Relator: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
Órgão julgador: Turma, rel. Min. Laurita Vaz, j. 12/04/2011 - grifou-se).
Data do julgamento: 20 de maio de 2020
Ementa
RECURSO – Documento:6947367 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 5017423-81.2020.8.24.0020/SC RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN RELATÓRIO Consta do relatório da sentença (ev. 131.1): O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, com base nas suas atribuições legais (art. 41 do CPP) e constitucionais (art. 129, I, da CRFB), e no incluso inquérito policial, apresentou denúncia, em face de G. S. P., pessoa já qualificada nos autos, por ter infringido, em tese, o disposto no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, nos seguintes termos: No dia 20 de maio de 2020, por volta das 15h50min, no Edifício Residencial Carmel, situado na Avenida União, s/n, Bairro Cidade Mineira Velha, neste Município e Comarca de Criciúma/SC, o denunciado G. S. P., de forma livre e consciente, trazia consigo, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamenta...
(TJSC; Processo nº 5017423-81.2020.8.24.0020; Recurso: recurso; Relator: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN; Órgão julgador: Turma, rel. Min. Laurita Vaz, j. 12/04/2011 - grifou-se).; Data do Julgamento: 20 de maio de 2020)
Texto completo da decisão
Documento:6947367 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5017423-81.2020.8.24.0020/SC
RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
RELATÓRIO
Consta do relatório da sentença (ev. 131.1):
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, com base nas suas atribuições legais (art. 41 do CPP) e constitucionais (art. 129, I, da CRFB), e no incluso inquérito policial, apresentou denúncia, em face de G. S. P., pessoa já qualificada nos autos, por ter infringido, em tese, o disposto no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, nos seguintes termos:
No dia 20 de maio de 2020, por volta das 15h50min, no Edifício Residencial Carmel, situado na Avenida União, s/n, Bairro Cidade Mineira Velha, neste Município e Comarca de Criciúma/SC, o denunciado G. S. P., de forma livre e consciente, trazia consigo, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, para fins de comercialização clandestina, 13 (treze) invólucros de cocaína, pesando 5,6g (cinco gramas e sessenta centigramas) e 1 (um) torrão de maconha, com massa bruta de 1,45g (um grama e quarenta e cinco centigramas), substâncias essas capazes de causar dependência física e psíquica, cujo uso e comercialização são proibidos em todo o território nacional, conforme Portaria SVS/MS n. 344/1998 da Anvisa e subsequentes atualizações. Segundo consta, na ocasião, ao notar a presença da polícia, o acusado empreendeu fuga, sendo perseguido pela guarnição e dispensou as substâncias ilícitas anteriormente descritas, que foram localizadas pelo cão de faro. Realizada a abordagem, os agentes públicos encontraram ainda na posse do denunciado o valor de R$ 109,00 (cento e nove reais), além de um aparelho celular.
A denúncia foi recebida em 19/10/2020, e o réu, através de defensor, apresentou sua defesa prévia.
Não sendo hipótese de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução, na qual foram ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes e interrogado o acusado.
Nas alegações finais, o Ministério Público requer a condenação em conformidade com a capitulação apresentada na denúncia.
Já a defesa, também em alegações orais, pugna pela absolvição do acusado, em razão da ausência de provas.
Ao final, o pedido contido na denúncia foi julgado procedente para:
Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia ofertada para CONDENAR G. S. P., pessoa já qualificada, ao cumprimento da pena de 05 (cinco) anos de reclusão e pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, por infração ao artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, em regime inicial semiaberto.
O valor do dia-multa é estipulado em um trigésimo do salário mínimo nacional vigente à época do fato.
Condeno ainda o réu a arcar com as custas processuais (804 CPP).
Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação e pugnou pela absolvição por insuficiência de provas. Subsidiariamente, requereu a aplicação do tráfico privilegiado na fração de 2/3 (dois terços) (ev. 148.1).
Juntadas as contrarrazões (ev. 152.1), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Francisco de Paula Fernandes Neto, opinou pelo conhecimento e não provimento do recurso (ev. 14.1).
Este é o relatório.
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto pela defesa contra decisão que julgou procedente a denúncia e condenou o acusado às sanções previstas no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.
O apelo deve ser conhecido, porquanto presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
Da absolvição por insuficiência probatória
A defesa pretende a absolvição, ao argumento de que "inexiste qualquer elemento de prova direto que impute ao Apelante a posse, propriedade ou destinação mercantil das substâncias entorpecentes encontradas no vaso de planta."
Sem qualquer razão.
Isto porque, restou sobejamente demonstrada a materialidade e a autoria do delito, conforme minuciosamente delineado pela magistrada, de forma que adoto os fundamentos trazidos na sentença, de boa lavra, como razões de decidir, evitando assim, desnecessária tautologia. Veja-se:
[...]
Cuida-se de ação penal pública incondicionada, proposta pelo Ministério Público, imputando ao réu a prática do crime de tráfico de drogas (artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006).
A materialidade do delito está devidamente comprovada por meio do Auto de Prisão em Flagrante n. 473.20.00204 (evento 1, P_FLAGRANTE4), pelo Boletim de Ocorrência n. 00473.2020.0001773 (evento 1, P_FLAGRANTE4, fls. 2-7), pelo Auto de Exibição e Apreensão (evento 1, P_FLAGRANTE4, fl. 11), pelo laudo de constatação preliminar (evento 1, P_FLAGRANTE4, fl. 8), e pelo laudo pericial definitivo n. 9202.2020.0652 (evento 32, LAUDO3, autos originários), que atestou tratar-se de treze invólucros de cocaína e um invólucro de maconha, todas as porções devidamente fracionadas e embaladas, evidenciando a destinação ao comércio ilícito.
Quanto à autoria, a prova oral colhida é precisa e suficiente para atribuir ao acusado a prática delitiva, sendo os relatos das testemunhas policiais minuciosos, coerentes entre si e dotados de firmeza.
O policial militar Guilherme de Mattia da Silva, ouvido inicialmente perante a autoridade policial, relatou que foi organizada uma operação no Residencial Carmel, local já conhecido como ponto de tráfico de drogas. Segundo descreveu, a ação foi estrategicamente planejada, com a entrada simultânea de quatro viaturas: duas pela frente e duas pelos fundos do condomínio. Durante a incursão, visualizou o acusado G. S. P. correndo em direção ao bloco 16, subindo apressadamente até o quarto andar. Narrou que, no trajeto, o acusado teria dispensado objetos enquanto tentava fugir. Guilherme e outro policial o seguiram pelas escadarias e conseguiram interceptá-lo no interior do prédio. Posteriormente, com o apoio do cão farejador K9, localizaram porções de cocaína e maconha escondidas dentro de um vaso situado nas proximidades do local por onde o acusado havia passado. Ressaltou que, no momento da abordagem, não foi possível acionar a câmera de registro da ocorrência, pois a prioridade era conter a situação e assegurar a segurança dos policiais. Em conversa informal, Giliardi negou ter fugido, alegando que apenas aguardava sua namorada e utilizava o Wi-Fi de um vizinho.
No decorrer da mesma operação, o policial visualizou Erick empreendendo fuga. Informou que Erick, já conhecido pelas autoridades e com mandado de busca e apreensão em aberto, foi abordado dentro de um apartamento no condomínio, onde foram encontradas porções de cocaína e três torrões de maconha. Erick assumiu a propriedade dos entorpecentes localizados em sua posse (evento 1, DEPOIM_TESTEMUNHA3, autos originários).
Em juízo, Guilherme de Mattia da Silva confirmou integralmente as informações prestadas na fase policial. Detalhou que, em uma primeira tentativa de operação no local, Giliardi havia conseguido escapar, mas que, na segunda investida, houve êxito na abordagem. Reiterou que o acusado foi surpreendido nas escadarias do prédio e que as drogas foram localizadas próximas ao local onde o mesmo havia passado durante a fuga. Relatou, ainda, que Erick foi preso na mesma operação e que a ação contou com o emprego do cão farejador K9, destacando a confiabilidade do método de localização dos entorpecentes. Questionado sobre a dinâmica da ocorrência, o policial informou que não se recordava, com absoluta certeza, de ter presenciado o exato momento em que Giliardi teria dispensado os objetos.
O policial militar Ricardo Bittencourt Rodrigues, ouvido na fase policial, relatou que a operação foi realizada no Residencial Carmel e que, ao adentrar o condomínio, a guarnição se aproximou de um local já conhecido por ser ponto de tráfico de drogas, nas proximidades do salão de festas. Ao perceberem a aproximação da equipe policial, Giliardi e outro indivíduo imediatamente empreenderam fuga em direção ao bloco 16. Ricardo acompanhou Giliardi pela escadaria do prédio e, no momento da abordagem, o acusado resistiu ativamente, inclusive tentando agredir fisicamente os policiais. Giliardi foi contido e imobilizado. Após a detenção, foi realizada varredura com o cão K9, que localizou porções de cocaína e maconha escondidas dentro de um vaso, em local compatível com o trajeto da fuga. O policial mencionou que Giliardi era conhecido da guarnição por frequentar rotineiramente pontos de tráfico na região. Durante a mesma operação, observou que Erick empreendeu fuga e se refugiou em um apartamento, onde foram localizadas drogas que o próprio Erick assumiu serem de sua propriedade (evento 1, DEPOIM_TESTEMUNHA2, autos originários).
Quando ouvido em juízo, Ricardo Bittencourt Rodrigues afirmou que, devido ao tempo decorrido desde os fatos e à quantidade de ocorrências semelhantes que atende rotineiramente naquela localidade, não se recordava da ocorrência específica envolvendo Giliardi, o que é natural considerando a habitualidade do serviço policial na região e o lapso temporal superior a cinco anos.
O policial Antonio Geronimo da Silva Neto, ouvido exclusivamente na fase judicial, declarou que se lembrava de forma vaga da operação, mencionando que houve a participação do cão farejador, embora não recordasse o local exato da apreensão das substâncias. Esclareceu que, por protocolo operacional, o cão K9 é sempre acionado após a entrada da equipe ostensiva e que, por essa razão, não presenciou eventual descarte das drogas pelo acusado. Relatou, ainda, que o Residencial Carmel é conhecido como um ponto de tráfico intenso e que os policiais evitam manipular objetos suspeitos antes da chegada do K9, a fim de preservar a eficácia da atuação do cão.
As versões apresentadas pelos policiais são consistentes e coesas, evidenciando que Giliardi tentou evadir-se diante da aproximação policial, foi perseguido e detido nas escadarias do bloco 16, e que, no trajeto percorrido, foram localizadas porções de entorpecentes com o auxílio do cão farejador. Os detalhes quanto à fuga, à resistência no momento da abordagem, e à subsequente apreensão das drogas são convergentes, ainda que as testemunhas apresentem falhas naturais de memória em razão do tempo transcorrido.
A testemunha de defesa, A. L. D., ouvida exclusivamente em juízo, limitou-se a apresentar informações de cunho abonatório acerca da postura profissional do acusado, destacando que este cumpria adequadamente suas atividades laborais e demonstrava responsabilidade e comprometimento no ambiente de trabalho. Referido depoimento, contudo, não se mostrou capaz de infirmar as provas produzidas pela acusação ou de abalar a credibilidade dos relatos apresentados pelas testemunhas policiais.
O acusado, por sua vez, ao ser interrogado na fase policial, negou os fatos e alegou que apenas utilizava o Wi-Fi de um vizinho enquanto aguardava sua namorada sair do trabalho. Declarou não ter fugido nem ter qualquer relação com os entorpecentes apreendidos. Entretanto, tal versão não encontra respaldo no acervo probatório. Em juízo, o réu optou por exercer o direito ao silêncio, não contribuindo para o esclarecimento dos fatos.
O conjunto probatório produzido nos autos é robusto, harmônico e conduz de forma segura à conclusão de que G. S. P. efetivamente praticou o crime de tráfico de drogas que lhe foi imputado. A dinâmica da operação policial, descrita com riqueza de detalhes pelos policiais militares que participaram da diligência, revela que o acusado, ao perceber a aproximação das viaturas no Residencial Carmel, empreendeu fuga em direção ao bloco 16, subindo até o quarto andar, onde foi alcançado e detido nas escadarias.
O policial Guilherme de Mattia da Silva, que participou diretamente da perseguição, afirmou que o acusado foi acompanhado de perto por dois agentes, sendo abordado imediatamente após cessar a fuga. O policial narrou que, com o auxílio do cão farejador K9, porções de cocaína e maconha foram encontradas em um vaso situado nas proximidades do trajeto percorrido por Giliardi, compatível com o percurso da evasão. Este relato foi confirmado, em juízo, pelo próprio Guilherme, que reafirmou que as drogas estavam escondidas no local por onde o réu havia passado durante a fuga.
O policial Ricardo Bittencourt Rodrigues corroborou a narrativa, informando que Giliardi estava em um ponto já identificado como local de tráfico, e que, ao notar a aproximação da guarnição, tentou escapar, resistindo fisicamente à abordagem, sendo imediatamente contido. Ricardo ressaltou que, durante a varredura subsequente ao trajeto percorrido pelo acusado, com o emprego do cão K9, foram localizados os entorpecentes ocultados. Ainda que, em juízo, o policial não tenha se recordado da ocorrência específica, é compreensível que o lapso temporal superior a cinco anos e a rotina operacional intensa justifiquem tal esquecimento, sem que isso afaste a credibilidade da prova colhida.
O policial Antonio Geronimo da Silva Neto, ouvido exclusivamente em juízo, também confirmou que houve a participação do cão farejador na operação e reforçou que o protocolo operacional impede que os policiais manipulem objetos suspeitos antes da atuação do K9, a fim de preservar a acurácia da busca. Ressaltou, ainda, que o Residencial Carmel é local de intenso tráfico de entorpecentes, cenário que contextualiza a presença do acusado no ambiente e o comportamento típico de quem atua na prática ilícita.
O uso do cão farejador na localização das substâncias ilícitas é elemento relevante que reforça a confiabilidade da apreensão. A metodologia empregada é amplamente reconhecida por sua eficácia, não havendo qualquer indício nos autos de vício ou irregularidade na diligência. A pronta identificação dos entorpecentes no percurso de fuga do acusado, precisamente no local por onde havia transitado, afasta a possibilidade de autoria diversa ou de mera coincidência.
A versão defensiva apresentada por Giliardi, no sentido de que apenas utilizava a rede Wi-Fi de um vizinho enquanto aguardava sua namorada, não encontra respaldo em nenhum outro elemento de prova. Ao contrário, a dinâmica da fuga, o local da abordagem, a resistência ativa à captura e a localização das drogas no itinerário percorrido, somados ao fato de que o acusado foi surpreendido exatamente na área mapeada como ponto de tráfico, compõem um quadro probatório seguro e coerente.
A testemunha arrolada pela defesa, por sua vez, limitou-se a prestar depoimento de cunho estritamente abonatório, não apresentando qualquer dado que pudesse desconstituir a prova acusatória ou infirmar a materialidade e a autoria delitivas.
Por fim, não há dúvida no tocante à culpabilidade do acusado, pois já era maior e capaz na data dos fatos. Outrossim, é patente a potencial consciência da ilicitude por parte dele. E, finalmente, a imputabilidade emerge da plena responsabilidade decorrente da perfeita capacidade intelectiva do acusado. A conduta conforme o direito, no caso concreto, era perfeitamente exigível.
Desta forma, reconheço a autoria do delito tipificado no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 pelo acusado G. S. P..
[...] (ev. 131.1).
Na presente hipótese, os policiais apresentaram depoimentos uníssonos sobre o tráfico de drogas, na modalidade trazer consigo, exercido pelo acusado, não se tratando de versões isoladas ou apresentando dados contraditórios, mas sim um conjunto harmônico de elementos probatórios.
Ora, apesar de não terem visto o exato momento em que o apelante se desfez das drogas, ambos declinaram que o material foi encontrado pelo cão farejador no caminho por ele percorrido durante sua fuga.
Deveras cômoda a posição defensiva ao tentar fazer que os narcóticos não pertenciam a Giliardi, por óbvio, não convence.
Se não estava com produtos ilícitos em sua posse, por qual razão empreendeu fuga? Sem dúvidas para tentar se furtar à aplicação da lei penal, eis que trazia consigo estupefacientes destinados à venda, devidamente fracionados.
De qualquer forma, não existe o mínimo indício de que eles estejam querendo defender qualquer interesse particular, bem como não há qualquer indicativo de desavença com o acusado, logo, não há motivo algum a justificar uma incriminação gratuita ou a realização de um flagrante forjado, sendo suas falas harmônicas entre si.
Assim, fica evidente que os argumentos apresentados não se mostram suficientes para enfraquecer ou anular o depoimento dos agentes, que frise-se, foram ouvidos em juízo e prestaram compromisso legal de dizer a verdade, não emergindo de suas palavras qualquer suspeita de má-fé ou de falsidade na imputação.
Aliás, sobre a validade dos depoimentos de agentes estatais, Hugo Nigro Mazzilli ensina:
Não merece o depoimento dos policias uma eiva abstrata e genérica de suspeição. Se o Estado encarrega seus agentes do grave munus de defender a coletividade contra o crime, se os arma, se lhes dá o poder de polícia, se lhes atribui a investigação de crimes e até o direito de prender pessoas a apreender bens, seria rematado contra-sensu recusar-lhes a priori qualquer crédito ao seu depoimento, apenas porque são policiais. Ora, seu testemunho há de ser aferido no contexto instrutório, no seu todo, e se, longe de desmentido pela instrução, for com essa coerente, razão não há para recusá-lo (RT417/94).
Não discrepa a orientação jurisprudencial:
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. ARTS. 33, DA LEI N.º 11.343/06, 304 E 333, DO CÓDIGO PENAL. TESE DE FRAGILIDADE DA PROVA PARA SUSTENTAR A ACUSAÇÃO. VIA IMPRÓPRIA. NECESSIDADE DE EXAME APROFUNDADO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. DEPOIMENTO DE POLICIAIS. VALIDADE PROBATÓRIA. ILEGALIDADE DA DOSIMETRIA DAS PENAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. Os policiais não se encontram legalmente impedidos de depor sobre atos de ofício nos processos de cuja fase investigatória tenham participado, no exercício de suas funções, revestindo-se tais depoimentos de inquestionável eficácia probatória, sobretudo quando prestados em juízo, sob a garantia do contraditório. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. (STJ - HC 149540 / SP, Quinta Turma, rel. Min. Laurita Vaz, j. 12/04/2011 - grifou-se).
Válida, portanto, a prova constituída pelos agentes públicos.
Ademais, sabe-se que o crime de tráfico de drogas é misto alternativo, de forma que para sua configuração basta a prática de qualquer das 18 (dezoito) condutas descritas no caput do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, dentre elas, trazer consigo, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Desta forma, desnecessárias provas acerca da efetiva comercialização do produto, já que o apelante, segundo a prova, não foi flagrado em tal operação.
A respeito, mutatis mutandis, este Órgão Fracionário já se posicionou:
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. RECURSO DEFENSIVO. PRELIMINARES. NULIDADE. PERÍCIA INCOMPLETA POR AUSÊNCIA DE QUESITO FORMULADO PELA DEFESA VISANDO À AFERIÇÃO DA INIMPUTABILIDADE DO RÉU. EXAME ESPECÍFICO NÃO POSTULADO. LAUDO TOXICOLÓGICO QUE ATESTOU A INEXISTÊNCIA DE DISTÚRBIOS PSIQUIÁTRICOS ALÉM DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA EM GRAU LEVE. MÉRITO. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. CRIME DE MERA CONDUTA CONFIGURADO COM A PRÁTICA DE QUALQUER DAS AÇÕES DESCRITAS NO ART. 33 DA LEI 11.343/06. AGENTE QUE MANTINHA DROGAS EM DEPÓSITO. APREENSÃO DE PETRECHO RELACIONADO À MERCANCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA POSSE DE DROGA PARA USO PRÓPRIO INVIÁVEL. CONDIÇÃO DE USUÁRIO QUE NÃO IMPEDE O EXERCÍCIO CONCOMITANTE DO TRÁFICO. CONDENAÇÃO MANTIDA. [...] (Apelação Criminal n. 2011.081257-1, de Trombudo Central, rel. Des. Torres Marques, j. 25/01/2012, grifou-se).
Assim, não há como se conceber um decreto absolutório ou de desclassificação para o art. 28 da Lei de Drogas, pois os elementos de prova reunidos - os depoimentos dos policiais; a cocaína separada em porções individuais]; sua condenação, durante a presente marcha processual, pela mesma prática delituosa -, maxima venia, levam à certeza moral pela condenação, atendendo-se o contido no preceito ditado pelo novel art. 28, § 2º, da Lei n. 11.343/06.
Cumpre destacar, ainda, que "a técnica da fundamentação per relationem, na qual o magistrado se utiliza de trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, não configura ofensa ao disposto no art. 93, IX, da CF. Nesse sentido, cito os seguintes julgados: HC 112.207/SP, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 25.9.2012; HC 92.020/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 8.11.2010; HC 99.827/CE (MC), rel. Min. Celso de Mello, DJe 25.5.2011, e HC 93.574/PB, rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 1º.8.2013" (RHC 116166, Relator(a): Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 27/05/2014, processo eletrônico DJe-124 Divulg 25-06-2014 Public 27-06-2014).
Da mesma forma, "A reprodução de fundamentos declinados pelas partes ou pelo órgão do Ministério Público [...] atendem ao comando normativo, e constitucional, que impõe a necessidade de fundamentação das decisões judiciais. O que não se tolera é a ausência de fundamentação". (EREsp 1021851/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 28/06/2012, DJe 04/10/2012).
Não diverge este Tribunal:
APELAÇÃO CRIMINAL - RÉU SOLTO - DELITO DE DISPARO DE ARMA DE FOGO (LEI N. 10.826/03, ART. 15) - SENTENÇA CONDENATÓRIA - RECURSO DA DEFESA.
PLEITO ABSOLUTÓRIO - TESES DE INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA, RECONHECIMENTO DE EXCLUDENTE DE ILICITUDE (ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL), INCIDÊNCIA DA LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA E CERCEAMENTO DE DEFESA POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL (REJEIÇÃO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIO OPOSTOS) - INSURGÊNCIAS AFASTADAS ADOTANDO-SE COMO RAZÕES DE DECIDIR OS JUDICIOSOS E IRRETOCÁVEIS FUNDAMENTOS LANÇADOS NA SENTENÇA E NO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO - MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM.
"O acórdão, ao fazer remissão aos fundamentos fático-jurídicos expostos no parecer do Ministério Público - e ao invocá-los como expressa razão de decidir -, ajusta-se, com plena fidelidade, à exigência jurídico-constitucional de motivação a que estão sujeitos os atos decisórios emanados do Com efeito, comprovada a materialidade e a autoria, não há falar em pleito absolutório por insuficiência de provas.
Do tráfico privilegiado
Em pleito subsidiário, busca a defesa a aplicação deste benefício, por entender preenchidos os requisitos para sua concessão.
Novamente não merece guarida o pedido do apelante.
Dispõe o aludido dispositivo de lei:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
[...]
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa (grifou-se).
Sobre a presença cumulativa dos pressupostos legais, é a lição de Luiz Flávio Gomes, Alice Bianchini, Rogério Sanches Cunha e Willian Terra de Oliveira:
No delito de tráfico (art. 33, caput) e nas formas equiparadas (§ 1º), as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário (não reincidente), de bons antecedentes e não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa (traficante, agindo de modo individual e ocasional). Os requisitos são subjetivos e cumulativos, isto é, faltando um deles inviável a benesse legal (Nova lei de drogas comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 165) (o grifo não é do original).
Nessa senda, devem os requisitos estabelecidos pela lei serem preenchidos simultaneamente, o que não ocorreu no caso vertente.
Com a devida vênia, no caso presente, embora tecnicamente primário (ev. 130.1) e, ao que se sabe, não integrante de organização criminosa, o acusado praticava o ilícito de forma habitual, circunstância que não permite a aplicação da benesse.
Tal conclusão é facilmente obtida diante de sua condenação nos autos n. 5015851-90.2020.8.24.0020, com trânsito em julgado em 22/03/2022, ou seja, durante o curso da presente marcha processual, pelo crime de tráfico de drogas, o que indica claramente que sua prisão em flagrante no presente feito não foi um fato único, não merecendo, por isso, ser agraciado com a benesse do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, que deve ser concedida apenas àquele que se valeu do comércio ilegal de forma isolada em sua vida.
Este é o entendimento da Câmara:
APELAÇÃO CRIMINAL (RÉU PRESO). CRIME COMETIDO CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA. RECURSO MANEJADO EXCLUSIVAMENTE PELA DEFESA. [1] PRELIMINAR DE NULIDADE DA COLETA DE ELEMENTOS INFORMATIVOS. ALEGADA INVASÃO DE DOMICÍLIO. INSUBSISTÊNCIA. [2] MÉRITO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA CAUSA DE ESPECIAL DIMINUIÇÃO DA PENA PREVISTA NO § 4.º DO ART. 33 DA LEI DE DROGAS. TRÁFICO PRIVILEGIADO. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA QUE RESSAI DOS AUTOS INDENE DE DÚVIDAS. [...] (Apelação Criminal Nº 5004200-72.2021.8.24.0005, rel. Des. Júlio César Machado Ferreira de Melo, j. 26/10/2021) [grifei].
E ainda:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, IV E VI, DA LEI 11.343/06). CONDENAÇÃO DE AMBOS OS CORRÉUS, COM O RECONHECIMENTO DA FORMA PRIVILEGIADA E O AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ART. 40, IV, DA LEI 11.343/06.
[...]
REQUERIDO O AFASTAMENTO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, §4º, DA LEI 11.343/06 (TRÁFICO PRIVILEGIADO). POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO E PROVAS NOS AUTOS DE QUE OS CORRÉUS, APESAR DE PRIMÁRIOS, DEDICAVAM-SE AO COMÉRCIO DE ENTORPECENTES. BENEFÍCIO QUE SOMENTE SERIA APLICÁVEL AO TRAFICANTE DE "PRIMEIRA VIAGEM". HIPÓTESE NÃO VISLUMBRADA NOS AUTOS. FORMA PRIVILEGIADA AFASTADA, COM READEQUAÇÃO DA PENA.
[...] (Apelação Criminal n. 0000614-63.2018.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Ernani Guetten de Almeida, j. 14/05/2019) [grifo nosso].
Destarte, inviável a concessão da benesse.
Voto por conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
assinado por LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6947367v9 e do código CRC 33a12110.
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Signatário (a): LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
Data e Hora: 11/11/2025, às 18:01:27
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Documento:6947368 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5017423-81.2020.8.24.0020/SC
RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/2006). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.
pleito absolutório. aplicação do princípio in dubio pro reo. impossibilidade. materialidade e autoria demonstradas. acusado preso em flagrante após dispensar 13 (treze) invólucros de cocaína e 1 (um) pequeno torrão de maconha. tentativa de fuga no momento da abordagem. depoimentos uníssonos dos agentes públicos. CRIME DE MERA CONDUTA CONFIGURADO COM A PRÁTICA DE QUALQUER DAS AÇÕES DESCRITAS NO ART. 33 DA LEI 11.343/06. CONDENAÇÃO MANTIDA.
TRÁFICO PRIVILEGIADO (ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006). ALMEJADA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. ACUSADO DEDICADO AO COMÉRCIO ODIOSO. CIRCUNSTÂNCIA VERIFICADA ATRAVÉS De sua condenação, pela mesma prática delituosa, durante o curso da presente ação penal. pena irretocável.
recurso conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6947368v5 e do código CRC 370d0283.
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Signatário (a): LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
Data e Hora: 11/11/2025, às 18:01:27
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 11/11/2025
Apelação Criminal Nº 5017423-81.2020.8.24.0020/SC
RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
REVISOR: Desembargador Substituto LEANDRO PASSIG MENDES
PRESIDENTE: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
PROCURADOR(A): EDUARDO PALADINO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 11/11/2025, na sequência 94, disponibilizada no DJe de 27/10/2025.
Certifico que a 3ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
Votante: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN
Votante: Desembargador Substituto LEANDRO PASSIG MENDES
Votante: Desembargador Substituto CLAUDIO EDUARDO REGIS DE FIGUEIREDO E SILVA
POLLIANA CORREA MORAIS
Secretária
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