Órgão julgador: Turma, j. 30-4-2019 - grifo nosso).
Data do julgamento: 25 de setembro de 2020
Ementa
EMBARGOS – Documento:6889699 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 5046117-98.2023.8.24.0038/SC RELATOR: Desembargador LUIZ CESAR SCHWEITZER RELATÓRIO A representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com atuação perante o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da comarca de Joinville ofereceu denúncia em face de A. D. A. R., dando-o como incurso nas sanções dos arts. 29, § 1º, III, por onze vezes, 32, caput, por quinze vezes, ambos da Lei 9.605/1998, em continuidade delitiva, e 180, §§ 1º e 2º, do Código Penal, todos em concurso material, pela prática dos fatos delituosos assim narrados:
(TJSC; Processo nº 5046117-98.2023.8.24.0038; Recurso: Embargos; Relator: Desembargador LUIZ CESAR SCHWEITZER; Órgão julgador: Turma, j. 30-4-2019 - grifo nosso).; Data do Julgamento: 25 de setembro de 2020)
Texto completo da decisão
Documento:6889699 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5046117-98.2023.8.24.0038/SC
RELATOR: Desembargador LUIZ CESAR SCHWEITZER
RELATÓRIO
A representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com atuação perante o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da comarca de Joinville ofereceu denúncia em face de A. D. A. R., dando-o como incurso nas sanções dos arts. 29, § 1º, III, por onze vezes, 32, caput, por quinze vezes, ambos da Lei 9.605/1998, em continuidade delitiva, e 180, §§ 1º e 2º, do Código Penal, todos em concurso material, pela prática dos fatos delituosos assim narrados:
FATO 1
Consta dos autos que, no dia 29/09/2020, por volta das 16h, agentes da Polícia Civil compareceram na Rua Noel Rosa, n. 357, bairro Comasa, Município de Joinville/SC, CEP 89288-430, onde constataram que o denunciado A. D. A. R., de forma livre e consciente, sabedor do seu atuar ilícito, mantinha em cativeiro 11 (onze) animais da fauna silvestre brasileira, sendo cinco (5) filhotes de psitacídeos (família Psittacidae), pertencentes à fauna silvestre brasileira; cinco (5) répteis da espécie silvestre brasileira Iguana ("iguana-verde"); um (1) réptil da espécie silvestre brasileira Chelonoidis carbonária ("jabuti-piranga"), todos sem licença ou autorização da autoridade ambiental competente.
FATO 2
Se não bastasse, nas mesmas condições de tempo e local acima indicados, o denunciado A. D. A. R. praticou ato de maus tratos contra 15 (quinze) animais, sendo eles: os 11 animais descritos no FATO 2, 02 (dois) mamíferos da espécie exótica Erinaceus europaeus ("ouriço-terrestre") e 02 (dois) répteis da espécie exótica Pantherophis guttatus ("cobra do milho"), essa última de criação proibida no Brasil, por força da Instrução Normativa IBAMA n. 31/2002, uma vez que todos eram mantidos de maneira completamente inadequada e incompatíveis com as condições apropriadas para suas espécies, estando todos em recipientes muito pequenos e abafados e em péssimas condições de higiene, circunstâncias estas que manifestamente configuram maus-tratos, de acordo com a Resolução n. 1.236/2018 do Conselho Federal de Medicina Veterinária.
FATO 3
Impende destacar que o motivo propulsor para as diligências descritas nos itens acima foi a investigação realizada pela Divisão de Investigação Criminal de Joinville/SC, com fins de apurar suposta venda de filhotes de pássaros pelo whatsapp cadastrado ao n. 47 99624-0992.
Assim, no dia 25 de setembro de 2020, em horários a serem melhor delimitados ao longo da instrução processual, o denunciado A. D. A. R. expôs à venda 01 (um) filhote de papagaio e 01 (um) filhote de arara canindé que, por óbvio, sabia serem produtos de crime, encontrando-se no exercício de atividade comercial clandestina.
Das publicações de A. D. A. R. nos grupos do aplicativo de mensagens WhatsApp, vê-se claramente que o denunciado se refere aos pássaros como produtos, anunciando-os para a venda.Assim, diante dos fatos acima aduzidos, verifica-se que o denunciado A. D. A. R. incorreu nos seguintes crimes:
1. Ao manter em cativeiro, 5 (cinco) filhotes de psitacídeos (família Psittacidae), pertencentes à fauna silvestre nacional; 5 (cinco) répteis da espécie silvestre brasileira Iguana ("iguana-verde"); 1 (um) réptil da espécie silvestre brasileira Chelonoidis carbonária ("jabuti-piranga"), todos sem licença ou autorização da autoridade ambiental competente, o denunciado praticou o crime previsto no artigo 29, caput e §1º, inc III da Lei 9605/98, por 11 (onze) vezes, na forma do art. 71 do Código Penal, incidindo, na hipótese, a agravante prevista no artigo 15, inciso II, alínea "a" da LCA;
2. Pela prática do crime de maus tratos contra 15 (quinze) animais, sendo eles: 5 (cinco) filhotes de psitacídeos (família Psittacidae), pertencentes à fauna silvestre nacional; 5 (cinco) répteis da espécie silvestre brasileira Iguana ("iguana-verde"); 1 (um) réptil da espécie silvestre brasileira Chelonoidis carbonária ("jabuti-piranga"), 2 (dois) mamíferos da espécie exótica Erinaceus europaeus ("ouriçoterrestre") e 02 (dois) répteis da espécie exótica Pantherophis guttatus ("cobra do milho"), com fulcro no artigo 32, caput da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/1998), na forma do artigo 71 do Código Penal.
3. Ao expor à venda, por duas vezes, no exercício de atividade comercial clandestina, coisa que sabia ser produto de crime, incidiu no delito de receptação qualificada, previsto no artigo. 180, §§ 1 o e 2º, do Código Penal, na forma do artigo 69 do mesmo diploma legal; (sic, fls. 1-4 do evento 1 da ação penal).
Encerrada a instrução, o Magistrado a quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial acusatória para condená-lo às penas de um ano de detenção, a ser resgatada em regime inicialmente aberto, porém substituída por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, e pagamento de vinte e oito dias-multa, individualmente arbitrados à razão de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao preceito dos arts. 29, § 1º, III, e 32, caput, ambos da Lei 9.605/1998. Condenou-o, também, ao pagamento de reparação dos danos ambientais, no valor de R$ 5.500,00.
Inconformadas, interpuseram as partes recursos de apelação.
Em suas razões, a Promotora de Justiça oficiante pugna pela condenação do demandado também pela prática do crime previsto no art. 180, §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei 2.848/1940, bem assim pela incidência da regra atinente à continuidade delitiva, porquanto perpetradas onze transgressões daquelas descritas no apontado art. 29, § 1º, III.
O réu, por seu turno, postula a sua absolvição ao argumento de que inexistem nos autos substratos de convicção suficientes para embasar o decreto condenatório. Suscita, ainda, a ausência de dolo nas condutas. Subsidiariamente, requer a desclassificação do primeiro proceder para aquele delineado no caput e do segundo para infração administrativa.
No âmbito da dosimetria da reprimenda, pede, de forma genérica, o reconhecimento de circunstâncias atenuantes e a aplicação da pena no mínimo legal.
Por fim, pede a exclusão ou minoração da indenização imposta.
As contrarrazões foram apresentadas nos eventos 171 e 180 do processo principal.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça José Eduardo Orofino da Luz Fontes, opinou pelo conhecimento dos reclamos e provimento somente daquele veiculado pelo órgão ministerial.
É o relatório.
VOTO
Presentes os respectivos pressupostos de admissibilidade, conhece-se das irresignações e passa-se à análise dos seus objetos.
Consoante relatado, a representante ministerial pretende que o acusado seja condenado também pela prática do crime previsto no art. 180, §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei 2.848/1940, ao passo que o réu almeja ser absolvido das demais infrações penais que lhe foram imputadas.
Razão, contudo, não lhes assiste.
Com efeito, a materialidade e autoria dos injustos previstos nos arts. 29, § 1º, III, e 32, caput, ambos da Lei 9.605/1998 restaram devidamente demonstradas por meio de boletim de ocorrência (fls. 2-4 do evento 1.1), relatório de investigação policial (fls. 5-11 do evento 1.1), termo de exibição e apreensão (fls. 12), fotografias (eventos 1.6-1.14), laudos periciais (evento 4 e 47), relatórios de fiscalização n. 76/2020-CODAM JOINVILLE AIA 13803-D (fls. 3-8 do evento 15) e de análise de celular por meio de laudo pericial n. 2020.01.04840.21.001-16 (evento 55.2), todos dos autos n. 5036404-07.2020.8.24.0038, bem assim pela prova oral produzida.
Assim, fazendo uso da técnica da fundamentação referenciada ou aliunde, amplamente admitida pela jurisprudência pátria, em especial nas Cortes Superiores (STF, AgR no RE 1099396/SC, rel. Min. Roberto Barroso, j. 23-3-2018; STJ, HC 462.140/RS, rel. Min. Laurita Vaz, j. 4-10-2018, AgRg no REsp 1.640.700/RS, rel. Min. Félix Fischer, j. 18-9-2018, AgRg nos EDcl no AREsp 726.254/SC, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 21-8-2018 e HC 426.170/RS, rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 8-2-2018; TJSC, Embargos de Declaração n. 0006291-74.2018.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Getúlio Corrêa, j. 16-10-2018 e Embargos de Declaração n. 0000906-80.2011.8.24.0027, de Ibirama, rel. Des. Sidney Eloy Dalabrida, j. 6-9-2018), adotam-se os bem lançados fundamentos da sentença da lavra do Juiz de Direito Rogério Manke como razões de decidir, porquanto examinou os elementos de convicção de acordo com a compreensão deste Colegiado:
[...]
1. Do crime previsto no art. 29, § 1º, inciso III da Lei 9.605/1998
O crime imputado ao réu está assim disciplinado:
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
A materialidade está comprovada pelo Termo Circunstanciado n. 5036404-07.2020.8.24.0038, notadamente o Boletim de Ocorrência (Evento nº 1.1, fl. 2), Relatório de Investigação Policial (Evento nº 1.1, fls. 5-11), Termo de Exibição e Apreensão (Evento nº 1.1, fl. 12), Laudo Pericial n. 9102.20.02796 (Evento nº 15.1), Laudo Pericial n. 2020.01.04840.21.001-16 (Laudo nº 47.1), Relatório de Análise do celular (Evento nº 55.2), bem como pela prova oral produzida nas fases judicial e investigativa.
A autoria também foi devidamente comprovada nos autos.
Ao ser ouvida em juízo, a testemunha Reginaldo Roberto Ricardo, Agente de Polícia Civil, disse que participou da investigação que resultou na apreensão de diversos animais na residência do réu. A investigação teve início a partir de denúncias recebidas via grupos de WhatsApp e telefone celular. Após consulta aos sistemas da polícia, identificaram o nome e endereço do réu, realizando diligência in loco. Quem os atendeu foi a esposa do réu, que franqueou o acesso à residência. No local, encontraram filhotes de arara, papagaio, iguanas, cobras (cobra do milho), ouriços e jabuti. Os animais estavam em caixas com serragem, com odor forte, indicando falta de higienização. As aves estavam em caixas de papelão com fezes misturadas à serragem. As iguanas estavam em aquário de vidro, mas em ambiente abafado e sem ventilação adequada. O réu chegou durante a diligência e foi conduzido à delegacia, onde confirmou que realizava venda de animais, inclusive mencionando valores. O celular foi apreendido e, após quebra de sigilo, verificou-se intensa atividade comercial envolvendo animais. Não houve agressão ou maus tratos intencionais, mas o acondicionamento inadequado justificava a configuração de maus tratos. O réu colaborou com a investigação e tinha conhecimento da ilicitude da posse e venda dos animais. O réu parecia incomodado e arrependido e justificou a posse dos animais como sendo para venda. O réu relatou a ele que pretendia ficar com alguns dos animais.
A testemunha Alpheu Carneiro Lins Neto, Agente de Polícia Civil, disse que participou da diligência na residência do réu em que foram encontrados diversos animais. Havia espécies exóticas e da fauna silvestre nacional, como filhotes de arara ou papagaio, cobras (cobra do milho), iguanas, ouriços, entre outros. Os animais estavam em caixas, em ambiente sujo e inadequado, com pouca ventilação e higiene. As cobras deveriam estar em terrários com terra e água, o que não ocorria. O local era um quarto com caixas no chão, com sujeira visível. O ambiente era impróprio e os animais estavam em condições inadequadas. O réu estava presente ou chegou durante a diligência, foi conduzido e colaborou com os policiais. Não houve resistência ou má-fé por parte do réu. Não se recorda se o réu alegou intenção de melhorar o ambiente.
A testemunha Reginaldo de Campos Moura disse que conhece o réu há três anos, tendo-o conhecido em uma obra onde procurava emprego. Desde então, mantêm contato apenas profissional. O réu mudou-se para a cidade para se livrar das drogas e possui dois cachorros e dois filhos. Não tem conhecimento sobre venda ou tráfico de animais. Nunca frequentou a casa do réu, apenas o conhece do trabalho.
A testemunha José Aparecido da Silva afirmou que conhece o réu há dois anos, período em que este prestou serviços como pedreiro. O réu sempre trabalhou com ele, possui dois cachorros, é casado e tem dois filhos. Não sabe informar se o réu possui mãe na cidade. Não tem conhecimento sobre venda ou tráfico de animais.
Em juízo, após terem sido assegurados a ele todos os direitos constitucionais e legais (CF, art. 5º, LXIII; CPP, art. 185, §5º e art. 186), o réu narrou que no dia da diligência estava trabalhando e sua esposa foi coagida pelos policiais. Negou maus tratos. Alimentava os animais pela manhã, ao meio-dia e à tarde e fazia higienização diária. Mantinha a janela aberta para ventilação. Não realizava venda de animais. Ganhou os filhotes de arara de um rapaz que não podia cuidar. Gostava de criar animais e alguns foram adquiridos por troca ou doação. Pretendia construir terrários adequados, mas não teve tempo. Justificou a tentativa de venda das araras como forma de garantir que fossem cuidadas por quem tivesse condições financeiras. Já teve documentação legal para criação de pássaros. Negou que as conversas encontradas em seu celular fossem provas de venda. Estava apenas se desfazendo dos animais por falta de tempo para cuidar.
Com base nas provas constantes dos autos, verifica-se que, após o réu ser identificado como interlocutor em conversas relacionadas à venda de animais silvestres, policiais dirigiram-se até sua residência onde foram apreendidos cinco aves da família Psittacidae, cinco répteis da espécie Iguana iguana (iguana-verde), um réptil da espécie Chelonoidis carbonaria (jabuti-piranga), quatro mamíferos da espécie Erinaceus europaeus (ouriço-europeu) e dois répteis da espécie Pantherophis guttatus (cobra-do-milho), conforme descrito no Laudo Pericial nº 9102.20.02796.
Os elementos colhidos nos autos, incluindo o termo de exibição e apreensão e o referido laudo, demonstram que o réu incorreu na prática do crime previsto no art. 29, §1º, inciso III, da Lei 9.605/1998. Ademais, o próprio réu confirmou em juízo que os animais apreendidos lhe pertenciam.
Soma-se a isso o conteúdo extraído de seu aparelho celular, que revela diálogos com evidências de comercialização dos referidos animais.
Entre as páginas 4509 e 4532 do laudo pericial, no item nº 7736, consta diálogo entre o réu e o número telefônico (47) 8424-0462. Em conversa datada de 01.02.2019, o réu oferece à venda uma remessa de tartarugas da espécie Trachemys scripta elegans (popularmente conhecidas como Tartarugas Tigre-d'água), ocasião em que negocia o valor com o interlocutor:
Em 12.02.2019, o interlocutor questiona o réu, por meio de mensagem de áudio, se ele conhece alguém que comercializa araras na cidade de Joinville. Em resposta, também por áudio, o réu manifesta conhecimento sobre o assunto, conforme transcrição a seguir:
Em 15.02.2019, o interlocutor encaminha a Adriano diversas imagens de cobras:
Logo em seguida, o réu envia uma mensagem de áudio na qual afirma que precisa adquirir as serpentes para repassá-las a um amigo interessado na compra:
Em 07.08.2019, o réu envia mensagem ao interlocutor oferecendo uma arara-canindé pelo valor de R$ 380,00. Na sequência, o interlocutor questiona se ele possui papagaios, ao que o réu responde informando que dispõe apenas de arara-canindé, arara-maracanã (R$ 300,00) e coruja-suindara (R$ 350,00):
Entre as páginas 4560 e 4563, no item nº 7741, verifica-se diálogo entre o réu e um interlocutor. Em 17.04.2020, o interlocutor encaminha um áudio ao réu, indagando se ele comercializa Arara-azul. O réu afirma que sim e encaminha imagens das aves:
Além disso, consta nos autos uma série de conversas extraídas do aparelho celular do réu que reforçam a prática reiterada de comércio ilegal de animais silvestres. Além dos diálogos já destacados, há diversas outras mensagens em que o réu negocia valores, oferece espécies variadas e interage com diferentes interlocutores interessados na aquisição desses animais, evidenciando não apenas a posse, mas também a intenção de comercialização (Evento nº 55.2).
Assim, da concatenação das provas, verifica-se a prática do crime ambiental previsto no art. 29, § 1º, inciso III, da Lei 9.605/1998 pelo réu.
Apesar da tentativa da defesa de minimizar a conduta do réu como fruto de negligência ou ignorância técnica, os elementos constantes nos autos indicam que a guarda de animais silvestres e exóticos foi realizada de forma consciente e reiterada, em desacordo com a legislação ambiental vigente. A diversidade de espécies apreendidas, aliada à estrutura mantida para sua custódia, evidencia o dolo na conduta, afastando a tese de mera desinformação ou descuido.
A alegação de ausência de intenção comercial também não se sustenta. As conversas extraídas do aparelho celular do réu revelam tratativas de compra e venda de animais silvestres com diversos interlocutores, negociação de valores e oferta de diferentes espécies, o que indica habitualidade e estrutura voltada à comercialização.
Além disso, a tese defensiva que busca a desclassificação do crime previsto no art. 29, §1º, inciso III, da Lei 9.605/1998 para o caput do mesmo artigo, sob o argumento de que não houve prova de caça ou morte de animais, também não deve ser acolhida. Isso porque o tipo penal qualificado abrange não apenas a captura, mas também a manutenção de animais silvestres em cativeiro sem autorização, especialmente quando realizada em condições que evidenciem habitualidade ou finalidade comercial.
Deixo de aplicar a agravante prevista no art. 15, inciso II, alínea "a", da Lei de Crimes Ambientais, que impõe o aumento da pena quando o agente visa a obter vantagem pecuniária, tendo em vista que a conduta do réu já abarca tanto a ação de capturar quanto a de vender, como visto acima. Destaca-se do caput do artigo 15: "São circunstâncias que agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime".
Portanto, a venda foi o que motivou a punição do réu e é elemento constitutivo do crime, de modo que ele já foi penalizado exatamente porque vendeu as aves. Logo, agravar a pena por isso seria claro bis in idem.
Afasta-se, todavia, quanto ao crime previsto no art. 29, § 1º, inciso III, da Lei 9.605/1998, o reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71 do CP) nos moldes pretendidos pela acusação.
Isso porque, a guarda de mais de um animal da fauna silvestre, desde que no mesmo contexto, não caracteriza dois ou mais crimes autônomos, mas apenas uma única infração. Ou seja, trata-se de uma só conduta, que viola, uma única vez, o objeto jurídico protegido pela norma, qual seja, a proteção ao meio ambiente, em específico a diversidade da fauna silvestre.
Destaca-se que o crime previsto no art. 29 da Lei 9.605/98 "[...] traz como elemento objetivo a guarda de espécimes, de modo que a pluralidade de aves se traduz como elemento do tipo em questão." (TRF1, ACR 0000418-25.2014.4.01.3801, Rel. Desembargadora Federal Monica Sifuentes, Terceira Turma, j. 30-4-2019 - grifo nosso).
Acerca deste entendimento:
"A manutenção em depósito e/ou em cativeiro, num mesmo contexto, de diversas espécimes de duas classes pertencentes à fauna silvestre não configura delitos plurais, mas crime único, em razão de causar ofensa una ao meio ambiente, podendo dar causa, tão somente, à majoração da pena-base". (TJSC, Apelação Criminal n. 5042553-48.2022.8.24.0038, do , rel. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 25-02-2025).
Entretanto, a quantidade de animais apreendidos em poder do réu será levada em consideração na primeira fase da dosimetria da pena.
2. Do crime previsto no art. 32, caput, da Lei n. 9.605/98
Dispõe o art. 32, caput, da Lei n. 9.605/98:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
A materialidade está comprovada pelo Termo Circunstanciado n. 5036404-07.2020.8.24.0038, notadamente o Boletim de Ocorrência (Evento nº 1.1, fl. 2), Relatório de Investigação Policial (Evento nº 1.1, fls. 5-11), Termo de Exibição e Apreensão (Evento nº 1.1, fl. 12), Laudo Pericial n. 9102.20.02796 (Evento nº 15.1), Laudo Pericial n. 2020.01.04840.21.001-16 (Laudo nº 47.1), Relatório de Análise do celular (Evento nº 55.2), bem como pela prova oral produzida nas fases judicial e investigativa.
A autoria também foi devidamente comprovada nos autos.
É ressalvado pela Lei nº 5.517/68, que regulamenta o exercício da Medicina Veterinária, a competência privativa dos médicos veterinários no exercício da prática clínica. Em complemento, a Resolução do Conselho Federal de Medicina Veterinária n. 831/06 dispõe que "A Responsabilidade Técnica pelos laboratórios, exames laboratoriais e emissão de laudos necessários ao exercício da medicina veterinária deve ser exercida por profissional médico veterinário, regularmente inscrito no Conselho Regional da sua área de atuação". Registra-se, no entanto, que não há qualquer vedação legal acerca da identificação das espécies apreendidas por profissional que não seja médico veterinário.
Da análise do Laudo Pericial n. 9102.20.02796, afere-se que o perito constou expressamente sobre a ausência da competência médico veterinária:
Entretanto, em que pese o perito não tenha, de fato, competência para a avaliação clínica dos animais apreendidos, conforme ensina a doutrina, "[a] norma penal não subordina o significado de maus-tratos à conclusão pericial, uma vez que não cabe ao expert cotejar juízo de valor sobre o seu significado, mas sim ao julgador. À perícia técnica impende apenas informar as condições em que estava o espécime no momento em que foi encontrado" (MARCÃO, Renato. Crimes Ambientais. Anotações e interpretação jurisprudencial da parte criminal da Lei n. 9.605, de 12-2-1998. 4ª ed. São Paulo: Saraiva. p. 72).
O mesmo entendimento é adotado pelo Superior , a condenação de A. D. A. R. pela prática do injusto art. 180, §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei 2.848/1940 resta inviabilizada diante do decreto condenatório pela perpetração do sobredito delito.
Isso porque este Sodalício já decidiu que "Não há como se condenar o réu por receptação qualificada se a o objeto jurídico tutelado pelo inciso III, do § 1º, do art. 29 da Lei n. 9.605/98 é o mesmo, devendo ser aplicado o princípio da especialidade" (Apelação Criminal n. 5014041-84.2024.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Mauricio Cavallazzi Povoas, j. 17-10-2024).
Ainda nesse diapasão, colhe-se julgados desta Corte:
APELAÇÃO CRIMINAL. RÉU SOLTO. DENÚNCIA PELO ART. 29, CAPUT E §1º, III, DA LEI 9605/98, POR DIVERSAS VEZES, E ART. 180, §§ 1 E 2º, DO CP. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, COM A CONDENAÇÃO APENAS PELOS CRIMES AMBIENTAIS. RECURSO MINISTERIAL. PRETENSA CONDENAÇÃO TAMBÉM PELO DELITO DE RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. INVIABILIDADE. CONDUTA DE EXPÔR À VENDA ANIMAIS SILVESTRES PREVISTA NO TIPO PENAL DO ART. 29, §1º, III, DA LEI 9.605/98. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. PRECEDENTES. PARECER DA PGJ NO MESMO SENTIDO. AÇÃO NÃO ENGLOBADA, NO ENTANTO, NOS OUTROS DELITOS PELOS QUAIS JÁ FORA CONDENADO. NECESSIDADE DE CONDENAÇÃO POR CRIME AMBIENTAL AUTÔNOMO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (Apelação Criminal n. 5047009-07.2023.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Ernani Guetten de Almeida, j. 3-6-2025).
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA EM CONTINUIDADE DELITIVA (ARTIGO 180, §1º, DO CÓDIGO PENAL). RECURSO DA DEFESA.
PLEITO ABSOLUTÓRIO, SOB O ARGUMENTO DE QUE A MATERIALIDADE DELITIVA NÃO ESTÁ COMPROVADA. NÃO ACOLHIMENTO. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE DEMONSTROU A VENDA CONTÍNUA DE AVES SILVESTRES, SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO. RELATO DO POLICIAL CIVIL COERENTE COM O CONJUNTO PROBATÓRIO. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME PREVISTO NO ART. 29, §1º, III, DA LEI N. 9.605/98. ACOLHIMENTO. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. ARTIGO DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS QUE MELHOR SE AMOLDA AO CASO. DESCLASSIFICAÇÃO REALIZADA. PENA READEQUADA. ALMEJADA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. TODAVIA, BENESSE JÁ CONCEDIDA PELO JUÍZO SENTENCIANTE. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECLAMO NÃO CONHECIDO NO PONTO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO (Apelação Criminal n. 5009118-15.2024.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Hildemar Meneguzzi de Carvalho, j. 11-3-2025).
E, no que tange ao ilícito de maus-tratos, a despeito da alegação defensiva, no sentido de que é imprescindível a elaboração de exame técnico por profissional habilitado, é certo que o Perito Criminal Lucas Vincent Lopes de Barros ressaltou no laudo pericial n. 9102.20.02796 (evento 4 dos autos n. 5036404-07.2020.8.24.0038) o seguinte:
Ademais, conveniente destacar que os agentes públicos que flagraram tais circunstâncias asseveraram que o local não possuía ventilação ou higiene adequada.
Logo, as condições em que se encontravam os animais apreendidos no cativeiro estruturado pelo denunciado em sua moradia evidenciam que estavam acondicionados em ambiente insalubre e inapropriado para as necessidades que cada espécie requer, o que é suficiente para caracterizar maus-tratos, sendo certo que a produção de exame pericial por médico veterinário foi inviabilizada pela inexistência de profissional especializado no âmbito do Instituto Geral de Perícias, conforme também apontado pelo Perito Criminal (fls. 2 do mencionado evento 4). Não fosse isso, tal substrato probatório restou suprido pela prova oral produzida, bem assim pelo laudo pericial n. 9102.20.02796.
Nessa toada:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE MAUS-TRATOS CONTRA ANIMAL DOMÉSTICO (ART. 32, §1º-A, DA LEI 9.605/1998). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.
MÉRITO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS E AUSÊNCIA DE DOLO. NÃO ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS. ACUSADO QUE, AO DESOCUPAR IMÓVEL, DEIXOU DIVERSOS CÃES SOB SUA RESPONSABILIDADE EM AMBIENTE INSALUBRE, SEM ÁGUA, SEM ALIMENTO E SEM CUIDADOS MÍNIMOS, RESULTANDO EM SOFRIMENTO MANIFESTO AOS ANIMAIS. PALAVRAS DAS TESTEMUNHAS. RELATOS FIRMES E CONVERGENTES DE VIZINHOS, LOCADORA DO IMÓVEL E POLICIAIS MILITARES, QUE PRESENCIARAM O ABANDONO E AS CONDIÇÕES DEGRADANTES NOS QUAIS OS ANIMAIS FORAM MANTIDOS, CORROBORANDO A AUTORIA E A MATERIALIDADE DELITIVAS.
DOLO EVIDENCIADO. CONDUTA CONSCIENTE E VOLUNTÁRIA DO RÉU, QUE, MESMO INSTADO POR VIZINHOS E PELA LOCADORA, PERMANECEU INERTE DIANTE DO SOFRIMENTO DOS ANIMAIS, EVIDENCIANDO A VONTADE LIVRE DE PRATICAR OS MAUS-TRATOS.
LAUDO PERICIAL. PRESCINDIBILIDADE. DISPENSA DO LAUDO TÉCNICO QUANDO O SOFRIMENTO DOS ANIMAIS É MANIFESTO E PERCEPTÍVEL A OLHO NU, SENDO SUFICIENTE A PROVA ORAL E DOCUMENTAL PRODUZIDA NOS AUTOS PARA A DEMONSTRAÇÃO DA MATERIALIDADE DELITIVA.
[...]
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO (TJSC, Apelação Criminal n. 5000365-81.2025.8.24.0055, de Rio Negrinho, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. 1º-10-2025).
APELAÇÃO CRIMINAL. DELITOS CONTRA O MEIO AMBIENTE E O PATRIMÔNIO. MANUTENÇÃO DE AVES SILVESTRES EM CATIVEIRO SEM AUTORIZAÇÃO, MAUS-TRATOS A ANIMAIS E RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (ART. 29, § 1º, III, DA LEI 9.605/98; ART. 32, CAPUT, DA LEI 9.605/98; E ART. 180, §§ 1º E 2º, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE. RECLAMO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
PLEITO DE CONDENAÇÃO PELO DELITO DE RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. CONDUTA QUE SE AMOLDA COM MAIOR PRECISÃO AO ART. 29, § 1º, III, DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS. BIS IN IDEM CONFIGURADO.
"Não há como se condenar o réu por receptação qualificada se o objeto jurídico tutelado pelo inciso III, do § 1º, do art. 29 da Lei n. 9.605/98 é o mesmo, devendo ser aplicado o princípio da especialidade (TJSC, Apelação Criminal n. 5014041-84.2024.8.24.0038, rel. Des. Mauricio Cavallazzi Povoas, j. em 17/10/2024).
ALMEJADA A CONDENAÇÃO PELO CRIME DE MAUS-TRATOS. ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. CONDIÇÕES PRECÁRIAS DE HIGIENE, FALTA DE VENTILAÇÃO E RISCO SANITÁRIO COMPROVADOS POR LAUDOS PERICIAIS E PROVA ORAL. DESNECESSIDADE DE LAUDO SUBSCRITO POR MÉDICO-VETERINÁRIO. REFORMA QUE SE IMPÕE.
As condições degradantes em que os animais silvestres foram mantidos, evidenciadas pelo acúmulo de dejetos, ausência de ventilação e risco sanitário, caracterizam o delito de maus-tratos, independentemente da existência de lesões físicas ou da necessidade de avaliação clínica individualizada.
ARBITRAMENTO DE VALOR MÍNIMO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXEGESE DO ART. 387, IV, DO CPP E DO ART. 20 DA LEI N. 9.605/98. PEDIDO FORMULADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DENÚNCIA E REITERADO EM ALEGAÇÕES FINAIS. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA ASSEGURADOS. IMPOSIÇÃO DEVIDA.
Havendo pedido expresso da acusação, inclusive com a especificação do montante devido, cabível o arbitramento de valor indenizatório mínimo para fins de reparação dos danos decorrentes da prática da infração penal, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (TJSC, Apelação Criminal n. 5006925-61.2023.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Sidney Eloy Dalabrida, j. 28-8-2025).
Dessarte, conquanto a defesa questione a veracidade da acusação, os elementos de convencimento constantes do feito demonstram o contrário, inclusive porque não foram trazidos indicativos robustos para desconstituir o acervo probatório, não obstante este ônus ser-lhes imposto nos termos do art. 156, caput, do Código de Processo Penal.
Portanto, havendo elementos suficientes para manter a condenação e ausente qualquer evidência apta a desconstituir a responsabilização, não há que se falar em absolvição por insuficiência de provas ou ausência do elemento subjetivo do tipo.
De igual modo, diante da adequada tipificação das condutas atribuídas ao acusado, inviável a desclassificação requerida por este, devendo permanecer incólume no ponto o pronunciamento hostilizado.
Melhor sorte não socorre à defesa técnica do sentenciado em seu pedido genérico de adequação das reprimendas impostas, porquanto não se verificou qualquer impropriedade neste aspecto, sendo certo que a sanção do injusto descrito no art. 29, § 1º, III, da Lei 9.605/1998 afastou-se do menor patamar possível em virtude da análise prejudicial das circunstâncias do crime. Além disso, foram devidamente aplicadas a continuidade delitiva, esta no que tange ao ilícito remanecente, e o concurso material entre ambas as infrações penais.
Igualmente inviável o acolhimento da pretensão ministerial que visa a incidência da regra delineada no art. 71, caput, do Estatuto Repressivo.
Com efeito, a guarda em cativeiro de diferentes exemplares da fauna silvestre, quando realizada em um mesmo contexto fático, não caracteriza a prática de vários crimes em concurso, mas sim de um único delito. Isso porque a conduta representa uma única violação ao bem jurídico protegido pelo tipo penal, embora a diversidade de espécies possa indicar maior gravidade, aspecto que inclusive foi considerado na primeira fase da dosimetria da pena, com a exasperação em um sexto.
Nesse diapasão:
APELAÇÃO CRIMINAL. MANUTENÇÃO EM CATIVEIRO DE ESPÉCIMES DA FAUNA SILVESTRE (LEI 9.605/98, ART. 29, § 1º, III). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
1. PLURALIDADE DE DELITOS. CONTINUIDADE DELITIVA (CP, ART. 71). VARIEDADE DE ESPÉCIMES. CRIME ÚNICO. BEM JURÍDICO TUTELADO. 2. REMUNERAÇÃO DE DEFENSOR NOMEADO. ATUAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA. PARÂMETROS DE FIXAÇÃO (RESOLUÇÃO 5/19-CM/TJSC).
1. A manutenção em cativeiro de espécimes da fauna silvestre diversas, em um mesmo contexto, não configura delitos plurais, em concurso, mas crime único, em razão de causar ofensa una ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal, ainda que possa denotar circunstância de maior execrabilidade a ser sopesada na primeira etapa da dosimetria.
[...]
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO; FIXADOS HONORÁRIOS RECURSAIS (TJSC, Apelação Criminal n. 5041709-64.2023.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Sérgio Antônio Rizelo, j. 7-10-2025).
De outra banda, postula o réu o afastamento ou a minoração do montante aplicado para a reparação dos danos ambientais.
Sem razão, novamente.
De fato, o art. 20, caput, da Lei 9.605/1998, dispõe que "A sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo meio ambiente".
Para o cálculo dos danos no âmbito dos crimes contra o meio ambiente, esta Corte de Justiça tem adotado como parâmetro os valores previstos no Decreto 6.514/2008:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE - ART. 38 DA LEI N. 9.605/1998. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA ACUSAÇÃO. PLEITO DE FIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS AMBIENTAIS E POR DANOS MORAIS COLETIVOS. NECESSIDADE DE REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS PELA INFRAÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 20 DA LEI N. 9.605/1998. APELANTE QUE CAUSOU DANO EM VEGETAÇÃO NATIVA DO BIOMA MATA ATLÂNTICA EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, DE 0,34 HECTARES E DE 0,19 HECTARES. DEVER DE INDENIZAR QUE PERMANECE ENTRE A SUA OCORRÊNCIA E O PLENO RESTABELECIMENTO DO AMBIENTE AFETADO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INDENIZAÇÃO A TITULO DE DANOS AMBIENTAIS FIXADA EM R$ 5.000,00. DO MESMO MODO, DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO. OFENSA DIRETA AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO. ABALO EXTRAPATRIMONIAL À COLETIVIDADE. INDENIZAÇÃO A TITULO DE DANOS MORAIS COLETIVOS FIXADA EM R$ 5.000,00, NOS TERMOS DO ART. 43 DO DECRETO N. 6.514/2008, LEVANDO-SE EM CONTA A ÁREA DEGRADADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(Apelação Criminal n. 5000641-20.2022.8.24.0055, de Rio Negrinho, rel. Des. Ricardo Roesler, j. 11-6-2024).
Diante disso, com base no art. 24, III, combinado com § 3º, III, do sobredito diploma, o Magistrado singular fixou o valor de R$ 500,00 por animal objeto das infrações penais.
Assim, na situação vertente é de ser conservada a reparação dos danos decorrentes dos injustos, tendo em vista a existência, na peça incoativa, de menção expressa ao valor mínimo pretendido como indenização e seu embasamento legal (fls. 4-5 do evento 1 da ação penal) - ainda que este não tenha sido o montante fixado na origem, sendo certo que não se verifica sequer a necessidade de qualquer atenuação no importe, porquanto estipulado no menor patamar previsto.
Mudando o que há de ser mudado, precedentes deste Sodalício:
APELAÇÃO CRIMINAL. MANUTENÇÃO EM DEPÓSITO E EM CATIVEIRO DE ESPÉCIMES DA FAUNA SILVESTRE (LEI 9.605/98, ART. 29, § 1º, III). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
[...] 4. FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO (CPP, ART. 387, IV; LEI 9.605/98, ART. 20, CAPUT). OBRIGAÇÃO DE INDENIZAÇÃO. EFEITO DA CONDENAÇÃO (CP, ART. 91, I).
[...]
4. É possível a fixação de valor mínimo para reparação do dano moral coletivo causado pela prática de infração ambiental consistente em manter em depósito e em cativeiro diversas espécimes da fauna silvestre.
[...]
(Apelação Criminal n. 5042553-48.2022.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Sérgio Rizelo, j. 25-2-2025).
APELAÇÕES CRIMINAIS. MAUS-TRATOS CONTRA CÃES (LEI 9.605/98, ART. 32, § 1º-A) E NÃO GUARDAR COM A DEVIDA CAUTELA ANIMAL PERIGOSO (DECRETO-LEI 3.688/41, ART. 31, CAPUT). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DO ACUSADO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
[...] 4. FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS À VÍTIMA. PEDIDO EXPRESSO NA INICIAL. DANOS MORAIS COLETIVOS. [...]
[...]
4. É viável fixar valor mínimo para reparação do dano causado à coletividade, em ação penal, se foi formulado, na denúncia, pedido expresso neste sentido.
[...] (Apelação Criminal n. 5002981-50.2023.8.24.0006, de Barra Velha, rel. Des. Sérgio Rizelo, j. 28-1-2025).
À vista disso, é de se manter hígido o pronunciamento vergastado.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer dos recursos e negar-lhes provimento.
assinado por LUIZ CESAR SCHWEITZER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6889699v56 e do código CRC a0c7c6c0.
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Apelação Criminal Nº 5046117-98.2023.8.24.0038/SC
RELATOR: Desembargador LUIZ CESAR SCHWEITZER
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL. MANUTENÇÃO EM CATIVEIRO E EXPOSIÇÃO À VENDA DE ESPÉCIMES DA FAUNA SILVESTRE, MAUS-TRATOS A ANIMAIS E RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (LEI 9.605/1998, ARTS. 29, § 1º, III, POR ONZE VEZES, 32, CAPUT, POR QUINZE VEZES, AMBOS DA LEI 9.605/1998, E CÓDIGO PENAL, ART. 180, §§ 1º E 2º). SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGIMENTO DE AMBAS AS PARTES.
INSURGÊNCIA DA ACUSAÇÃO. PLEITO CONDENATÓRIO PELO ILÍCITO DE RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. IMPOSSIBILIDADE. CONDUTA PREVISTA NA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. EXEGESE DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. ACUSADO JÁ CONDENADO PELA PRÁTICA DO PRIMEIRO DELITO.
RECLAMO DEFENSIVO. POSTULADA ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS E AUSÊNCIA DE DOLO. INACOLHIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS. APREENSÃO DE DIVERSAS ESPÉCIES DA FAUNA SILVESTRE BRASILEIRA, MANTIDOS EM CATIVEIRO PELO RÉU DE MANEIRA IRREGULAR E EM SITUAÇÃO INSALUBRE. ANIMAIS ACONDICIONADOS EM CÔMODO DA MORADIA, SEM VENTILAÇÃO E HIGIENIZAÇÃO ADEQUADAS. PRESCINDIBILIDADE DE EXAME PERICIAL REALIZADO POR MÉDICO VETERINÁRIO. LAUDO TÉCNICO ELABORADO POR PERITO CRIMINAL DO IGP SUFICIENTE PARA ATESTAR AS CONDIÇÕES EM QUE FORAM ENCONTRADOS NO IMÓVEL. MENSAGENS EXTRAÍDAS DO APARELHO TELEFÔNICO DO DENUNCIADO QUE EVIDENCIAM A COMERCIALIZAÇÃO DE VARIADAS ESPÉCIMES. JUÍZO DE MÉRITO IRRETOCÁVEL.
DOSIMETRIA DA REPRIMENDA. REQUERIMENTO GENÉRICO DE FIXAÇÃO DA PENA NO MÍNIMO LEGAL E RECONHECIMENTO DE CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES. DESCABIMENTO. IMPROPRIEDADES NÃO CONSTATADAS NO CÁLCULO OPERADO NA ORIGEM.
IRRESIGNAÇÃO DO ÓRGÃO MINISTERIAL. PLEITEADA INCIDÊNCIA DA REGRA DA CONTINUIDADE DELITIVA QUANTO AO PRIMEIRO INJUSTO. INVIABILIDADE. PLURALIDADE DE EXEMPLARES SILVESTRES MANTIDOS EM CATIVEIRO QUE NÃO CONFIGURA A OCORRÊNCIA DE MAIS DE UMA TRANSGRESSÃO EM CONCURSO. ÚNICA VIOLAÇÃO AO BEM JURÍDICO PROTEGIDO PELO TIPO PENAL.
AMBICIONADA PELO ACUSADO A EXCLUSÃO OU MINORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO IMPOSTA. IMPERTINÊNCIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 20 DA LEI 9.605/1998. INDICAÇÃO EXPRESSA, NA PEÇA INCOATIVA, DO VALOR MÍNIMO PRETENDIDO PARA A REPARAÇÃO DOS DANOS. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA ASSEGURADOS. ADEMAIS, MONTANTE EM CONFORMIDADE COM OS PARÂMETROS DO ART. 24, III, COMBINADO COM § 3º, III, DO DECRETO 6.514/2008.
PRONUNCIAMENTO MANTIDO. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, conhecer dos recursos e negar-lhes provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por LUIZ CESAR SCHWEITZER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6889700v13 e do código CRC cc049fe2.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 06/11/2025 A 11/11/2025
Apelação Criminal Nº 5046117-98.2023.8.24.0038/SC
RELATOR: Desembargador LUIZ CESAR SCHWEITZER
PRESIDENTE: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER
PROCURADOR(A): DAVI DO ESPIRITO SANTO
Certifico que este processo foi incluído como item 39 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 21/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 06/11/2025 às 00:00 e encerrada em 10/11/2025 às 15:17.
Certifico que a 5ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DOS RECURSOS E NEGAR-LHES PROVIMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador LUIZ CESAR SCHWEITZER
Votante: Desembargador LUIZ CESAR SCHWEITZER
Votante: Desembargador Substituto LEANDRO PASSIG MENDES
Votante: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER
JOSÉ YVAN DA COSTA JÚNIOR
Secretário
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