Relator: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
Órgão julgador:
Data do julgamento: 22 de maio de 2023
Ementa
RECURSO – Documento:6956871 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso em Sentido Estrito Nº 5021238-35.2025.8.24.0045/SC RELATOR: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA RELATÓRIO Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público, inconformado com a sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Palhoça, que desclassificou a conduta imputada ao acusado B. J. B. D. A., deixando de submetê-lo ao julgamento pelo Tribunal do Júri (evento 212.1). A denúncia consubstanciou-se nos seguintes fatos (evento 1.1): No dia 22 de maio de 2023, por volta das 12 horas, na Rua Valmor Francisco, bairro Bela Vista, neste município e comarca, o denunciado, B. J. B. D. A., de forma livre, consciente, voluntária e em manifesta intenção de ceifar a vida de J. C. A. J. ou, ao menos, assumindo o risco de causar o resultado morte, desferiu-lhe um golpe no tórax (...
(TJSC; Processo nº 5021238-35.2025.8.24.0045; Recurso: Recurso; Relator: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 22 de maio de 2023)
Texto completo da decisão
Documento:6956871 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recurso em Sentido Estrito Nº 5021238-35.2025.8.24.0045/SC
RELATOR: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
RELATÓRIO
Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público, inconformado com a sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Palhoça, que desclassificou a conduta imputada ao acusado B. J. B. D. A., deixando de submetê-lo ao julgamento pelo Tribunal do Júri (evento 212.1).
A denúncia consubstanciou-se nos seguintes fatos (evento 1.1):
No dia 22 de maio de 2023, por volta das 12 horas, na Rua Valmor Francisco, bairro Bela Vista, neste município e comarca, o denunciado, B. J. B. D. A., de forma livre, consciente, voluntária e em manifesta intenção de ceifar a vida de J. C. A. J. ou, ao menos, assumindo o risco de causar o resultado morte, desferiu-lhe um golpe no tórax (região do mamilo direito), com uma arma branca (faca/utensílio de cozinha), causando-lhe as lesões expostas nas imagens de fl. 4 do Evento 58 e descritas no Laudo Pericial de Evento 57 e no prontuário médico de Evento 74, todos do Auto de Prisão em Flagrante.
O intento criminoso somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do denunciado, pois a vítima recebeu pronto atendimento médico.
Saliente-se que o crime foi praticado por motivo fútil, uma vez que o denunciado, B. J. B. D. A., cometeu o crime no qual vitimou o seu vizinho, em razão de desavenças evolvendo uma bola de futebol.
Além disso, o crime ocorreu de modo que impossibilitou a defesa da vítima, pois J. C. A. J. não pôde esboçar qualquer reação com a finalidade de resguardar sua vida, porquanto foi surpreendido pelo denunciado que, previamente munido de uma arma branca escondida por debaixo da manga de sua camisa, efetuou o golpe contra ele.
Em suas razões recursais, a acusação requer a reforma da decisão, a fim de que o recorrido seja pronunciado pela prática da conduta descrita no art. 121, § 2º, II e IV, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal (evento 220.1).
Apresentadas contrarrazões (evento 226.1), os autos ascenderam a esta Corte, oportunidade em que a Procuradoria de Justiça Criminal opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (evento 16.1).
É o relatório.
VOTO
Analisados os pressupostos legais de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.
O Ministério Público, inconformado com a decisão que desclassificou a conduta imputada ao recorrido, sustenta que há prova inequívoca da materialidade e indícios suficientes de autoria do delito de tentativa de homicídio qualificado, sendo indevida a subtração da competência constitucional do Tribunal do Júri.
Argumenta que o conjunto probatório demonstra a presença de animus necandi, uma vez que o recorrido desferiu golpe de faca no tórax da vítima, região vital, após prévias ameaças, e que a gravação dos fatos por áudio (evento 46.3) evidencia ataque repentino, sem discussão ou agressão prévia.
Assevera que a decisão de desclassificação se baseou em conjecturas, como o fato de o recorrido ser sushiman ou ter desferido apenas um golpe, e em valoração indevida das provas, quando nesta fase bastam indícios de dolo para a pronúncia.
Defende, assim, a aplicação do princípio do in dubio pro societate, para que o recorrido seja pronunciado e submetido ao julgamento pelo Conselho de Sentença, juízo natural das infrações dolosas contra a vida.
Todavia, a pretensão recursal é inviável.
A decisão de primeiro grau examinou detidamente o conjunto probatório e concluiu pela inexistência de elementos seguros que evidenciem o animus necandi, cujos fundamentos adoto como razões de decidir (evento 212.1):
Fixadas essas premissas, constato, ao final da persecução criminal do delito de tentativa de homicídio, que a prova angariada não permitiu concluir pela presença de animus necandi.
Infere-se dos autos que no dia 22.05.2023, por volta de 12h, o acusado, de posse de uma faca, desferiu contra seu vizinho um golpe com faca, atingindo-o na região torácica, lado direito, conforme evidência o laudo pericial acostado ao Evento 57, e informações médicas do evento 74, todas do inquérito policial de nº 5008319-82.2023.8.24.0045.
A vítima relatou ter sido agredida pelo réu e este fato foi por ele confirmado. No entanto, as circunstâncias da ocorrência não revelam que o acusado, com sua ação, desejava a morte da vítima.
Em juízo, foram colhidas as seguintes provas orais:
De acordo com o ofendido J. C. A. J., no dia dos fatos, após buscar sua filha na creche, por volta do meio-dia, a uma distância de 50 a 100 metros de sua residência, avistou a esposa do réu, Tauane, e Marciele na rua, próximo a sua casa. Ele comentou com a esposa sobre a presença delas, pedindo para que não desse atenção a fim de evitar confusão. Mais próximo, ao se abaixar para colocar sua filha no chão, sentiu uma espetada no lado direito, na região do corpo. Relatou não ter visto quem o atingiu inicialmente, mas ao ouvir o grito da esposa ("Furou?"), olhou para o lado e viu o réu Bruno, que gritava algo como "agora vai estragar a bola". Após a agressão, sua esposa o puxou para o portão de uma vizinha, Daniele, e o fez sentar, enquanto tentava estancar o sangramento. O depoente se sentiu tonto e não se recorda bem dos eventos seguintes, apenas pedindo para que sua filha, Lara, fosse retirada do local devido ao sangue. Ainda em seu relato, o Sr. João Carlos esclareceu que o réu o surpreendeu por trás, vindo de algum ponto não visível na calçada, possivelmente do prédio ou da lixeira. Informou que, no dia da facada, não houve contato ou provocação prévia com o réu. Contudo, houve uma discussão no domingo anterior, devido a uma bola que caiu em sua propriedade. Ele explicou que bolas de futebol frequentemente caíam em sua casa, causando danos, especialmente após adultos começarem a brincar chutando com maior força. Ele reteve a bola e comunicou que ela não seria mais devolvida para evitar futuros incômodos. O réu Bruno teria respondido: "Tu vai me pagar essa bola com juros e correção". Após a facada, o Sr. João Carlos não teve reação e não se recorda do que o réu fez. Em relação às consequências do ferimento, afirmou ter sido atingido no pulmão, o que agravou uma condição preexistente de falta de ar, tornando-a muito mais intensa para andar e caminhar, embora continue trabalhando. A vítima relatou ameaças anteriores por parte de Bruno: em uma ocasião, Bruno teria dito, em relação à retenção da bola, "Se tu não devolver, te mato". Outra situação anterior envolveu Bruno e Felipe (companheiro de Marciele) tentando invadir sua casa por causa de uma bola, onde Felipe teria chutado o portão. Ele também mencionou um episódio mais antigo em que viu Bruno fumando maconha na rua com a filha pequena no colo, resultando em ofensas verbais e o fim das saudações que anteriormente ocorriam. O depoente afirmou não ter e não usar arma de fogo. Disse que reside no local há 10 anos, enquanto Bruno morava há cerca de 4 a 5 anos. A residência de Bruno não é vizinha de parede, mas sim do outro lado da rua, a duas casas de distância. Complementou que atualmente Bruno não reside mais no local, de onde saiu por força de um acordo judicial, embora a irmã de Bruno e sua família ainda frequentem a residência. A animosidade se estende à esposa de Bruno, mas ele não teve problemas com o restante da família do réu.
A esposa da vítima, Sra. WANDREZA, depôs como informante, contou que, no dia dos fatos, ao retornar da creche com o marido e a filha, avistou Marciele e Tauane na rua, em frente às suas casas. Ao passarem por elas, perto de um prédio na esquina, ouviu Tauane gritar "Não, Bruno", e nesse momento, o réu surgiu por trás e desferiu a facada. Ela não viu a faca ou o momento exato do ataque. Após a agressão, ela puxou o marido para dentro do pátio da vizinha Daniele, que estava com o portão aberto, e o fechou, temendo um novo ataque. Sua filha, ao ver o sangue, começou a chorar, Daniele levou sua filha para dentro. Ela ligou para o bombeiro. A informante confirmou que não houve discussão ou provocação no dia do incidente. No entanto, a questão da bola era um problema antigo. Ela havia acordado com a mãe de outra criança, Simone, que as bolas não seriam mais devolvidas exceto se buscadas pessoalmente pelos responsáveis pelas crianças. Após isso, as crianças começaram a usar a bola de Bruno, que também caiu em sua casa e foi retida. Ela narrou ameaças anteriores de Bruno: em abril de 2023, após reter uma bola, Bruno veio ao seu portão com uma barra de ferro, chamando seu marido de "frouxo" e querendo que ele saísse para a rua. Ela estava grávida de três meses e sentiu muito medo, o que a levou a gravar todas as suas conversas quando sai de casa. Nesse mesmo episódio, Felipe (marido de Marciele) também teria se juntado a Bruno, chutando o portão. Relatou que não houve mais contato ou ameaças diretas de Bruno desde o incidente da facada. Confirmou que o Sr. João nunca teve uma arma. Mencionou que João respondeu a um processo criminal por lesão corporal, mas não teve desentendimentos com outros vizinhos.
O policial militar Cabo LUIZ HENRIQUE FARIAS informou que atendeu a ocorrência, lembrando-se vagamente dos detalhes. Acredita que outra guarnição pode ter iniciado o atendimento. Ele conduziu o réu Bruno à delegacia. Bruno teria relatado que a ação foi em legítima defesa, decorrente de uma briga entre vizinhos envolvendo crianças. O policial não se recorda do estado de Bruno (calmo ou agitado) no local, nem de testemunhas, mas afirmou que Bruno estava um pouco agitado durante a condução e mencionou que "nunca fez isso". Ele também recorda que Bruno trabalhava com sushi. A esposa da vítima estava no local, e havia crianças. O Cabo Farias confirmou que Bruno colaborou com a guarnição e não tentou fugir. Foi a primeira ocorrência envolvendo Bruno. Ele não teve contato com a vítima.
O policial CHRISTOPHER MACHADO relatou que a guarnição foi acionada para uma ocorrência de homicídio tentado, envolvendo lesão com faca. Ao chegarem no local, o SAMU já estava presente. Ele dirigiu-se à ambulância do SAMU e conversou com a vítima, que lhe informou sobre uma desavença com o vizinho por causa de uma discussão relacionada a crianças e bolas. A vítima descreveu que, ao retornar com sua esposa da creche, o autor o surpreendeu por trás, pulando e atingindo-o com um objeto que ele acreditava ser uma faca. Diante disso, a vítima pediu socorro, e a polícia foi acionada. Posteriormente, a guarnição soube que o autor estaria em sua casa. Ao abordá-lo, o réu Bruno assumiu ter realizado o ato. Bruno, por sua vez, apresentou uma versão na qual alegou legítima defesa. Ele afirmou que primeiro visualizou a vítima, que foi até ele para questioná-lo por conta da desavença com uma bola. Nessa discussão, a vítima teria "partido para cima dele", e Bruno, ao se desvencilhar, o atingiu com a faca no intuito de amedrontá-lo. Bruno também alegou que já estava com a faca previamente porque tinha receio de que a vítima pudesse fazer algo contra ele. O policial Christopher afirmou que foi ele quem conduziu Bruno até a delegacia, embora não se recorde se o algemou pessoalmente ou se foi seu parceiro. No momento da prisão, Bruno estava calmo e não apresentou resistência. O algemamento foi realizado devido à presença da família e de populares, já que havia uma grande comoção, e a guarnição não sabia se poderiam tentar algo contra o réu ou ajudá-lo a fugir. Em relação à arma, Bruno apresentou a faca aos policiais, descrevendo-a como uma "faca de cozinha pequena". O policial não recorda a presença de crianças no local, mas confirmou que as esposas estavam presentes. A esposa da vítima estava com ele durante o atendimento, e a esposa de Bruno estava em sua casa, tendo inclusive informado que já havia registrado um boletim de ocorrência contra a vítima devido a ameaças proferidas contra os filhos do réu. Ele reafirmou que Bruno foi colaborativo na abordagem e não demonstrou animosidade ou resistência.
A testemunha CATHIÉLI PIRES SOUZA, vizinha dos envolvidos, relatou que no dia do ocorrido, estava em seu pátio quando Marciele chegou e lhe pediu café. Viu o réu Bruno na rua com sua filha pequena e outros filhos. Ao ver seu próprio filho chegar do transporte, ela o levou para dentro de casa. Nesse ínterim, ouviu a esposa de Bruno, Tauane, chamá-lo "Bruno" e a viu correndo. Ela não conseguiu visualizar o ocorrido da sua posição na cozinha e não foi à rua para verificar. Pouco depois, viu Bruno retornando para sua casa e permanecendo na frente dela. Ouviu a chegada da polícia e da ambulância. Sobre a posição dos envolvidos, ela observou Bruno seguindo sua filha pequena que se afastava, enquanto o Sr. João e Wandreza vinham em sua direção, a aproximadamente uma quadra de distância. Ela afirmou que nunca presenciou brigas diretas entre as partes, apenas ouviu comentários sobre desentendimentos envolvendo a bola. Seu marido também brincava com a bola, mas sem problemas. Sobre a personalidade de Bruno, ela disse que ele é pouco visto, sempre trabalhando ou se dedicando aos filhos nas folgas, e que nunca presenciou ou soube de problemas dele com outros vizinhos. Quanto ao Sr. João, ela ouviu relatos de que ele arranja encrencas com vizinhos, mas não presenciou. Para ela, João foi prestativo em outras ocasiões e sua relação com ele sempre foi tranquila. Ela soube de problemas de João com outros vizinhos relacionados às crianças brincando na rua e à "depredação" de sua casa.
DANIELE CLÁUDIA ALVES, vizinha, relatou que estava em seu horário de almoço quando viu João e Wandressa na rua, algumas casas à frente da sua. Após entrar em sua casa, ouviu Wandreza gritando e pedindo socorro. Wandressa e João entraram em seu pátio, onde ela percebeu que João havia sido esfaqueado no peito. Ela socorreu o casal e a filha pequena. Afirmou não ter visto quem desferiu a facada e não conhecer o réu Bruno pessoalmente. Daniele afirmou não ter visto nenhuma arma com o Sr. João, nem na rua, e que a polícia também não encontrou nada.
A testemunha MARCIELE DE SOUZA DA ROCHA, também vizinha das partes, descreveu Bruno como calmo, dedicado aos filhos nas folgas e trabalhador, raramente visto em casa senão nesses momentos. Desconhece qualquer desafeto ou briga de Bruno com outros vizinhos, exceto a específica com o Sr. João. Sobre o dia dos fatos, 22 de maio de 2023, Marciele estava na rua esperando seus filhos da escola, afirma que viu Bruno indo atrás de sua filha pequena, Diana, que estava se distanciando. Nesse momento, o Sr. João já foi em direção ao Bruno, e Wandreza o puxava e empurrava, enquanto mexia na bolsa e gesticulava. Ela não viu Bruno escondido ou atacando por trás. Ela ouviu um áudio de Wandreza dizendo "Lá estão os barraqueiros", o que, para ela, indica que João e Wandreza estavam à frente e visíveis. Ela não presenciou a facada em si. Marciele relatou que durante o tumulto, ouviu Wandressa dizendo "me dá a arma, me dá a arma" enquanto mexia na mochila, e um objeto caiu no chão. Ela não viu o objeto com clareza, mas devido ao contexto e às falas, supõe que fosse uma arma. Após o ocorrido, o réu Bruno chamou a polícia e permaneceu no local, na frente de sua casa, aguardando. Sobre a dinâmica, Marciele estava no portão de Catielle, perto da casa de Bruno, enquanto João e Wandressa vinham do lado do prédio. A filha de Bruno (Diana) estava mais próxima dela do que de João. Ela reiterou que João soltou a filha e foi para cima de Bruno, gritando "Tu é um cara morto", algo que ele já vinha repetindo em outras ocasiões.
THAUANE DOS SANTOS DA SILVA, companheira de Bruno, informou que moravam no local há dois anos. Ela afirmou que Bruno nunca teve outro desentendimento com vizinhos, a não ser com o Sr. João, que inicialmente era tranquilo, mas que após um ano começou a incomodar os vizinhos e proibir sua própria filha de brincar. Ele perseguia e ameaçava as crianças na rua, transformando a vida deles em "um inferno" por causa da bola. Mencionou que João xingava seus filhos e que muitos pais tinham medo dele. Ela negou categoricamente que Bruno tivesse ido à casa de João com uma barra de ferro ameaçando-o. No dia dos fatos, Bruno estava cortando a grama na frente da casa com uma pequena faca que sempre ficava no muro. Ela observava as crianças brincando, enquanto Bruno foi atrás de sua filha Diana, que se distanciou. Nesse momento, ela viu o Sr. João vindo correndo e partindo para cima do Bruno, empurrando a menina para o lado. Ela gritou "Bruno!", em razão do susto. Não viu a facada em si, mas viu Wandressa puxando João e falando sobre uma arma, enquanto João gritava que Bruno era "um cara morto". Sua preocupação principal era com os filhos, ela retirou as crianças do local. Ela confirmou que a faca usada por Bruno era a mesma que ele usava para cortar a grama. De acordo com seu relato Bruno não estava escondido e não atacou João por trás, como relatado pela vítima. Ela descreveu Bruno como calmo e trabalhador, que dedicava seu tempo livre aos filhos. Bruno foi quem ligou para a polícia e permaneceu no local aguardando.
O réu BRUNO JOEL BARBOSA DE ALENCASTRO, sobre a acusação de tentativa de homicídio, Bruno negou, alegando legítima defesa, pois a vítima, o Sr. João Carlos, teria "partido para cima" dele. Ele afirmou que as desavenças com João já duravam cerca de um ano e meio. Descreveu o comportamento de João como estranho, incluindo atos de jogar areia na frente de sua casa, alegando ser de cemitério para "acabar com sua vida", e que João mudou com as crianças da rua. Bruno explicou que os desentendimentos envolvendo a bola eram constantes, João pegava e estragava as bolas das crianças. No dia dos fatos, 22 de maio de 2023, por volta do meio-dia, estava limpando a frente de sua casa com uma pequena serrinha que sempre deixava no muro. Sentiu falta de sua filha Diana e ao procurar viu João soltando sua própria filha e atravessando a rua em direção aos filhos de Bruno. Bruno foi em direção à sua filha Diana para protegê-la de um carro que vinha. Nesse momento, João veio para lhe dar um soco. Bruno se esquivou e fez um movimento para afastar João. Ele afirmou que não percebeu imediatamente que havia perfurado João. A esposa de João, Wandreza, teria mexido na mochila gritando "pega a arma, pega a arma" e respondido "já peguei". Bruno afirmou que um revólver caiu no chão perto da roda de um carro, e Wandreza o pegou e escondeu, puxando João para dentro do pátio de Daniele. Bruno foi quem chamou a polícia militar após o incidente, permanecendo na frente de sua casa aguardando a chegada da viatura. Ele alegou que os policiais que o abordaram não quiseram ouvi-lo, mas ele se defendeu das acusações. Bruno descreveu que João fez menção de ter algo nas costas, como fazia para assustar pessoas, vindo com uma mão para trás e a outra para desferir um soco. Ele, Bruno, apenas empurrou para se defender. Ele afirmou que não se recorda de ter dito na delegacia que seu "temperamento foi para a lua" ou que "tinha uma faca na manga". Se disse, foi por perda de controle emocional, sem intenção de matar ou ferir. A faca utilizada permaneceu com ele e foi colocada em cima do muro, de onde o policial Christopher a recolheu. Bruno alegou que João continuou ameaçando as crianças mesmo após ter sido ferido.
É consenso nos depoimentos da vítima, réu e testemunhas que os fatos se deram por desavenças entre vítima e réu que, na época, eram vizinhos e entraram em conflito por causa de brincadeiras na rua com bola, esta que às vezes atingiam a residência da vítima.
No entanto, do cotejo dos testemunhos colhidos em ambas as fases do processo verifica-se que existem versões divergentes sobre as circunstâncias dos fatos narrados na denúncia.
De acordo com a vítima e sua esposa, o réu estaria escondido e armado com uma faca, propositadamente, para poder atacá-lo de surpresa. De outro norte, a narrativa do réu e demais testemunhas são de que o réu estava com seus filhos na rua e não estava à espreita da vítima.
A testemunha Cathiele disse que viu o réu na rua, caminhando em direção a sua filha pequena que se afastava, enquanto o Sr. João e Wandreza vinham na direção do réu, a aproximadamente uma quadra de distância, versão corroborada pela testemunha Marciele.
Embora a acusação sustente que através do áudio (evento 46 do IP) gravado na data dos fatos possa se concluir que o réu atacou a vitima pelas costas, não é possível afirmar como se deu a dinâmica dos fatos por gravações de áudio.
Por outro lado, a tese defensiva alegada, legítima defesa, não foi comprovada de forma estreme de dúvidas e somente admitiria acolhimento caso demonstrada de forma induvidosa e sob circunstâncias visualizadas de plano, o que não é o caso dos autos.
Nesse sentido é a jurisprudência:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA PELO CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO (ART. 121, § 2º, INCISO II, C/C 14, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL). RECURSO DEFENSIVO. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA OU DE IMPRONÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA NOS AUTOS DE PROVA DA MATERIALIDADE E DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA PARA A MANUTENÇÃO DO JULGADO. EXCLUDENTE DE ILICITUDE DA LEGÍTIMA DEFESA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO, DE FORMA INCONTESTÁVEL, NO ACERVO PROBATÓRIO. PRESENÇA DE 2 (DUAS) VERSÕES PARA OS FATOS. EVENTUAL DÚVIDA A SER DIRIMIDA PELO CONSELHO DE SENTENÇA. REQUISITOS DO ART. 413 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PREENCHIDOS. MERO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. PRONÚNCIA PRESERVADA. [...] (Recurso em Sentido Estrito n. 0001215-26.2017.8.24.0081, de Xaxim, rel. Des. Ernani Guetten de Almeida, j. 18/12/2018).
Imperioso destacar, também, que a desclassificação do tipo penal, com afastamento da competência do Tribunal do Júri, na fase de pronúncia, tem cabimento caso seja certa, neste momento processual, a ausência do animus necandi.
Nesse sentido, colhe-se dos ensinamentos de Guilherme Souza Nucci:
O juiz somente desclassifica a infração penal, cuja denúncia foi recebida como delito doloso contra a vida, em caso de cristalina certeza quanto à ocorrência de crime diverso daqueles previstos no art. 74, § 1.º, do Código de Processo Penal (homicídio doloso, simples ou qualificado; induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; infanticídio ou aborto). Outra solução não pode haver, sob pena de se ferir dois princípios constitucionais: a soberania dos veredictos e a competência do júri para apreciar os delitos dolosos contra a vida. A partir do momento em que o juiz togado invadir seara alheia, ingressando no mérito do elemento subjetivo do agente, para afirmar ter ele agido com animus necandi (vontade de matar) ou não, necessitará ter lastro suficiente para não subtrair, indevidamente, do Tribunal Popular a competência constitucional que lhe foi assegurada. É soberano, nessa matéria, o povo para julgar seu semelhante, razão pela qual o juízo de desclassificação merece sucumbir a qualquer sinal de dolo, direto ou eventual, voltado à extirpação da vida humana (Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008. p. 88/89).
O Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recurso em Sentido Estrito Nº 5021238-35.2025.8.24.0045/SC
RELATOR: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
EMENTA
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. DESCLASSIFICAÇÃO NA FASE DE PRONÚNCIA. INDÍCIOS INSUFICIENTES DE INTENÇÃO DE MATAR. MANUTENÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO SINGULAR. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Recurso em sentido estrito interposto pelo órgão acusatório contra decisão que desclassificou a imputação de tentativa de homicídio qualificado e determinou a remessa ao juízo singular, ao fundamento de ausência de elementos seguros do dolo de matar.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em saber se o conjunto probatório revela indícios suficientes de intenção de matar aptos a justificar a pronúncia, nos termos do art. 413 do CPP.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A desclassificação é medida que se impõe na fase de pronúncia quando o conjunto probatório não demonstra, de forma segura e objetiva, a intenção de matar exigida para a configuração do crime doloso contra a vida (art. 419 do CPP).
4. O golpe único desferido com faca de cozinha, sem repetição, perseguição ou outros elementos concretos que indiquem dolo homicida, não autoriza a pronúncia do acusado, impondo-se a manutenção da competência do juízo singular.
IV. DISPOSITIVO
5. Recurso conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6956872v3 e do código CRC e4f8f232.
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Signatário (a): ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
Data e Hora: 14/11/2025, às 16:40:56
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 06/11/2025 A 12/11/2025
Recurso em Sentido Estrito Nº 5021238-35.2025.8.24.0045/SC
RELATOR: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
REVISORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
PRESIDENTE: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
PROCURADOR(A): PEDRO SERGIO STEIL
Certifico que este processo foi incluído como item 155 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 21/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 06/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 19:00.
Certifico que a 1ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 1ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
Votante: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA
Votante: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO
Votante: Desembargador PAULO ROBERTO SARTORATO
ALEXANDRE AUGUSTO DE OLIVEIRA HANSEL
Secretário
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