Relator: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
Órgão julgador:
Data do julgamento: 19 de dezembro de 2006
Ementa
RECURSO – Documento:7013932 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 5013838-27.2021.8.24.0039/SC RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO RELATÓRIO Na 3ª Vara Criminal da Comarca de Lages/SC, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de J. T. F., pelo cometimento, em tese, do crime previsto no artigo 32, caput, da Lei n. 9.605/1998, na forma do artigo 71 do Código Penal, em razão dos fatos assim descritos na peça acusatória (evento 1, DOC1): Em datas a serem melhor precisadas durante a instrução processual, mas certo de que desde março de 2021, na Rua Valdeck Sampaio, quadra 4, lote 14, no bairro Araucária, nesta cidade e comarca, a denunciada J. T. F. praticou, de forma habitual, atos de maus tratos contra um cavalo de sua propriedade, o qual era mantido em condições inadequadas, amarrado em um poste em frente à residência, ...
(TJSC; Processo nº 5013838-27.2021.8.24.0039; Recurso: recurso; Relator: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:7013932 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5013838-27.2021.8.24.0039/SC
RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
RELATÓRIO
Na 3ª Vara Criminal da Comarca de Lages/SC, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de J. T. F., pelo cometimento, em tese, do crime previsto no artigo 32, caput, da Lei n. 9.605/1998, na forma do artigo 71 do Código Penal, em razão dos fatos assim descritos na peça acusatória (evento 1, DOC1):
Em datas a serem melhor precisadas durante a instrução processual, mas certo de que desde março de 2021, na Rua Valdeck Sampaio, quadra 4, lote 14, no bairro Araucária, nesta cidade e comarca, a denunciada J. T. F. praticou, de forma habitual, atos de maus tratos contra um cavalo de sua propriedade, o qual era mantido em condições inadequadas, amarrado em um poste em frente à residência, conforme registro fotográfico de fls. 17/18 (evento 1).
Além disso, em atendimento às denúncias, fiscais da Secretaria de Serviços Públicos, em mais de uma oportunidade, identificaram que o animal apresentava lesões nos membros torácicos, pélvicos e na crista, lesões avermelhadas, abcessos e feridas com pus, além de claudicação pela contenção inadequada, conforme relatórios de fls. 23 e 31, circunstâncias que motivaram a apreensão do equino para atendimento veterinário e entrega a fiel depositário.
Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais pela acusação e pela defesa, sobreveio sentença que julgou procedente a pretensão deduzida na denúncia, para condenar a acusada nos seguintes termos (evento 100, SENT1):
JULGO PROCEDENTE a denúncia e, em consequência CONDENO a ré, J. T. F., qualificado nos autos, como incursa nas sanções do art. 32, caput da Lei n. 9.605/98, à pena de 4 (quatro) meses e 2 (dois) dias de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto e 12 (doze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, corrigido até a data do efetivo pagamento.
Irresignada, a acusada interpôs recurso de apelação (evento 113, CERT1). Nas razões recursais, a defesa pleiteia a absolvição da apelante, sob o argumento de que não há provas suficientes para demonstrar o dolo na conduta imputada (evento 115, RAZAPELA1).
Contrarrazões do Ministério Público pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 119, PROMOÇÃO1).
Lavrou parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça o douto Procurador Rui Arno Richter, que se manifestou pelo conhecimento da insurgência, mas pelo seu não provimento (evento 9, PROMOÇÃO1).
Este é o relatório.
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto por J. T. F. contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Lages/SC que, ao julgar procedente a pretensão deduzida na denúncia, a condenou ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 4 (quatro) meses e 2 (dois) dias de detenção, em regime aberto, além do pagamento de 12 (doze) dias-multa, por infração ao disposto no artigo 32, caput, da Lei n. 9.605/1998.
1. Da admissibilidade
O recurso interposto preenche integralmente os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual é conhecido.
2. Do mérito
A defesa pleiteia pela absolvição da apelante, sob o fundamento, em síntese, de que não há provas suficientes para demonstrar que ela agia com a intenção de maltratar ou causar sofrimento ao animal.
O pedido, adianta-se, não merece acolhimento.
Inicialmente, cumpre destacar que, quanto à materialidade e à autoria delitiva, não há controvérsia nos autos. Tais elementos foram devidamente reconhecidos pelo Juízo de origem, com base nos elementos constantes do inquérito policial, corroborados sob o crivo do contraditório, especialmente por meio de prova documental — como boletim de ocorrência, relatório de vistoria, autos de notificação e apreensão e pelas fotografias do animal — e pela prova oral colhida ao longo da instrução criminal. Trata-se, portanto, de questão pacificada, que não constitui objeto de insurgência no presente recurso, razão pela qual, em respeito aos princípios da economia e da celeridade processual, deixo de tecer maiores considerações sobre o ponto.
Ressalte-se que essa delimitação encontra amparo no princípio do tantum devolutum quantum appellatum, que orienta o âmbito de cognição dos recursos no processo penal, vedando ao julgador a atuação de ofício fora dos limites da insurgência, sob pena de incorrer em decisão ultra ou extra petita. Exceção se faz apenas às hipóteses de erro material ou flagrante ilegalidade, circunstâncias que, no caso concreto, não se verificam.
Nesse viés, para melhor compreensão da controvérsia, impõe-se a análise da prova oral coligida nos autos, conforme o resumo das transcrições realizado na sentença, o qual aproveito por se mostrar fidedigno, com o intuito de conferir celeridade processual e evitar desnecessária tautologia, confira-se:
Ouvida em juízo, Juliana disse que o cavalo era seu. Comprou para seu filho e tratavam dele juntos. Ele era muito manso. Ele não tinha lesões. Ele era um cavalo gordo. A lesão produzida pela corda não era uma coisa grave. Escovavam, alimentavam e todo dia traziam o animal do local onde ele ficava.
A testemunha ouvida, Fátima Silvana Mateus, arrolada pela defesa, informou que o animal era sempre muito bem cuidado pelo “rapazinho da casa da frente”, filho da ré. O cavalo não ficava o dia todo amarrado. Não presenciou baterem no animal. Estava em casa no dia em que houve a fiscalização. Perguntado se viu as lesões, não deu resposta, tendo referido que não sabe o motivo de terem ido lá, mas foram agressivos.
[...]
O fiscal responsável pela vistoria, Marcelo Airton de Oliveira, contou em juízo que foram recebidos boletins de ocorrência da Polícia Civil e uma solicitação da Secretaria do Meio Ambiente, referente a ocorrência de maus-tratos a um cavalo, referente à falta de água e o método de contenção. Foi até o local e encontraram apenas os filhos da ré, tendo sido passadas orientações sobre os cuidados. Dias depois receberam nova solicitação de vizinhos e retornou ao local, acompanhado de policiais militares. Deparou-se com a mesma situação anterior, isto é, o animal contido em objeto fixo, corda curta, sem água e, conforme vídeo fornecido por vizinhos, o cavalo teria passado a noite no mesmo local, inclusive debaixo de chuva. Nesse dia fizeram a apreensão do cavalo. Constataram lesões nos membros anteriores a posteriores do animal, com o casco sobrepondo a ferradura, abscesso na face e outras lesões. Houve prejuízo para a saúde do animal, que estava sentindo dor e com inchaço nos membros. Na mesma residência, houve outras ocorrências relacionada a cães, em 2019 e a cavalo, em 2020. A ordem para recolher o cavalo veio do corpo técnico, devido ao histórico do animal e ao que constataram anteriormente.
O depoimento de Marcelo, na fase policial, é semelhante:
QUE o depoente é servidor público fiscal lotado na Secretaria Municipal do Meio Ambiente nesta cidade; Que recebeu, para fins de averiguação, o registro n. 578.2021.1983 da delegacia de polícia; Que, no dia 16.3.2021, foi ao local, onde constatou a existência de um cavalo, macho, tubíano e petiço; Que o equino possuía mobilidade reduzida devido ao meio de contenção inadequado (ferro fixo no chão e corda), claudicando com lesões em membros pélvicos e torácicos, bem como lesões na face em razão de estar preso pela corda rente ao muro; Que foi fotografado o animal no local; Que foi lavrado auto de apreensão do animal e recolhido ao mangueirão municipal; Que foi notificada a proprietária Juliana Terezinha Furtado, a qual já tinha sido orientada anteriormente; Que Juliana recorreu no procedimento de apreensão do animal, porém não obteve êxito na devolução do equino.
Conforme se depreende da análise dos autos, o órgão de proteção animal foi acionado para averiguar denúncia de maus-tratos, segundo a qual o cavalo pertencente à apelante estaria machucado, magro, mal cuidado e mantido amarrado a uma corda curta, sem acesso a água ou alimento.
Diante desses relatos, foi realizada vistoria no local, ocasião em que os agentes responsáveis orientaram a apelante quanto às condições precárias em que se encontrava o animal, advertindo-a sobre a possibilidade de apreensão.
Não obstante as orientações recebidas, em nova visita, constatou-se que o cavalo permanecia em situação de negligência, apresentando diversos ferimentos pelo corpo. Em razão disso, procedeu-se à apreensão do animal, conforme registrado no relatório de vistoria:
Pois bem.
A alegação de ausência de dolo na conduta da apelante não encontra respaldo nos elementos constantes dos autos. Ao contrário do que sustenta a defesa, restou demonstrado que a acusada foi devidamente orientada pelas autoridades competentes quanto às condições inadequadas de contenção e cuidado do animal, tendo sido advertida sobre os riscos à saúde e bem-estar do cavalo.
Mesmo após tais orientações, a apelante manteve o animal em situação de negligência, conforme atestado em nova vistoria, que constatou lesões físicas, ausência de abrigo, falta de água, contenção inadequada e sinais evidentes de sofrimento. A reincidência na conduta, aliada à omissão diante das advertências recebidas, revela a presença do elemento subjetivo do tipo penal — o dolo, ainda que na forma eventual —, suficiente para a configuração do crime previsto no artigo 32, caput, da Lei n. 9.605/1998.
No mesmo sentido, em caso semelhante, já decidiu este Sodalício:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE MAUS TRATOS CONTRA ANIMAIS DOMÉSTICOS (ART. 32, §1º-A DA LEI N. 9.605/1998). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DEFENSIVO.
PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DO DOLO. NÃO ACOLHIMENTO. PROVA DE MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA. DEPOIMENTOS JUDICIAIS CORROBORADOS PELO LAUDO PERICIAL E REGISTROS FOTOGRÁFICOS, QUE COMPROVAM A PRÁTICA DE MAUS-TRATOS CONTRA ANIMAIS DOMÉSTICOS (CACHORROS), QUE ERAM MANTIDOS AMARRADOS EM AMBIENTE SEM ALIMENTAÇÃO E HIDRATAÇÃO. ANIMAIS RESGATADOS EM ESTADO AVANÇADO DE DESNUTRIÇÃO. IRRELEVÂNCIA DAS ALEGAÇÕES DE CONDIÇÃO PRECÁRIA PREEXISTENTE E ACOLHIMENTO TEMPORÁRIO DOS ANIMAIS. DOLO EVIDENCIADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJSC, Apelação Criminal n. 5000786-80.2023.8.24.0010, do , rel. Antônio Zoldan da Veiga, Quinta Câmara Criminal, j. 31-07-2025).
Dessa forma, não há que se falar em absolvição por ausência de provas quanto ao dolo, razão pela qual mantenho a sentença condenatória tal como proferida pelo Juízo de origem, negando provimento ao recurso de apelação.
3. Do dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
assinado por ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7013932v5 e do código CRC 9698fff7.
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Documento:7013933 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5013838-27.2021.8.24.0039/SC
RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
EMENTA
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE MAUS TRATOS CONTRA ANIMAL. sentença condenatória. recurso da defesa desprovido.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação criminal interposta contra sentença que, ao julgar procedente a pretensão acusatória, condenou a ré à pena privativa de liberdade de 4 (quatro) meses e 2 (dois) dias de detenção, em regime inicial aberto, além do pagamento de 12 (doze) dias-multa, pela prática do crime previsto no artigo 32, caput, da Lei n. 9.605/1998.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A controvérsia consiste em aferir se a apelante deve ser absolvida em razão de inexistirem provas suficientes para demonstrar o dolo na conduta imputada.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A pretensão absolutória não merece acolhimento. O conjunto probatório, composto por provas documentais e testemunhais, revela que, mesmo após orientações formais dos órgãos de fiscalização, a apelante manteve o animal — cavalo — em condições precárias, com contenção inadequada, ausência de água, alimentação e abrigo, além de apresentar lesões físicas e sinais evidentes de sofrimento.
4. A reiteração da conduta negligente, aliada à ciência inequívoca das consequências danosas e à inércia diante das advertências recebidas, evidencia a presença do dolo, ainda que em sua forma eventual, suficiente para a configuração do tipo penal previsto no artigo 32, caput, da Lei n. 9.605/1998.
IV. DISPOSITIVO
5. Recurso conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7013933v4 e do código CRC 10d4cc11.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 06/11/2025 A 12/11/2025
Apelação Criminal Nº 5013838-27.2021.8.24.0039/SC
RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
PRESIDENTE: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
PROCURADOR(A): PEDRO SERGIO STEIL
Certifico que este processo foi incluído como item 213 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 21/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 06/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 19:00.
Certifico que a 1ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 1ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
Votante: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
Votante: Desembargador PAULO ROBERTO SARTORATO
Votante: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI
ALEXANDRE AUGUSTO DE OLIVEIRA HANSEL
Secretário
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