagamento de 333 (trezentos e trinta e três) dias-multa, no valor individual de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao art. 33, caput e § 4º da Lei n.º 11.343/2006.
Inconformado, o acusado interpôs o presente recurso de apelação criminal. Nas suas razões recursais sustentou, em suma, a nulidade da abordagem pessoal e posterior incursão domiciliar, dada a fragilidade dos relatos dos policiais, e a consequente absolvição do apelante; a majoração da fração eleita para a concessão do benefício do tráfico privilegiado para o seu grau máximo (evento 11, RAZAPELA1).
Contrarrazões da acusação pela manutenção incólume da sentença recorrida (evento 14, PROMOÇÃO1).
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Senhor Procurador de Justiça Dr. MARCÍLIO DE NOVAES COSTA, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 24, PROMOÇÃO1).
Este é o relatório.
VOTO
1. Admissibilidade.
O recurso interposto preenche integralmente os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual é conhecido.
2. Preliminar.
A defesa argumenta que a abordagem policial e a entrada na residência do réu ocorreram sem fundada suspeita, baseando-se apenas em denúncia anônima, sem diligências prévias. A testemunha proprietária do imóvel confirmou que Igor estava no interior da residência e que houve dano à porta, indicando ausência de consentimento válido. Invoca jurisprudência do STF e STJ que exige elementos concretos para justificar medidas invasivas, destacando que a mera denúncia anônima não autoriza busca pessoal ou domiciliar. Requer, assim, o reconhecimento da ilicitude das provas obtidas e sua desconsideração nos termos do art. 157 do CPP.
Sem razão, antecipa-se.
Para melhor compreensão acerca da dinâmica havida no dia dos fatos, cuja elucidação é imprescindível para a análise das nulidades invocadas, transcreve-se a suma dos depoimentos colhidos sob o crivo do contraditório.
Os policiais militares relataram que, após receberem denúncia anônima de que o réu I. K. M., conhecido como “Japa”, estaria praticando tráfico de drogas na orla da praia e no pontal da barra norte, e utilizaria um determinado imóvel como depósito dos entorpecentes. Deslocaram-se até o local indicado. A denúncia também mencionava que ele utilizava um quarto em uma espécie de "hostel" para esconder os entorpecentes. Ao chegarem ao imóvel, os policiais afirmaram ter avistado Igor no pátio da residência. Diante disso, solicitaram apoio da guarnição da Agência de Inteligência, que atua à paisana, para monitorar o local mais detidamente. Após monitoramento realizado pela Agência de Inteligência, observaram o réu saindo do quarto e acondicionando algo na meia. Tais informações foram repassadas pela AIPMSC para a guarnição de patrulhamento ostensivo que teria iniciado a diligência. Estes últimos, então, realizaram abordagem e, em revista pessoal, encontraram 24 gramas de maconha escondidas na meia do réu, sob a calça. Questionado, Igor teria confirmado a existência de mais drogas em seu quarto locado naquele imóvel. Na busca realizada no interior do cômodo, foram apreendidos 466g de maconha, 90g de haxixe, 4g de cocaína, 100g de ecstasy, três balanças de precisão com resquícios de droga, R$ 150,00 em espécie e 22 folhas com anotações relacionadas ao tráfico.
Por outro lado, a testemunha de defesa Cecília Wolf Inda, proprietária do imóvel, afirmou que Igor estava no interior da residência no momento da chegada dos policiais, contrariando a versão de que ele estaria no pátio. Esclareceu que o imóvel não se tratava de um hostel ou habitação coletiva, mas sim de uma residência com quartos alugados, sendo o de Igor uma antiga dependência de empregada. A testemunha relatou que os policiais solicitaram ingresso, mas não se recorda se houve consentimento, apenas que disseram: “se tu não abrir vamos arrombar”. Confirmou que visualizou a porta e outros itens danificados após a entrada dos agentes, mas que nada ouviu nesse sentido durante a ocorrência. Além disso, afirmou que a namorada de Igor à época também estava presente no local.
O acusado, por sua vez, permaneceu em silêncio em ambas as etapas procedimentais.
A tese defensiva de que a abordagem policial e o ingresso na residência do réu ocorreram sem fundada suspeita, baseando-se apenas em denúncia anônima, sem diligências prévias, não se sustenta diante do conjunto probatório constante dos autos.
Conforme reiteradamente afirmado pelos policiais militares em sede policial e judicial, a diligência não se baseou exclusivamente na denúncia anônima, mas também em monitoramentos realizados no imóvel apontado como sendo utilizado pelo réu para armazenar as drogas que comercializava na orla da para na barra norte da cidade.
Durante o monitoramento realizado pela Agência de Inteligência, os policiais observaram o réu saindo do quarto que ocupava no imóvel e acondicionando um invólucro na meia, conduta que, além de inusitada, indicava tentativa de ocultação de objeto suspeito. A cena visualizada corroborava diretamente a denúncia anônima recebida, que apontava o uso daquele espaço como depósito de drogas destinadas à comercialização na orla da praia e na barra norte da cidade. A atitude do réu, somada à informação prévia e à dinâmica observada, configurou fundada suspeita suficiente para justificar a abordagem e as diligências subsequentes.
Importa destacar que a denúncia anônima recebida não se mostrava vaga ou genérica, mas continha elementos específicos e verificáveis. Indicava o apelido do réu — “Japa” — que coincide com seu fenótipo, apontava os locais onde ele costumava comercializar os entorpecentes (orla da praia e pontal da barra norte) e mencionava o endereço exato do imóvel utilizado para armazenar as substâncias ilícitas. Tais informações, por sua precisão e detalhamento, revelavam plausibilidade e justificavam a solicitação de monitoramento pela Agência de Inteligência. A diligência velada, por sua vez, reforçou as suspeitas já levantadas com a informação prévia, ao confirmar a presença do réu no imóvel e registrar sua conduta típica de ocultação de objeto na meia, o que, a meu ver, acabou por legitimar a abordagem e as medidas subsequentes.
Diante desse contexto, é possível afirmar que a atuação policial foi precedida de elementos objetivos que, somados à natureza permanente do crime de tráfico de drogas, justificaram a incursão no domicílio sem mandado judicial.
De acordo com o art. 5º, XI, da Constituição, "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
O Supremo Tribunal Federal determinou que o ingresso policial em domicílio, sem mandado judicial, é possível, mesmo em período noturno, contanto que haja fundadas razões, consubstanciadas em elementos probatórios mínimos que indiquem flagrante delito, devidamente justificadas a posteriori (Tema n. 280, STF).
Como forma de exigir maior acuidade na atividade estatal repressiva, e impor limites legais e constitucionais, o Tribunal da Cidadania, em diversos julgados, vem exigindo um standard probatório a autorizar o ingresso policial, orientando a necessidade de elementos objetivos acerca da prática do tráfico de drogas (HC 598.051, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 2.3.21).
Por mais que não sejam desconhecidos os posicionamentos da Corte Cidadã invalidando ações policiais, fato é que, recentemente, eles têm sido cassados pela Suprema Corte. No RE n. 1447374/MS, rel. Ministro Alexandre de Moraes, j. em 30-8-2023, o STF reafirmou que a justa causa não demanda certeza do delito, mas fundadas razões, destacando que o STJ, ao impor a indispensabilidade de investigação ou diligência prévia à incursão domiciliar, extrapolou sua competência ao acrescentar requisito não previsto no art. 5º, XI, da Constituição Federal, em inobservância aos parâmetros definidos no Tema 280, sedimentado em precedente de repercussão geral.
Inclusive, no julgado anteriormente citado (STF, RE 1447374/MS, rel. Ministro Alexandre de Moraes, j. 30-8-2023), a Suprema Corte validou incursão em que os policiais recebem denúncia anônima de que um indivíduo estaria traficando drogas e, ao dirigem-se ao local apontado, o suspeito evadiu-se para o interior da residência.
A diligência, portanto, não se deu de forma arbitrária ou aleatória, mas como resposta imediata a uma situação concreta de flagrante delito, plenamente amparada pelo artigo 5º, XI, da Constituição Federal e pela jurisprudência consolidada dos tribunais superiores.
Em situação semelhante, colaciona-se:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/2006. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO RÉU. PRELIMINARES. I) NULIDADE. PERSECUÇÃO PENAL INICIADA COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA. ALEGAÇÃO DE INIDONEIDADE DO ATO PARA ENSEJAR A INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL OU DEFLAGRAÇÃO DE AÇÃO PENAL. NÃO CONHECIMENTO. PRECLUSÃO E INOVAÇÃO RECURSAL. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DA DEFESA ACERCA DE REFERIDA MÁCULA DURANTE TODA A INSTRUÇÃO PROCESSUAL, IMPEDINDO A ANÁLISE E JULGAMENTO DA QUESTÃO PELO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU. II) NULIDADE. INVASÃO DOMICILIAR. ATUAÇÃO POLICIAL PAUTADA EXCLUSIVAMENTE EM DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS PASSÍVEIS DE JUSTIFICAR O INGRESSO DOS POLICIAIS NA RESIDÊNCIA DO AGENTE. EIVA AFASTADA. PRESENÇA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA JUSTIFICAR A ATUAÇÃO POLICIAL. DENÚNCIA DE INFORMANTE DA POLÍCIA ACERCA DO TRÁFICO COMETIDO PELO APELANTE EM SUA RESIDÊNCIA. IDENTIFICAÇÃO DO NOME DO AGENTE E SEU ENDEREÇO RESIDENCIAL, LOCAL EM QUE ERA COMETIDA A PRÁTICA DELITIVA. EVASÃO DO APELANTE E DISPENSA DE DROGA AO DEPARAR-SE COM A PRESENÇA DOS POLICIAIS. PRELIMINAR AFASTADA. [...] (TJSC, ApCrim 0012073-80.2019.8.24.0038, 4ª Câmara Criminal, Relator para Acórdão JOSÉ EVERALDO SILVA, D.E. 09/08/2022)
EMENTA: REVISÃO CRIMINAL. CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO E RECEPTAÇÃO (ARTIGOS 33, CAPUT, E 35, CAPUT, AMBOS DA LEI N. 11.343/06, E ARTIGO 180, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). PLEITO REVISIONAL QUE VISA RECONHECER A NULIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE, DIANTE DA VIOLAÇÃO DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR. IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. DENÚNCIAS ANÔNIMAS PRETÉRITAS INDICANDO A REALIZAÇÃO DE TRÁFICO NA LOCALIDADE ONDE OS FATOS OCORRERAM. AGENTES POLICIAIS QUE PERSEGUEM OS AGENTES QUE EMPREENDEM FUGA DA VIA PÚBLICA ASSIM QUE NOTAM A PRESENÇA POLICIAL. ABORDAGEM REALIZADA NOS FUNDOS DA PARTE EXTERNA DA RESIDÊNCIA. DROGAS E DINHEIRO APREENDIDOS APÓS SEREM DISPENSADOS POR UM DOS AGENTES. ADEMAIS, REVISANDO CONDENADO POR DELITOS DE NATUREZA PERMANENTE. DISPENSA DO MANDADO JUDICIAL. ENTRADA EM RESIDÊNCIA CORROBORADA PELOS ELEMENTOS INFORMATIVOS. JUSTA CAUSA COMPROVADA. VÍCIO INEXISTENTE. CONDENAÇÃO MANTIDA. PEDIDO REVISIONAL IMPROCEDENTE. (TJSC, RevCrim 5003080-72.2022.8.24.0000, Segundo Grupo de Direito Criminal, Relatora para Acórdão CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER, julgado em 30/03/2022)
Ainda que se admita, em tese, a ausência de consentimento válido para o ingresso no imóvel, fato é que o cenário prévio à abordagem — composto por denúncia anônima precisa, monitoramento velado e visualização de conduta suspeita — já configurava situação de possível flagrante delito, apta a justificar a medida mais invasiva. A natureza permanente do crime de tráfico de drogas, aliada aos elementos objetivos colhidos antes da incursão, dispensava a exigência de mandado judicial ou autorização expressa do morador, nos termos do art. 5º, XI, da Constituição Federal e da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal.
Assim, afasta-se a alegação de nulidade, reconhecendo-se a existência de fundadas razões para a medida, legitimadas por critérios objetivos e por cenário pretérito ao ingresso no imóvel, o que autoriza a validade das provas produzidas.
3. Mérito.
Sustenta-se que a condenação se baseou exclusivamente em relatos policiais contraditórios e incoerentes com os demais elementos dos autos. A defesa aponta a ocorrência de injustiça epistêmica, com supervalorização da palavra dos agentes, e menciona o fenômeno conhecido como dropsy testimony, que consiste em narrativas artificiais para legitimar ações policiais ilegais. Cita precedentes que reforçam a necessidade de análise rigorosa da verossimilhança e coerência dos depoimentos, especialmente quando são a única prova da acusação.
Todavia, a alegação defensiva de que a condenação se baseou exclusivamente em relatos policiais contraditórios e incoerentes com os demais elementos dos autos não encontra respaldo no conjunto probatório.
A tese de injustiça epistêmica, com suposta supervalorização da palavra dos agentes públicos, bem como a referência ao fenômeno denominado dropsy testimony, não se sustenta diante da coerência dos depoimentos prestados, da ausência de qualquer indício de má-fé ou intenção de prejudicar pessoalmente o réu, e da harmonia entre os relatos e os demais elementos de prova.
Os policiais militares Rodrigo William Oliveira Silva e Thiago Cestari Silva prestaram declarações firmes e convergentes, tanto na fase inquisitorial quanto em juízo, descrevendo com clareza a dinâmica da abordagem, o monitoramento realizado pela Agência de Inteligência, a conduta suspeita do réu ao ocultar substância na meia, a abordagem imediata e a existência de mais drogas em seu quarto. A testemunha de defesa, Cecília Wolf Inda, embora tenha apresentado versão distinta quanto à localização inicial do réu, não comprometeu a essência dos acontecimentos, tampouco infirmou os relatos policiais, especialmente no que diz respeito à apreensão dos entorpecentes.
Aliás, a validade da apreensão já restou devidamente chancelada no capítulo anterior, de modo que não há dúvidas de que o réu guardava ou tinha em depósito significativa quantidade de substâncias ilícitas, a saber: 466g de maconha, 90g de haxixe, 2 comprimidos de ecstasy, três balanças de precisão com resquícios de droga, R$ 150,00 em espécie e 22 folhas com anotações referentes ao tráfico. Tanto é assim que a defesa sequer adentra o debate acerca da licitude ou da origem das substâncias localizadas na posse do réu, concentrando-se exclusivamente em aspectos formais da abordagem.
Diante desse cenário, é possível afirmar que há plausibilidade e relevância probatória nos depoimentos prestados pelos policiais, os quais foram colhidos sob o crivo do contraditório e encontram respaldo nos demais elementos dos autos. A materialidade e a autoria delitiva estão demonstradas de forma segura, não havendo espaço para acolhimento do pleito absolutório.
4. Dosimetria.
A sentença aplicou a causa de diminuição de pena na fração de 1/3, sem fundamentação para afastar o grau máximo. A defesa requer a aplicação da fração de 2/3, por entender que as circunstâncias do caso autorizam o redutor em seu patamar mais benéfico.
Todavia, com base no conjunto probatório dos autos, não há como acolher o pleito defensivo em questão.
Inicialmente, destaca-se que a primariedade, os bons antecedentes, a não dedicação às atividades criminosas e a não integração à facções e/ou organizações criminosas são requisitos cumulativos expressamente exigidos pela legislação para que a causa especial de diminuição de pena em comento seja reconhecida, o que não se confunde com a fração redutora a ser aplicada, a qual deverá atentar-se aos critérios estabelecidos no artigo 42 da Lei de Drogas, que assim dispõe:
Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.
Assim, acerca destes critérios, ensinam Luis Flávio Gomes, Alice Bianchini, Rogério Sanches e William Terra de Oliveira:
A simples leitura do parágrafo pode induzir o intérprete a imaginar que o benefício está na órbita discricionária do juiz. Contudo, parece-nos que, preenchidos os requisitos, o magistrado não só pode, como deve reduzir a pena, ficando a sua discricionariedade (motivada) limitada à fração minorante (esta orientada pela quantidade e/ou espécie da droga apreendida) (Lei de drogas comentada. Lei 11.343, de 23/8/2006. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 197).
No caso concreto, foram apreendidas três espécies distintas de entorpecentes — maconha, haxixe e ecstasy — acondicionadas de forma fracionada e compatível com a finalidade de comercialização. A quantidade total de droga, embora não seja exorbitante, é digna de relevo. Além disso, foram apreendidas três balanças de precisão e 22 folhas de anotações relativas ao comércio proscrito.
Tais elementos demonstram que o réu mantinha não apenas posse eventual de substâncias entorpecentes, mas estrutura voltada à comercialização reiterada, o que justifica o afastamento da aplicação da fração máxima do redutor. A diversidade das substâncias, o modo de acondicionamento, os instrumentos típicos da traficância e os registros de movimentação financeira conferem maior reprovabilidade à conduta, justificando a aplicação da fração mínima de 1/3, como corretamente fixado na sentença.
Desta feita, reputa-se adequada a fração eleita pelo juízo de origem, não havendo reparos a serem feitos na dosimetria da pena.
Dispositivo.
Ante o exposto, voto por conhecer do recurso, afastar a preliminar arguida e, quanto ao mérito, negar-lhe provimento.
assinado por ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7018675v13 e do código CRC 1d050477.
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Apelação Criminal Nº 5012235-50.2023.8.24.0005/SC
RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
EMENTA
DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. DENÚNCIA ANÔNIMA PRECISA. MONITORAMENTO VELADO. FLAGRANTE DELITO. LEGITIMIDADE DA ABORDAGEM E DA INCURSÃO DOMICILIAR. dosimetria. RECURSO defensivo DESPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Recurso de apelação interposto por réu condenado à pena de 3 anos e 4 meses de reclusão, substituída por restritivas de direitos, pela prática do crime de tráfico de drogas. A defesa alegou nulidade da abordagem e da incursão domiciliar, bem como pleiteou a aplicação da fração máxima do redutor do tráfico privilegiado.
II. Questão em discussão
2. A controvérsia recursal envolve: (i) a legalidade da abordagem policial e da entrada no domicílio sem mandado judicial; (ii) a validade dos depoimentos policiais como prova única da acusação; (iii) a adequação da fração de 1/3 aplicada à causa de diminuição de pena do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A diligência policial foi precedida de denúncia anônima precisa, contendo apelido, fenótipo, locais de comercialização e endereço de armazenamento, seguida de monitoramento velado que confirmou conduta suspeita, legitimando a abordagem e a incursão no imóvel, em situação de flagrante delito.
4. Os depoimentos dos policiais foram firmes, coerentes e convergentes, colhidos sob contraditório, sem qualquer indício de má-fé ou intenção persecutória, e encontram respaldo nos demais elementos dos autos. A testemunha de defesa não infirmou os relatos, tampouco comprometeu a essência da narrativa dos fatos.
5. A apreensão de 466g de maconha, 90g de haxixe, comprimidos de ecstasy, balanças de precisão, dinheiro e anotações manuscritas revela estrutura voltada à traficância, justificando a aplicação da fração mínima de 1/3 para a concessão do benefício previsto no artigo 33, §4º da Lei 11.343/06 (tráfico privilegiado), conforme critérios do art. 42 da Lei de Drogas.
IV. DISPOSITIVO
6. Recurso conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso, afastar a preliminar arguida e, quanto ao mérito, negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7018676v3 e do código CRC beb1202b.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 06/11/2025 A 12/11/2025
Apelação Criminal Nº 5012235-50.2023.8.24.0005/SC
RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
PRESIDENTE: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
PROCURADOR(A): PEDRO SERGIO STEIL
Certifico que este processo foi incluído como item 216 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 21/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 06/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 19:00.
Certifico que a 1ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 1ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO, AFASTAR A PRELIMINAR ARGUIDA E, QUANTO AO MÉRITO, NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
Votante: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
Votante: Desembargador PAULO ROBERTO SARTORATO
Votante: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI
ALEXANDRE AUGUSTO DE OLIVEIRA HANSEL
Secretário
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