RECURSO – Documento:6822560 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5024108-13.2020.8.24.0018/SC RELATOR: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES RELATÓRIO Para retratar o desenvolvimento processual, adota-se o relatório da sentença: RESTAURANTE E PIZZARIA FLORESTA NATIVA LTDA ajuizou a presente Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica c/c Inexigibilidade de Débitos e Reparação de Danos Morais em face de COMPANHIA ULTRAGAZ S A, ambos qualificados nos autos. Alegou a autora em síntese: a) firmou contrato de fornecimento de gás liquefeito com a requerida em fevereiro de 2015; b) após a venda e cessão das cotas sociais para os novos sócios, a requerida não lhe enviou a cópia do contrato de fornecimento de gás em vigência; c) em vista dos efeitos da pandemia do Covid-19 diminuiu o consumo de gás liquefeito; d) a partir de abril de 2020 deixou de adquirir o produt...
(TJSC; Processo nº 5024108-13.2020.8.24.0018; Recurso: recurso; Relator: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES; Órgão julgador: Turma, j. 20-8-2009); Data do Julgamento: 11 de novembro de 2025)
Texto completo da decisão
Documento:6822560 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5024108-13.2020.8.24.0018/SC
RELATOR: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES
RELATÓRIO
Para retratar o desenvolvimento processual, adota-se o relatório da sentença:
RESTAURANTE E PIZZARIA FLORESTA NATIVA LTDA ajuizou a presente Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica c/c Inexigibilidade de Débitos e Reparação de Danos Morais em face de COMPANHIA ULTRAGAZ S A, ambos qualificados nos autos.
Alegou a autora em síntese: a) firmou contrato de fornecimento de gás liquefeito com a requerida em fevereiro de 2015; b) após a venda e cessão das cotas sociais para os novos sócios, a requerida não lhe enviou a cópia do contrato de fornecimento de gás em vigência; c) em vista dos efeitos da pandemia do Covid-19 diminuiu o consumo de gás liquefeito; d) a partir de abril de 2020 deixou de adquirir o produto certa de que o contrato estava encerrado; e) o preço do gás cobrado pela requerida estava 90% superior ao preço do produto fornecido por outras empresas do ramo; f) a requerida enviou-lhe boleto bancário cobrando-lhe a quantia de R$ 21.795,84, com vencimento para 28-09-2020 a título de multa rescisória; g) que a cobrança é indevida porquanto o contrato teve por termo final fevereiro de 2020, não foi objeto de renovação e tampouco houve aquisição do produto no período.
Fundada em tais motivos, requereu a parte autora a concessão de tutela de urgência para que a requerida seja compelida a abster-se de protestar o título n. 72703663-1 ou sustar os efeitos do protesto.
Ao final, postulou a declaração de inexistência de relação jurídica entre as partes e consequente inexigibilidade do débito, bem como condenação a reparação por danos morais no valor de R$ 12.000,00. Ainda, pugnou pela concessão do benefício da gratuidade da Justiça, valorou a causa e carreou documentação (Evento 1).
[...]
A tutela de urgência foi indeferida e determinada a citação (Evento 12).
Citada (Evento 16), a parte requerida ofertou contestação, alegando que no contrato de promessa de compra e venda de GLP e Comodato de Equipamentos, firmado em 05-02-2015 com prazo de 60 meses, havia previsão de aquisição mínima de 430 kg de GLP por mês e de renovação automática caso não houvesse a denúncia até 60 dias do termo final (05-02-2020). Asseverou que a autora, como ela própria admitiu, não promoveu a denúncia do contrato, pelo que o ajuste foi renovado automaticamente por mais de 60 meses, ou seja, até 05-02-2025. Disse que foram promovidos 12 abastecimentos de GLP em favor da autora entre março a junho de 2020, o que comprova a continuidade da relação contratual. Informou que em agosto de 2020 houve contato com a autora, uma vez que ela não tinha mais adquirido o gás desde junho, quando ela informou que pretendia rescindir o contrato pois estava consumindo produto de outro fornecedor. Alegou ter esclarecido à autora de que o distrato, dada a renovação automática ocorrida em fevereiro de 2020, iria gerar a cobrança da multa rescisória, bem como lhe remetido cópia do contrato, mas mesmo assim ela requereu o imediato distrato. Aduziu que a autora descumpriu os termos do contrato, devendo arcar com a muita rescisória. Quanto ao preço do quilo do GLP, afirmou estar de acordo com cláusula de reajuste prevista no contrato, objeto de livre contratação entre as partes. Afirmou que desde janeiro de 2002 vigora o regime de liberdade de preço na cadeia de produção e comercialização de combustíveis e o valor do quilo do GLP é firmado pelo mercado. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos. Carreou documentação (Evento 18).
Na réplica, a autora alegou ter sido informada em junho de 2019 por funcionária da requerida, de nome Noemi, que o contrato encerrava-se em fevereiro de 2020, oportunidade em que manifestou seu interesse em rescindir o negócio. Declarou que nunca teve conhecimento do teor do contrato pois firmado por sócio anterior e porque as cópias não foram fornecidas pela demandada. Afirmou que o contrato, passado o prazo de vencimento, torna-se por prazo indeterminado e a multa deve ser revalidada conforme preconiza o Código de Defesa do Consumidor. Mencionou ter informado para a requerida, por telefone, em março de 2020, que pretendia rescindir o contrato e que deixaria de adquirir GLP no final do junho de 2020. Impugnou os preços cobrados por serem superiores aos valores cobrados pela concorrência. No mais, impugnou os documentos juntados com a defesa e reiterou os pedidos iniciais. Carreou documentação (Evento 25).
Intimada, a parte requerida alegou que a autora se contradiz, uma vez adquiriu gás após fevereiro de 2020 mesmo ciente do término final do contrato em fevereiro de 2020 e asseverou que a comparação acerca do preço parte de premissas equivocadas e não reflete a realidade (Evento 30). (evento 35, SENT1)
O Juízo de origem rejeitou o pedido, fundamentado na validade do contrato assinado, no seu descumprimento pela autora, na regularidade da cobrança da multa compensatória e na ausência de ato ilícito imputável à ré, nos seguintes termos:
Ante o exposto, com base no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por RESTAURANTE E PIZZARIA FLORESTA NATIVA LTDA em face de COMPANHIA ULTRAGAZ S A, mantendo a decisão de indeferimento da tutela de urgência.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono do réu, que fixo em 15% sobre o valor da causa, atualizado monetariamente pelo INPC desde o ajuizamento, com base no art. 85, §§ 2° e 8°, do Código de Processo Civil, observado o julgamento antecipado e o trabalho realizado. (evento 35, SENT1)
Inconformada, a autora interpôs apelação, alegando que: a) o Código de Defesa do Consumidor (CDC) deve ser aplicado à resolução do litígio; b) houve cerceamento de defesa; c) o contrato é de adesão e não teve prévio conhecimento do seu conteúdo. Com base nesses argumentos, requereu o provimento do recurso para: a) cassar a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para a devida instrução processual; b) reformar a sentença, a fim de reconhecer a aplicabilidade do CDC ao caso e interpretar o contrato como sendo de adesão (evento 41, REC2).
Foram apresentadas contrarrazões, onde a parte recorrida arguiu ofensa ao princípio da dialeticidade e inovação recursal (evento 46, CONTRAZAP1).
É relatório.
VOTO
1. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
1.1 Ofensa à dialeticidade
O Código de Processo Civil (CPC) estabelece no art. 1.010 que a apelação deve conter "a exposição do fato e do direito" e "as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade". Complementarmente, o art. 932, III, determina que compete ao Relator "não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida".
Quanto à tese de cerceamento de defesa, a apelante limitou-se a argumentar que a medida tomada pelo julgador impediu-a de produzir outras provas que haviam sido requeridas, como a testemunhal. Afirmou, ainda, que o processo, no momento da sentença, "não possuía elementos suficientes para uma decisão justa, equânime".
A apelante, contudo, não explicou, concretamente, por que o julgamento antecipado cerceou-lhe o direito de defesa nem o propósito da dilação probatória. Sem esclarecer qual utilidade teria a prova oral, não é possível avaliar se o julgamento antecipado foi oportuno ou se realmente houve cerceamento de defesa.
Desprovida das razões para a cassação do julgamento, a tese de cerceamento de defesa não será conhecida.
No mais, verifica-se que estão presentes os pressupostos de admissibilidade - cabimento, legitimidade, interesse, tempestividade e regularidade formal. O preparo foi devidamente recolhido.
2. JUÍZO DE MÉRITO
2.1 Aplicação do CDC
O CDC define consumidor como "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (art. 2º, caput). Bruno Miragem explica o conceito:
Ser destinatário final é retirar o bem de mercado (ato objetivo), mas, e se o sujeito adquire o bem para utilizá-lo em sua profissão, adquire como profissional (elemento subjetivo), com o fim de lucro, também deve ser considerado "destinatário final"- A definição do art. 2.º do CDC não responde à pergunta: é necessário interpretar a expressão "destinatário final". Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluso no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida "destinação final" do produto ou do serviço. Parece-me que destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. O destinatário final é o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquiri-lo ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico), e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é o consumidor final, ele está transformando o bem, utilizando o bem, incluindo o serviço contratado no seu, para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor, utilizando-o no seu serviço de construção, nos seus cálculos do preço, como insumo da produção (Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 83-84).
Por outro lado, segundo a teoria finalista mitigada, há relação de consumo se evidenciada a vulnerabilidade (técnica, jurídica ou econômica) da pessoa jurídica frente ao fornecedor quando da aquisição ou da utilização de produtos ou serviços no desenvolvimento ou incremento de sua atividade empresarial:
PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. AGRAVO. DEFICIENTE FORMAÇÃO DO INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE PEÇA ESSENCIAL. NÃO CONHECIMENTO. RELAÇÃO DE CONSUMO. CARACTERIZAÇÃO. DESTINAÇÃO FINAL FÁTICA E ECONÔMICA DO PRODUTO OU SERVIÇO. ATIVIDADE EMPRESARIAL. MITIGAÇÃO DA REGRA. VULNERABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA. PRESUNÇÃO RELATIVA.
- Por ser garantia constitucional, não é possível restringir o cabimento do mandado de segurança para as hipóteses em que a concessão de efeito suspensivo a agravo de instrumento provoca lesão ou grave ameaça de lesão a direito líquido e certo do jurisdicionado. Precedentes.
- A fim de bem cumprir a exigência contida no art. 525, I, do CPC, deve a parte instruir o agravo de instrumento com cópia da cadeia completa de instrumentos de mandato, com vistas a possibilitar a identificação dos advogados que efetivamente representam as partes.
Esse entendimento prestigia o princípio da segurança do processo, e não pode ser olvidado. O rigor procedimental não é prática que deva subsistir por si mesma. No entanto, na hipótese em apreciação, a aplicação do formalismo processual é requisito indispensável para o fortalecimento, desenvolvimento e caracterização da legítima representação das partes, em preciso atendimento aos elementos indispensáveis da ação. Precedentes.
- A falta de peça essencial e, pois, indispensável ao julgamento do agravo de instrumento, ainda que estranha ao elenco legal das obrigatórias, impede o conhecimento do recurso. Precedentes.
- A jurisprudência consolidada pela 2ª Seção deste STJ entende que, a rigor, a efetiva incidência do CDC a uma relação de consumo está pautada na existência de destinação final fática e econômica do produto ou serviço, isto é, exige-se total desvinculação entre o destino do produto ou serviço consumido e qualquer atividade produtiva desempenhada pelo utente ou adquirente. Entretanto, o próprio STJ tem admitido o temperamento desta regra, com fulcro no art. 4º, I, do CDC, fazendo a lei consumerista incidir sobre situações em que, apesar do produto ou serviço ser adquirido no curso do desenvolvimento de uma atividade empresarial, haja vulnerabilidade de uma parte frente à outra.
- Uma interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a imposição de limites à presunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência, circunstância que não se coaduna com o princípio constitucional de defesa do consumidor, previsto nos arts. 5º, XXXII, e 170, V, da CF. Em suma, prevalece a regra geral de que a caracterização da condição de consumidor exige destinação final fática e econômica do bem ou serviço, mas a presunção de vulnerabilidade do consumidor dá margem à incidência excepcional do CDC às atividades empresariais, que só serão privadas da proteção da lei consumerista quando comprovada, pelo fornecedor, a não vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica.
- Ao encampar a pessoa jurídica no conceito de consumidor, a intenção do legislador foi conferir proteção à empresa nas hipóteses em que, participando de uma relação jurídica na qualidade de consumidora, sua condição ordinária de fornecedora não lhe proporcione uma posição de igualdade frente à parte contrária. Em outras palavras, a pessoa jurídica deve contar com o mesmo grau de vulnerabilidade que qualquer pessoa comum se encontraria ao celebrar aquele negócio, de sorte a manter o desequilíbrio da relação de consumo. A "paridade de armas" entre a empresa-fornecedora e a empresa-consumidora afasta a presunção de fragilidade desta. Tal consideração se mostra de extrema relevância, pois uma mesma pessoa jurídica, enquanto consumidora, pode se mostrar vulnerável em determinadas relações de consumo e em outras não.
Recurso provido.
(STJ, RMS 27.512/BA, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 20-8-2009)
No caso, o contrato questionado tem por objeto o fornecimento de gás liquefeito de petróleo (GLP) pela apelada (evento 18, CONTR5), produto que serviria ao propósito de incrementar a atividade empresarial da apelante (restaurante).
Contudo, nenhuma vulnerabilidade (técnica, jurídica ou econômica) resulta das alegações da apelante. A partir das características e do objeto social dos envolvidos, não é possível presumir essa vulnerabilidade.
Além disso, para que não se alegue que a vulnerabilidade se presume e que compete à parte contrária derruí-la, é necessário pontuar que sequer houve concreta alegação da apelante nesse sentido, ou seja, de que estaria em posição de inferioridade ou fragilidade diante da apelada. Cabia à apelante ao menos argumentar sobre sua eventual posição de inferioridade/ fragilidade perante a apelada, caracterizando e explicando sua vulnerabilidade técnica, jurídica, fática ou informacional, a justificar a incidência do CDC. Entretanto, efetivamente nada indicou a respeito, seja na origem ou neste grau recursal.
Assim, é inviável analisar o conflito pela ótica do CDC. Neste sentido, esta Câmara já decidiu em caso semelhante:
APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL E CONTRATOS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INFRAÇÃO CONTRATUAL C/C COBRANÇA DE MULTA. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. APELO DA RÉ. PREFACIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. ALEGAÇÃO FUNDADA EM SUPOSTA OMISSÃO QUANTO À ANÁLISE DA PROVA PRODUZIDA NOS AUTOS E NO INDEFERIMENTO DA PROVA PERICIAL. RECHAÇO. ANÁLISE EXAURIENTE DE TODOS OS ELEMENTOS PROBATÓRIOS PRODUZIDOS NO FEITO. INUTILIDADE DA PROVA PERICIAL PRETENDIDA. EXEGESE DO ART. 370, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. PLEITO DE APLICAÇÃO DO CDC AO CASO POSTO. REJEIÇÃO. RELAÇÃO COMERCIAL ENTRE EMPRESAS (FORNECEDORA DE GÁS GLP E RESTAURANTE DELIVERY). PRODUTO UTILIZADO COMO INSUMO NA ATIVIDADE DA RÉ. AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE A ENSEJAR A APLICAÇÃO DO CÓDIGO CONSUMERISTA À ESPÉCIE. MÉRITO. DESCUMPRIMENTO, PELA RÉ, DE CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE DE FORNECIMENTO. AQUISIÇÃO DO PRODUTO (GÁS) DE OUTRO FORNECEDOR. FATO INCONTROVERSO. VIOLAÇÃO DO PACTO QUE ENSEJA A APLICAÇÃO DA SANÇÃO CONVENCIONADA PELAS PARTES. ALEGAÇÃO DA EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS APTOS A DEMONSTRAR A VIOLAÇÃO PRIMITIVA DO CONTRATO PELA PARTE AUTORA. SENTENÇA MANTIDA NO PONTO. PLEITO SUCESSIVO DE REDUÇÃO EQUITATIVA DA MULTA. SANÇÃO CUJA MENSURAÇÃO CONTRATUALMENTE PREVISTA JÁ GUARDA PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (AC n. 5004675-42.2019.8.24.0023, rel. Giancarlo Bremer Nones, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 1º-2-2024).
O Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5024108-13.2020.8.24.0018/SC
RELATOR: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES
EMENTA
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE GLP. INAPLICABILIDADE DO CDC. AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE. CONTRATO DE ADESÃO. VALIDADE. TRANSFERÊNCIA DE ESTABELECIMENTO. CONHECIMENTO DAS CLÁUSULAS. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação interposta pela empresa autora contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de declaração de inexistência de relação jurídica, inexigibilidade de débitos e reparação por danos morais, decorrentes de contrato de fornecimento de GLP. A empresa autora alegou encerramento do contrato, cobrança indevida de multa rescisória e preço abusivo. A sentença manteve a validade do contrato e a cobrança da multa.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há três questões em discussão: (i) saber se a relação jurídica entre as partes é de consumo, autorizando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor; (ii) analisar a validade das cláusulas de contrato de adesão e a necessidade de interpretação favorável ao aderente; e (iii) verificar a responsabilidade da empresa ré pela ausência de conhecimento do contrato pela nova gestão da empresa autora após a cessão de quotas sociais.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. O recurso não foi conhecido quanto à tese de cerceamento de defesa, por ofensa ao princípio da dialeticidade, uma vez que a apelante não explicou concretamente a utilidade da dilação probatória.
4. A aplicação do Código de Defesa do Consumidor foi afastada, pois o GLP é utilizado como insumo na atividade empresarial da apelante (restaurante), e não foi demonstrada sua vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica perante a apelada, conforme a teoria finalista mitigada.
5. O contrato de fornecimento de GLP, mesmo sendo de adesão, é válido, não havendo proibição legal para sua existência. A apelante não comprovou imposição ou a existência de cláusulas ambíguas ou contraditórias que justificassem interpretação favorável.
6. A ausência de prévio conhecimento do contrato pelos novos sócios da empresa autora não pode ser imputada à empresa ré. O contrato foi celebrado com a pessoa jurídica, e a responsabilidade por se certificar sobre os compromissos firmados recai sobre os adquirentes das quotas sociais, nos termos do art. 1.148 do Código Civil.
IV. DISPOSITIVO E TESE
7. Recurso parcialmente conhecido e desprovido.
Tese de julgamento: "A utilização de produto como insumo em atividade empresarial afasta a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, salvo comprovada vulnerabilidade do adquirente."
_______________
Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 487, inciso I; CPC, art. 85, §§ 2°, 8° e 11; CPC, art. 1.010; CPC, art. 932, III; CDC, art. 2º, caput; CDC, art. 4º, I; CC, art. 423; CC, art. 1.148.
Jurisprudência relevante citada: STJ, RMS 27.512/BA, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 20-8-2009; TJSC, AC n. 5004675-42.2019.8.24.0023, rel. Giancarlo Bremer Nones, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 1º-2-2024; STJ, AgInt no AREsp n. 1.634.997/PR, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, j. 26-8-2024; TJDFT, AC n. 0700646-36.2024.8.07.0008, rel. Getúlio de Moraes Oliveira, Sétima Turma Cível, j. 7-8-2024.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos do decidiu, por unanimidade, conhecer em parte da apelação e negar-lhe provimento. Em cumprimento ao art. 85, §§ 2º e 11, do CPC, majoram-se em 2% os honorários fixados anteriormente, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por GIANCARLO BREMER NONES, Desembargador Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6822561v4 e do código CRC e725ef7e.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GIANCARLO BREMER NONES
Data e Hora: 04/11/2025, às 19:21:10
5024108-13.2020.8.24.0018 6822561 .V4
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:27:04.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 04/11/2025 A 11/11/2025
Apelação Nº 5024108-13.2020.8.24.0018/SC
RELATOR: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES
PRESIDENTE: Desembargador MARCOS FEY PROBST
PROCURADOR(A): CARLOS HENRIQUE FERNANDES
Certifico que este processo foi incluído como item 19 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 15/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 04/11/2025 às 00:00 e encerrada em 04/11/2025 às 19:26.
Certifico que a 3ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª CÂMARA ESPECIAL DE ENFRENTAMENTO DE ACERVOS DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER EM PARTE DA APELAÇÃO E NEGAR-LHE PROVIMENTO. EM CUMPRIMENTO AO ART. 85, §§ 2º E 11, DO CPC, MAJORAM-SE EM 2% OS HONORÁRIOS FIXADOS ANTERIORMENTE.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES
Votante: Desembargador Substituto GIANCARLO BREMER NONES
Votante: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR
Votante: Desembargador MARCOS FEY PROBST
CLEIDE BRANDT NUNES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:27:04.
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