Órgão julgador: turma e que tinham que deixar as crianças quietas; que não tinha como manter 60 (sessenta) crianças em silêncio; que não teve problemas com a diretora, pois escutava e guardava para si; que na época não viu nenhuma desavença com a investigada; que
Data do julgamento: 19 de dezembro de 2006
Ementa
RECURSO – Documento:6947085 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação / Remessa Necessária Nº 5018235-07.2022.8.24.0036/SC RELATOR: Desembargador VILSON FONTANA RELATÓRIO Trata-se de reexame necessário e apelação interposta pelo Município de Jaraguá do Sul contra a sentença de procedência dos pedidos formulados por M. L. B. em ação anulatória de sanção disciplinar de demissão, com as seguintes disposições: III – Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por M. L. B. em face do MUNICÍPIO DE JARAGUÁ DO SUL, com resolução do mérito (artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil), para:
(TJSC; Processo nº 5018235-07.2022.8.24.0036; Recurso: recurso; Relator: Desembargador VILSON FONTANA; Órgão julgador: turma e que tinham que deixar as crianças quietas; que não tinha como manter 60 (sessenta) crianças em silêncio; que não teve problemas com a diretora, pois escutava e guardava para si; que na época não viu nenhuma desavença com a investigada; que ; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:6947085 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação / Remessa Necessária Nº 5018235-07.2022.8.24.0036/SC
RELATOR: Desembargador VILSON FONTANA
RELATÓRIO
Trata-se de reexame necessário e apelação interposta pelo Município de Jaraguá do Sul contra a sentença de procedência dos pedidos formulados por M. L. B. em ação anulatória de sanção disciplinar de demissão, com as seguintes disposições:
III – Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por M. L. B. em face do MUNICÍPIO DE JARAGUÁ DO SUL, com resolução do mérito (artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil), para:
a) DECLARAR a prescrição da pretensão punitiva da Administração Pública Municipal quanto às infrações previstas nos incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, X, XI, XIV e XV do artigo 173 e incisos I e V do artigo 174, todos da Lei Complementar Municipal n. 154/2014, nas quais é cabível a penalidade de advertência, aos fatos ocorridos antes de 12.02.2020;
b) DECLARAR a nulidade da Decisão n. 076/2022/GABPREF, que aplicou a penalidade de demissão em desfavor da autora, bem como da Portaria n. 250/2022; e, por conseguinte, DETERMINAR a reintegração da autora ao cargo de professora de educação infantil - ensino superior; e
c) CONDENAR o réu ao pagamento de todos os vencimentos e vantagens financeiras que a autora deixou de receber desde a demissão, acrescidos dos consectários legais especificados na fundamentação.
Em oposição, argumenta o apelante que há prova, especialmente depoimentos, acerca das condutas da servidora, que seriam dotadas de gravidade e reprovabilidade, merecendo a punição de demissão.
Destaca que é inadmissível a conduta de referir-se a superior hierárquico com palavras ofensivas na frente de pais de alunos, sendo inadmissível também, naquele contexto, a possibilidade de a servidora escolher as condutas que quisesse ou não desempenhar, dado que não se tratavam de ordens ilegais.
Pontua que a servidora feriu os arts. 173 e 174 do Estatuto do Servidor Municipal, a Lei Complementar Municipal n. 154/2014, procedendo de forma desidiosa. Diz também que houve grave insubordinação em serviço.
Acrescenta que o laudo médico pericial destacou que a apelada possuía total capacidade de julgamento e discernimento de suas ações, o que é corroborado pelas provas das atitudes tomadas pela servidora pública.
Diz que não deve haver a restituição dos vencimentos do período, por se tratar de dinheiro público, ocasionando o enriquecimento indevido daquela.
Por fim, assevera que não houve consumação de prazo prescricional na hipótese, uma vez que o ofício expedido pela Secretaria Municipal de Educação comunicando a respeito das condutas foi enviado dois meses antes da abertura do PAD.
Foram apresentadas contrarrazões (Evento 78).
Este é o relatório.
VOTO
Extrai-se do PAD que a demissão foi determinada por ser a apelada considerada incursa nos seguintes dispositivos previstos no Estatuto Municipal, a Lei Complementar n. 154/2014 (Evento 15, Outros 10, fl. 41):
Em virtude de todo o exposto, com atenção ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório, esta comissão entende que a servidora M. L. B., matrícula 11107, ocupante do cargo de Professora de Educação Infantil, lotada na Secretaria Municipal de Educação, pelos fatos acima descritos, incorreu nas infrações tipificadas nos artigos 173, incisos: 1 - exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo, emprego ou função; II - assiduidade; III- pontualidade; IV - discrição; V tratar com cortesia as pessoas; VI observar as normas legais e regulamentares; VII cumprir as ordens superiores, salvo quando manifestamente ilegais; X- fazer pronta comunicação à chefia imediata do motivo de seu não comparecimento ao serviço; XI - atender com presteza; XIV - ser leal às instituições a que servir; XV - manter conduta compativel com a moralidade e os bons costumes; e Artigo 174, incisos: V - referir-se de modo depreciativo ou desrespeitoso às autoridades públicas, aos cidadãos ou aos atos do Poder Público, no recinto da repartição; XX - proceder de forma desidiosa.
Destas hipóteses, seria em tese passível de demissão apenas a prática da conduta de "proceder de forma desidiosa", nos termos do Estatuto Municipal:
Art. 174 Ao servidor público é proibido:
XX - proceder de forma desidiosa;
Art. 186 A demissão será aplicada nos seguintes casos:
VIII - transgressão do artigo 174, incisos XIV a XXI.
A respeito, no PAD consignaram-se os seguintes motivos determinantes da conclusão pelos atos desidiosos (Evento 15, Outros 10, fl. 30):
4.1.14. PROCEDER DE FORMA DESIDIOSA (174, XX);
Essa proibição do estatuto é prevista como infração disciplinar que visa proteger a eficiência do serviço público, punindo a conduta do servidor que age de forma desleixada, descuidada ou desatenta no desempenho de suas atribuições.
A desídia está ligada ao mau exercício das atribuições do cargo, não se aplicando no caso de ausência do servidor, ou mesmo quando o servidor se recusa a praticar ato de sua responsabilidade, podendo se imputar nestes casos, outros enquadramentos apresentados no estatuto do servidor.
A desídia "trata-se de tipo jurídico que remete à ideia de trabalhador negligente, relapso, culposamente improdutivo. A desídia é a desatenção reiterada, o desinteresse continuo, o desleixo contumaz com as obrigações contratuais". (DELGADO, 2003, p. 1184).
Também se apresenta como desídia a "conduta continuada, repetitiva e reiterada por parte do servidor, marcada, de forma injustificada, pela ineficiência, desatenção, desinteresse, desleixo, indolência, descaso ou incúria no desempenho das atribuições do seu cargo". (CGU, 2011, p. 467).
Os depoimentos colhidos e as provas apresentadas levaram a comissão a entender que houve desídia nos fatos relatados. As testemunhas ouvidas declararam que a investigada não realizava suas atividades, deixava de preencher os dados necessários no sistema de presença dos alunos, não participou de reuniões que foi notificada, não realizava o registro das atividades, portfólio, aparentemente, demonstrando desinteresse no exercício do seu cargo. Houve apontamento de problema de saúde que ocasionava tais fatos, porém, não há no processo documento que comprove. A junta médica, quando chamada, analisou os laudos e determinou o retorno da investigada para suas atividades. Esta comissão não tem competência para análise clínica, entendendo como suficiente o relatado pela equipe da junta médica.
Dito isto, este colegiado entende como existente a atitude desidiosa da investigada.
De largada, verifica-se que há vício de fundamentação na decisão de demissão, a qual, é importante ressaltar, baseou-se exclusivamente no relatório processante emitido pela comissão (Evento 15, Outros 11, fls. 2 a 15).
É que, embora o relatório, transcrito acima, ampare a conclusão a nos depoimentos das "testemunhas ouvidas", a decisão da comissão não explicita quais testemunhas e quais narrativas especificamente corroborariam aquelas conclusões em específico, tampouco liga as conclusões aos fatos em consideração.
Ora, quais dados deixaram de ser preenchidos no sistema? Quais atividades não foram realizadas? Quais reuniões foram ignoradas? Quais registros de atividades não foram feitos? Não é possível extrair nada disso das considerações da comissão, e seria preciso que os fundamentos estivessem identificados, ainda que minimamente, naquela porção do parecer, para que fosse possível efetivamente saber os motivos fáticos determinantes da conclusão pela demissão, de modo a permitir a ampla defesa - e a decisão - a respeito de sua adequação ou não.
Até porque a prova na realidade é ambígua. Os depoimentos demonstram que, enquanto há consideração, por parte de alguns colegas e da diretora da escola, de episódios pontuais de falhas, há também colegas professoras e servidores que, com igual segurança, relataram que a servidora era uma ótima professora e que nunca teve problemas na função; que o trabalho era mesmo difícil, e que na verdade havia perseguição por parte da diretora da escola.
Por exemplo, retira-se destas transcrições constantes da sentença:
A testemunha ARLINDO RINCOS relatou que foi Vereador e que lutou pela construção da escola, tendo acompanhado o desgaste emocional que os professores sofreram na escola por falta de estrutura, materiais, equipamentos e poucos profissionais. Mencionou, também, que os profissionais da escola no geral reclamavam das condutas da diretora, que não possuía tratamento adequado com os funcionários (Evento 15, Vídeo 13).
JOSIANE EGER relatou "que é auxiliar de sala e trabalhou de fevereiro à dezembro/2019 na mesma escola com Marlise, mas não na mesma sala; que a diretora era muito rígida e cobrava de uma forma bruta e com grosserias; que Marlise é uma ótima professora, mas a diretora fazia questão de castigá-la; que certo dia Marlise a substituiu, mas veio descontado em folha o horário trabalhado, porque a diretora não autorizou; que na ocasião, Marlise ofendeu a diretora e foi embora, oportunidade em que se entupiu de remédios; que Marlise faz tratamento para depressão; que o aluno Leomar era respondão e falava coisas feias, não dividia brinquedos e tinha atitudes agressivas com os colegas, gritava e fazia escândalo inclusive durante a refeição; que a educação especial avaliou o aluno Leomar e disse que falta de comportamento (Evento 15, Vídeo 18).
KÁTIA PUCCINI SILVA RODRIGUES, professora de educação infantil, disse "que trabalhou em 2019 com Marlise; que não teve problemas com a diretora Noêmia, mas chegou a ver perseguições que outras pessoas passaram, pois as professoras não podiam conversar entre si ou realizar troca de materiais; que percebia que a diretora pegava muito no pé de Marlise, que nada do que Marlise fazia era estava certo; que percebia que Marlise ficava muito incomodada com isso; que ficou várias vezes com o aluno Leomar, o qual era uma criança muito agitada, agressiva e respondão e chegou a falar que ninguém mandava nele; que o aluno Leomar chegou a dizer que iria trazer uma faca e matar; que era difícil alimentar Leomar; que Marlise tentou várias vezes dizer que Leomar precisava de acompanhamento, ou de educação especial, mas a mãe não aceitou; que nunca viu Marlise levantar o tom de voz para crianças." (Evento 15, Vídeo 19).
MARILDA BUSKO CORDEIRO disse que "é professora e foi colega de trabalho da professora Marlise em 2018; que a diretora da escola era Noêmia; que o relacionamento entre a professora Marlize e a diretora Noêmia no início era bom; que a diretora era difícil de conviver, pois era autoritária e a tratava os professores com grosseria; que quando iam para o refeitório, ela ia lá e ela dizia que os professores não dominavam a turma e que tinham que deixar as crianças quietas; que não tinha como manter 60 (sessenta) crianças em silêncio; que não teve problemas com a diretora, pois escutava e guardava para si; que na época não viu nenhuma desavença com a investigada; que a professora Marlise tinha alguns alunos com autismo" (Evento 15, Vídeo 21).
RILDA ROCHA CARVALHO, agente de alimentação, disse que "trabalhou com a professora Marlise no ano de 2019; que a diretora escolar pegava no pé dos professores, nada que as professoras fizessem estava bom ou correto; que servia as refeições aos alunos de Marlise; que Leomar era agressivo, falava palavrões e dizia que a comida não era boa; que a professora Marlise comentou que conversou com os pais de Leomar." (Evento 15, Vídeo 26).
A testemunha JAQUELINE VIEIRA disse "que é coordenadora e orienta a Marlize nas questões pedagógicas; que a professora Marlise geralmente entrega os documentos no prazo estipulado; que orientou a professora Marlise quanto a elaboração do projeto, justificativa, quais ações pedagógicas e qual maneira tem que realizar; que durante o acompanhamento das atividades de Marlise, nunca viu nenhuma situação fosse fora do padrão de atendimento com as crianças; que a professora Marlise comentou que ama a turma; que a professora Marlise cumpre as orientações de organização; que a orientação é que os relatórios de acompanhamento dos alunos sejam escritos com formalidade; que a troca de fraldas é de responsabilidade da professora; que sempre procurou ajudar Marlise orientando-a no que deveria mudar nos relatórios, dando sugestões; que a diretora fez o relatório sobre a professora Marlise e, como coordenadora, assinou; que confirma que os portfólios da professora Marlise não estavam em conformidade com a proposta da rede municipal de ensino; que Marlise tem muitas ideias bacanas para serem aplicadas com as crianças, mas parece que não tem motivação para colocar em prática; que não relatou que a professora Marlise encontra-se confusa para transferir a hora atividade; que a professora Marlise possui dificuldade no preenchimento do portfólios e de sistema; que todos profissionais reclamam de pouca hora atividade; que a professora Marlise usava palavras inadequadas nos relatórios, e os professores sabem que não devem usar palavras negativas referentes às crianças." (Evento 7, Vídeos 13/14).
Mas, para além disso, há um aspecto que se eleva.
A própria comissão processante considerou que os problemas psiquiátricos de saúde da servidora, inclusive em tese causados pelo trabalho, poderiam configurar escusa aos comportamentos supostamente desidiosos, desde que devidamente comprovados (Evento 15, Outros 10, fl. 30):
"Houve apontamento de problema de saúde que ocasionava tais fatos, porém, não há no processo documento que comprove. A junta médica, quando chamada, analisou os laudos e determinou o retorno da investigada para suas atividades. Esta comissão não tem competência para análise clínica, entendendo como suficiente o relatado pela equipe da junta médica."
Só que os problemas de saúde que então afligiam a professora foram comprovados neste processo, autorizando, também por esse viés, a revisão da conclusão pela demissão, observada a teoria dos motivos determinantes, hodiernamente com amplo respaldo na doutrina abalizada.
Como ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro, é possível, por exemplo, controlar a substancialidade do motivos declarados na atuação administrativa:
Com o passar dos tempos, inúmeras teorias foram sendo elaboradas para justificar a extensão do controle judicial sobre aspectos antes considerados como abrangidos pelo conceito de mérito. A teoria do desvio de poder permitiu o exame da finalidade do ato, inclusive sob o aspecto do atendimento do interesse público; a teoria dos motivos determinantes permitiu o exame dos fatos ou motivos que levaram à prática do ato; a teoria dos conceitos jurídicos indeterminados e a sua aceitação como conceitos jurídicos permitiu que o Judiciário passasse a examiná-los e a entrar em aspectos que também eram considerados de mérito; a chamada constitucionalização dos princípios da Administração também veio limitar a discricionariedade administrativa e possibilitar a ampliação do controle judicial sobre os atos discricionários. (In: Direito administrativo. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. pp. 245/251).
Aliás, a renomada autora ainda ensina que é plenamente sindicável pelo Outra é a teoria dos motivos determinantes, já mencionada: quando a Administração indica os motivos que a levaram a praticar o ato, este somente será válido se os motivos forem verdadeiros. Para apreciar esse aspecto, o Judiciário terá que examinar os motivos, ou seja, os pressupostos de fato e as provas de sua ocorrência. Por exemplo, quando a lei pune um funcionário pela prática de uma infração, o Judiciário pode examinar as provas constantes do processo administrativo, para verificar se o motivo (a infração) realmente existiu. Se não existiu ou não for verdadeiro, anulará o ato. (In: Direito administrativo. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 252).
Até porque em uma hipótese como esta não se fala exatamente no conceito estrito de mérito administrativo, porque não há discricionariedade para punir ou não, muito menos se pune alguém por conveniência: ou os fatos se confirmam e a punição é consequência da aplicação da lei, ou não se verifica a hipótese e, então, não se aplica a punição por falta de materialidade. Esse é o sentido da Súmula 650 do STJ.
Nesse norte, a Juíza de Direito na origem muito bem estabeleceu como ponto controvertido desta demanda a influência dos problemas de saúde da autora no desempenho do trabalho, eis que dado esse fato como não comprovado no PAD, e determinou a realização de prova pericial (Evento 23).
E a perícia (Evento 56) corroborou que os problemas de saúde da servidora, ou seja, a parcial incapacidade laboral, ocasionaram todo aquele quadro de - suposta - desídia funcional:
a) Quas [sic] condições psicológicas e psiquiátricas afetaram principalmente sua capacidade volitiva e prática, não sua capacidade de julgamento e discernimento.
Não há comprovação de doença mental no ano de 2018, porém a partir do ano de 2019 (segundo semestre) a autora passa ter sintomas depressivos e ansioso que culminam em graus elevados, tais sintomas levaram a incapacidade laboral e conforme demonstrado suas condições psicológicas e psiquiátricas afetaram principalmente sua capacidade volitiva e prática, não sua capacidade de julgamento e discernimento.
b) A influência da patologia na atividade de organização, elaboração de portfólios e anotação de dados dos alunos no sistema eletrônico municipal.
As patologias de depressão e ansiedade graves impactaram significativamente a capacidade de Marlise de realizar atividades que exigem organização, elaboração de portfólios e anotação de dados dos alunos no sistema eletrônico municipal. Esses transtornos resultam em uma diminuição marcante da energia e motivação, fatores críticos para o desempenho eficiente de tarefas administrativas e organizacionais.
A depressão pode levar a sintomas como fadiga extrema, dificuldade de concentração e uma sensação avassaladora de desesperança, que impedem o indivíduo de manter um nível consistente de produtividade e organização. A ansiedade, por sua vez, pode resultar em uma preocupação constante e incapacitante, dificultando a concentração e a execução de tarefas que requerem atenção aos detalhes.
No caso de Marlise, a evidência fornecida pelos laudos médicos e os testemunhos indicam que suas dificuldades com a organização de sala de aula, elaboração de portfólios e registro de dados foram diretamente influenciadas por seu estado de saúde mental, reforçando que sua capacidade de se auto determinar e de discernimento foram preservadas.
Ou seja, excepcionados os motivos declarados pela comissão processante, e constatando-se inclusive a prova a respeito de circunstância oposta, considerada capaz de escusar o comportamento supostamente desidioso, consistente na incapacidade laboral, revela-se insubsistente a decisão pela demissão, mormente quando outas penalidades poderiam ser aplicadas, se fosse o caso, em face das tipificações administrativas residuais.
Ademais, a servidora não registrava condutas desabonadoras em histórico funcional até então.
A respeito do recurso voluntário do Município de Jaraguá do Sul, veja-se que não foram imputadas como motivo determinante para a demissão as supostas insubordinações, ou o episódio de comportamento em tese inadequado em frente aos pais de alunos, até porque as considerações do relatório processante são genéricas, como antes dito.
Ora, se tais condutas não foram consideradas caracterizadoras de desídia, nos termos do relatório da própria comissão processante, portanto não passíveis de punição por demissão, restam consequentemente enquadradas no residual art. 174, V, da Lei Complementar Municipal n. 154/2014, citado na portaria de instauração:
Art. 174. Ao servidor público é proibido:
V - referir-se de modo depreciativo ou desrespeitoso às autoridades públicas, aos cidadãos ou aos atos do Poder Público, no recinto da repartição;
E a partir daí torna-se relevante considerar a prescrição administrativa. É que, consequentemente, essas condutas seriam puníveis apenas com advertência, nos termos do art. 183:
Art. 183. A advertência será aplicada por escrito, em casos de violação de proibição constante do artigo 174, incisos I a XIII e XXII, e da inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamento e demais normas internas, devendo ser aplicada pela chefia imediata ou autoridade superior.
Ocorre que o direito de aplicar advertência prescreve em seis meses, nos termos do art. 196:
Art. 196. O direito de a Administração Municipal promover ação disciplinar e a respectiva sanção prescreverá:
III - em 06 (seis) meses, quanto à advertência.
Portanto, tais fatos, ocorridos em novembro de 2019 e não subsumidos a tipo disciplinar capaz de ensejar a demissão, estariam acobertados pela prescrição quando instaurado o PAD em agosto de 2020.
Aqui, cumpre dizer que a tese do Município de Jaraguá do Sul a respeito do início do prazo prescricional não prospera. A legislação municipal estabelece o termo inicial no momento em que o ato do servidor em escrutínio "se tornou conhecido", o que tem o fim de evitar que maus comportamentos praticados em clandestinidade prescrevam. Esse conhecimento absolutamente não se confunde com o ato pelo qual a Secretaria de Educação envia ofício solicitando a instauração de PAD, porquanto essa providência corresponde à formalização de notícia de fato ao órgão disciplinar, mas bem antes, neste caso, houve o conhecimento dos fatos pela administração, na pessoa da diretora da escola.
Portanto, pela prescrição das demais condutas, a análise de subsistência da punição deve ser restrita à remanescente imputação de desídia.
Novamente, isso é decorrência da teoria dos motivos determinantes, que restringem a análise àquilo que é legalmente possível a partir da proposta fática dada pela própria administração.
Isso superado, diferente do que argumenta o ente público, o laudo pericial é muito claro quanto à incapacidade laboral da autora na época a afastar a conclusão pela desídia, o que pôde ser verificado pelas condições psicológicas decorrentes de episódios avaliados posteriormente no laudo pericial, sendo que não se aborda o elemento volitivo (a possibilidade de discernir), mas a incapacidade da servidora de desempenhar as funções adequadamente naquelas condições de saúde psíquica, o que é incompatível com a imputação de desídia.
Enfim, corroborando a possibilidade de revisão do ato administrativo sob a ótica dos motivos determinantes, são estes precedentes desta Câmara de Direito Público:
REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. REINTEGRAÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. APELO DO MUNICÍPIO E RECURSO ADESIVO.
RECURSO DO MUNICÍPIO.
PRELIMINAR. SENTENÇA PROFERIDA SEM A OITIVA DE UMA TESTEMUNHA POR CARTA PRECATÓRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. ARROLAMENTO APÓS O SANEAMENTO. PROVA , ADEMAIS, PRESCINDÍVEL. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. EIVA AFASTADA.
MÉRITO. DEMISSÃO ILEGAL. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. AUTOR QUE SEQUER ESTAVA PRESENTE NA MAIORIA DAS OCASIÕES. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. CONDUTA IMPUTÁVEL ISOLADA QUE NÃO AMPARA A DEMISSÃO. HISTÓRICO DISCIPLINAR IMACULADO. AUSÊNCIA DE QUALQUER ADVERTÊNCIA PRÉVIA. DESPROPORCIONALIDADE. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL. PRECEDENTES. DEMISSÃO BEM ANULADA.
INDENIZAÇÃO DOS VENCIMENTOS SUPRIMIDOS. POSSIBILIDADE. ATO ILEGAL DA ADMINISTRAÇÃO. PRECEDENTES.
PEDIDO DE DEDUÇÃO, EM LIQUIDAÇÃO, DE OUTRAS REMUNERAÇÕES PERCEBIDAS NO PERÍODO. AUSÊNCIA DE PROVA DE TAIS FATOS MODIFICATIVOS. ÔNUS DO RÉU (ART. 333, II, CPC/73). POSSIBILIDADE, CONTUDO, DESDE QUE HAJA PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA, CONSISTENTE EM DOCUMENTOS EMITIDOS POR ÓRGÃOS OFICIAIS.
CONSECTÁRIOS LEGAIS. ART. 1º-F DA LEI 9.494/97. SUSPENSÃO DA TESE FIXADA NO TEMA 810/STF. MODIFICAÇÃO DA SENTENÇA NO PONTO.
RECURSO ADESIVO. DANO MORAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NA ESPÉCIE, DE ABALO PSÍQUICO OU ASSÉDIO MORAL. ATO ILEGAL QUE, POR SI SÓ, NÃO ENSEJA A REPARAÇÃO.
APELO E REEXAME PARCIALMENTE PROVIDOS, RECURSO ADESIVO DESPROVIDO.
(Apelação/Remessa Necessária n. 0004109-71.2013.8.24.0062, de São João Batista, rel. Vilson Fontana, Quinta Câmara de Direito Público, 29-07-2020).
SERVIDOR PÚBLICO - PUNIÇÃO - ATO VINCULADO - CONTROLE JUDICIAL - CONCEITOS JURIDICAMENTE INDETERMINADOS - POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO EM JUÍZO - PENALIDADE - AUSÊNCIA DE CORRELAÇÃO ENTRE AS CONDUTAS E A TIPIFICAÇÃO LEGAL - SITUAÇÃO QUE NÃO ENSEJA DEMISSÃO -PREPONDERÂNCIA DA PROPORCIONALIDADE -REINTEGRAÇÃO - DIREITO ÀS VERBAS CORRESPONDENTES AO PERÍODO DE AFASTAMENTO - DEDUÇÃO DE EVENTUAIS QUANTIAS PERCEBIDAS EM RAZÃO DE OUTROS TRABALHOS NO MESMO INTERREGNO - RECURSO PROVIDO.
1. Não há discricionariedade no campo punitivo, ou se haveria de reconhecer que seria dado ao agente público aplicar e medir sanções ao sabor da conveniência e oportunidade - e, pior ainda, com extremas limitações ao controle jurisdicional.
O ato é vinculado e permite avaliação em juízo para além de aspectos apenas de forma.
2. Uma demissão não pode ser reconhecida como discricionária ainda que esteja associada a conceitos vagos. Isso não representará que o Judiciário mereça a ambição de árbitro único da compreensão do Direito. É aceitável que diante de texto que propicie diferentes leituras se veja com simpatia o entendimento administrativo, que não merece ser prognosticado antecipadamente como errado. Um pouco de autocontenção é adequado. Seria bem diverso, porém, ir ao ponto de afirmar que haveria margem de tal magnitude para o agente público que ficasse interditado o controle jurisdicional quanto ao chamado "mérito" ou se propiciasse uma gama de opções que equiparasse a escolha hermenêutica à autêntica discricionariedade. O ato em si permanece vinculado, ainda que se repudie uma aspiração cabotina de ditar aprioristicamente uma solução unívoca, que só poderia ser presunçosamente proclamada pelo Judiciário como a perfeita.
3. Na situação concreta, além de esse raciocínio não ter sido seguido, puniu-se de forma desmedida: a conduta do servidor (oferta de venda de imóveis a colegas de profissão), embora possa ser tida como reprovável, atraía em tese apenas a suspensão. Ao mesmo tempo, não se demonstrou que o demandante utilizou-se indevidamente do cargo como Presidente do Conselho Municipal de Educação para efetuar visitas às unidades de educação com o único fim de promover a criação de associação de professores. Em contrapartida, há relatos de que integrantes do Sindicato dos Servidores, contrários à medida, compareceram às unidades de ensino para dissuadir professores à filiação. Quer dizer, frente à evidências de divergências internas, seria injusta apenas a punição do servidor por esse evento.
Não houve ainda demonstração segura de que o servidor incorreu em abandono do cargo quando passou a exercer o cargo de Presidente do Conselho Municipal de Educação: disseram as testemunhas que era corriqueiro o afastamento dos ocupantes do mesmo posto, dada a incompatibilidade entre as funções, nem sempre havendo emissão de decreto dispensando o servidor das atividades em sala de aula.
4. É justa a indenização pelo tempo de afastamento imerecido, que deve ser deduzida de eventuais trabalhos exercidos pelo acionante no correspondente período.
5. Recurso provido para dar pela procedência do pedido.
(Apelação n. 5009079-28.2021.8.24.0004, rel. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, 16-12-2022).
Portanto, correta a sentença quanto à anulação da demissão, com a reintegração ao cargo e indenização dos vencimentos que a professora deixou de receber no período, como posto na sentença.
Em virtude do reexame necessário, no entanto, faz-se apenas um ajuste para registrar que poderão ser deduzidos da indenização as rendas decorrentes de outros trabalhos regulares que a servidora demitida tenha exercido no período, cuja comprovação compete ao devedor, conforme precedentes deste , rel. Jaime Ramos, Terceira Câmara de Direito Público, j. 09-11-2021).
(Apelação/Remessa Necessária n. 5003151-05.2020.8.24.0078, rel. Sandro Jose Neis, Terceira Câmara de Direito Público, 04-10-2022).
Apenas esse o ajuste; de resto mantém-se a sentença.
Dado o desprovimento do recurso voluntário, impositiva ainda a majoração dos honorários de sucumbência para 12% do valor da condenação.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso e conhecer e dar parcial provimento ao reexame necessário, apenas para possibilitar o abatimento de rendimentos recebidos no período.
assinado por VILSON FONTANA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6947085v28 e do código CRC b634fc29.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VILSON FONTANA
Data e Hora: 11/11/2025, às 15:57:30
5018235-07.2022.8.24.0036 6947085 .V28
Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 02:08:33.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas
Documento:6947086 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação / Remessa Necessária Nº 5018235-07.2022.8.24.0036/SC
RELATOR: Desembargador VILSON FONTANA
EMENTA
reexame necessário e apelação cível. ação anulatória. processo administrativo disciplinar. professora municipal. sentença de procedência. recurso do ente público.
demissão formalmente aplicada exclusivamente em virtude de desídia na função. imputação conforme o estatuto municipal. revisão do suporte fático consignado. possibilidade. teoria dos motivos determinantes. sopesamento administrativo genérico. acervo probatórios na realidade ambíguo quanto à conduta funcional da servidora. ausência de registros prévios desabonadores. comissão processante que admitiu a possibilidade de escusa das únicas condutas supostamente desídiosas desde que comprovados os alegados problemas de saúde. circunstãncia demonstrada neste processo. laudo médico pericial. condições psíquicas incapacitantes contemporâneas aos fatos arrolados. incapacidade laboral incompatível com a imputação de desídia. exceção disciplinarmente admitida comprovada. conclusão demissional descabida.
demais imputações em tese passíveis apenas de advertência. punibilidade prescrita com o decurso de seis meses. termo inicial com o conhecimento material dos fatos. previsão do estatuto municipal. prescrição consumada nesses pontos.
demissão bem anulada. reintegração ao cargo com direito à indenização dos vencimentos suprimidos. ressalva do abatimento de remunerações laborais regulares percebidas no período, adequação necessária no ponto.
recurso desprovido. reexame necessário provido em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara de Direito Público do decidiu, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso e conhecer e dar parcial provimento ao reexame necessário, apenas para possibilitar o abatimento de rendimentos recebidos no período, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por VILSON FONTANA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6947086v8 e do código CRC 079a4525.
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Signatário (a): VILSON FONTANA
Data e Hora: 11/11/2025, às 15:57:30
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 11/11/2025
Apelação / Remessa Necessária Nº 5018235-07.2022.8.24.0036/SC
RELATOR: Desembargador VILSON FONTANA
PRESIDENTE: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA
PROCURADOR(A): ONOFRE JOSE CARVALHO AGOSTINI
Certifico que este processo foi incluído como item 106 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 13:48.
Certifico que a 5ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO REEXAME NECESSÁRIO, APENAS PARA POSSIBILITAR O ABATIMENTO DE RENDIMENTOS RECEBIDOS NO PERÍODO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador VILSON FONTANA
Votante: Desembargador VILSON FONTANA
Votante: Desembargador Substituto ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
Votante: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA
ANGELO BRASIL MARQUES DOS SANTOS
Secretário
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