Decisão TJSC

Processo: 5039274-81.2021.8.24.0008

Recurso: recurso

Relator: Desembargador RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE

Órgão julgador:

Data do julgamento: 19 de dezembro de 2006

Ementa

RECURSO – Documento:6320395 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5039274-81.2021.8.24.0008/SC RELATOR: Desembargador RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE RELATÓRIO Boticário Produtos de Beleza Ltda. interpôs recurso de apelação contra sentença de improcedência proferida na "ação ordinária" ajuizada em desfavor de A. Angeloni & Cia. Ltda., arguindo, em preliminar, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa. No mérito, sustentou que o reajuste no contrato de locação transferiu-lhe todos os ônus do contexto sobrevindo da pandemia por Covid-19. Altercou a possibilidade de revisão dos termos do contrato dada a "imprevisível e extraordinária alteração do cenário fático", e aventou serem insuficientes os pontuais descontos concedidos pela locadora, diante da dimensão dos prejuízos amargados com a referida situação pandêmica. Discorreu, no mais, sobre a prova pericial que, no seu ver...

(TJSC; Processo nº 5039274-81.2021.8.24.0008; Recurso: recurso; Relator: Desembargador RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)

Texto completo da decisão

Documento:6320395 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5039274-81.2021.8.24.0008/SC RELATOR: Desembargador RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE RELATÓRIO Boticário Produtos de Beleza Ltda. interpôs recurso de apelação contra sentença de improcedência proferida na "ação ordinária" ajuizada em desfavor de A. Angeloni & Cia. Ltda., arguindo, em preliminar, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa. No mérito, sustentou que o reajuste no contrato de locação transferiu-lhe todos os ônus do contexto sobrevindo da pandemia por Covid-19. Altercou a possibilidade de revisão dos termos do contrato dada a "imprevisível e extraordinária alteração do cenário fático", e aventou serem insuficientes os pontuais descontos concedidos pela locadora, diante da dimensão dos prejuízos amargados com a referida situação pandêmica. Discorreu, no mais, sobre a prova pericial que, no seu ver, revelaria a necessidade de revisão dos aluguéis. Requereu, nesses termos, o conhecimento e o provimento do recurso (evento 100). Com contrarrazões suscitando violação ao princípio da dialeticidade e clamando pelo desprovimento do recurso (evento 108), os autos ascenderam a esta Corte. VOTO De pronto, a proemial em contrarrazões, voltada à ausência de dialeticidade, é rejeitada, porquanto das razões recursais é possível extrair o inconformismo da parte recorrente com os fundamentos da sentença. Afora esse, os demais requisitos de admissibilidade estão presentes, daí por que o recurso é conhecido. A preliminar de cerceamento de defesa, segundo a apelante, decorreria do julgamento lastrado em falta de prova sem que esta tivesse sido oportunizada, sobretudo perícia acerca do desequilíbrio entre as partes a partir da pandemia, o que teria acarretado desproporção entre o valor do aluguel e o preço de mercado ou, ainda, acerca da recomposição do poder de compra com o reajuste aplicado pela locadora. Sobre isso, importa destacar da petição inicial fatos que constituíram a causa de pedir da pretensão revisional e que, ao menos em tese, autorizam a verificação do acerto do reajuste implementado pela locadora nos aluguéis em período crítico economicamente no país em função de estado pandêmico: "1.1 - Em 09.09.2014, as partes celebraram contrato de locação envolvendo a loja nº 15 do Shopping Supercenter Angeloni Blumenau - Velha (doc 02.1). O contrato teve a vigência renovada em 07.08.2019 (doc 02.2). No local, a Autora conduz uma loja de produtos da marca O Boticário. 1.2 - Como é praxe em locações dessa natureza, a Autora está sujeita a dois alugueres diferentes: (i) aluguel mínimo e (ii) aluguel percentual, com a predominância do que gerar um valor maior. O aluguel percentual contratado em 2019 foi de 5% (cinco por cento) sobre o faturamento bruto mensal. 1.3 - Já quanto ao aluguel mínimo, até agosto de 2021, a Autora vinha pagando um valor de R$ 6.686,00. Mas, como agosto é o mês de data-base do reajuste, a Ré aplicou a extraordinária e imprevisível variação de mais de 30% do IGP-M, fazendo o aluguel dar um salto para R$ 8.949,00. 1.4 - Antes da Ré fazer essa exorbitando cobrança, a Autora lhe procurou e propôs que o aluguel fosse reajustado via IPCA (8,99%). Todavia, a Ré foi intransigente e simplesmente ratificou a incidência do IGP-M. 1.5 - Diante disso, só resta à Autora buscar a tutela jurisdicional para afastar essa absurda majoração locatícia. A inadequação desse aumento decorre em especial da “abusividade conjuntural do índice IGP-M como reajuste de contratos locativos, uma vez que seus fatores econômicos se mostram totalmente dissociados do escopo de mera recomposição do poder aquisitivo, alcançando feição próxima da especulação cambial” (TJSP, Ap Cível 1023541-07.2020.8.26.0564, Rel. Desa. Maria Lúcia Pizzotti, J 26.05.2021). O próprio contrato prevê que o reajuste estaria vinculado diretamente à desvalorização do poder de compra da moeda legal. 1.6 - A Autora não olvida que o índice contratualmente firmado foi o IGP-M. Porém, o Código Civil estabelece que “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação” (art. 317, CC). 1.7 - Além do mais, o item 10.4 do contrato claramente previu que “na hipótese do índice de reajuste tornar-se indisponível ou ocorrer a impossibilidade ou impedimento de sua utilização, ele será substituído [...] por outro escolhido pelo LOCADOR que traduza a desvalorização do poder de compra da moeda legal” (doc 02.2, fl. 06). 1.8 - Neste contexto, quando se verifica que, de maneira nunca antes vista na história, o índice contratado atingiu um imprevisível patamar superior a 30%, tem-se (i) tanto a desproporção manifesta (art. 317, CC), (ii) quanto a utilização do reajuste para enriquecimento sem causa, e não para mera atualização do poder de compra da moeda. 1.9 - Portanto, o que a Autora busca neste feito não é o afastamento do reajuste, mas sim a utilização de índice que atinja o objetivo contratado, qual seja, a recomposição da “desvalorização do poder de compra da moeda legal” (doc 02.2, fl. 06). [...] 1.15 - Diante desse contexto, a Autora busca o socorro jurisdicional para que se reconheça – à luz das peculiaridades do caso – a impossibilidade de se aplicar o IGP-M para reajustar o aluguel contratado. [...] 2.1 - A Autora não olvida que o contrato em questão é regido por lei específica (art. 8.245/91), a qual possui sistemática e critérios próprios para o ajuste do aluguel “ao preço de mercado” (art. 19). No presente caso, entretanto, ainda que se reconheça que o não acolhimento do pedido tornará a locação desvirtuada do “preço de mercado”, a causa de pedir não está relacionada exclusivamente com a Lei nº 8.245/91. 2.2 - O que se procura na presente demanda é demonstrar que, após a formalização do contrato, sobreveio um evento extraordinário e imprevisível que impõe o reequilíbrio do contrato. Trata-se, portanto, de pleito fundado substancialmente em regra e critérios dos arts. 317 e 478 do Código Civil. [...] 4.10 - No presente caso, o equilíbrio que se pretende é para que o reajuste do aluguel (que se iniciou na data-base de agosto de 2021) seja realizado via variação do IPCA, índice que deve ser usado em substituição ao IGP-M também em relação aos reajustes dos próximos anos. [...] 5.2 - Além das notórias consequências da pandemia, é preciso que se observe que a incidência do reajuste previsto em contrato gerará um aluguel absolutamente exorbitante também porque um dos índices a ser utilizado (IGP-M) não possui indicador substancialmente relacionado ao setor econômico da Autora. [...] 5.8 - Diante das destacadas inconsistências entre o objeto contratual e o índice impugnado, pede que se determine que os reajustes do aluguel (seja o vencido em agosto de 2021, seja os vincendos), sejam realizados com base na variação do IPCA". Afora a plausibilidade das suas alegações e do crível prejuízo à manutenção contratual, a autora (apelante) comprovou a prévia tentativa extrajudicial de chegar a bom termo com a ré (apelada) no que toca ao valor do aluguel no ano de 2021, todavia, sem sucesso (evento 1-6). Ainda, trouxe ela documento intitulado "LAUDO PERICIAL - IMÓVEL COMERCIAL - ÍNDICES DE INFLAÇÃO - IGP-M" para subsidiar a pretensão revisional (evento 1-7). De outro lado, vê-se da contestação que a locadora apresentou apenas no bojo da contestação os valores efetivamente praticados no período controvertido, quando defendeu sua boa-fé e o equilíbrio contratual. Anota-se que, com a referida peça, a nenhum documento para validar os reajustes foi aparelhado. Passada réplica, oportunizada a especificação de provas, não se omitiu a autora ao renovar o pedido voltado à produção de perícia, justificando, uma vez mais, a sua finalidade. Não fosse isso, também na audiência de instrução declinou as razões pelas quais insistia na prova pericial (evento 91 - 15m36 em diante). Constou do termo da solenidade que o indeferimento da perícia deu-se sob a compreensão da magistrada condutora do processo de "não reputar necessária à resolução das questões controvertidas envolvidas (CPC, art. 369, parte final), as quais encontram na prova documental a via hábil para demonstração" (evento 90). Essa igualmente foi a motivação na sentença, quando assentado que a prova do desequilíbrio contratual competia ter sido produzida pela via documental. Ora, assim como o direito da autora restou cerceado com o julgamento do processo no estado que se encontrava, nenhum prejuízo resultaria à ré em ver promovida uma perícia como medida a estabelecer equilíbrio em relação contratual da qual é credora. Sem maiores delongas, como a autora trouxe elementos mínimos com a petição inicial que se prestam a início de prova para autorizar a dilação probatória e, não detendo o julgador conhecimentos técnicos suficientes para reputar razoável e proporcional os reajustes operados na locação entre as partes, imprescindível mostra-se a designação de perícia no juízo de origem. Logo, impõe-se cassada a sentença. Ao arremate, ficam prejudicadas as demais teses devolvidas. Voto por conhecer do recurso e dar-lhe provimento para cassar a sentença, determinar o retorno dos autos à origem e oportunizar seja reaberta a instrução naquele juízo. assinado por RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6320395v31 e do código CRC 1073417f. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE Data e Hora: 13/11/2025, às 10:50:51     5039274-81.2021.8.24.0008 6320395 .V31 Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 02:12:46. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Documento:6320396 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5039274-81.2021.8.24.0008/SC RELATOR: Desembargador RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO COMERCIAL. AÇÃO REVISIONAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. CERCEAMENTO DE DEFESA. SUBSISTÊNCIA. PLAUSIBILIDADE DA ALEGAÇÃO DE ONEROSIDADE EXCESSIVA. INVIABILIDADE DE EMITIR JUÍZO SEGURO DE CONVICÇÃO SOBRE A RAZOABILIDADE DO EXPRESSIVO REAJUSTE OPERADO NO VALOR DO ALUGUEL. COMPLEMENTAÇÃO DAS PROVAS DOCUMENTAL E ORAL QUE SE IMPÕE. NECESSIDADE DE PROVA TÉCNICA. SENTENÇA CASSADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. REABERTURA DA INSTRUÇÃO A FIM DE OPORTUNIZAR-SE A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Câmara de Direito Civil do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para cassar a sentença, determinar o retorno dos autos à origem e oportunizar seja reaberta a instrução naquele juízo, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Florianópolis, 11 de novembro de 2025. assinado por RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6320396v10 e do código CRC 521725c8. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE Data e Hora: 13/11/2025, às 10:50:50     5039274-81.2021.8.24.0008 6320396 .V10 Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 02:12:46. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 11/11/2025 Apelação Nº 5039274-81.2021.8.24.0008/SC RELATOR: Desembargador RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE PRESIDENTE: Desembargador EDUARDO GALLO JR. PROCURADOR(A): ANTENOR CHINATO RIBEIRO Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 11/11/2025, na sequência 57, disponibilizada no DJe de 27/10/2025. Certifico que a 6ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão: A 6ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PROVIMENTO PARA CASSAR A SENTENÇA, DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM E OPORTUNIZAR SEJA REABERTA A INSTRUÇÃO NAQUELE JUÍZO. RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE Votante: Desembargador RENATO LUIZ CARVALHO ROBERGE Votante: Desembargador EDUARDO GALLO JR. Votante: Desembargador MARCOS FEY PROBST NEUZELY SIMONE DA SILVA Secretária Conferência de autenticidade emitida em 18/11/2025 02:12:46. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas